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RESENHAS

Adriano H.R. Biava

Economista, Professor Assistente Doutor das Faculdades de Economia e Administração da USP e da PUC-SP

Exercícios de Economia: Os Mercantilistas, Smith, Ricardo e Marx em sala de aula.

Autor: Paulo Sandroni

Editora: EDUC/Espaço e Tempo, São Paulo, 1988.

A recente edição, pelas Editoras da PUC-SP(EDUC) e Espaço e Tempo, do livro Exercícios de Economia, de autoria do Professor Paulo Henrique SANDRONI, da Faculdade de Economia e Administração da PUC-SP e da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, por seu título, já indica tratar-se de obra original e inovadora.

Acostumados com livros de exercícios de Economia oriundos de autores de formação tradicional e quantitativista, o sub-título Os mercantilistas, Smith, Ricardo e Marx em sala de aula é uma indicação, comprovada pela leitura, de tratar-se de obra diferenciada que agora se torna disponível, servindo utilmente tanto para alunos de graduação em Economia, quanto para leigos interessados em iniciar-se no conhecimento da Economia Política.

Esta concepção de "exercícios", em Economia, é enriquecida pelo fato de constituir-se num resultado da prática de um docente que procurou aliar o conhecimento profundo da teoria com a abertura à pesquisa e, mais importante, estimulando nos alunos a participação neste esforço, de que o livro é testemunha concreta.

A aliança entre a teoria e realidade mais próxima, cujo exemplo maior é a discussão do conceito de renda da terra com referência ao espaço do e no entorno do campus da PUC-SP, é que empresta caráter mais inovador ao livro. Neste caso, temos interessante e oportuna ilustração da contemporaneidade de certos conceitos, analisados a partir de elementos concretos, conhecidos e vivenciados pelos alunos.

Em vários momentos, o autor enfatiza esta preocupação, hoje quase esquecida por muitos colegas submetidos a intensas jornadas de docência, conseqüência da deterioração da educação brasileira, que relegou a pesquisa aplano secundário, quando existente.

Mais que um livro-texto, a que também se serve, os "Exercícios" do Professor Sandroni são um testemunho positivo das possibilidades de integração entre professores e alunos numa dinâmica que permite superar a tendência à simplificação dos cursos induzida pelo processo de mercantilização do ensino. Este fez das aulas magistrais um mecanismo cômodo para alunos e professores se desfazerem de suas obrigações complementares e, assim, mais facilmente poderem chegar ao término de um curso, no qual a minimização do esforço e do tempo demandados tende a ser aceita como interesse comum.

Na primeira parte "Em busca do ouro", são desenvolvidos temas relativos ao Mercantilismo (o comércio e a construção das bases da produção capitalista, o dinheiro, o saldo comercial e a inflação, no Capítulo 1), sendo o material de análise retirado de trechos dos diários e das cartas de Cristovão Colombo, incluídos no Capítulo 2, juntamente com descrições de eventos relacionados com a descoberta da América.

A segunda parte se ocupa de Smith (a "Divisão do Trabalho", no Capítulo 3), Ricardo (os salários, no Capítulo 4, e a renda da terra, no Capítulo 5), e de Marx (com a mais - valia, o exercício industrial de reserva e o trabalho produtivo, nos Capítulos 6 a 8).

Os salários, que também são analisados no Capítulo 3, são apresentados na ótica de Ricardo no Capítulo 4, propiciando um "exercício" que se utiliza de dados da Economia Brasileira entre 1952 e 1970 e resulta na discussão de vários pontos de relevo para nossa atualidade: a problemática (viabilidade) de uma política de salário mínimo legal que exceda à capacidade de absorção do mercado, problemas atuais ligados à jornada de trabalho, à mortalidade, à concentração da renda, à qualidade de vida, além do entendimento dos preços relativos e da construção de índices de preços.

No Capítulo 5 (renda da terra), a exposição dos conceitos teóricos e o esclarecimento de alguns tópicos específicos dos escritos de Ricardo são complementados pelo "exercício" sobre a renda da terra no Campus da PUC-SP, já mencionado como sendo uma feliz tentativa de trazer conceitos teóricos a uma realidade próxima.

Nos Capítulos dedicados a Marx, a aplicação de dados sobre a agricultura brasileira para ilustrar o conceito de mais-valia suscitou dúvidas quanto à pertinência e a adequação dos mesmos, controvérsia que entra no contexto geral das dificuldades decorrentes da metodologia adotada, o que não invalida o experimento que pode ser aprimorado em novos cursos e edições.

O exército industrial de reserva é abordado, conceituai e concretamente, no Capítulo 7, apresentando como complemento o texto entitulado "Consertos Pendentes", que mostra a dimensão (des)humana das relações de trabalho capitalistas, tornando-se bastante desafiante para os alunos seu confronto com dois outros pequenos textos que servem, supomos, para gerar em classe uma dinâmica positiva, cujos resultados, infelizmente, não aparecem no livro.

O Capítulo 8, com Marx, Smith e o trabalho produtivo segue a mesma linha, quando traz à discussão aspectos que podem envolver as próprias situações pessoais ou profissionais dos alunos. Entretanto, sua maior riqueza encontra-se no "Anexo" (Berom, de John Berryman), para o qual este capítulo conduz o leitor.

Com este "Anexo", o livro é concluído com algo que, mais uma vez, não é encontrado nos livros introdutórios tradicionais: a consciência de que a preparação do economista (e de quaisquer outros técnicos) exige que sempre se relembre (aos alunos e a nós, docentes) que, acima do técnico competente, devemos contribuir para a formação do cidadão, que, com auxílio de seu conhecimento, deve colocar-se a serviço dos avanços necessários à ampliação do real bem estar da humanidade.

O texto de Berryman, ao retratar o aparecimento de mais um objeto de propriedade - a nave disputada pelos dois blocos dominantes, na atual divisão internacional de poderes -, encerra o livro com uma visão otimista das possibilidades de sobrevivência do humanismo, apesar de toda a opressão materialista do capitalismo ou dos pretensos socialismos.

Evidentemente, a dinâmica implícita nos trabalhos que resultaram nos "Exercícios de Economia" traz uma variedade de problemas, destacando-se as críticas que se fazem quanto à adequação dos elementos de realidade utilizados para ilustrar os conceitos teóricos, estes também algumas vezes formulados de modo superficial.

Se mesmo a definição teórica de alguns conceitos gera controvérsias entre diferentes tendências, a transposição daqueles conceitos para a realidade, certamente, apresenta dificuldades ampliadas.

Quando se tem uma incursão em grande variedade de temas, como é o caso dos "Exercícios", as possibilidades de controvérsia sobre o rigor dos conceitos emitidos e/ou transpostos para a análise feita a partir de dados reais se acentuam, sem, contudo, comprometer o objetivo básico declarado de "familiarizar os alunos com as idéias básicas da Economia Política" (p. 11). Reforça esta presunção o fato de o livro propor, em sua introdução, uma bibliografia que permite a localização das fontes primárias dos conceitos, reservando-se espaço no próprio livro para textos ilustrativos dos tópicos em questão ou descritivos das pesquisas realizadas durante os cursos.

Assim, a leitura da introdução, e o retorno a ela quando da leitura dos vários capítulos, propicia ao leitor condições de superar a maioria dos problemas ocasionados pela amplitude dos temas e a conseqüente superficialidade no tratamento de alguns.

Muitas das falhas poderão ser corrigidas em outra edição, que poderia também, incorporar outros "exercícios" que preencham lacunas encontradas nesta primeira edição.

Tudo isso, entretanto, não prejudica o objetivo nem obscurece o resultado do esforço que resultou nos Exercícios de Economia. Trata-se, isto sim, de um testemunho do trabalho acadêmico desenvolvido por docente que, ao longo de sua vida, sempre teve presente seu papel de cidadão e faz da sala de aula um meio de formação de alunos que participam ativamente, diferenciando-se, assim, no contexto de massificação do ensino em que vivemos já há algum tempo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Out 1988
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