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Reforma do Estado, descentralização e desigualdades

State reform, descentralization, and inequalities

Resumos

O foco do artigo está no exame das propostas do Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARE. Analisando seus possíveis efeitos da perspectiva das desigualdades sociais. Demonstra-se a ausência, nessas propostas, de indicações mais adequadas para se enfrentar essa questão.


The article focuses on the proposals of the State organ for Administration and State Reform (MARE). Their possible effects from the point of view of social inequalities are analysed. The absence of more precise indications towards facing that question is pointed out.


IDÉIAS E DEBATES

Reforma do Estado, descentralização e desigualdades

State reform, descentralization, and inequalities

Celina SouzaI; Inaiá M. M. de CarvalhoII

IProfessora do Departamento de Finanças e Políticas Públicas e do Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia

IIProfessora de Sociologia e pesquisadora do Centro de Recursos Humanos - CRH da Universidade Federal da Bahia

RESUMO

O foco do artigo está no exame das propostas do Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARE. Analisando seus possíveis efeitos da perspectiva das desigualdades sociais. Demonstra-se a ausência, nessas propostas, de indicações mais adequadas para se enfrentar essa questão.

ABSTRACT

The article focuses on the proposals of the State organ for Administration and State Reform (MARE). Their possible effects from the point of view of social inequalities are analysed. The absence of more precise indications towards facing that question is pointed out.

O Brasil tem sido marcado, desde o início de sua história republicana, pela existência de grandes heterogeneidades espaciais, sociais, econômicas, políticas e administrativas. É a partir da referência a essa histórica heterogeneidade que este trabalho analisa as atuais propostas voltadas para a reforma do Estado no Brasil.

Nas duas últimas décadas, a maioria dos países em desenvolvimento vem tentando adaptar-se às novas condições da economia mundial e às restrições fiscais através da adoção de políticas convergentes, como a eliminação de funções governamentais, cortes em despesas com custeio e investimentos, redução da folha de pessoal, privatização, desregulamentação e descentralização. Essas políticas, no seu conjunto, passaram a ser rotuladas de ajuste fiscal, reforma estrutural ou reforma orientada para o mercado, todas implicando na tentativa de revisão do papel desempenhado pelo Estado de principal indutor do crescimento econômico e prestador de serviços sociais. Em seu conteúdo político-administrativo, essas políticas se expressam através de doutrinas (ou de uma ideologia) que ficaram conhecidas como novo gerencialismo público.

ESTÁGIOS DA REVISÃO DO PAPEL DO ESTADO

Intensificada nos anos 90, esta revisão do papel do Estado constitui um processo de longo prazo e envolve diferentes estágios. O primeiro estágio das reformas, também chamado de primeira geração, voltado para a abertura dos mercados, desregulamentação e privatização, vem sendo realizado principalmente pelo governo federal, e, nos países federativos, também pelos governos estaduais.

Cumprido o primeiro estágio de reformas, os países em desenvolvimento iniciaram o segundo estágio (ou segunda geração), pautado, segundo Heredia e Schneider (1998), pela tentativa de construção e reconstrução de suas capacidades administrativas e institucionais. Por capacidade administrativa entende-se a busca de instrumentos voltados para aumentar o desempenho dos organismos públicos com vistas à obtenção de resultados e à satisfação do cidadão que utiliza os serviços públicos.1 1 Bresser Pereira (1998a) usa as expressões cidadão-cliente ou cidadão-usuário. Por capacidade institucional, entende-se a busca de incentivos que aumentem os estímulos para a cooperação e a formulação e implementação sustentada das decisões governamentais. As tarefas do novo estágio são, portanto, de longo prazo e envolvem questões mais estruturais do que as do primeiro, afetando mais significativamente as esferas locais e as políticas sociais.

Além disso, os dois estágios se distinguem também do ponto de vista dos objetivos da reforma. O primeiro enfatiza a racionalização dos recursos fiscais, enquanto que o segundo persegue outros objetivos adicionais: a) eficiência dos serviços públicos, a ser alcançada pela otimização dos recursos humanos e financeiros via o estímulo à competição administrada pelo governo e do que as Organizações Sociais são exemplo; b) efetividade; c) democratização, com o envolvimento da comunidade nas decisões relativas às ações públicas; e d) descentralização para as esferas subnacionais das responsabilidades de provisão de infra-estrutura e dos serviços sociais.2 2 A descentralização em geral é classificada corno uma política do primeiro estágio das reformas, inclusive porque em termos temporais ela surge simultaneamente às reformas da primeira geração. No entanto, opta-se aqui por colocá-la como integrante da segunda geração por considerá-la parte do objetivo de construção de capacidade administrativa e institucional.

Tanto a primeira como a segunda geração de reformas adquirem centralidade na agenda dos países em desenvolvimento pela pressão da comunidade internacional de negócios e dos organismos financeiros multilaterais, como o Banco Mundial.3 3 Ilustrativo do entusiasmo da comunidade internacional pelas reformas em andamento no Brasil são as palavras de um editorial do The Economist, reproduzido pela Gazeta Mercantil de 9/10/98, onde se afirma que "Cardoso, em apenas quatro anos, realizou o mesmo que Thatcher, em doze". Quanto ao BIRD, todas as publicações do órgão nos anos 90 recomendam as reformas. Ver, em especial, World Bank (1991 e 1994). Sobre as contradições das propostas do Banco Mundial, ver Williams e Young (1994) e sobre seus dilemas nos países em desenvolvimento, ver Costa (1998). Este último enfatiza, em todos os seus projetos de financiamento, a importância da criação de capacidade de Estado e de instituições (state capacity building e institution building) e a adoção de práticas voltadas para o "bom governo" (governance).

Pode-se dizer que as reformas se fundamentam em vários argumentos de caráter normativo e partem de dois pontos principais. Primeiro, do diagnóstico de que existe uma crise do Estado que afeta todas as instâncias de governo e a própria retomada do desenvolvimento, de uma forma mais global. Segundo, de que esta crise deve ser enfrentada com um novo modelo de Estado e a implementação de mecanismos e instrumentos de gestão que teriam se mostrado eficazes em outros países, como Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália e Nova Zelândia.

Em torno desses pressupostos, contudo, tem se levantado vários questionamentos. Os problemas que afetam o setor público têm sido objeto de outras formas de interpretação. A crise não seria propriamente do Estado ou do seu formato, mas sim da baixa operacionalização das políticas públicas. No caso do Brasil, por exemplo, alguns autores consideram que os problemas estariam no "híbrido institucional brasileiro" (Santos, 1992; 1993), que engloba grandes vazios institucionais que fazem com que a esfera pública se retraia e se expanda o hobbesianismo social, e/ou no excesso de decisão associado à pouca implementação (Diniz, 1998a).

Com isto não se quer dizer que o papel exercido pelo Estado, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, de principal indutor do desenvolvimento econômico e social nos países industriais avançados e de promotor do crescimento econômico com vistas à substituição de importações, nos países em desenvolvimento, possa ser hoje o mesmo. No entanto, ainda não está suficientemente claro o quanto o Estado vem sendo mais afetado pela atual forma de reestruturação do capitalismo, que transfere seus custos para os estados, ou o quanto eles próprios geraram e são responsáveis pelas suas mazelas. Por outro lado, desde 1994 os países em desenvolvimento estão entrando em colapso financeiro como dominós, apesar de estarem cumprindo com rigor a agenda das reformas preconizadas pelos organismos internacionais, pondo em questão o conteúdo dessa agenda e sua adequação às efetivas condições e necessidades dos referidos países.4 4 Para uma tentativa de explicar as razões das reformas em países em desenvolvimento para além da chamada crise de Estado, ver Cruz (1998). Para uma revisão da literatura nacional e internacional sobre a reforma do Estado, ver Diniz (1997; 1998b). No caso do Brasil, o colapso financeiro atingiu mais fortemente o país em janeiro de 1999, com a desvalorização do Real e a mudança da política cambial.

Nesta perspectiva, pode-se indagar qual a pertinência e viabilidade de transposição para o contexto desses países de modelos, mecanismos e instrumentos de gestão originários da experiência de outras sociedades, bem diferenciadas e mais afluentes.5 5 Um exemplo da diferença marcante entre países diz respeito à política monetária. Na mesma semana, a Inglaterra e a Rússia foram forçadas a aumentar suas taxas de juros, porém na primeira os juros passaram de 7,25% para 7,5% a.a. e na segunda de 50% para 150% a. a. Como esses mecanismos e instrumentos funcionarão em espaços onde o emprego público é uma forma de compensar a ausência de ocupações nos setores econômicos? Quais as conseqüências da descentralização em setores tão sensíveis como educação e saúde? Como se dará a participação da sociedade em espaços com escassa infra-estrutura cívica e cidadã?6 6 Não são raros os relatos de manipulação dos conselhos comunitários pelos prefeitos brasileiros. Como essas propostas se materializam em países com alto grau de heterogeneidade? Como viabilizar a descentralização, a participação da sociedade e a constituição das Organizações Sociais, estas últimas inspiradas nos quangos {quasi non-governmental organisations) ingleses, em países com grandes heterogeneidades?

Considerando que estas e outras questões ainda não foram enfrentadas, este trabalho objetiva contribuir para a discussão das propostas de reforma do Estado no Brasil e dos seus possíveis impactos, tomando como referência básica a questão das desigualdades do país.

O argumento principal aqui desenvolvido é o de que em um país marcado por alto grau de heterogeneidade, a adoção de políticas voltadas para a reforma da administração pública requer a) um conhecimento aprofundado da realidade local; b) o reconhecimento da importância crucial do papel da União e dos estados no apoio a essas reformas e c) a constatação de que a pauta da segunda geração de reformas, qual seja, a restruturação das estruturas e práticas administrativas, será realizada em situação de escassez, devido à contínua pressão pelo equilíbrio macroeconômico, agravada pela desvalorização do Real em janeiro de 1999.

O DEBATE SOBRE A REFORMA DO ESTADO

A análise das condições do Brasil não pode ser efetuada sem uma referência às transformações e ao debate internacional. Com os novos paradigmas de produção e circulação do capitalismo globalizado e o acirramento das dificuldades financeiras dos governos neste fim de século, o debate sobre o papel do Estado, o perfil dos gastos públicos e os destinos da burocracia governamental assumiu uma enorme importância na agenda de vários países e dos organismos financeiros internacionais.7 7 É interessante notar que a maior parte da literatura que trata das reformas toma como dada a influência dos organismos financeiros internacionais, mas essa influência ainda não foi analisada em profundidade.

Contudo, a temática sobre formatos político-institucionais, mesmo não sendo recente, ainda não conseguiu uma base empírica e teórica significativa, capaz de fornecer um referencial analítico adequado para os planejadores e decisores. Por esta razão, vários autores enfatizam que os esforços de mudanças de modelos político-institucionais e administrativos requerem também uma reorganização da retórica visando a criar os argumentos de convencimento do discurso. March e Olsen (1989) afirmam que a "história da reorganização administrativa no século XX é uma história da retórica". Hood e Jackson (1991) vão mais longe: o argumento administrativo (a defesa de um modelo como superior a outro) consiste na defesa de doutrinas referenciadas pelo senso comum, que mudam com o tempo e as circunstâncias e vêm sempre acompanhadas de novos exemplos que favorecem a argumentação. Esse processo de definição do senso comum e de seleção de "bons" exemplos produz uma rotatividade de doutrinas diferentes, nenhuma delas nova ou comprovadamente superior à anterior. O resultado desse processo, concluem os autores, é que o argumento administrativo tem um caráter retórico, não existindo qualquer base para a afirmação de um argumento como definitivo, o que faria com que uma doutrina fosse superior às outras. As propostas de reforma, no Brasil e nos demais países que as adotam, se adaptam muito bem a esta visão.

Apesar do reconhecimento do papel da retórica em relação aos modelos de reforma, o debate político, institucional e administrativo dos anos 80 e 90 trouxe um novo enfoque para a atuação dos governos e da sociedade. Este enfoque se pauta pela visão de reforma do Estado como um processo que se destina não apenas a apoiar ações voltadas unicamente para o governo, mas que envolvam outros atores políticos e sociais, bem como estimulem a participação das esferas subnacionais, do setor privado (lucrativo ou não) e da sociedade civil na formulação e implementação de políticas.

Colocado como tema novo e apresentado como paradigma único a ser seguido, especialmente nos países em desenvolvimento, as propostas que saem desse debate apresentam algumas peculiaridades, ainda pouco exploradas pelos analistas no Brasil.

A primeira delas é que existem pelo menos três paradigmas que estão em jogo como receitas para os problemas dos governos e da administração pública: o da escolha pública (public choice),8 8 A tradução para o português de public choice ficaria mais esclarecedora como escolha do público, em função de a palavra pública ser associada, no Brasil, exclusivamente ao setor público. o "governo empreendedor" de Osborne e Gabler (1995) e o novo gerencialismo público, ou modelo pós-burocrático (Barzelay, 1992). Esses paradigmas às vezes se confundem e em outras são distintos, mas têm sido tratados como um só. A existência de paradigmas alternativos, como mostram Arellano (1995) e Pollitt (1994), é pouco conhecida e debatida. Ademais, cada país também tem um timing e uma prevalência de questões diferente do outro. Heredia e Schneider (1998), em pesquisa realizada em oito países em desenvolvimento, concluem que as reformas do México e do Brasil assumem mais um caráter gerencialista, as do Leste da Europa e da Argentina são mais voltadas para os servidores civis, enquanto que as do Chile, Tailândia e Coréia do Sul enfatizam a democratização.

A segunda é a falta de novidade das propostas. Hood e Jackson (1991) informam que o conteúdo do novo gerencialismo apresenta grandes semelhanças com o "cameralismo", escola de pensamento administrativo surgida na Alemanha no século XVIII, tais como: o uso de terminologia semelhante; a ênfase na tecnologia administrativa como chave para a gestão eficiente do Estado; a visão de que a execução pode e deve ser separada da formulação de políticas; a visão de que a redução de gastos é a maior das virtudes administrativas, dando, portanto, prioridade às questões financeiras do Estado; a preferência para evitar a gestão direta do Estado; a origem das propostas é de cima para baixo; e, por último, a ausência de questionamentos sobre os parâmetros da ordem social e política dentro dos quais a gestão pública opera.9 9 Pollitt (1994) rotula a atual onda reformista de neo-taylorismo devido à sua semelhança com a escola da "administração científica" iniciada no fim do século XIX.

Uma terceira peculiaridade é que a proposta oficial de reforma, ao denominá-la como sendo do Estado, pode induzir a equívocos, na medida em que a mesma tem se reduzido a apenas duas das instituições do Estado; ou seja, o governo e a administração pública, não abrangendo, portanto, outras instituições fundamentais do Estado, como o Legislativo e o Judiciário. Em alguns momentos, todavia, fala-se em reforma do aparelho do Estado.10 10 Alguns autores, como Bresser Pereira (1998b), tratam as duas últimas propostas como uma só, embora o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado explicite que "a reforma do Estado é um projeto amplo que diz respeito às várias áreas do governo [sic] e ainda, ao conjunto da sociedade brasileira, enquanto que a reforma do aparelho do Estado tem um escopo mais restrito: está orientada para tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania" (Brasil. Presidência da República, 1995:17). Mesmo no sentido do governo, a maioria das propostas em vigor se dirigem, apenas, para o governo federal, não sendo mandatórias para os estados e municípios em função do sistema federativo. Isto não significa, todavia, que as esferas subnacionais estejam rejeitando as reformas. Os trabalhos de Osborne e Gabler (1995) e Barzelay (1992), por exemplo, se baseiam em experiências do estado de Minnesota. No Brasil, os estados, na sua maioria, privatizaram suas principais estatais e assinaram acordos com o governo federal para a renegociação de suas dívidas, os quais estão sendo objeto de grande debate nacional a partir da posse dos governadores eleitos em 1998.11 11 Sobre os problemas enfrentados pelos estados para cumprirem a agenda de reformas, ver Abrucio (1998) e Souza (1996a; 1997; 1998b). Muitos também já privatizaram seus bancos comerciais ou estão em processo de privatização. Ademais, os estados também têm sido pródigos na criação de Organizações Sociais, principalmente na área da saúde. No entanto começam a ser ensaiadas as primeiras resistências, vindas de alguns governadores eleitos em 1998.

Em quarto lugar, já existe vasta literatura questionando a aplicabilidade desses paradigmas a partir dos seguintes argumentos:

a)são propostas que oscilam entre níveis excessivamente teóricos e normativos, como as da escolha pública, a excessivamente pragmáticos, como as do governo empreendedor (Arellano, 1995);

b)são propostas que não primam pelo rigor metodológico na medida em que suas justificativas se baseiam, apenas, nos casos considerados como "fracassos" do setor público e como "êxitos" do setor não-governamental (Tendler, 1997), tornando-as intelectualmente vulneráveis (Goodsell, 1993);

c)os problemas que essas propostas buscam enfrentar são demasiado complexos e particulares para comportarem uma resposta global, além das mesmas serem baseadas em premissas que não são universais (Hood, 1996). Não se pode, por exemplo, listar países como Alemanha, Japão, França e Espanha, além da índia, como tendo aderido ao novo gerencialismo público;

d)existem contradições no interior desse dito novo paradigma, sintetizadas por Hood (1991) como a tentativa de conciliar elementos incompatíveis tais como hierarquia (a ênfase na liderança), individualismo (a ênfase no consumismo ditado pelo mercado) e equidade (a prevalência da importância das comunidades locais);

e)as propostas despolitizam a administração pública na medida em que buscam separá-la dos mecanismos do sistema representativo, base das democracias liberais, mostrando a influência de parte da academia norte-americana, tributária dos trabalhos de Woodrow Wilson (Souza, 1998a). Além do mais, as propostas de caráter gerencial deslocam o controle dos gerentes do sistema político para o mercado (Heredia e Schneider, 1998) e se baseiam em premissas ideológicas que elevam a importância da gerência e a distinguem da política, vista como um entrave à eficiência (Pollitt, 1994). Paradoxalmente, as propostas de reformas no Brasil podem ser consideradas pioneiras por não se restringirem aos aspectos administrativos do governo.

Investigar as possíveis conseqüências dessas propostas no Brasil das desigualdades é o objetivo das próximas seções.

A REFORMA DO ESTADO NO BRASIL

A agenda das reformas foi introduzida por Collor de Mello, embora seus primeiros resultados tenham sido tímidos, com apenas algumas privatizações e muito alvoroço em relação ao servidor público, considerado o principal responsável pelos problemas do Estado.12 12 Para análises do governo Collor em relação às reformas, ver, entre outros, Azevedo e Andrade (1997); Diniz (1998a); Souza e Paz (1991). O governo Itamar Franco tratou o tema com menor prioridade, mas introduziu o principal elemento de sustentação e justificação das reformas, o Plano Real.

Foi o governo de Fernando Henrique Cardoso que deu o formato definitivo e conceituai à chamada reforma do Estado, principalmente através do Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARÉ -, extinto no segundo mandato, e do seu titular ao longo de quase todo o primeiro mandato, o ministro Bresser Pereira.13 13 O MARÉ foi transformado em SEAP - Secretaria de Estado da Administração e do Patrimônio - em janeiro de 1999, através do Decreto no. 2.923, de 1/1/99 e da Medida Provisória no. 1.799, de 21/1/99, vinculada ao Ministério do Orçamento e Gestão. A saída do Ministro Bresser do MARE, assim como a perda de status de ministério não parece significar que a proposta oficial de reforma esteja abandonada, como demonstra entrevista do Ministro Clóvis Carvalho, da Casa Civil, afirmando que o Presidente da República "quer uma revolução gerencial" (Jornal do Brasil, 10/1/99).

A reforma parece ter sido relativamente bem aceita tanto pela sociedade como pela coalizão política de sustentação do governo. As explicações para essa aceitação parecem estar na a) forte e positiva associação entre a reforma e a chamada crise fiscal do Estado b) também forte e positiva associação entre reforma e continuidade do sucesso do Plano Real e c) promessa de que a reforma tornaria o serviço público eficiente. Com a reforma, portanto, os constrangimentos fiscais do Estado estariam resolvidos, o fantasma da inflação desapareceria e problemas de eficiência, efetividade e democratização do serviço público seriam sanados. Gerou-se, assim, uma retórica, no conceito de Hood e Jackson (1991) e de March e Olsen (1989), da superioridade do novo formato do Estado frente ao formato anterior, burocrático, expansionista e pouco universal. O relativo consenso em torno das reformas no Brasil confirma, embora apenas parcialmente, a hipótese de Heredia e Schneider (1998) de que fatores econômicos, especialmente a crise fiscal, quando associados às iniciativas de reformas, transformam-se em importante sustentáculo político para a sua aceitação.

Cumpre lembrar que o governo FHC é, desde a redemocratização, o primeiro a cumprir a rotina do mandato, além de ter sido reeleito. A agenda de questões que constam da pauta da coligação que elegeu FHC possui três frentes. A primeira, internacional, volta-se para o cumprimento das primeiras e segunda geração de reformas, conforme discutido anteriormente. A segunda, herdada dos militares, constitui-se de problemas não enfrentados na década de 80: distribuição de renda, reforma agrária, dívida pública e perda de qualidade dos serviços sociais devido à sua massificação. A terceira, gerada pela Constituição de 1988, busca a retomada do papel central da União na Federação, o que significa, dentre outras coisas, a tentativa de recentralização dos recursos fiscais (Souza, 1998b).14 14 Azevedo e Andrade (1997:64) e Palermo (1998) trazem outra visão da agenda: uma voltada para a consolidação democrática e outra para a estruturação das relações econômicas, com adesão ao modelo de uma economia de mercado.

Qual seria, então, a visão da coalizão governista em relação às reformas? O próprio FHC busca dar algumas respostas. Seu primeiro argumento vai no sentido de associar as reformas brasileiras àquelas dos países desenvolvidos. O segundo as coloca como necessárias para a "higidez" fiscal e a governabilidade, apelando para a sensibilidade do Congresso e da opinião pública em relação à crise fiscal. O terceiro exalta valores como a solidariedade, o envolvimento dos cidadãos, o fim dos privilégios em nome da universalização do acesso aos serviços públicos (Cardoso, 1998). Diferentemente da retórica do MARÉ, o presidente pouco apela para as virtudes da gestão gerencial vis-à-vis os males da gestão burocrática.

Pode-se dizer, portanto, que a defesa que o presidente faz das reformas confirma a avaliação de Palermo (1998): as reformas estão voltadas para mudanças incrementais, atingindo setores selecionados, e são marcadas pelo pragmatismo. Inclusive porque, na visão do autor, Cardoso faz uma leitura da estrutura de poder no Brasil como caracterizada pela pluralidade de arenas decisórias, gerando negociações e busca de consenso, gradualismo e proteção dos interesses.

Por outro lado, as propostas emanadas do Executivo mostram uma crença na força da sociedade e não do governo, Estado ou grupo poderoso para fazer as mudanças sem rupturas, com o velho e o novo convivendo. No entanto, admite-se a participação de uma elite com responsabilidade de transformar o Brasil, a partir do que Bresser Pereira chama de "homem público", políticos que, no limite, se transformam em estadistas (Bresser Pereira, 1998b:86).

Tomando como referência a divisão das reformas em dois estágios, pode-se dizer que as do primeiro estágio estão em andamento ou em fase de conclusão, principalmente no que se refere à abertura dos mercados, ao controle da inflação e às privatizações.15 15 No que se refere às privatizações, o formato que as mesmas tomaram no Brasil, com forte subsídio público via BNDES e com presença marcante dos fundos de pensão das estatais, deve estar assustando os seus mentores, principalmente o Banco Mundial. O avanço do processo de privatização pode ser medido pela informação de que até abril de 1998, o Estado já havia transferido 56 empresas e 148 mil trabalhadores ao setor privado (Folha de São Paulo, 7/4/98). Assim, o primeiro estágio das reformas não teve grande influência do pensamento do MARÉ nem das formulações do seu antigo titular, sendo importante separar os aspectos das reformas que saíram do MARÉ daquelas, como a descentralização, que partem de outras esferas.

As propostas do MARE voltam-se para a segunda geração das reformas. São, portanto, propostas mais complexas politicamente do que as da primeira geração por envolverem inúmeros interesses que se multiplicam em casa situação específica, ao contrário dos conflitos decorrentes da primeira geração, que são mais polarizados.

Tais propostas já foram objeto de várias sínteses e análises (Andrews e Kouzmin, 1998; Azevedo e Andrade, 1997; Cruz, 1998; Diniz, 1997; Gaetani, 1998, entre outros), razão pela qual não necessitam de mais uma revisão. No entanto, essas análises ainda não focalizaram a questão da sua aplicabilidade em situação de a) alto desequilíbrio inter e intra-regional, social, econômico e político e b) alta escassez provocada pela pressão pelo equilíbrio macroeconômico, agravada no início de 1999.

De forma muito geral, pode-se dizer que a proposta do MARE está centrada a) na busca de melhoria da atuação burocrática, pela via da valorização do servidor que integra as chamadas funções exclusivas de Estado e b) na separação das atividades de regulação das de execução, transferindo a execução, principalmente, para as Organizações Sociais. Na verdade, o primeiro objetivo não é novo no Brasil, mas o segundo sim. No entanto, um dos aspectos mais complexos das reformas, a descentralização vertical dos serviços sociais, não recebe muita atenção do projeto oficial, apesar da relevância dos seus efeitos tanto para as esferas locais como para a consecução de objetivos como a ampliação da efetividade, universalização e democratização dos serviços públicos sociais. Outro aspecto fundamental da reforma do Estado que não aparece nas considerações do MARE nem é por ele conduzido é a modernização fiscal dos estados-membros, realizada pelo Ministério da Fazenda, com financiamento do BID.

As políticas e projetos federais afetados pela descentralização, tais como educação, saúde, merenda escolar, assistência social, distribuição de remédios e renda mínima vinculam-se aos ministérios setoriais ou ao Programa Comunidade Solidária. Ademais, as tentativas do governo federal de retomar a liderança financeira cria um paradoxo: ao tempo em que se defende a descentralização para estados e municípios das políticas sociais, desconsiderando-se, inclusive, a capacidade altamente heterogênea dos mesmos para a sua execução, busca-se a redução dos recursos disponíveis para as esferas subnacionais. Outro fator complicador da descentralização diz mais respeito aos municípios do que aos estados. Trata-se da não renegociação das dívidas municipais nos termos já acordados com os estados, apesar de resistências dos governadores em cumprirem os acordos, o que tem constrangido sobremodo a atuação dos municípios nos serviços sociais que lhes estão sendo transferidos.

Para chegar à discussão mais aprofundada da reforma do MARE, vale uma referência aos seus elementos básicos. Como já foi visto, ela vem sendo apresentada como instrumento indispensável para consolidar a estabilização e assegurar o crescimento sustentado da economia, criando, dessa forma, as condições necessárias para promover a correção das desigualdades sociais e regionais e a universalização do acesso aos serviços básicos. Conforme explicitado em diversos documentos,16 16 Ver Brasil. Presidência da República (1995); Bresser Pereira (1991, 1996, 1998a, 1998b, entre outros). a reforma se volta, fundamentalmente, para o fortalecimento das funções de regulação e coordenação do Estado, principalmente no nível federal, assim como para uma reconstrução da administração pública em bases "modernas" e "racionais", superando o modelo burocrático e assumindo um caráter gerencial, orientado pelos valores da eficácia e da qualidade e para o controle dos resultados. Nesse sentido, a ação direta do Estado e a burocracia pública deveriam ficar limitadas àquelas atividades que envolvem diretamente o poder do Estado (cobrança de impostos, polícia e previdência básica, por exemplo), buscando-se uma melhoria da atuação e uma valorização do servidor no núcleo estratégico e nas denominadas funções exclusivas do Estado.

Preconizando uma separação entre as atividades de regulação e de execução, a reforma propõe que os serviços não exclusivos do Estado sejam repassados ao chamado "setor público não estatal", com a criação de Organizações Sociais, onde os princípios e mecanismos da administração gerencial seriam privilegiados, ficando a produção de bens e serviços para o mercado. O modelo do MARE apenas menciona uma descentralização vertical das responsabilidades de provisão de infra-estrutura e de prestação de serviços sociais para os estados e municípios, valorizando especialmente a instância local, onde a participação e o controle da administração pública seriam facilitados.

Tanto as premissas como as políticas que marcam esta proposta, porém, não estão imunes aos questionamentos do debate mencionado em páginas anteriores. A crise do Estado brasileiro, como já foi visto, tem sido objeto de outros diagnósticos, que se traduzem em recomendações para a superação da mesma diversas das propostas oficiais. O caráter exclusivamente normativo do modelo em apreço não oferece garantias de que o ciclo virtuoso esperado pela proposta do MARE venha efetivamente a ser gerado. Ao argumento de que essas reformas estão sendo consideradas como bem sucedidas nos países que as implementaram, pode-se replicar que ainda não está claro a quem tais mudanças beneficiaram, além dos caixas do Tesouro, e mesmo assim em alguns casos. Outro aspecto é que os países onde as reformas se instalaram são anglo-saxãos, com características políticas e jurídicas muito diferentes das nossas, ou seja, são países onde predomina o sistema parlamentarista, possuem burocracias consolidadas (Dunleavy e Hood, 1994), seguem a tradição jurídica da common law (Gaetani, 1998) e equacionaram seus problemas sociais de forma diferente do nosso. Por essas razões, as propostas desconsideram a questão espaço e tempo, como lembra Cruz (1998).17 17 A esses questionamentos, outros ainda poderiam ser acrescentados. Para alguns autores, a gestão de ações e serviços públicos por instituições não governamentais enfraqueceriam os governos e a própria sociedade. Outros vêem essa fragmentação como positiva e advogam que um adequado grau de fragmentação fortalece os governos, tomando-os mais efetivos, e contribui para o fortalecimento da democracia via a assunção de mais responsabilidades coletivas pela sociedade. (Kooiman, 1993). Outros ainda indagam até que ponto a seleção e regulação das Organizações Sociais estariam imunes ao jogo de influências ou até à corrupção (Penteado, 1998). Tem se argumentado, também, que se vivemos grande parte da nossa história republicana confiando demais no Estado estaríamos agora invertendo o sinal com a sua representação negativa, o que contradiz a necessidade de equilíbrio entre Estado e sociedade civil requerida pelas sociedades democráticas (Reis, 1995).

A aplicabilidade de políticas em países cortados por desigualdades é tratada por autores como Przeworski (1998), que argumenta que a falência da aplicação da lei de forma universal pode não resultar da estrutura institucional do Estado mas sim das condições econômicas e sociais existentes. Em sociedades altamente desiguais, nenhuma instituição do Estado poderia aplicar a lei universalmente, não importa quão bons e bem desenhados sejam os mecanismos verticais e horizontais de controle do poder. Assim, continua Przeworski, a reforma do Estado, mesmo se concebida como uma reforma política e não apenas administrativa, como no Brasil, pode ser insuficiente para superar a desigualdade política em face da desigualdade econômica e social.

Nessa perspectiva, ao analisar a aplicabilidade de paradigmas e experiências oriundas de outros países, é preciso não esquecer que, naquelas sociedades, os arranjos institucionais para atender às imposições da reestruturação produtiva e ao aumento da competição capitalista em escala mundial ocorrem em torno da disputa pela preservação de direitos sociais efetivamente usufruídos e de embates contra mecanismos de opressão de identidades sociais, étnicas e culturais. Já no Brasil, o histórico alijamento de grandes parcelas da população do acesso a um mínimo de garantias sociais transforma a luta por direitos em pressão por políticas públicas redistributivas e conjuga o desafio do ajuste à nova ordem ao combate à exclusão social, acentuada mais recentemente pelos custos desse próprio ajuste.

Reconhecendo, aparentemente, essa exclusão, a reforma do Estado em apreço apresenta o combate às desigualdades, a melhoria das ações sociais, a universalização do acesso aos serviços básicos e a busca de uma administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania como os seus grandes objetivos. Suas orientações e propostas mais efetivas, porém, minimizam as responsabilidades e as ações do Estado no que tange à redução das desigualdades sociais; até mesmo pelo seu caráter genérico e abstrato. Ao deixar de lado a complexidade e especificidades da sociedade brasileira, despolitizar a administração pública, não contemplar um projeto integrado de reconstrução do Estado e colocar toda a sua ênfase em aspectos gerenciais, a proposta do MARE:

a)não estabelece as conexões necessárias entre a "área" e as políticas econômicas com aquelas de caráter social nem considera características e problemas amplamente diagnosticados quanto ao sistema brasileiro de políticas sociais, que necessita ser profundamente reformulado;

b)também não leva em conta a profunda heterogeneidade regional e social do país, nem a complexidade e as exigências da descentralização que está sendo implantada.

A DESCENTRALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS

Muitos estudos tem constatado como a "área social" constitui o lado mais atrasado do Estado brasileiro, com um sistema de proteção e assistência oneroso, ineficiente, regressivo e acentuadamente privatizado; uma grande diversidade, pulverização, inadequação e superposição de programas, serviços e clientelas (nas esferas federal, estadual e municipal); carência de pessoal qualificado e de fontes estáveis de financiamento; e uma marcada descontinuidade, entre outras condições (Cohn, 1995; Draibe, 1990; Lopes, 1994). Transformar esse quadro, racionalizando a aplicação de recursos, melhorando o atendimento, ampliando a cobertura e eficiência dos serviços e das políticas públicas constitui, indiscutivelmente, um objetivo central da reforma do Estado. Providências limitadas à forma de organização e gestão dos seus serviços, contudo, não atingem os determinantes básicos nem constituem uma solução para os mencionados problemas, e podem, até, dar origem a outras distorções.18 18 A transposição da lógica e de critérios gerenciais privados para os serviços públicos pode gerar, por exemplo, a exclusão de certos usuários e de alguns procedimentos de custos mais altos, conforme vem ocorrendo em algumas Organizações Sociais na área da saúde e denunciado pela imprensa.

Por outro lado, apesar da ênfase concedida à descentralização (embora objeto de políticas fora do espaço de atuação do MARE), a reforma do Estado não se detém sobre a realidade onde a mesma será implementada nem se reporta ao papel crucial da União e dos estados e à necessidade de uma complexa engenharia institucional para a sua materialização. Engenharia que envolva mecanismos efetivos de subsidiaridade entre os três níveis de governo, levando em conta as limitações dos estados e municípios com baixo grau de desenvolvimento econômico e institucional e outros obstáculos ao avanço do processo em discussão.

Desde o início da década de 90 e em decorrência principalmente do ajuste fiscal, o governo federal vem modificando o sistema brasileiro de políticas sociais e deixando sob a responsabilidade dos estados e municípios boa parte das ações na área da habitação, saúde, saneamento básico, educação e assistência social. Com a heterogeneidade inter e intra-regional do país e o nível de desigualdades existentes, porém, a descentralização fiscal e as novas disposições da Carta de 1988, associadas à retração da União, não asseguram que estados e municípios ampliem de modo espontâneo e eficiente suas responsabilidades sociais.

Passada a euforia inicial com as possibilidades da descentralização no Brasil, alguns estudos começaram a desnudar suas contradições, limites, ou mesmo efeitos perversos. Analisando os aspectos político-fiscais da descentralização, Melo (1996), por exemplo, ressalta a tendência que denominou de "hobbesianismo municipal", expressa na disputa entre localidades por investimentos industriais, deslegitimando as prioridades sociais. Arretche (1998) constatou como o alcance do processo de descentralização recente é bastante variável entre diferentes políticas sociais e unidades da Federação, inclusive no tocante a cada política em particular. Analisando questões político-tributárias, Souza (1996b) assinala que a descentralização não ocorre em um vazio político, institucional e econômico, enfatizando seus limites em países marcados por heterogeneidades.

No caso brasileiro, os problemas acima apontados não podem ser minimizados, uma vez que, conformadas historicamente e acentuadas nos últimos anos, as desigualdades existentes no Brasil se refletem em profundas diferenças nas condições financeiras, políticas e administrativas das entidades subnacionais e, consequentemente, na sua capacidade de resposta às necessidades e demandas da população.

Para ilustrar a dimensão dessas desigualdades, vale ressaltar como, em 1994, 56% do PIB concentrava-se na região Sudeste e 17,5% na região Sul, cabendo à região Nordeste 14% e às regiões Norte e Centro-Oeste 4,8% e 7,1%, respectivamente. No caso da participação dos estados, as diferenças eram ainda bem mais acentuadas. São Paulo detinha 32,8% do PIB, Rio de Janeiro 12,3%, Rio Grande do Sul 7,4%, Paraná 6,7% e Minas Gerais 9,8%. Já a participação da Bahia era de 4,9%, a de Pernambuco 2,5%, a do Ceará de 0,8% e a do Piauí de 0,5%. Além disso, não houve mudanças no ranking da riqueza do país, aumentando, porém, a concentração regional de renda. Em 1985 os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia e Santa Catarina detinham dois terços da riqueza produzida no país. Em 1994 esta proporção subiu para 77,3% (Lavinas et alli, 1997).

Constata-se, assim, uma reversão das tendências de desconcentração das atividades e da dinâmica econômica registradas sobretudo a partir dos anos 70, que beneficiou regiões menos desenvolvidas do país, embora ampliasse a sua heterogeneidade interna, com o surgimento de ilhas de prosperidade mesmo em contextos de estagnação.19 19 Para uma excelente análise desse período a partir da ótica da produção monetária, ver Amado (1997). A década de 90, marcada pela ênfase nos mecanismos de mercado, por uma política de abertura comercial intensa e rápida e pelas tentativas de reforma do papel do Estado, principalmente no âmbito do governo federal, sinaliza, antes, para um aprofundamento da heterogeneidade e para uma certa fragmentação, destacando os focos de dinamismo e de competitividade do "resto" do país para articulá-los à economia internacional.20 20 Entre os efeitos da atual internacionalização estão a exclusão de contingentes expressivos de indivíduos, regiões ou até nações dos seus fluxos e dinamismo, descartando vários espaços e reatualizando as questões e a necessidade de políticas de caráter regional mais explícitas, mesmo nos países de capitalismo avançado. Para uma análise dessa questão na atualidade brasileira, ver, por exemplo, Araujo (1998) e Lavinas et alli (1997).

É evidente que isto reduz a autonomia e a capacidade de realização de estados e municípios, aumentando a sua dependência do poder central. Estimando o grau dessa dependência para as diversas regiões e estados brasileiros, com base no peso das transferências correntes sobre as despesas correntes de 1994, o Atlas Regional das Desigualdades (IPEA/DIPES/IBGE, 1996) constatou que chegava a 50,8% para a região Norte, 39,8% para o Nordeste, 11,8% para o Sudeste, 13,8% para o Sul e 32,9% para o Centro-Oeste. Em termos estaduais, os números acusavam 7,7% para São Paulo, 17,6% para o Rio de Janeiro, 18,7% para Minas Gerais e 15,3% para o Rio Grande do Sul, elevando-se, em contrapartida, para 29,8% no estado da Bahia, 28,8% em Pernambuco, 59,4% no Maranhão e 65,6% no Ceará.

A contrapartida desses fenômenos transparece nos indicadores sociais. Como ilustração, pode-se mencionar como a esperança de vida ao nascer, apesar de haver registrado melhoras nas últimas décadas, era de 66,3 anos para o conjunto do país. Contudo, esta média se elevava para 68,9 em São Paulo, 68,8 no Rio de Janeiro, 68,3 em Minas Gerais e 69,1 no Rio Grande do Sul, decrescendo para 64,8 na Bahia, 56,6 em Pernambuco e 56,8 no Ceará, conforme dados do Censo de 1991. Essas diferenças também ocorrem em todos os demais indicadores sociais, tais como taxas de analfabetismo, condições de habitação, saneamento básico, saúde e níveis de escolarização.

Mesmo nas áreas mais desenvolvidas do país, a heterogeneidade existente torna muitas vezes problemática a capacidade de atuação da esfera local, a quem a reforma em discussão atribui um papel privilegiado. A parcela de municípios que dispõe efetivamente de condições financeiras, institucionais, políticas e técnico-administrativas para assumir esse papel, inovando, ampliando a eficácia, a participação e a democratização das políticas públicas, é relativamente pequena. Na maioria dos casos e notada-mente nas regiões e áreas menos desenvolvidas, o que predomina são municípios de reduzido porte, com economias de base agrícola pouco diversificada, estagnadas ou em crise, sendo por isso mesmo desprovidos de condições mínimas de sustentação e necessitando da solidariedade dos governos estaduais e federal.

Analisando a proposta do governo federal de que os municípios dividam com a União os custos da implantação de programas de renda mínima, Lavinas (1998) constatou que dos 5.507 municípios brasileiros apenas 251 poderiam arcar com a contrapartida prevista nessa divisão. Em São Paulo, que detém quase um terço do PIB nacional, Arretche e Rodriguez (1998) verificaram que as receitas da cidade de São Paulo alcançavam cerca de 40% das receitas do total de municípios do Estado, enquanto que nos demais municípios as receitas derivadas de transferências representavam pelo menos 3/4 das receitas correntes daquelas localidades. Nas áreas menos desenvolvidas do país a situação pode ser ilustrada por constatações como as de Santos (cf. Carvalho, 1998), que estimou a proporção de receitas próprias sobre as despesas totais para avaliar o grau de dependência dos 1.391 municípios do Nordeste, verificando que 60% deles encontrava-se em alto grau de dependência financeira e com situações particularmente críticas nos estados do Ceará, Pernambuco e Bahia.

Por outro lado, carências de ordem financeira estão comumente associadas a carências de capacitação técnico-administrativas, acentuadas, mais recentemente, com a desativação ou redução do apoio institucional da União e dos estados aos governos locais.

Nessas condições, atribuir simplesmente a esses governos a responsabilidade por políticas e serviços básicos pode levar à sua ausência ou até a distorções. A situação do ensino fundamental no Nordeste demonstra bem este fato. Diversamente do que ocorre em outras regiões do país, as redes municipais têm aí um número elevado de matrículas, operando em paralelo às redes estaduais mas em condições mais precárias, conforme mostram várias pesquisas.21 21 Sobre esta questão em relação ao estado da Bahia, ver Carvalho (1998).

Por mais que o nível de riqueza e as condições técnico-administrativas das instâncias subnacionais tenham um peso decisivo, porém, elas não atuam isoladamente e podem ser contornadas por outras determinações. Com base em uma pesquisa que avaliou a descentralização das políticas de habitação, saúde, saneamento, educação e assistência social nos últimos anos, em estados brasileiros de diferentes regiões e níveis de desenvolvimento,22 22 A pesquisa abrangeu os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Ceará. Arretche (1998) chegou a conclusões significativas para a presente discussão. Levando em conta as desigualdades intra e inter-regionais e a fragilidade da maioria dos municípios antes assinaladas, a autora confirma a importância de fatores como a capacidade econômica, fiscal e técnico-administrativa, as condições políticas e a tradição cívica dos diferentes contextos para a dinâmica da descentralização. Destaca, contudo, que essas variáveis não atuam de modo isolado e independente, mas à luz de atributos como o legado das políticas prévias, as regras constitucionais que normatizam a oferta dos diversos serviços, a engenharia operacional necessária à sua realização, as relações entre os diversos níveis de governo e as estratégias de indução eventualmente desencadeadas.

Pouco contemplada pela proposta do MARE (que, conforme já visto, ressalta a sua importância mas não se reporta à sua implementação), a descentralização e a transferência de responsabilidades para as esferas subnacionais representa, na verdade, uma das dimensões nucleares do processo de reforma do Estado. Não é surpreendente que a pesquisa de Arretche (1998) tenha constatado que a variável mais importante para o sucesso da descentralização das políticas sociais seja a existência de estratégias de indução eficientes, formuladas e implementadas pelos níveis mais abrangentes do governo, interessados na reforma, que possam reverter ou minimizar as condições adversas da natureza das diferentes políticas, do legado das políticas prévias e dos atributos estruturais dos estados e municípios.23 23 As políticas de habitação popular, por exemplo, oferecem um bem relativamente caro, que compromete um elevado montante de gastos e vultosos investimentos por unidade ofertada e beneficiários, com um retorno que tende a ser nulo. Já a distribuição da merenda escolar constitui uma operação mais simples, não envolvendo dispendios mais elevados em investimentos ou custeio, acrescentando automaticamente recursos federais aos cofres locais e oferecendo boas perspectivas de dividendos políticos. Por essas razões, a merenda escolar foi municipalizada sem maiores dificuldades, enquanto que na habitação apenas São Paulo e Ceará constituíram sistemas estaduais relativamente independentes dos recursos federais. Mais concretamente, a definição de regras de operação e mecanismos que incentivem a adesão do nível de governo a que se dirigem (estados ou municípios), propiciando-lhes a capacitação técnico-administrativa necessária, reduzindo os custos financeiros envolvidos na instalação da infra-estrutura ou na manutenção dos serviços descentralizados, transferindo recursos em escala compatível com as novas atribuições e elevando o volume da receita disponível.

Porém, políticas dessa ordem não constituem a tônica atual do processo de descentralização. Centrado no ajuste fiscal e em outras prioridades, em um conjuntura de crise extremada, o governo federal vem restringindo gastos na área social, utilizando a sua capacidade de indução com parcimônia e disputando recursos com as instâncias subnacionais. Na área de habitação e saneamento, sua presença quase não se faz sentir, conforme mostram os dados de Afonso (1994), Afonso et alli (1998) e Arretche (1998). No campo da saúde, o corte e a insuficiência dos gastos têm sido admitidos no próprio âmbito ministerial. No que tange à educação, prioridade máxima das duas campanhas de FHC, algumas iniciativas merecem ser ressaltadas, a exemplo da criação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino Fundamental - FUNDEF, que transfere recursos para estados e municípios na proporção da sua oferta de matrículas, assegura um piso mínimo de custo por aluno e tenta minimizar problemas cruciais do ensino básico, como o salário e a qualificação dos professores. No que se refere à assistência social, os programas passaram a adotar a ótica da focalização, mas ainda não existem indicadores para avaliar seus primeiros resultados.

É indiscutível que a descentralização político-administrativa e financeira, associada à redemocratização e às disposições da Constituição de 1988, aumentou a autonomia das instâncias subnacionais de poder, favoreceu a ampliação dos espaços de participação e a emergência de experiências inovadoras em programas sociais e nos próprios modelos de gestão. A retração dos gastos da União vem sendo parcialmente compensada pelo aumento dos dispêndios estaduais e municipais. Este processo vem ocorrendo tanto em São Paulo como na Bahia, por exemplo, onde se registram crescimento dos recursos estaduais com a saúde, conforme mostram Arretche e Gonzalez (1998) e Carvalho (1998).

Apesar de todos os constrangimentos financeiros dos municípios, eles também estão ampliando suas ações e responsabilidades na área social. Seus gastos têm crescido especialmente no campo da educação e da saúde. Experiências inovadoras no atendimento a crianças e adolescentes em situação de risco têm sido amplamente divulgadas. Programas de renda mínima implementados em três estados e vinte municípios estavam beneficiando cerca de 140 mil famílias. Estimando-se uma média de cinco pessoas por família, esses programas estariam atingindo perto de 700 mil pessoas (Folha de S. Paulo, 11/1/99).24 24 Embora em termos absolutos esses números sejam significativos, o reduzido alcance desses programas fica patente quando se considera que, conforme dados do IBGE, 10,3 milhões de famílias brasileiras tinham uma renda mensal per capital inferior a R$ 65,00.

Contudo, a maior parte dessas iniciativas se localizam nas áreas mais desenvolvidas do país, a exemplo dos programas municipais de renda mínima, concentrados em São Paulo. Assim, a descentralização das políticas sociais avança de forma diferenciada e descontínua, com características e efeitos tão heterogêneos como o próprio país e não necessariamente virtuosos.

Quando se considera as implicações de um processo de descentralização, essas constatações não chegam a surpreender. Uma das premissas da descentralização é a transferência de poder financeiro e decisório para instâncias, setores ou grupos anteriormente excluídos da estrutura de poder, especialmente sobre as políticas públicas. No entanto, existe uma segunda premissa, pouco enfatizada na literatura publicada no Brasil. Conseqüência direta da anterior, essa premissa implica a liberdade das instâncias, setores ou grupos para decidirem o que fazer com os recursos e o poder que lhes foram transferidos (Souza, 1997). No caso brasileiro, onde a descentralização beneficiou estados e municípios, seu objetivo é garantir às unidades subnacionais espaço para decidir sobre políticas e prioridades sociais locais e para reduzir o controle central sobre seus resultados. A descentralização permite, assim, que as prioridades locais sejam decididas sem a participação do centro. Em um país tão heterogêneo, esperar que esse processo induza automaticamente à uniformização e universalização do acesso da população a todos os serviços sociais que estão sendo transferidos para as esferas subnacionais não só parece irreal como contradiz as próprias premissas que integram o conceito de descentralização.

CONCLUSÕES

Conforme assinalado nas páginas iniciais deste trabalho, o Brasil enfrenta, atualmente, desafios de enorme dimensão e complexidade. Urge equacionar as questões financeiras, consolidar o ajuste fiscal e macroeconômico, em um quadro internacional desfavorável, redefinir e incrementar o sistema produtivo e o próprio desenvolvimento, buscando, paralelamente, minimizar os custos sociais do ajuste aos novos padrões do capitalismo, enfrentar a desigualdade, ampliar o acesso da população aos serviços básicos e às próprias condições de cidadania. Há um amplo reconhecimento de que isto envolve, necessariamente, uma transformação da estrutura, do papel e das ações do Estado, sem a constituição de um consenso, porém, quanto ao conteúdo dessa transformação.

Refletindo as orientações e o debate internacional antes mencionado, na fase inicial das pressões sobre a reforma do Estado, o pensamento dominante criticava o setor público como inerentemente ineficaz, predador e parasitário, propondo um drástico enxugamento e uma redução de suas responsabilidades a umas poucas funções. Mais recentemente, porém, com a percepção das conseqüências dessa alternativa, notadamente em termos das condições e do esgarçamento do tecido social, está se voltando a reconhecer a importância da ação estatal, ainda sem um padrão precisamente definido mas certamente diverso dos modelos do Estado-Providência e do Estado-Desenvolvimentista do período anterior.

Após uma sumária referência à trajetória da reforma do Estado no Brasil, as discussões do presente artigo centraram-se na proposta do MARE, analisando seus possíveis efeitos da perspectiva das desigualdades sociais e sem encontrar, nessa proposta, indicações mais adequadas para o enfrentamento dessa questão. Ademais, mostrou-se também que aspectos sensíveis da reforma do Estado, como a descentralização de políticas sociais, ficaram fora da proposta oficial. Importante destacar, todavia, que a proposta do MARE foi pioneira no Brasil no sentido de tratar a reforma do Estado como uma questão não apenas administrativa, mas fundamentalmente política. Outro destaque é que essa proposta encontrou ressonância na coalizão governista por ter sido capaz de associá-la com fatores econômicos como o ajuste fiscal e a manutenção do Plano Real.

Como foi visto, o projeto oficial de reforma do Estado não contempla uma reestruturação mais ampla e integrada do conjunto do setor público brasileiro, enfatizando, antes, a busca de qualidade, eficiência, eficácia e democratização dos serviços públicos, através de medidas de eficácia discutível. Para tanto, são propostas uma redução do núcleo burocrático às chamadas tarefas exclusivas do Estado, mudanças nos padrões culturais, organizacionais e gerenciais de parte das atuais instituições públicas com a sua transformação em Organizações Sociais. Em termos setoriais, em algumas áreas, como habitação e saneamento, registra-se uma omissão do governo federal, enquanto que em outras, como saúde e educação, as ações se voltam para a descentralização. Na assistência social, o modelo proposto pelo governo federal não chegou a ser efetivado, contudo muitas ações focalizadas e em regiões mais carentes estão sob a coordenação do Programa Comunidade Solidária, em articulação com os estados.

A diversidade política, econômica e social do Brasil provoca grandes diferenças entre os municípios. Essas diferenças prejudicam os próprios objetivos da descentralização e das reformas, na medida em que a descentralização financeira a favor das esferas subnacionais reduz as possibilidades de ajuda federal e estadual às esferas locais com o objetivo de minimizar os efeitos das referidas desigualdades. Ademais, as medidas governamentais que visam enfrentar a perspectiva de um colapso financeiro, mais recentemente colocada, tornam quase impossível a participação da esfera federal na minimização dessas desigualdades. Por outro lado, as tentativas de recentralização financeira no governo federal podem significar um abandono e/ou perda ainda maior da qualidade das ações que estão sendo descentralizadas. Apesar da existência dos fundos de participação FPE (Fundo de Participação dos Estados) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios), que favorecem o equilíbrio horizontal do sistema tributário, existem milhares de municípios que não podem sobreviver sem a ajuda adicional da União e dos estados, nem podem iniciar, sozinhos, esforços de reforma.

O reduzido escopo e a ênfase do projeto do MARÉ, portanto, não parecem dar conta das transformações necessárias ao Estado brasileiro para enfrentar os desafios do presente, notadamente em termos sociais. O que a descentralização recente no Brasil mais coloca em cheque, porém, é a pertinência de paradigmas únicos e universais para o setor público, descolados do tempo e do espaço. Talvez seja mais sensato reconhecer que a provisão dos serviços e o futuro da administração pública assumirão caminhos plurais e diversificados.

Na trajetória recente da sociedade brasileira, com o processo de redemocratização e as disposições da Constituição de 1988, ocorreu um fortalecimento do poder político e dos recursos financeiros dos governos sub-nacionais, favorecendo especialmente os estados e suas capitais. Apesar disso, as unidades subnacionais permanecem sem a mesma capacidade de cumprir a segunda geração das reformas e os benefícios da descentralização não se distribuem uniformemente. De acordo com as evidências apresentadas, em um país de vasta dimensão territorial, marcado por profundas desigualdades inter e intra-regionais e sociais, os efeitos da descentralização e das reformas tendem a variar substancialmente. Daí porque a valorização da instância local não pode assumir um caráter absoluto nem a descentralização ser efetuada sem levar em conta a complexa combinação de fatores (econômicos, demográficos, sociais e políticos) que, em cada contexto, define as possibilidades de transformação do setor público. Ademais, os problemas acima analisados relativos à descentralização e às propostas do MARE estão agora exacerbados com as atuais políticas financeiras e fiscais para o enfrentamento da crise, o que torna ainda mais complexa a participação do governo federal (e dos recursos públicos nacionais) para a construção dos requisitos mínimos de uma cidadania social nacional.

Finalmente, como uma hipótese que pode ou não ser confirmada no futuro, vale assinalar que vários dos fenômenos analisados no presente texto, como o empenho da União em relação à primeira e à segunda gerações da reforma, podem também estar associados a uma avaliação, por parte da coalizão governista, da impossibilidade de sustentar os custos políticos de um processo de reformulação do papel do Estado. Nessa perspectiva, desde o governo Collor, mas especialmente na gestão de Fernando Henrique Cardoso, essas coalizões teriam decidido, de forma pragmática, transferir o ônus político das reformas para o setor privado (no caso das privatizações e das Organizações Sociais) e para os municípios (no caso das políticas sociais), ainda que o ônus financeiro continue, em grande parte, com o governo federal.

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  • WORLD BANK (1994) Governance: the World Bank's experience. Development in Practice Series. Washington, DC: The World Bank.
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    Bresser Pereira (1998a) usa as expressões cidadão-cliente ou cidadão-usuário.
  • 2
    A descentralização em geral é classificada corno uma política do primeiro estágio das reformas, inclusive porque em termos temporais ela surge simultaneamente às reformas da primeira geração. No entanto, opta-se aqui por colocá-la como integrante da segunda geração por considerá-la parte do objetivo de construção de capacidade administrativa e institucional.
  • 3
    Ilustrativo do entusiasmo da comunidade internacional pelas reformas em andamento no Brasil são as palavras de um editorial do
    The Economist, reproduzido pela
    Gazeta Mercantil de 9/10/98, onde se afirma que "Cardoso, em apenas quatro anos, realizou o mesmo que Thatcher, em doze". Quanto ao BIRD, todas as publicações do órgão nos anos 90 recomendam as reformas. Ver, em especial, World Bank (1991 e 1994). Sobre as contradições das propostas do Banco Mundial, ver Williams e Young (1994) e sobre seus dilemas nos países em desenvolvimento, ver Costa (1998).
  • 4
    Para uma tentativa de explicar as razões das reformas em países em desenvolvimento para além da chamada crise de Estado, ver Cruz (1998). Para uma revisão da literatura nacional e internacional sobre a reforma do Estado, ver Diniz (1997; 1998b).
  • 5
    Um exemplo da diferença marcante entre países diz respeito à política monetária. Na mesma semana, a Inglaterra e a Rússia foram forçadas a aumentar suas taxas de juros, porém na primeira os juros passaram de 7,25% para 7,5% a.a. e na segunda de 50% para 150% a. a.
  • 6
    Não são raros os relatos de manipulação dos conselhos comunitários pelos prefeitos brasileiros.
  • 7
    É interessante notar que a maior parte da literatura que trata das reformas toma como dada a influência dos organismos financeiros internacionais, mas essa influência ainda não foi analisada em profundidade.
  • 8
    A tradução para o português de
    public choice ficaria mais esclarecedora como escolha do público, em função de a palavra pública ser associada, no Brasil, exclusivamente ao setor público.
  • 9
    Pollitt (1994) rotula a atual onda reformista de neo-taylorismo devido à sua semelhança com a escola da "administração científica" iniciada no fim do século XIX.
  • 10
    Alguns autores, como Bresser Pereira (1998b), tratam as duas últimas propostas como uma só, embora o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado explicite que "a reforma do Estado é um projeto amplo que diz respeito às várias áreas do governo
    [sic] e ainda, ao conjunto da sociedade brasileira, enquanto que a reforma do aparelho do Estado tem um escopo mais restrito: está orientada para tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a cidadania" (Brasil. Presidência da República, 1995:17).
  • 11
    Sobre os problemas enfrentados pelos estados para cumprirem a agenda de reformas, ver Abrucio (1998) e Souza (1996a; 1997; 1998b).
  • 12
    Para análises do governo Collor em relação às reformas, ver, entre outros, Azevedo e Andrade (1997); Diniz (1998a); Souza e Paz (1991).
  • 13
    O MARÉ foi transformado em SEAP - Secretaria de Estado da Administração e do Patrimônio - em janeiro de 1999, através do Decreto no. 2.923, de 1/1/99 e da Medida Provisória no. 1.799, de 21/1/99, vinculada ao Ministério do Orçamento e Gestão. A saída do Ministro Bresser do MARE, assim como a perda de
    status de ministério não parece significar que a proposta oficial de reforma esteja abandonada, como demonstra entrevista do Ministro Clóvis Carvalho, da Casa Civil, afirmando que o Presidente da República "quer uma revolução gerencial" (Jornal do Brasil, 10/1/99).
  • 14
    Azevedo e Andrade (1997:64) e Palermo (1998) trazem outra visão da agenda: uma voltada para a consolidação democrática e outra para a estruturação das relações econômicas, com adesão ao modelo de uma economia de mercado.
  • 15
    No que se refere às privatizações, o formato que as mesmas tomaram no Brasil, com forte subsídio público via BNDES e com presença marcante dos fundos de pensão das estatais, deve estar assustando os seus mentores, principalmente o Banco Mundial. O avanço do processo de privatização pode ser medido pela informação de que até abril de 1998, o Estado já havia transferido 56 empresas e 148 mil trabalhadores ao setor privado (Folha de São Paulo, 7/4/98).
  • 16
    Ver Brasil. Presidência da República (1995); Bresser Pereira (1991, 1996, 1998a, 1998b, entre outros).
  • 17
    A esses questionamentos, outros ainda poderiam ser acrescentados. Para alguns autores, a gestão de ações e serviços públicos por instituições não governamentais enfraqueceriam os governos e a própria sociedade. Outros vêem essa fragmentação como positiva e advogam que um adequado grau de fragmentação fortalece os governos, tomando-os mais efetivos, e contribui para o fortalecimento da democracia via a assunção de mais responsabilidades coletivas pela sociedade. (Kooiman, 1993). Outros ainda indagam até que ponto a seleção e regulação das Organizações Sociais estariam imunes ao jogo de influências ou até à corrupção (Penteado, 1998). Tem se argumentado, também, que se vivemos grande parte da nossa história republicana confiando demais no Estado estaríamos agora invertendo o sinal com a sua representação negativa, o que contradiz a necessidade de equilíbrio entre Estado e sociedade civil requerida pelas sociedades democráticas (Reis, 1995).
  • 18
    A transposição da lógica e de critérios gerenciais privados para os serviços públicos pode gerar, por exemplo, a exclusão de certos usuários e de alguns procedimentos de custos mais altos, conforme vem ocorrendo em algumas Organizações Sociais na área da saúde e denunciado pela imprensa.
  • 19
    Para uma excelente análise desse período a partir da ótica da produção monetária, ver Amado (1997).
  • 20
    Entre os efeitos da atual internacionalização estão a exclusão de contingentes expressivos de indivíduos, regiões ou até nações dos seus fluxos e dinamismo, descartando vários espaços e reatualizando as questões e a necessidade de políticas de caráter regional mais explícitas, mesmo nos países de capitalismo avançado. Para uma análise dessa questão na atualidade brasileira, ver, por exemplo, Araujo (1998) e Lavinas
    et alli (1997).
  • 21
    Sobre esta questão em relação ao estado da Bahia, ver Carvalho (1998).
  • 22
    A pesquisa abrangeu os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Ceará.
  • 23
    As políticas de habitação popular, por exemplo, oferecem um bem relativamente caro, que compromete um elevado montante de gastos e vultosos investimentos por unidade ofertada e beneficiários, com um retorno que tende a ser nulo. Já a distribuição da merenda escolar constitui uma operação mais simples, não envolvendo dispendios mais elevados em investimentos ou custeio, acrescentando automaticamente recursos federais aos cofres locais e oferecendo boas perspectivas de dividendos políticos. Por essas razões, a merenda escolar foi municipalizada sem maiores dificuldades, enquanto que na habitação apenas São Paulo e Ceará constituíram sistemas estaduais relativamente independentes dos recursos federais.
  • 24
    Embora em termos absolutos esses números sejam significativos, o reduzido alcance desses programas fica patente quando se considera que, conforme dados do IBGE, 10,3 milhões de famílias brasileiras tinham uma renda mensal per capital inferior a R$ 65,00.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 1999
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