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REPENSANDO A MOBILIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: RELAÇÕES ENTRE ATIVISTAS E VÍTIMAS DE VIOLAÇÕES NO CASO ALVARADO CONTRA O MÉXICO

RETHINKING HUMAN RIGHTS MOBILIZATION: RELATIONS BETWEEN ACTIVISTS AND VICTIMS OF VIOLATIONS IN THE ALVARADO CASE AGAINST MEXICO

Resumo

O objetivo deste artigo é o de analisar a atuação da organização não governamental (ONG) mexicana Centro de Direitos Humanos das Mulheres (CEDEHM) no caso Alvarado contra o México, perante o sistema interamericano, a fim de revelar a importância da intermediação político-legal para os debates teóricos sobre a mobilização de normas internacionais de direitos humanos. O argumento central é de que o tipo de intermediação estabelecida pelas ONGs entre vítimas e esferas institucionais é central para determinar se a mobilização dos direitos humanos terá impacto contestatório ou conservador. No caso Alvarado, a intermediação desempenhada pelo CEDEHM concede uma posição central para as vítimas e familiares, contribuindo decisivamente para a formação da agência política desses atores e para a politização da própria linguagem dos direitos humanos.

Palavras-chave:
Intermediação Político-Legal; Organizações Não Governamentais; Direitos Humanos

Abstract

This article aims to analyze the performance of the Mexican non-governmental organization (NGO) Center for Women’s Human Rights (CEDEHM) in the Alvarado case against Mexico within the Inter-American human rights system. With that, it seeks to reveal the importance of political-legal intermediation on theoretical debates about the mobilization of international human rights norms. The main argument is that the intermediation established by NGOs between victims and institutional spheres is central to determine whether human rights mobilization will have a disruptive or conservative impact. In the Alvarado case, the intermediation performed by CEDEHM assigns a central role to victims and their families, contributing to the formation of their political agency and to the politicization of the human rights language.

Keywords:
Political-Legal Intermediation; Non-Governmental Organizations; Human Rights

Introdução

Na noite de 29 de dezembro de 2009, no ejido2 2 Ejidos são propriedades rurais de uso coletivo, criadas durante o governo Lázaro Cárdenas (1934-1940) como resultado do processo de reforma agrária. Tratava-se de demanda expressa do processo revolucionário mexicano (1910-1917), realizada parcialmente e apenas depois da ascensão de um governo “populista”. Benito Juárez do município mexicano de Buenaventura, Chihuahua, Nitza Paola Alvarado, José Ángel Alvarado e Rocío Irene Alvarado foram desaparecidos forçadamente por um grupo de pessoas armadas e com uniformes militares. Nitza tinha 31 anos, três filhas menores de idade, trabalhava como contadora e recebia pensão em razão de uma deficiência motora em sua perna e mão direitas ocasionada por um acidente vascular cerebral. Rocío, de 18 anos, trabalhava em uma mercearia e era mãe de um bebê de colo. José Ángel, de 31 anos, casado e pai de três filhos, trabalhava como supervisor de uma empresa de peças de reposição de turbinas eólicas e tinha condição física muito frágil, tal como Nitza, em razão de graves sequelas de um acidente de carro.

Imediatamente, os integrantes da família Alvarado iniciaram as buscas pelo paradeiro dos três em todo o ejido, deslocando-se até a delegacia do município e, posteriormente, ao 35º Batalhão de Infantaria, à 5ª Zona Militar, na capital do estado, e a centros penitenciários de Ciudad Juárez. Funcionários estatais lhes diziam que não havia motivo para preocupação, já que seus familiares seriam eventualmente devolvidos depois que o comandante Meza tomasse seus depoimentos. Meses antes, em outubro, três policiais federais de alta patente haviam sido torturados e assassinados naquela região. Como parte das investigações, era comum que pessoas da comunidade fossem detidas, interrogadas e, dias depois, liberadas, porém, com o passar do tempo e com a falta de notícias, ficou claro que o caso dos Alvarado se tratava de um incidente de desaparecimentos forçados, como milhares de outros que ainda assolam o país.

Desde o final de 2006, com o início do governo de Felipe Calderón (2006-2012), do Partido Ação Nacional (PAN), de direita, o México assistia à “guerra contra as drogas”, que envolvia uma estratégia de segurança pública, vigente até hoje, assentada no uso das Forças Armadas contra grupos do crime organizado associados ao narcotráfico. Dentro desse contexto, a partir de março de 2008, lançou-se o Operativo Conjunto Chihuahua (OCCH), que deslocou milhares de soldados e membros da polícia federal a esse estado fronteiriço ao norte do país.

O caso Alvarado, como ficou conhecido, era fruto direto de uma longa lista de violações de direitos humanos decorrente justamente do OCCH e de sua violência.3 3 Para uma análise completa do contexto de militarização e graves violações de direitos humanos decorrentes do OCCH, dentro do qual se insere o caso Alvarado, consultar Robledo et al. (2018) e a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso (Corte IDH, 2018, §54-75). A respeito das circunstâncias concretas do desaparecimento de Nitza Paola Alvarado, José Ángel Alvarado e Rocío Irene Alvarado e no que diz respeito ao histórico de ações de busca de seus familiares, ver os parágrafos 80 a 102 da mesma sentença internacional (ibidem). Em relação às repercussões do caso na imprensa, foram muitas as matérias ao longo da década de 2010, pois se tratava do primeiro caso de desaparecimentos forçados da guerra contra o narcotráfico a chegar ao sistema interamericano e, depois, a resultar em sentença internacional condenatória contra o México. Além disso, as determinações da Corte IDH proíbem a continuidade do modelo militarizado de segurança pública tanto do governo Peña Nieto (2012-2018) quanto da atual administração López Obrador (2018-2024). Exemplos de reportagens sobre as implicações do caso ao longo dos anos podem ser consultadas na revista semanal mexicana Proceso (Mayorga, 2013; 2016; Díaz, 2018a; 2018b; 2018c; 2019; 2020). Tal cenário inclusive motivou o envio de uma comunicação formal ao Tribunal Penal Internacional por uma coalizão de organizações não governamentais (ONGs) em 2018, na qual se argumenta que crimes contra a humanidade foram cometidos pelas Forças Armadas mexicanas em Chihuahua entre 2008 e 2010 com total impunidade (CMDPDH, 2018COMISIÓN MEXICANA DE DEFENSA Y PROMOCIÓN DE LOS DERECHOS HUMANOS - CMDPDH. 2018. Comunicación de acuerdo con el artículo 15 del Estatuto de Roma de la Corte Penal Internacional sobre la presunta comisión de crímenes de lesa humanidad en Chihuahua, México, entre 2008 y 2010. Ciudad de México: Comisión Mexicana de Defensa y Promoción de los Derechos Humanos.). O caso Alvarado, em particular, foi encaminhado ao sistema interamericano de direitos humanos (SIDH)4 4 O sistema interamericano de direitos humanos é composto pela Comissão e Corte Interamericanas de Direitos Humanos, sediadas respectivamente em Washington e San José, capital da Costa Rica. Para ativar o sistema, é preciso enviar uma queixa concernente à violação para a Comissão Interamericana (CIDH), na qual se demonstre o esgotamento dos recursos jurisdicionais no plano doméstico ou a impossibilidade de se obter justiça. Caso a denúncia seja admitida e fique patente a responsabilidade do Estado, a CIDH publica recomendações sobre o caso e pode, posteriormente, encaminhá-lo para a Corte Interamericana quando o Estado em questão tenha aceitado a jurisdição contenciosa desse tribunal, que fica habilitado então a julgar o abuso e emitir uma sentença condenatória vinculante. no início de 2010. Na audiência do caso perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em abril de 2018, a defesa do Estado reforçou a narrativa oficial usada nesse e em muitos outros casos similares, qual seja a de estigmatizar e criminalizar as vítimas e seus familiares, eximindo-se de qualquer culpa ou responsabilidade.

O governo mexicano alegou que a família Alvarado tinha ligações com o crime organizado, e que os desaparecimentos haviam sido levados a cabo não por elementos castrenses, mas por delinquentes utilizando vestimentas e veículos militares apócrifos.5 5 Os vídeos com a defesa do Estado, vocalizada por Mariana Colín Ayala, da Procuradoria Geral da República do México, e Carlos Rodríguez Ulloa, perito apresentado pelo governo mexicano, foram publicados pela Corte IDH (Audiencia…, 2018b; 2018c). Foi ressaltado ainda o histórico supostamente exemplar das investigações, de mais de 1.300 diligências, embora se reconhecesse a impunidade dos perpetradores, à época ainda desconhecidos, e a falta de resultados sobre o destino e paradeiro dos Alvarado.6 6 Iniciadas pela Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua em 2010, ao longo dos anos as investigações tramitaram de maneira desorganizada e descoordenada por uma profusão de outras instituições: seção da Procuradoria Geral da República (PGR) em Chihuahua; Fiscalía Especial de Delitos de Violência contra Mulheres e Tráfico de Pessoas (FEVIMTRA); Procuradoria Geral da Justiça Militar; Subprocuradoria de Controle Regional de Procedimentos Penais e Amparo da PGR em Ciudad Juárez; Subprocuradoria de Direitos Humanos, Prevenção de Delitos e Serviços à Comunidade da PGR; e Unidade Especializada de Busca de Pessoas Desaparecidas (PGR). Para uma lista completa das investigações, consultar a sentença internacional sobre o caso (Corte IDH, 2018, §103-42). Para Federico Andreu Guzmán, perito ouvido durante a audiência do caso, múltiplas autoridades investigaram o caso com distintos tipos penais e, só depois de três anos, começaram a integrar e unificar os expedientes. Tal fracionamento teria impedido a compreensão do delito em suas múltiplas facetas, impossibilitando a criação de hipóteses e linhas de investigação adequadas. Tamanha fragmentação, com a passagem do tempo, teria gerado, entre outros problemas, perdas irreparáveis de provas, contribuindo para a impunidade (Audiencia…, 2018a). No final de 2018, em 20 de dezembro, a Corte IDH publicou a sentença em que condenou o México pelos desaparecimentos forçados dos três primos da mesma família, fixando limites estritos à participação dos militares em tarefas de segurança pública.

Desde 2010, consolidaram-se duas interpretações distintas na literatura sobre o impacto e a mobilização internacional de normas de direitos humanos a partir das quais as implicações e possíveis repercussões do caso Alvarado poderiam ser entendidas. De modo geral, discute-se se a gramática dos direitos humanos privilegia discursos e formas de ação tecnocráticas, elitistas, despolitizadoras e de legitimidade questionável (Baxi, 2012BAXI, Upendra. 2012. The future of Human Rights. 3. ed. New Delhi: Oxford University Press.; Hopgood, 2013HOPGOOD, Stephen. 2013. The endtimes of Human Rights. Ithaca: Cornell University Press.; 2017HOPGOOD, Stephen. 2017. Human Rights on the road to nowhere. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights Futures. Cambridge: Cambridge University Press , 2017. pp. 283-310.; Moyn, 2010MOYN, Samuel. 2010. The last utopia: Human Rights in history. Massachusetts: Harvard University Press.; 2017MOYN, Samuel. 2017. Human Rights and the crisis of Liberalism. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights futures. Cambridge: Cambridge University Press . pp. 261-282.; Mutua, 2015MUTUA, Makau. 2015. Is the age of Human Rights over?. In: MCCLENNEN, Sophia; MOORE, Alexandra Schultheis (eds.). The Routledge Companion to literature and Human Rights. Oxon: Routledge. pp. 450-458.), ou se ela permite a constituição e empoderamento de sujeitos subalternos em lutas políticas e jurídicas contestatórias (Dancy e Sikkink, 2017DANCY, Geoff; SIKKINK, Kathryn. 2017. Human Rights data, processes, and outcomes: how recent research points to a better future. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights futures. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 24-59.; Sikkink, 2017SIKKINK, Kathryn. 2017. Evidence for hope: making Human Rights work in the 21st Century. Princeton: Princeton University Press.; Simmons, 2009SIMMONS, Beth. 2009. Mobilizing for Human Rights: international law in Domestic Politics. New York: Cambridge University Press.; Simmons e Strezhnev, 2017SIMMONS, Beth; STREZHNEV, Anton. 2017. Human Rights and Human Welfare: looking for a “dark side” to International Human Rights Law. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights futures. Cambridge: Cambridge University Press , 2017. pp. 60-87.).

Apesar de suas fortes divergências, tanto a visão pessimista quanto a otimista têm um problema em comum: a falta de teorização e atenção empírica diante dos processos de intermediação político-legal entre grupos especializados de direitos humanos e as vítimas das violações. Por um lado, encontra-se o ativismo profissional, sobretudo das ONGs, que domina e utiliza o discurso técnico-especializado dos direitos humanos em defesa de grupos marginalizados frente aos Estados e organizações internacionais enquanto ator intermediário; por outro, está a agência dos movimentos sociais e vítimas (stakeholders) em nome dos quais os ativistas reivindicam direitos e dizem falar.

Enquanto, para os céticos, essa não é uma questão relevante, pois se assume de antemão o divórcio entre as elites de direitos humanos e os atores sociais de base (Hopgood, 2013HOPGOOD, Stephen. 2013. The endtimes of Human Rights. Ithaca: Cornell University Press.), o problema foi recentemente reconhecido por Dancy e Sikkink (2017DANCY, Geoff; SIKKINK, Kathryn. 2017. Human Rights data, processes, and outcomes: how recent research points to a better future. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights futures. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 24-59.). Para os autores, faltam evidências e trabalhos sobre o “papel que o ativismo de direitos tem exercido no fomento de bolsões efetivos de resistência dos movimentos sociais” (Dancy e Sikkink, 2017DANCY, Geoff; SIKKINK, Kathryn. 2017. Human Rights data, processes, and outcomes: how recent research points to a better future. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights futures. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 24-59., p. 41, tradução livre), o que tornaria necessário um maior engajamento com teorias sobre “a ligação entre o discurso de direitos humanos e processos de movimentos sociais” (Dancy e Sikkink, 2017DANCY, Geoff; SIKKINK, Kathryn. 2017. Human Rights data, processes, and outcomes: how recent research points to a better future. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights futures. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 24-59., p. 42, tradução livre).

A fim de suprir essa negligência e oferecer uma contribuição teórica e empírica a essa agenda de pesquisa que equivocadamente qualifica a natureza dos direitos humanos como positiva ou negativa, parte-se da utilização do modelo de intermediação política proposto por Zaremberg, Guarneros-Meza e Lavalle (2017ZAREMBERG, Gisela; GUARNEROS-MEZA, Valeria; LAVALLE, Adrian. 2017. Beyond elections: representation circuits and political intermediation”. In: ZAREMBERG, Gisela; GUARNEROS-MEZA, Valeria; LAVALLE, Adrian (eds.). Intermediation and representation in Latin America: actors and roles beyond elections. London: Palgrave Macmillan . pp. 1-30.) e aplicado por Ansolabehere e Bethencourt (2017ANSOLABEHERE, Karina; BETHENCOURT, Paula Valle de. 2017. The political-legal representation circuit of human rights politics. In: Zaremberg, Gisela; Guarneros-Meza, Valeria; Lavalle, Adrian (eds.). Intermediation and representation in Latin America: actors and roles beyond elections. London: Palgrave Macmillan. pp. 159-180.) para a política de direitos humanos. Assim, o objetivo central deste artigo é mapear o circuito de intermediação político-legal no caso Alvarado, analisando o papel do Centro de Direitos Humanos das Mulheres (CEDEHM),7 7 O nome original da ONG, em espanhol, é Centro de Derechos Humanos de las Mujeres. principal organização responsável pelo litígio do caso perante o SIDH. Essa ONG atuou ao mesmo tempo como broker político e representante legal, intermediando e vocalizando as demandas de um grupo de familiares representativo do movimento de vítimas de desaparecimentos forçados frente às autoridades do Estado e ao sistema interamericano de direitos humanos.

A questão de pesquisa que orientou a investigação buscou delinear sob quais condições e arranjos de intermediação político-legal é mais provável que a mobilização das normas internacionais de direitos humanos por parte das ONGs fomente discursos e formas de ação contestatórias conectadas às lutas dos atores sociais de base. Esse quebra-cabeça nos leva a refletir sobre as ações de intermediação das ONGs de direitos humanos frente a movimentos sociais e atores de base para além das suas conexões com autoridades e redes transnacionais de ativismo (Ansolabehere e Bethencourt, 2017ANSOLABEHERE, Karina; BETHENCOURT, Paula Valle de. 2017. The political-legal representation circuit of human rights politics. In: Zaremberg, Gisela; Guarneros-Meza, Valeria; Lavalle, Adrian (eds.). Intermediation and representation in Latin America: actors and roles beyond elections. London: Palgrave Macmillan. pp. 159-180.), compelindo-nos ainda a explorar se existem multidirecionalidades entre elites de direitos humanos e atores sociais de base (Ansolabehere, 2013ANSOLABEHERE, Karina. 4 dez. 2013. Reforming and transforming: a multi-directional investigation of Human Rights. Open Democracy, London. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yKsfbl . Acesso em: 13 ago. 2019.
https://bit.ly/3yKsfbl...
), ou se, pelo contrário, tal como esperam Hopgood e outros autores céticos, há, de fato, diferença, distância rígida e uma imposição top down entre organizações de direitos humanos, por um lado, e movimentos sociais e vítimas desprovidos de agência, por outro.

Nesse sentido, em oposição ao debate entre otimistas e pessimistas, o argumento central do artigo é o de que a mobilização da linguagem dos direitos humanos não é positiva nem negativa a priori. Ela pode ser marcada seja por força contestatória com objetivo de transformação social,8 8 Adotando o modelo analítico de Simmons (2009), conceituam-se aqui como contestatórias e voltadas à transformação social as mobilizações de normas internacionais que sejam capazes de: (1) alterar a agenda nacional de políticas; (2) oferecer recursos jurídico-legais para iniciativas de litígio contrárias ao Estado; e (3) fomentar a mobilização de atores sociais que reivindicam direitos, aumentando sua conscientização e chances de sucesso. seja por efeitos de manutenção e legitimação do status quo,9 9 Para uma análise de como a mobilização dos direitos humanos pode resultar na legitimação de políticas de window dressing, cheap talk e concessões táticas dos Estados, inclusive por parte de ONGs interessadas mais na sua sobrevivência institucional do que no combate às violações, ver Estévez (2017). A autora argumenta que a linguagem dos direitos humanos frequentemente produz ambientes tecnocráticos e burocratizados marcados por: (1) labirintos de leis, códigos, regulamentos, comissões e comitês que, sem produzir impactos efetivos, alimentam falsas expectativas e drenam esforços e tempo das vítimas em razão dos seus elevados custos de entrada e de participação; (2) sistemas de alta complexidade institucional e de difícil inteligibilidade, caracterizados por fragmentação, descoordenação, falta de recursos materiais e humanos, além da ausência de incorporação das demandas das vítimas; (3) narrativas de subjetivação das vítimas não como atores ativos de direitos, mas como entes passivos e sem voz salvos pelas políticas dos Estados ou pelas ONGs e grupos de direitos humanos; e (4) fetichização desses artefatos jurídico-legais, que são regularmente substituídos ou acrescidos por novos mecanismos que nunca se implementam de fato. Em conjunto, tais mecanismos transformam a linguagem dos direitos humanos em um dispositivo de legitimação do poder e da dominação, transmitindo aparente preocupação do Estado com os horrores de abusos e violações sem, contudo, atacar seriamente suas causas subjacentes. a depender da configuração das três variáveis da intermediação político-legal que marcam as relações de conexão estabelecidas pelas ONGs (ator intermediário) entre atores sociais de base (ator intermediado) e Estados e instâncias internacionais (atores superiores).

Tais variáveis são as seguintes: graus de reconhecimento e de prestação de contas (accountability) entre intermediário e intermediado, além do conteúdo substantivo das demandas frente aos atores superiores, que pode variar em uma escala de posturas antagonistas ou agonistas. Em outras palavras, a maneira como é exercida a intermediação política por parte do “ator ponte” ou broker - quase sempre uma ONG ou grupo semelhante que tem mais acesso a recursos, expertises, aliados e capacidade de atuação transnacional e de interlocução com o Estado e instituições internacionais - será determinante para os efeitos mais conservadores ou disruptivos da mobilização da linguagem dos direitos humanos.

Assim, da análise do caso Alvarado, espera-se abordar quais os contextos e usos capazes de conectar esses artefatos jurídicos e morais dos direitos humanos às realidades do sofrimento humano e aos reclamos de vítimas e grupos marginalizados, enfrentando as barbáries do poder e práticas desumanizantes. Nesse sentido, a hipótese a ser testada é a de que quanto maior o reconhecimento do intermediário, sua prestação de contas e conservação, na sua agenda, do grau original de antagonismo das queixas dos stakeholders - ou seja, quanto menor o grau de moderação das demandas pelo intermediário -, maior será a chance de que a mobilização dos direitos humanos seja disruptiva, transformadora e emancipatória.

Para avaliar a hipótese e cumprir os demais objetivos do texto, este artigo é dividido em quatro seções. Na primeira delas, discutem-se as duas visões antagônicas da literatura sobre mobilização de normas internacionais de direitos humanos, apresentando o debate sobre a intermediação político-legal. Na segunda, analisa-se o contexto do caso Alvarado e o histórico de formação do CEDEHM. Posteriormente, são reconstituídas as três variáveis do modelo de intermediação político-legal entre CEDEHM e familiares das vítimas, com uma última seção de comentários finais.

Do ponto de vista metodológico, o estudo de caso sobre a relação entre o CEDEHM e a família Alvarado se valeu da realização de entrevistas semiestruturadas para coletar dados tanto sobre a sequência e lógica dos processos de interesse quanto sobre as motivações, estratégias e tipos de interação dos atores. As entrevistas foram realizadas com atuais e ex-integrantes do CEDEHM a partir de um roteiro de questões e perguntas pré-determinadas, porém abertas. Os tópicos dos roteiros para as entrevistas estavam embasados pela questão de pesquisa, e todas as entrevistas foram gravadas com o consentimento das pessoas entrevistadas. Posteriormente, procedeu-se a uma análise substantiva do seu conteúdo para testar a validade da hipótese e das categorias utilizadas, construir argumentos e estabelecer uma narrativa causal entre os fatores explicativos identificados.

A pesquisa envolveu deslocamento físico e estadia de uma semana na cidade de Chihuahua, capital do estado de mesmo nome, no norte do México, em outubro de 2018. Foram entrevistadas todas as pessoas que trabalharam no litígio do caso Alvarado perante o sistema interamericano de 2009 até o final de 2018, além de outros integrantes e fundadores do CEDEHM, totalizando sete entrevistas semiestruturadas cujas gravações resultaram em 673 minutos, equivalentes a 11,21 horas.10 10 A entrevista de menor duração foi de 57 minutos e a mais longa de 2 horas e 46 minutos. O tempo médio das entrevistas foi de 1 hora e 36 minutos. Como se tratava de reconstrução de uma amostra intencional e não aleatória, ou seja, de indivíduos que, tendo acompanhado o caso Alvarado, seriam capazes de relatar todas as etapas do processo de mobilização dos direitos humanos ao longo dos anos, utilizou-se o método snowball para identificar a rede de integrantes do CEDEHM que deveriam ser entrevistados, ademais de outros ex-membros que, por terem tido participação na criação da ONG e acompanhamento inicial do caso, poderiam também agregar à análise mais ampla do perfil da ONG11 11 Para uma explicação detalhada sobre a abordagem das entrevistas semiestruturadas utilizadas neste estudo, que ocupam um espaço intermediário entre as entrevistas totalmente abertas, mais comuns na etnografia, e as estruturadas, com questionários fechados, usadas em surveys, ver Rathbun (2008). .

Com base inicialmente em entrevistas realizadas na Cidade do México entre agosto e outubro de 2018 com outros ativistas de direitos humanos, docentes especializados na temática e, em particular, com a consultora do CEDEHM e ex-advogada do caso Alvarado, Alejandra Nuño, foi possível identificar integrantes e ex-integrantes do CEDEHM que, residindo em Chihuahua, foram previamente contatados para o agendamento de entrevistas presenciais e consentidas. Ter entrevistado todas essas pessoas permitiu atingir um patamar satisfatório de saturação quanto à obtenção de dados, informações e relatos disponíveis apenas em registro oral, sobretudo no que dizia respeito às dinâmicas de interação entre familiares e a equipe da ONG.

As informações recolhidas durante as entrevistas foram em seguida trianguladas com as seguintes fontes: documentos oficiais e vídeos de audiências produzidos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e Corte IDH sobre o caso, nos quais consta formalmente a interação dos familiares das vítimas com a equipe do CEDEHM (CIDH, 2016COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS - CIDH. 2016. Informe n. 3/16: Caso 12.916. Informe de Fondo - Nitza Paola Alvarado Espinoza, Rocío Irene Alvarado Reyes, José Ángel Alvarado Herrera y otros”. [S.l.]: Comisión Interamericana de Derechos Humanos.; Audiencia…, 2018aAUDIENCIA Pública Caso Alvarado Espinoza y otros vs. México Parte 1. 2018a. 105’20’’. Corte IDH. Vimeo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3g3Ap7b . Acesso em: 11 fev. 2021.
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); análises sobre a relação do CEDEHM com familiares de vítimas, tais como a pesquisa de Gerli (2018GERLI, María de Vecchi. 2018. ¡Vivxs lxs queremos! The battles for memory around the disappeared in Mexico. Tese de Doutorado em Filosofia. Londres: University College London.); inúmeros trabalhos da imprensa mexicana, com destaque para as várias matérias produzidas pela revista Proceso sobre o caso Alvarado (Díaz, 2018aDÍAZ, Gloria Leticia. 26 abr. 2018a. A 8 años de la desaparición de los primos Alvarado, familiares llegan a la CoIDH para exigir justicia. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yMldmb . Acesso em: 11 fev. 2021.
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; 2018bDÍAZ, Gloria Leticia. 28 abr. 2018b. Caso Alvarado: desnudan al Estado mexicano en la Corte Interamericana. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/37CgpnH . Acesso em: 11 fev. 2021.
https://bit.ly/37CgpnH...
; 2018cDÍAZ, Gloria Leticia. 21 dez. 2018c. Estado mexicano “intencionalmente” responsable en caso Alvarado: CoIDH. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yKRBWq . Acesso em: 11 fev. 2021.
https://bit.ly/3yKRBWq...
; 2019DÍAZ, Gloria Leticia. 8 jan. 2019. No militarizar la seguridad pública, sentencia la Corte Interamericana. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2Ufrisl . Acesso em: 11 fev. 2021.
https://bit.ly/2Ufrisl...
; 2020DÍAZ, Gloria Leticia. 19 jan. 2020. Caso Alvarado: “López Obrador es lo mismo que Calderón y Peña Nieto”. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yGa86a . Acesso em: 11 fev. 2021.
https://bit.ly/3yGa86a...
; Mayorga, 2013MAYORGA, Patricia. 8 ago. 2013. Admite la CIDH el caso de tres primos desaparecidos en Chihuahua en 2009. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2Xs0pmj . Acesso em: 11 fev. 2021.
https://bit.ly/2Xs0pmj...
; 2016MAYORGA, Patricia. 21 jan. 2016. Sentencian a 33 años de prisión a mandos militares por asesinato de dos civiles. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xJsp16 . Acesso em: 11 fev. 2021.
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); relatório da Anistia Internacional (2016) sobre desaparecidos em Chihuahua, que menciona o CEDEHM; estudo de Michel (2018MICHEL, Verónica. 2018. Prosecutorial accountability and victims’ rights in Latin America. Cambridge: Cambridge University Press .) sobre a abordagem dessa ONG; publicação da Front Line Defenders sobre Lucha Castro e o CEDEHM (Sack, 2017SACK, Jon. 2017. La Lucha: la historia de Lucha Castro y los Derechos Humanos en México. Ciudad de México: Editorial Resistencia.); notícias do blog oficial da própria ONG e vídeos da organização em suas páginas no YouTube e Facebook, muitos dos quais em transmissões ao vivo com familiares de pessoas desaparecidas em atos de protesto, marchas e homenagens às pessoas desaparecidas. Também foi entrevistada, na Cidade do México, Paula Mónaco Felipe2 ) Paula Mónaco Felipe. Jornalista especializada em direitos humanos. Cidade do México, 7 de setembro de 2018., jornalista especializada em direitos humanos, que acompanhou e entrevistou a família Alvarado durante a audiência do caso perante a Corte IDH e que prepara uma publicação a esse respeito.

Quanto aos familiares do caso Alvarado, não foi possível contatá-los e entrevistá-los pessoalmente. A situação de violência na fronteira norte do México, especificamente em Ciudad Juárez, onde ainda reside parte do núcleo da família Alvarado, impôs-se como obstáculo, assim como o fato de que muitos outros familiares das vítimas sofreram deslocamentos forçados para outras localidades dentro do México e até mesmo nos Estados Unidos, em El Paso, Texas, onde solicitaram asilo político. À época da pesquisa de campo, uma das familiares de maior protagonismo ao longo do litígio se encontrava sob risco e em localização não revelada.

Por conta dos muitos fatores envolvendo ameaças, intimidações e até mesmo ataques diretos e atentados contra a família, que inclusive resultaram em uma morte, a fim de evitar perigos para a pesquisa e para os familiares, e para afastar dilemas éticos de exposição e revitimização dessas pessoas, a escolha metodológica foi de concentrar as entrevistas na equipe de ativistas e fundadores do CEDEHM. De todo modo, com relação às perspectivas e vozes de familiares, inclusive de outros casos similares acompanhados pelo CEDEHM, é possível atestar e corroborar os resultados encontrados nas entrevistas analisadas neste texto acessando os testemunhos gravados de familiares em vídeos no Youtube (Las voces…, 2015LAS VOCES de los desaparecidos y las desaparecidas en Chihuahua, México. 28’02’’. Cedehm Chihuahua. YouTube. 2015. Disponível em: Disponível em: https://youtu.be/I0TJhdDiZVI . Acesso em: 11 fev. 2021.
https://youtu.be/I0TJhdDiZVI...
; Caso…, 2018CASO Alvarado: desaparición forzada en la fallida estrategia de seguridad militarizada ante la CoIDH”. 8’23’’. Cedehm Chihuahua. YouTube. 2018. Disponível em: Disponível em: https://youtu.be/ioryyT_itfQ . Acesso em: 11 fev. 2021.
https://youtu.be/ioryyT_itfQ...
), além de registros jornalísticos, como as entrevistas de Truax (2019TRUAX, Eillen. 2019. El muro que ya existe: las puertas cerradas de Estados Unidos. Ciudad de México: HarperCollins México.) com as filhas de Nitza Paola e o advogado Carlos Spector. Nesses materiais, claramente se apresenta um panorama convergente com o resultante da análise empírica apresentada neste artigo.

Um novo enquadramento teórico: a mobilização dos direitos humanos como campo de intermediação político-legal

Para os autores filiados à abordagem pessimista sobre a mobilização dos direitos humanos (Baxi, 2012BAXI, Upendra. 2012. The future of Human Rights. 3. ed. New Delhi: Oxford University Press.; Hopgood, 2013HOPGOOD, Stephen. 2013. The endtimes of Human Rights. Ithaca: Cornell University Press.; 2017HOPGOOD, Stephen. 2017. Human Rights on the road to nowhere. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights Futures. Cambridge: Cambridge University Press , 2017. pp. 283-310.; Moyn, 2010MOYN, Samuel. 2010. The last utopia: Human Rights in history. Massachusetts: Harvard University Press.; 2017MOYN, Samuel. 2017. Human Rights and the crisis of Liberalism. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights futures. Cambridge: Cambridge University Press . pp. 261-282.; Mutua, 2015MUTUA, Makau. 2015. Is the age of Human Rights over?. In: MCCLENNEN, Sophia; MOORE, Alexandra Schultheis (eds.). The Routledge Companion to literature and Human Rights. Oxon: Routledge. pp. 450-458.), o movimento internacional em torno dessa linguagem e de suas normas é recente, datando da década de 1970, superficial e elitista. Inventado, mantido e demandado por elites globais, sobretudo do Norte, com pouca conexão com os excluídos do Sul, nunca conseguiu ter êxito em engajar movimentos de massa, diferentemente do que ocorreu, no passado, com outras utopias e projetos de transformação social em larga escala. Nesse sentido, com seu viés extremamente individualista e calcado nos direitos políticos e civis, dentro da ordem econômica neoliberal mais ampla, os direitos humanos competiriam ideologicamente e acabariam abafando e excluindo outras plataformas políticas e reivindicatórias mais exigentes e promissoras em torno, por exemplo, de objetivos ligados à justiça social, às necessidades coletivas e ao combate das crescentes desigualdades de renda e oportunidades ao redor do mundo.

Como resultado, em vez de efeitos positivos, a insistência nesse formato legalista e individualista dos direitos humanos impediria a experimentação e surgimento de outras formas de inovação normativa. Ademais, tal enfoque atrapalharia a emergência de novos esquemas de mobilização social, que atualmente seriam reféns do universo do possível delimitado pelos direitos humanos previstos e reconhecidos, produzindo impactos deletérios até mesmo sobre a imaginação política e o vislumbramento de mundos alternativos pelos atores sociais. Apesar de todos esses problemas, em decorrência do seu peso hegemônico, essa linguagem altamente legalizada acabaria sendo utilizada e adotada de maneira instrumental e transitória pelos movimentos e atores de base para tentar atrair a atenção das redes transnacionais, produzindo efeitos colonizadores sobre as gramáticas de dissenso locais (Hopgood, 2013HOPGOOD, Stephen. 2013. The endtimes of Human Rights. Ithaca: Cornell University Press., p. 171).

Por conseguinte, esforços de transformação social radical seriam substituídos ou domesticados e encapsulados por projetos minimalistas e incrementais de reformas atrelados aos direitos humanos. Para Mutua, falta outra “linguagem para mobilizar a indignação global e inspirar a ação […] não há qualquer alternativa e linguagem convincente para lutar contra a injustiça e catástrofes em massa” (2015, p. 454, tradução livre). Desse modo, com a globalização neoliberal, que subordina e até mesmo anula direitos socioeconômicos, assiste-se ao avanço de uma agenda de direitos humanos afinada com pautas comerciais e do mercado, em que os interesses de capitalistas e suas corporações têm proeminência, mesmo que dependam do cometimento de violações contra o bem-estar de comunidades e seres humanos (Baxi, 2012BAXI, Upendra. 2012. The future of Human Rights. 3. ed. New Delhi: Oxford University Press., pp. 252-264).

No que diz respeito especificamente às relações entre ativistas profissionais e atores de base, as violações denunciadas pela linguagem dos direitos humanos estariam, na verdade, sendo transformadas de maneira cada vez mais acelerada em commodities, a fim de alimentar e financiar indústrias dominadas por tecnocratas legais, administrativos e de outras especialidades, voltados à gestão de fundos de ajuda, programas de auxílio e outras plataformas organizativas de gestão da dor e do sofrimento (Baxi, 2012BAXI, Upendra. 2012. The future of Human Rights. 3. ed. New Delhi: Oxford University Press.). Para Hopgood (2013HOPGOOD, Stephen. 2013. The endtimes of Human Rights. Ithaca: Cornell University Press.), o regime internacional de direitos humanos atuaria não para combater e aplacar o sofrimento humano, mas para garantir sua própria reprodução e sobrevivência institucional, como um fim em si mesmo, a favor de elites altamente profissionalizadas e distantes daqueles que são alvo de violências.

Em outras palavras, a elite global dos direitos humanos, com especial atenção para as grandes ONGs internacionais de ativismo, estaria divorciada dos grupos e movimentos de base, e seu legalismo abafaria outras formas de ação e narrativas locais. De acordo com essa interpretação top down, “uma economia política e moral mantém o global e o local irrevogavelmente separados […] e, portanto, a definição de prioridades tende a ser toda em uma direção” (Hopgood, 2013HOPGOOD, Stephen. 2013. The endtimes of Human Rights. Ithaca: Cornell University Press., p. 177, tradução livre), sem reciprocidade real. Assim, “o global inevitavelmente estrutura, disciplina, canaliza, institucionaliza e eventualmente coloniza o local, reproduzindo hierarquias de poder” (Hopgood, 2013HOPGOOD, Stephen. 2017. Human Rights on the road to nowhere. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights Futures. Cambridge: Cambridge University Press , 2017. pp. 283-310., p. X, tradução livre).

Já para os defensores da visão mais otimista, os direitos humanos podem sim desatar processos e impactos positivos em, pelo menos, três esferas: intergovernamental, doméstica e transnacional (Dancy e Sikkink, 2017DANCY, Geoff; SIKKINK, Kathryn. 2017. Human Rights data, processes, and outcomes: how recent research points to a better future. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights futures. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 24-59.; Keck e Sikkink, 1998KECK, Margaret Elizabeth; SIKKINK, Kathryn. 1998. Activists beyond borders: advocacy networks in International Politics. Ithaca: Cornell University Press .; Risse, Ropp e Sikkink, 1999RISSE, Thomas; ROPP, Stephen; SIKKINK, Kathryn. 1999. The power of Human Rights: international norms and domestic change. Cambridge: Cambridge University Press .; Simmons, 2009SIMMONS, Beth. 2009. Mobilizing for Human Rights: international law in Domestic Politics. New York: Cambridge University Press.). No plano de espaços e fóruns intergovernamentais, o direito internacional dos direitos humanos e a participação e interação dos Estados no bojo das instituições internacionais de supervisão podem provocar dinâmicas de socialização de elites nacionais recalcitrantes, levando a uma lenta, porém altamente consequente, alteração de práticas, interesses, valores e identidades, tal como teorizado pelas três etapas do modelo espiral original sobre o impacto das normas internacionais de direitos humanos: adaptação instrumental; argumentação e persuasão; e habitualização (Risse, Ropp e Sikkink, 1999RISSE, Thomas; ROPP, Stephen; SIKKINK, Kathryn. 1999. The power of Human Rights: international norms and domestic change. Cambridge: Cambridge University Press .).12 12 O processo de mudanças e concessões táticas que começaria por razões instrumentais, com argumentos utilizados apenas retoricamente, em resposta às pressões, se tornaria cada vez mais um processo argumentativo e de persuasão, no qual os líderes se convenceriam, com o passar do tempo, de que o seu comportamento seria inconsistente com a identidade à qual eles aspirariam, de membros da comunidade liberal de Estados. Ao final desse processo de socialização, essa mudança substantiva de identidade e valores levaria à internalização plena dos padrões e normas internacionais, com um cumprimento habitual e rotineiro (Risse, Ropp e Sikkink, 1999, p. 15).

Domesticamente, os direitos humanos podem empoderar movimentos sociais, vítimas, ONGs e outros atores, oferecendo-lhes recursos jurídico-legais, simbólicos, políticos, discursivos e de mobilização para questionar políticas e práticas dos Estados, além de combater as condições socioeconômicas e políticas mais amplas que tornam os abusos possíveis e recorrentes. Assim, os compromissos normativos dos Estados são usados por grupos internos para alterar agendas nacionais de políticas, litigar em nome da exigibilidade dos novos direitos reconhecidos perante tribunais nacionais e fomentar ações coletivas e de resistência de movimentos sociais (Simmons, 2009SIMMONS, Beth. 2009. Mobilizing for Human Rights: international law in Domestic Politics. New York: Cambridge University Press.).

Finalmente, o direito internacional dos direitos humanos e as instituições internacionais fortalecem também as redes transnacionais de ativismo. Com base nas normas internacionais, as redes usam a arena internacional para identificar e expor práticas de violações dos Estados por meio de estratégias de naming e shaming (Khagram; Riker; Sikkink, 2002KHAGRAM, Sanjeev; RIKER, James; SIKKINK, Kathryn. 2002. From Santiago to Seattle: transational advocay groups restructuring world politics. In: KHAGRAM, Sanjeev; RIKER, James; SIKKINK, Kathryn (eds). Restructuring world politics: transnational social movements, networks and norms. Minneapolis: University of Minnesota Press. pp. 3-23.; Risse, 1999RISSE, Thomas; 1999. Avances en el estudio de las relaciones transnacionales y la política mundial. Foro Internacional, Ciudad de México, v. 39, n. 4, pp. 374-403.),13 13 Levadas a cabo pelas ONGs de direitos humanos, as estratégias de naming e shaming envolvem enunciar e dar publicidade às violações cometidas, salientando as normas nacionais e internacionais desrespeitadas. Assim, espera-se “envergonhar” o Estado, antecipando que custos de imagem e reputação possam gerar incentivos e pressões para reformas e medidas de não repetição. mobilizando as instituições internacionais, a opinião pública e governos estrangeiros para pressionar, sancionar ou persuadir os Estados que violam as normas a que aceitem sua validade e passem a cumpri-las. Nesse sentido, atores não estatais, que de outra forma seriam fracos, podem explorar a legitimidade inerente às normas internacionais de direitos humanos para construir redes transnacionais e transformar concepções prevalecentes sobre os interesses dos Estados.

Em resumo, para os pessimistas, o ativismo profissional em direitos humanos é sempre colonizador, predatório e tecnocrático. Não faz sentido, portanto, falar em dimensões de intermediação entre ONGs e ativistas, por um lado, e vítimas e atores de base, por outro. Isso porque a parte intermediada é necessariamente entendida, já de antemão, como silenciada e instrumentalizada pelo intermediador em uma relação hierárquica de poder.

Já no caso dos otimistas, tampouco se problematiza ou se olha com mais atenção para essa relação entre ativismo profissional e atores de base. Pressupõe-se que o intermediador sempre trabalhará a favor dos interesses do intermediado, mesmo quando essa parte não tiver clareza acerca dos seus próprios interesses ou encontre dificuldades para expressar suas demandas em razão de sua posição socialmente marginalizada. Haveria assim, portanto, uma harmonia de interesses, quando as ONGs de fato expressam as pautas de movimentos e vítimas, ou até mesmo, em última instância, um elitismo esclarecido e altruísta do intermediador, caso haja dificuldade de vocalização de reivindicações pela parte afetada por violações. Nesse caso, em razão de sua posição privilegiada de acesso ao Estado e organizações internacionais e como resultado de sua expertise técnico-legal e de leitura do cenário político-institucional, o intermediador conseguiria acessar os reais interesses do intermediado e falar em nome desses grupos subalternos, porventura calados em decorrência da extrema violência sofrida.

Diferentemente desse dualismo entre a teleologia progressista e o fatalismo inevitável que se apoderou da discussão, estudos sociolegais (McCann, 1994MCCANN, Michael. 1994. Rights at work: pay equity reform and the politics of legal mobilization. Chicago: University of Chicago Press.; 1998MCCANN, Michael. 1998. How does law matter for social movements? In: GARTH, Bryant; SARAT, Austin (eds.). How does law matter? Fundamental issues in law and society. Evanston: Northwestern University Press. pp. 76-108.; McCann e Lovell, 2018MCCANN, Michael; LOVELL, George. 2018. Toward a radical politics of rights: lessons about legal leveraging and its limitations. In: GRAY, Paul Christopher (ed.). From the streets to the state: changing the world by taking power. Albany: State University of New York Press. pp. 139-159.), de antropologia legal (Eckert et al., 2012ECKERT, Julia; DONAHOE, Brian; STRÜMPELL, Christian; BINER, Zerrin Özlem. 2012. Law against the State: ethnographic forays into law’s transformations. Cambridge: Cambridge University Press .) e reflexões de acadêmicos latino-americanos (Estévez e Vásquez, 2017ESTÉVEZ, Ariadna; VÁZQUEZ, Daniel (coords.). 2017. 9 razones para (des) confiar de las luchas por los derechos humanos. México: FLACSO México .) há muito argumentam em trabalhos empíricos que não existe, a princípio, uma essência emancipadora e libertadora ou opressora e de dominação da linguagem dos direitos humanos. Dada a polivalência e indeterminação social do Direito, essa disjuntiva não tem solução no plano teórico e depende da prática concreta dos atores. Apenas a análise da conjunção de fatores legais e extralegais em contextos históricos específicos e determinados permite o entendimento de “quando, como e em que grau o discurso e as instituições legais oferecem [ou não] recursos para grupos oprimidos” (McCann e Lovell, 2018MCCANN, Michael; LOVELL, George. 2018. Toward a radical politics of rights: lessons about legal leveraging and its limitations. In: GRAY, Paul Christopher (ed.). From the streets to the state: changing the world by taking power. Albany: State University of New York Press. pp. 139-159., p. 140, tradução livre).

Nesse sentido, o modelo teórico da intermediação política oferece justamente um conjunto de fatores e variáveis determinantes que estruturam as práticas de uso e consequentes resultados da linguagem dos direitos humanos. Em outras palavras, argumentamos que o impacto positivo ou negativo da mobilização dos direitos humanos, assim como o maior ou menor grau de sua conexão com lutas e movimentos sociais, não estão dados e nem são uma consequência intrínseca dessa linguagem. Tais resultados dependem das práticas sociais de intermediação e representação político-legal levadas a cabo por grupos de direitos humanos em casos concretos frente a atores de base e movimentos sociais,14 14 A intermediação política é uma relação triádica e necessariamente marcada por diferenças e assimetrias. Ela “refere-se à mediação exercida verticalmente por um ator, com vantagens posicionais, que conecta cidadãos, atores coletivos ou organizações, por um lado, e instâncias de autoridade pública localizadas em níveis superiores, por outro” (Zaremberg, Guarneros-Meza e Lavalle, 2017, p. 12-13, tradução livre). Nesse sentido, é “uma atividade que requer engenhosidade, a capacidade de medir precisamente (estar no meio), e, ao mesmo tempo, realizar a tarefa em terreno fértil, como um veículo para a gestação de algo novo (agir como um meio)” (Zaremberg, Guarneros-Meza e Lavalle, 2017, p. 12, tradução livre). aspecto negligenciado pela literatura de Relações Internacionais que tradicionalmente prioriza não esse nexo social, mas a análise de como as ONGs se envolvem em processos de socialização das elites político-institucionais.

Entre os vários circuitos e horizontes possíveis de representação política identificados por Zaremberg, Guarneros-Meza e Lavalle (2017ZAREMBERG, Gisela; GUARNEROS-MEZA, Valeria; LAVALLE, Adrian. 2017. Beyond elections: representation circuits and political intermediation”. In: ZAREMBERG, Gisela; GUARNEROS-MEZA, Valeria; LAVALLE, Adrian (eds.). Intermediation and representation in Latin America: actors and roles beyond elections. London: Palgrave Macmillan . pp. 1-30.) para além das tradicionais formas eleitoral-partidária e sindical-trabalhista, Ansolabehere e Bethencourt (2017ANSOLABEHERE, Karina; BETHENCOURT, Paula Valle de. 2017. The political-legal representation circuit of human rights politics. In: Zaremberg, Gisela; Guarneros-Meza, Valeria; Lavalle, Adrian (eds.). Intermediation and representation in Latin America: actors and roles beyond elections. London: Palgrave Macmillan. pp. 159-180.) identificam a defesa dos direitos humanos como uma forma híbrida de intermediação política em que a representação legal se mescla com a construção de pontes políticas (brokerage) para vocalização de interesses. Desse modo, fusionam-se: (1) o terreno técnico, burocrático e legal da alta expertise jurídica requerida para a condução dos casos e litígios; e (2) o campo de participação política e de criação de espaços, agendas públicas e regras, voltado aos reclamos da mobilização e reivindicações de direitos e causas de grupos sub-representados, cujo objetivo é alcançar mudanças sociais e obter soluções concretas para as demandas das vítimas.

Dentro desse circuito político-legal, são três as dimensões variáveis da intermediação que condicionam o impacto e tipo da mobilização dos direitos humanos, que serão rastreadas na análise empírica do caso Alvarado a fim de testar nossa hipótese. Em primeiro lugar, a depender do nível de consciência, conhecimento e, sobretudo, consentimento dos stakeholders frente às ações tomadas em seu nome, está o grau de reconhecimento, autoridade e legitimidade concedido por esses atores ao intermediário. Ademais, varia ainda o grau de prestação de contas (accountability) dos intermediários frente aos stakeholders, com maiores ou menores constrangimentos de controle e consulta impostos ao comportamento e decisões dos intermediários. Por fim, há a dimensão substantiva da intermediação, i.e., as maneiras como os atores envolvidos na intermediação constroem o conteúdo da demanda ou interesse dos stakeholders em um continuum que varia entre posturas de antagonismo ou agonismo frente ao Estado e/ou organizações internacionais. As confrontações podem ou não então ser mediadas pela vigência de regras básicas comuns e pela aceitação da existência de um “outro” com interesses, demandas e crenças divergentes e opostas.15 15 A fim de operacionalizar empiricamente essas variáveis nas pesquisas, Ansolabehere e Bethencourt (2017, p. 167-168, tradução livre) oferecem as seguintes perguntas que foram utilizadas para orientar nossas entrevistas: “Até que ponto os representados estão conscientes das ações realizadas em seu nome e concedem seu consentimento?” (reconhecimento do intermediário); “até que ponto os representados podem controlar, ou apelar a alguma forma de controle, diante [das ações] dos representantes” (accountability); “até que ponto o representante propõe uma maneira agonista ou antagonista de construir a demanda ou o interesse do representado?” (conteúdo da intermediação).

Portanto, contrariamente ao enquadramento rígido entre otimistas e pessimistas, argumentamos que essas duas leituras sobre os efeitos emancipatórios ou de manutenção do status quo não devem ser consideradas como mutuamente excludentes, mas como extremidades de um mesmo espectro de muitos resultados possíveis da mobilização dos direitos humanos, cujos impactos finais dependerão da configuração específica dessas três variáveis do modelo explicativo. Ao incorporar a análise da intermediação político-legal e das três variáveis que compõem as relações das ONGs com atores de base e Estados e instâncias internacionais, fica claro que existe uma grande variedade e muitas diferenças nos modos de agir e de mobilizar as normas de direitos humanos, assim como nas formas de interagir com os atores de base, Estados e organismos internacionais, que são altamente consequentes e demandam problematização.

A partir da análise de um caso empírico concreto, o propósito deste artigo é o de demonstrar a aplicação e operacionalização desse novo conjunto de proposições teóricas e de suas respectivas variáveis e dimensões analíticas. Tal corpus teórico-analítico descortina um possível e profícuo novo caminho de pesquisas diante das limitações dos dois modelos tradicionalmente utilizados no campo das Relações Internacionais para pensarmos os limites e alcances da linguagem e da mobilização dos direitos humanos. Nesse sentido, argumenta-se que a nova abordagem defendida neste artigo, que gira em torno do conceito de intermediação político-legal e de seus três níveis de análise (reconhecimento, prestação de contas e dimensão substantiva), traz contribuições relevantes que rompem certo esquematismo do debate polarizado dos últimos dez anos entre as perspectivas positiva e negativa.

Em vez de apenas dois eixos dicotômicos e excludentes para classificar as relações entre ativismo profissional, por um lado, e vítimas e atores de base, por outro, que obrigariam a situar os direitos humanos como ferramenta despolitizadora ou emancipatória, a análise em torno do conceito de intermediação político-legal revela como o espectro de possibilidades é muito mais nuançado e passível de comportar evidências empíricas sobre a mobilização dos direitos humanos em diferentes escalas e pontos de localização entre esses dois extremos. Sem ter que escolher, de antemão, nenhum dos lados, pode-se, com as ferramentas analíticas desse novo modelo, no momento da análise empírica dos casos, situá-los nessa gama de possíveis resultados ao longo do continuum que separa as visões de otimistas e pessimistas, a depender dos scores verificados nas três variáveis que compõem a intermediação.

Com base nessa abordagem, nas próximas seções analisaremos brevemente o histórico do Centro de Direitos Humanos das Mulheres e o circuito de intermediação político-legal estabelecido pelo CEDEHM entre SIDH e Estado, por um lado, e familiares do caso Alvarado, por outro. Essa intermediação reflete uma relação mais ampla com outras famílias de desaparecidos e objetiva determinar o paradeiro dessas pessoas, obter justiça e verdade, garantir políticas de prevenção e reparação, além de combater a militarização da segurança pública.

O caso Alvarado: contexto e histórico prévio do CEDEHM

Entre março de 2008 e janeiro de 2010, em decorrência da militarização da segurança pública do México impulsionada pelo governo Calderón, o estado de Chihuahua foi palco do OCCH, com um saldo sem precedentes de mortes e de escalada de casos de graves violações de direitos humanos.16 16 Mantida pelos governos subsequentes dos presidentes Enrique Peña Nieto (2012-2018), do Partido Revolucionário Institucional (PRI), e Andrés Manuel López Obrador (2018-2024), do Movimento Regeneração Nacional (MORENA), essa estratégia de militarização nacional resultou, até o final de 2020, segundo dados oficiais da Secretaría de Gobernación, em mais de 80 mil desaparecidos desde dezembro de 2006 (Villa y Caña e Morales, 2021). Para análises a respeito das múltiplas dinâmicas de violação dos direitos humanos que foram desatadas pela militarização da segurança pública no México, consultar Human Rights Watch (2011; 2013) e Centro Prodh (2019; 2020). No dia 29 de dezembro de 2009, a violência e a onda de desaparecimentos forçados que se alastravam vertiginosamente naquele território acabaram atingindo a família Alvarado. Um grupo de oito a dez homens com fardas militares desapareceu com Nitza Paola, José Ángel e Rocío Irene no ejido Benito Juárez da cidade de Buenaventura.

Logo em seguida, movidos pela dor, indignação e esperança de encontrá-los com vida, seus familiares começaram a buscá-los incessantemente. Dada a experiência acumulada das organizações da sociedade civil de Chihuahua com os mecanismos internacionais de direitos humanos desde os conflitos eleitorais dos anos de 1980 e ao longo da crise de feminicídios nas duas décadas subsequentes,17 17 Em 1990, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) se pronunciou pela primeira vez sobre um caso mexicano, referente a fraudes eleitorais cometidas pelo PRI em eleições de Chihuahua, em 1985 e 1986, e de Durango, em 1986. A CIDH concluiu que as eleições não haviam sido livres e justas e recomendou reformas eleitorais. Anos mais tarde, em decorrência dos feminicídios em Ciudad Juárez, o movimento de mulheres da região recebeu dezenas de visitas de funcionários de governos estrangeiros e de mecanismos, relatores e ONGs internacionais de direitos humanos. Em 2009, esse processo atingiria o ápice com a emissão da sentença do caso Campo Algodonero contra o México pela Corte IDH, que foi fundamental para o processo de tipificação legal do crime de feminicídio no país, em 2012. já nos primeiros dias após os fatos ativaram-se as redes, recursos e estruturas de mobilização transnacionais com que contavam os grupos de direitos humanos da fronteira. No início de janeiro de 2010, o CEDEHM prontamente enviou informações sobre o caso para o Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários da ONU, que emitiria ações urgentes, e para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Responsável pelo caso Alvarado desde as primeiras denúncias das famílias, o CEDEHM tinha sido criado inicialmente para lidar com a questão da violência de gênero em 2006, mas teve de expandir o escopo de sua atuação em razão das violações massivas de direitos humanos resultantes da militarização do estado de Chihuahua. Seus três fundadores - Lucha Castro (advogada e teóloga), Alma Gómez (professora de escolas rurais e ex-presa política) e Gabino Gómez (engenheiro agrônomo, ejidatário e pequeno produtor de maçãs) - não eram originalmente defensores e ativistas profissionais de direitos humanos, mas lutadores sociais e ex-militantes políticos com longa e forte tradição de presença no ejido Benito Juárez. Com o tempo e após a assistência de outras lideranças, como Rossina Uranga (psicóloga), os três construíram uma ONG que nunca perdeu sua conexão com os atores de base e, sobretudo, com as lutas que marcam o ejido Benito Juárez até hoje, conhecido pela história de militância e resistência de pequenos e médios produtores rurais em relação à defesa do meio ambiente, da terra e dos recursos naturais, como a água.

Na década de 1990, ainda como parte do movimento social Barzón,18 18 O Barzón surgiu como movimento social em 1993, originalmente abarcando pequenos e médios agricultores extremamente endividados, cujo patrimônio familiar se encontrava em risco de confisco pelos bancos. As dívidas eram um efeito das políticas neoliberais mexicanas de ajuste econômico e de liberalização comercial frente aos produtos agrícolas mais baratos dos Estados Unidos e Canadá. Com a profunda crise econômico-financeira de 1994, o problema do endividamento sistêmico se estendeu às cidades, afetando pequenos empresários e a classe média, especialmente por conta do crédito hipotecário e do aumento exponencial dos juros, levando muitas famílias a sofrer despejos e confiscos de suas moradias. Para um estudo completo sobre o Barzón e suas estratégias de mobilização social durante a década de 1990, no contexto da democratização do México, cf. Grammont, 2001. Lucha, Alma e Gabino haviam defendido a causa dos pequenos produtores rurais e classes médias endividados em razão, respectivamente, da abertura comercial aos produtos agrícolas dos EUA e da crise financeira de 1994, processos que os haviam afetado pessoalmente em meio à espiral abusiva de cobrança de juros de empréstimos e confisco de imóveis residenciais pelos bancos. Anos mais tarde, sensibilizados pelos feminicídios em Ciudad Juárez e provocados por Norma Ledezma, mãe da jovem desaparecida Paloma Escobar, os três passaram a acompanhá-la junto de outras mães de mulheres assassinadas e desaparecidas por meio do coletivo Justiça para Nossas Filhas (JPNH), pressionando o Ministério Público a investigar os casos.

Depois da defesa jurídico-legal contra os bancos, no âmbito cível, assistindo os endividados do Barzón que perdiam suas casas, a atuação de Lucha, Alma e Gabino, via JPNH, seria a primeira incursão dessas lideranças no universo jurídico-penal das cortes nacionais. Além disso, esse período foi marcado também pela exposição dos três a várias visitas de mecanismos internacionais e ONGs estrangeiras de direitos humanos à região, dado o interesse da rede transnacional de ativismo pela situação em Ciudad Juárez. Isso culminaria na apresentação de uma petição sobre o caso de Paloma Escobar à CIDH já em dezembro de 2003 por parte de Lucha e de duas importantes ONGs profissionais sediadas respectivamente em Washington e na Cidade do México: o Center for Justice and International Law (CEJIL), responsável por cerca de metade de todos os litígios ante o SIDH, e a Comissão Mexicana para a Defesa e Proteção dos Direitos Humanos (CMDPDH), um dos principais grupos mexicanos de direitos humanos.

De modo similar, tanto o Barzón quanto o JPNH se notabilizaram por um forte esforço de organização e de empoderamento popular, com a preocupação de promover uma perspectiva de socialização do direito e de alfabetização jurídica. Para tanto, eram comuns e frequentes as oficinas populares para conscientização de direitos e difusão de informações sobre os procedimentos e recursos em processos legais ante o sistema mexicano de justiça. No Barzón, ações coletivas de resistência civil pacífica eram realizadas durante as ações de despejo, na tentativa de impedi-las, além de assembleias e reuniões para discutir estratégias do movimento. Ensinava-se as pessoas a ir ao tribunal no qual se encontrava seu processo para solicitá-lo, ajudando-as a entender as últimas decisões tomadas pelo juiz correspondente. No grupo JPNH, táticas e estratégias de protesto eram construídas coletivamente com as mães, respondendo a um pedido expresso delas diante da falta de resposta das autoridades. As etapas legais dos processos de investigação também lhes eram explicadas, com agendamento de reuniões de seguimento com a Procuradoria para cobrar providências, pedir cópias dos processos e acompanhar os casos na luta por verdade e justiça frente aos assassinatos e desaparecimentos de mulheres.

Finalmente, em 2005, durante os debates sobre a criação de um novo sistema penal acusatório no estado de Chihuahua, o grupo formado por Alma, Lucha e Gabino concluiria a constituição de um novo circuito técnico de representação jurídico-legal. Marcado pelo trabalho propriamente profissional em litígios e casos de direitos humanos, esse novo circuito técnico jamais abandonaria por completo o universo da luta político-social e seu tradicional papel de intermediação política na reivindicação de direitos, herança da atuação dos três junto ao Barzón e ao JPNH. O grupo participou da elaboração da lei sobre o novo sistema penal acusatório, inserindo a necessidade do enfoque de gênero e garantindo a expansão dos direitos processuais das vítimas por meio da criação da figura do acusador coadjuvante, que ampliava o controle sobre o trabalho do Ministério Público e punha fim a seu monopólio de investigação e persecução criminal dos delitos.19 19 No sistema penal acusatório, o juiz deixa de decidir apenas com base em expedientes escritos acumulados durante o processo. Estabelecem-se audiências com as sustentações orais das partes, de modo que o juiz, para embasar sua sentença, deve ouvir antes a defesa do acusado, o Ministério Público e a figura do acusador coadjuvante, dentro da qual podem se inserir ONGs como o CEDEHM. O acusador coadjuvante tem a prerrogativa de se opor às teses do Ministério Público e até a seus pedidos de arquivamento dos casos, potencialmente impactando assim a decisão final dos magistrados.

Como resultado, além de forte passado de ativismo e mobilização social, o CEDEHM consolidou a estratégia adicional de direcionar seus esforços também para o âmbito do Direito e dos tribunais internos, acumulando a expertise requerida para tanto. Em reconhecimento, o grupo recebeu do governo estadual o mesmo treinamento concedido a juízes e promotores sobre o funcionamento do novo sistema penal e durante muito tempo seria a única ONG a litigar casos penais nos tribunais mexicanos.

No que tange ao tema dos desaparecimentos forçados, o caso Alvarado foi logo o primeiro a chegar ao CEDEHM, abrindo um novo campo de atuação para o grupo. Como várias outras ONGs do interior do México imersas em contextos de grave violência, o CEDEHM não podia escolher ou priorizar casos a partir de considerações sobre suas chances de gerar litígios emblemáticos e inovações jurisprudenciais. As maiores ONGs da Cidade do México, afastadas dos epicentros das violações e com mais recursos e equipes qualificadas de advogados, conseguem orientar seu trabalho por esses tipos de critérios, mas, no caso do CEDEHM, era preciso simplesmente responder à urgência da crise. Embora os familiares de Nitza Paola, José Ángel e Rocío Irene não tivessem precedentes de participação no Barzón, cujo edifício-sede é até hoje dividido com o CEDEHM, eles buscaram a ajuda de lideranças locais do movimento, notório por sua forte presença no ejido Benito Juárez de Buenaventura na defesa do direito à água e ao território. Martín Solis, líder barzonista, ativou então os contatos do CEDEHM e rapidamente a organização passou a acompanhar o caso.

Em março de 2010, em resposta à solicitação do CEDEHM, a CIDH concedeu medidas cautelares sobre o caso com o objetivo de preservar a integridade física dos três desaparecidos e garantir que fossem liberados. A rapidez na solicitação desse instrumento para o caso Alvarado se devia ao fato de que, em 2008, a Comissão havia concedido medidas cautelares ao próprio CEDEHM, de modo que o grupo já possuía um acúmulo institucional de conhecimento sobre o mecanismo, especialmente para situações de risco (Gabino Gómez, entrevista pessoal5 ) Gabino Gómez. Fundador do CEDEHM e responsável pela área de desaparecimentos forçados. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.). Meses depois, dado o incumprimento do Estado, a Corte IDH foi acionada pela CIDH e outorgou medidas provisórias de urgência na mesma direção de proteção dos três desaparecidos. De acordo com Ruth Fierro, atual diretora do CEDEHM, para além de tentar gerar efeitos em relação à busca das pessoas desaparecidas, tanto as medidas cautelares quanto as provisórias eram o único caminho de que a organização dispunha para chamar a atenção do Estado ao caso e poder consultar as informações sobre as investigações e processos, cujo acesso era negado aos familiares e seus representantes legais (Ruth Fierro, entrevista pessoal8 ) Ruth Fierro. Advogada e diretora do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.).

Ademais, ainda segundo ela, foi muito importante ter enviado a solicitação de medidas cautelares à CIDH de maneira tão rápida, pois isso permitiu à comissão ver todo o desenvolvimento posterior do caso e se apropriar dele “como um caso próprio” (Ruth Fierro, entrevista pessoal, tradução livre8 ) Ruth Fierro. Advogada e diretora do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.). Desse modo, com a posterior submissão da petição, em 2011, a CIDH se converteu em importante aliada, realizando o per saltum do caso, i.e., posicionando a petição em ordem de prioridade superior à de outras denúncias (Gabino Gómez, entrevista pessoal5 ) Gabino Gómez. Fundador do CEDEHM e responsável pela área de desaparecimentos forçados. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.), o que contribuiu para sua tramitação mais célere. Para Ruth, uma dinâmica similar ocorreu com a Corte IDH, que, ao outorgar medidas provisórias de urgência, também foi se familiarizando com o contexto, detalhes e omissões do Estado frente ao caso desde muito cedo (Ruth Fierro, entrevista pessoal8 ) Ruth Fierro. Advogada e diretora do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.). Segundo Lucha Castro, o CEDEHM realizou algumas visitas à CIDH em Washington a fim de realizar incidência política e advocacy para que houvesse o per saltum (entrevista pessoal), o que novamente já revelava um grau considerável de profissionalização, expertise técnica e de conexões internacionais da organização.

Nesse mesmo sentido, relembrando o processo de internacionalização da atuação do CEDEHM a partir do caso Alvarado e seu ingresso na organização em março de 2011, Ruth chama a atenção para o fato de que, já no seu primeiro dia de trabalho, Lucha Castro a encaminhou para participar de uma oficina de capacitação sobre o funcionamento do SIDH oferecida por Alejandra Nuño, então integrante do escritório do CEJIL na Costa Rica, que, tempos depois, se integraria à equipe do CEDEHM e seria uma das advogadas do caso Alvarado junto de Ruth perante o sistema. Responsável por escrever a petição do caso Alvarado em junho de 2011, Ruth comenta que a decisão foi a de que o CEDEHM ativasse o SIDH sozinho, sem que o CEJIL as representasse ou atuasse como co-peticionário, a fim de gerar estruturas, recursos e capacidades locais de litigar internacionalmente.20 20 De todo modo, o CEJIL continuou sendo um importante aliado, oferecendo apoio e orientação, inclusive facilitando a logística de visitas a Washington e Costa Rica. A esse respeito, Alma Gómez recorda também que uma das advogadas do CEDEHM, Irma Villanueva, que se converteria em coordenadora da área legal da organização, havia feito um estágio em 2010 no escritório do CEJIL na Costa Rica (entrevista pessoal).

Nesse sentido, ainda que, para muitos dos integrantes do CEDEHM, o foco inicial nessa primeira etapa de trabalho com o caso fosse auxiliar com a situação delicada das famílias e lidar com a emergência de encontrar os três desaparecidos, Lucha Castro, então diretora do CEDEHM, já possuía uma estratégia de mais longo prazo para o litígio internacional, que inclusive contemplava sua eventual chegada à Corte IDH. Ela estava mais familiarizada com o universo do Direito e com o funcionamento do sistema interamericano em razão da sua formação como advogada e de ter acompanhado o caso da filha de Norma Ledezma, bem como várias audiências temáticas sobre feminicídios ante a CIDH ao longo dos anos como parte do grupo JPNH (Lucha Castro, entrevista pessoal6 ) Luz Estela Castro Rodríguez (Lucha Castro). Advogada, fundadora e ex-diretora do CEDEHM. Chihuahua, 14 de outubro de 2018.).

Ademais, nessa época, a emblemática sentença do caso Campo Algodonero sobre feminicídios cometidos no norte do estado de Chihuahua havia gerado um efeito demonstração tanto sobre a possibilidade de chegar à Corte IDH quanto sobre a importância e as repercussões políticas e legais de uma condenação contra o México.21 21 Segundo Lucha, “acabava de acontecer a sentença de Campo Algodonero. Então estava por aí em trânsito o caso de Inés e Valentina etc. Ou seja, já tínhamos no México ao menos um panorama de que estes casos podiam chegar à Corte” (entrevista pessoal, tradução livre). A esse respeito, Lucha recorda que a então recente experiência do caso, cuja sentença havia sido emitida em 2009, também a direcionava para a Corte IDH, mostrando a necessidade de estruturar, a partir do caso Alvarado, uma área de atuação internacional institucionalizada dentro do CEDEHM que consolidasse as várias atividades de ativismo e incidência internacional com as quais a organização e seus membros estavam envolvidos há muito tempo. Se, de início, os primeiros escritos para a CIDH sobre informações do caso e solicitação de medidas cautelares haviam sido produzidos por Laura, filha de Lucha, quem primeiro sinalizou a importância de ativar as instâncias internacionais (Lucha Castro, entrevista pessoal6 ) Luz Estela Castro Rodríguez (Lucha Castro). Advogada, fundadora e ex-diretora do CEDEHM. Chihuahua, 14 de outubro de 2018.), posteriormente houve um processo de capacitação, aprendizado institucional e profissionalização no interior da organização para o prosseguimento da petição, como demonstrado pelo treinamento recebido por Ruth e pela incorporação de uma experiente litigante como Alejandra Nuño.

Contrariando o que seria esperado por Hopgood (2013HOPGOOD, Stephen. 2013. The endtimes of Human Rights. Ithaca: Cornell University Press.) e outros autores céticos, essas mudanças no sentido de adensamento dos vínculos transnacionais e da tecnificação jurídico-legal da organização não implicaram perda de conexão com as vítimas e movimentos sociais de base, tal como ficará claro na próxima seção. Quando a equipe fundadora do que viria a ser o CEDEHM se direcionou para uma atuação propriamente dita em direitos humanos, mais apegada aos padrões legais e aos códigos, rotinas e modelos organizacionais das ONGs, a trajetória acumulada anteriormente à formação do grupo, de acompanhamento dos movimentos sociais, gerou impactos significativos sentidos até hoje nas suas práticas. Assim, durante essa mudança de papéis e de missões institucionais, a indignação e o compromisso pessoal e emocional com as vítimas e com o objetivo de transformação social não foram abandonados. Tais elementos foram preservados como uma “paixão destilada” (Tate, 2007TATE, Winifred. 2007. Counting the dead: the culture and politics of Human Rights activism in Colombia. Berkeley: University of California Press.), i.e., agora filtrada pelas limitações inerentes ao novo campo de ação em direitos humanos, voltado à criação de precedentes judiciais e de canais de pressão e influência para a concretização de reformas e políticas públicas.

A intermediação político-legal no caso Alvarado: reconhecimento, prestação de contas e construção da demanda entre CEDEHM e familiares

Em seu testemunho presencial perante a Corte IDH, María de Jesús Alvarado, irmã de Nitza Paola, relata como, já nos primeiros dias de busca de Nitza, José Ángel e Rocío Irene, Lucha Castro e Gabino Gómez acompanhavam os familiares, com idas a quartéis, postos militares e encontros com autoridades estatais (Audiencia…, 2018aAUDIENCIA Pública Caso Alvarado Espinoza y otros vs. México Parte 1. 2018a. 105’20’’. Corte IDH. Vimeo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3g3Ap7b . Acesso em: 11 fev. 2021.
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). No mesmo sentido, Rosa Alvarado, irmã de José Ángel, afirma: “todas as investigações e todo o que se levou a cabo foi pelas mãos de e graças a Gabino, Lucha Castro e a Ruth e a toda a equipe do CEDEHM” (En…, 2020EN las voces de Gabino Gómez y Rosa Alvarado; caso Alvarado Espinoza y otros Vs México”. 64’04’’. Cedehm Chihuahua. YouTube. [20--]. Disponível em: Disponível em: https://youtu.be/k35XXFVgpr0 . Acesso em: 11 fev. 2021.
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, tradução livre). Igualmente, em entrevista concedida à jornalista Eileen Truax por Carlos Spector, advogado responsável pela solicitação de asilo político da família de Nitza Paola nos Estados Unidos, atesta-se a importância do caso Alvarado como catalisador da organização de familiares de vítimas de desaparecimentos forçados em torno do CEDEHM:22 22 Diferentemente do que ocorre em outros estados do país, nos quais familiares de pessoas desaparecidas conformaram grupos e coletivos autônomos, diferenciados e apartados das ONGs de direitos humanos que formalmente fazem a representação jurídico-legal dos seus casos, em Chihuahua, até hoje, os familiares não têm uma associação própria, articulando-se sempre em torno do CEDEHM (cf. Gerli, 2018).

O povo viu o que ocorreu e a família inteira começou a protestar, a apresentar queixas perante a Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), perante a PGR [Procuradoria Geral da República], a ponto que o movimento de desaparecidos em Chihuahua começa realmente com este caso, pelas mãos de Alma Gómez Camino e Lucha Castro. Elas começam, a partir do caso da família Alvarado Espinoza, um movimento estadual e se unem ao movimento dos desaparecidos no México. (Truax, 2019TRUAX, Eillen. 2019. El muro que ya existe: las puertas cerradas de Estados Unidos. Ciudad de México: HarperCollins México., p. 137, tradução livre)

Ao longo da tramitação do caso, membros da família Alvarado sofreram ameaças, perseguições, atentados e constantes campanhas de estigmatização e criminalização. Como resultado, em meio a esse cenário perigoso, muitos dos familiares tiveram que se deslocar de maneira forçada para outras localidades, dentro e fora do país. Apesar dessas dificuldades, os três componentes estruturantes da intermediação político-legal entre o CEDEHM e as famílias assumiram contornos muito precisos, tal como se pode depreender dos testemunhos de María de Jesus Alvarado e Rosa Alvarado. De modo geral, a relação foi marcada pela difusão de informações e solicitação expressa do consentimento dos representados (dimensão do reconhecimento); avaliação conjunta de cenários de modo a permitir a tomada de decisões consciente e informada dos intermediados, constrangendo assim a discricionariedade de agir livremente do intermediário (dimensão da prestação de contas); e construção substantiva das demandas com postura de forte agonismo e em conexão direta com os interesses e reclamos dos representados (dimensão do conteúdo substantivo da intermediação).

Como consequência dessa configuração específica da intermediação político-legal no caso Alvarado, confirmando nossa hipótese, o resultado final da mobilização dos direitos humanos conseguiu explorar o potencial dessa linguagem como veículo emancipatório orientado a mudanças políticas e sociais, afastando a possibilidade tanto de um uso elitista e tecnocrático desconectado do sofrimento das vítimas quanto de uma utilização instrumentalizada que, aparentando preocupação com a dor das pessoas atingidas, não confrontasse, de fato, os horrores do Estado. Nesse sentido, o progressivo processo de profissionalização, especialização e construção de capacidades jurídico-legais altamente especializadas do CEDEHM descritas na seção anterior não representou um movimento de afastamento das vítimas ou de imposição de preferências da organização sobre os familiares em relação à condução do caso Alvarado. Longe de uma diferença, distância rígida e relação top down entre CEDEHM, por um lado, e familiares e vítimas desprovidos de agência, por outro, tem-se, na verdade, uma relação de proximidade e confiança que garante muito mais do que a mera e simples presença dos afetados ao longo do trâmite da petição, na medida em que se busca antes sua constituição enquanto sujeitos políticos autônomos.

No que tange, em primeiro lugar, à dimensão do reconhecimento das famílias frente ao CEDEHM, nenhuma ação perante o SIDH ou em qualquer outro âmbito é tomada sem que as famílias queiram ou estejam de acordo, de modo que sempre se lhes consulta a fim de obter seu consentimento prévio. Portanto, não se trata de simplesmente dizer “vou apresentar seu caso ante o sistema interamericano, mas sim que eles já nos viram sentados juntos com eles revisando o processo e vendo que a prioridade para nós são eles” (Ruth Fierro, entrevista pessoal, tradução livre8 ) Ruth Fierro. Advogada e diretora do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.). Ademais, sempre está presente a preocupação de traduzir a linguagem jurídico-legal para termos mais acessíveis e inteligíveis, a fim de “que se deem conta de que não se está sobrepondo a sua vontade” (Ruth Fierro, entrevista pessoal, tradução livre8 ) Ruth Fierro. Advogada e diretora do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.).

Nesse sentido, “tudo o que se faz se lhes explica por que, como e quando […] ou seja, sabem que têm direito a dizer ‘isso sim, isso não’ […], sabem que têm o direito a participar […], sempre lhes falamos com a verdade” (Alma Gómez, entrevista pessoal, tradução livre3 ) Alma Gómez Caballero. Professora normalista aposentada, fundadora e ex-integrante do CEDEHM. Chihuahua, 10 de outubro de 2018.). Assim, além de conscientizar as famílias sobre as ações tomadas e de continuamente buscar seu consentimento, procura-se sempre contribuir para que elas tenham um papel de protagonismo na vocalização de suas demandas. Desse modo, “quando há reuniões com autoridades nacionais e internacionais, as preparamos e são elas as que falam. Nós estamos atrás para possibilitar, para apoiar. Não assumimos um papel que não nos corresponde” (Lucha Castro, entrevista pessoal, tradução livre6 ) Luz Estela Castro Rodríguez (Lucha Castro). Advogada, fundadora e ex-diretora do CEDEHM. Chihuahua, 14 de outubro de 2018.). De acordo com Alejandra Nuño, esse enfoque é aplicado porque “desde sempre o CEDEHM tem entendido que, como diz o lema do movimento nacional pelos nossos desaparecidos, ‘sem as famílias não’” (entrevista pessoal, tradução livre).

Como resultado, a fim de garantir a comunicação com as famílias do caso Alvarado que se encontram em situação de deslocamento forçado em distintas localidades,

[…] temos um chat com todas as famílias para lhes informar de algumas coisas. Muitas coisas claramente não se pode informar por chat. Então, o CEDEHM sempre está viajando com as famílias para poder informar-lhes de algumas coisas […]. Sempre estávamos reunindo-nos para lhes dizer coisas […], sempre os envolvemos e sempre estavam seguros e sabiam o que seguia das diferentes etapas na Corte. (Alejandra Nuño, entrevista pessoal, tradução livre1 ) Alejandra Nuño. Advogada, consultora e ex-integrante do CEDEHM. Cidade do México, 4 de setembro de 2018.)

Ao longo desse envolvimento contínuo, houve um trabalho muito consciente de explicar, desde o início, de uma forma simples, o que era a CIDH e o que significava o envio e a tramitação do caso perante a Comissão. Depois, com o avanço do caso, persistiu a atenção para explicar os tempos, processos e custos envolvidos na relação com a Corte IDH, preparando os familiares para que não esperassem uma condenação como a de uma corte doméstica, com destaque para o fato de que a sentença da Corte IDH não iria revelar o paradeiro e verdade sobre os desaparecidos e nem era igual à de um tribunal nacional mexicano que poderia sentenciar os culpados e enviá-los à prisão (Gabino Gómez, entrevista pessoal5 ) Gabino Gómez. Fundador do CEDEHM e responsável pela área de desaparecimentos forçados. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.). Assim, Alejandra salienta: “Nós sempre temos sido o mais realistas com as famílias […], ou seja, [apresentando] os piores cenários […], [pois] nos parece importante que saibam” (Alejandra Nuño, entrevista pessoal, tradução livre1 ) Alejandra Nuño. Advogada, consultora e ex-integrante do CEDEHM. Cidade do México, 4 de setembro de 2018.).

Do mesmo modo, Ruth salienta a importância de explicar que, após um processo demorado no SIDH, começa sempre em seguida outro longo caminho para a implementação da sentença, a fim de que as famílias não esperem uma solução mágica do caso e possam controlar suas expectativas, afastando assim qualquer tipo de fetichismo legal em torno da condenação. Segundo ela, desde o envio da petição, a equipe do CEDEHM dizia que o objetivo era que um órgão internacional - e não só as famílias e CEDEHM - reconhecesse o caso Alvarado como um incidente de desaparecimentos forçados, responsabilizando o Estado e pressionando-o a implementar mudanças, investigar e pedir desculpas, mas tendo “claridade que a sentença por si mesma não vai solucionar o caso. Pode ser uma ferramenta a mais para impulsioná-lo” (Ruth Fierro, entrevista pessoal, tradução livre8 ) Ruth Fierro. Advogada e diretora do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.).

Atrelada a essas dinâmicas, estava a construção de espaços de diálogo e avaliação conjunta sobre os seguintes passos, possibilidades e riscos das estratégias legais, o que constrangia a margem de atuação discricionária do CEDEHM e correspondia à dimensão da prestação de contas (accountability) da intermediação político-legal. Durante o processo de representação legal do caso Alvarado e na relação com outros familiares, segundo Ruth, explica-se detalhadamente o que pode ser feito bem como as prováveis consequências dos distintos cursos de ação possíveis. Em seguida, são apontadas sugestões de como proceder, com base na experiência de litígio acumulada do CEDEHM, sem, no entanto, retirar o poder final de decisão, que cabe somente às famílias (Ruth Fierro, entrevista pessoal8 ) Ruth Fierro. Advogada e diretora do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.).

Ademais de potenciais efeitos com impactos sobre as investigações e avanço dos processos das famílias, são discutidos outros aspectos mais globais e abrangentes relacionados aos significados e implicações de certas ações legais, destacando as consequências emocionais que certas decisões podem desencadear,23 23 Como exemplos, Ruth cita a importância de discutir os significados e implicações inscritos nas decisões de solicitar declarações de ausência ou de tramitar a presunção de morte das pessoas desaparecidas, as quais podem agravar a dor das famílias. Do mesmo modo, explicar que a aceitação de reparações econômicas não significa se deixar cooptar pelo Estado e nem implica ter de abandonar a luta por verdade e justiça (Ruth Fierro, entrevista pessoal). de tal modo que apenas às famílias se concede a legitimidade para avaliar esses distintos cenários e finalmente apontar a direção e ações a serem tomadas pela organização. De acordo com Ruth,

[…] aí tomamos todo o tempo de explicar o passo a passo e perguntar se querem ou não querem, como veriam, e geralmente nos perguntam: “e vocês, o que pensam?”. Bom, dizemos: pois penso isso, mas no final você que sabe, mas sim, é claro, seria irresponsável também […] não dar uma opinião, porque às vezes temos a experiência de outros casos e lhes podemos compartilhar, pode lhes servir ou lhes dar exemplos. (Ruth Fierro, entrevista pessoal, tradução livre8 ) Ruth Fierro. Advogada e diretora do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.)

No caso Alvarado, Alejandra Nuño relata que, frente à emissão do informe de mérito do caso pela CIDH (CIDH, 2016COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS - CIDH. 2016. Informe n. 3/16: Caso 12.916. Informe de Fondo - Nitza Paola Alvarado Espinoza, Rocío Irene Alvarado Reyes, José Ángel Alvarado Herrera y otros”. [S.l.]: Comisión Interamericana de Derechos Humanos.), os familiares foram consultados sobre se queriam ou não litigar o caso perante a Corte IDH, tendo em vista os possíveis impactos e implicações gerados por essas decisões, a fim de que pudessem realizar uma escolha devidamente informada. Posteriormente, realizou-se um primeiro exercício sobre quais seriam, para as famílias, as possíveis reparações, que seria aprofundado no trâmite perante a Corte IDH. Nesse sentido, ela afirma que “sempre perguntamos: ‘olhe, vejam, a CIDH fez este informe. O que querem? Querem que se publique, querem que vamos à Corte?’ Sendo totalmente realistas: estes são os prós e os contras de que se publique, os prós e os contras de litigar o caso” (Alejandra Nuño, entrevista pessoal, tradução livre1 ) Alejandra Nuño. Advogada, consultora e ex-integrante do CEDEHM. Cidade do México, 4 de setembro de 2018.).

Como regra geral da atuação do CEDEHM, diferentemente de muitas outras ONGs, o grupo não decide os rumos dos casos de maneira desconectada das vítimas, levando em consideração apenas aquelas que seriam as estratégias mais racionais ou interessantes para vencer o litígio ou gerar novos precedentes jurisprudenciais. Por mais que, eventualmente, haja choques entre, por um lado, aquilo que desejam os representados, e, por outro, o interesse do intermediário de condenar o Estado a qualquer custo e fortalecer a organização com essa vitória, a todo momento “são elas [vítimas e famílias] as que marcam o caminho, não nós” (Lucha Castro, entrevista pessoal, tradução livre6 ) Luz Estela Castro Rodríguez (Lucha Castro). Advogada, fundadora e ex-diretora do CEDEHM. Chihuahua, 14 de outubro de 2018.). No âmbito do sistema interamericano, por exemplo, apresentam-se tanto as opções de realizar uma solução amistosa com o Estado quanto de prosseguir com o litígio visando uma sentença condenatória, respeitando-se aquilo que venha a ser decidido pelas famílias. Assim, informa-se claramente “isto acontece em uma solução amistosa. Se a seguimos, isto acontece. Então, já quando conhecem as duas coisas, há gente que foi pela solução amistosa, e há gente que disse ‘pois seguimos [com o litígio]’” (Alma Gómez, entrevista pessoal, tradução livre3 ) Alma Gómez Caballero. Professora normalista aposentada, fundadora e ex-integrante do CEDEHM. Chihuahua, 10 de outubro de 2018.).

De maneira quase anedótica, porém emblemática, da relação de confiança e proximidade nessa relação de constante preocupação com a prestação de contas frente às famílias, Alejandra Nuño relata um episódio que fica claro na gravação do vídeo da audiência do caso Alvarado perante a Corte IDH, quando, como advogada, ao indagar testemunhas e peritos, recebeu vários e insistentes bilhetes por escrito dos familiares presentes na plateia. Segundo ela,

[…] me ocorreu no primeiro dia lhes dizer, para envolvê-los mais: “se alguém tem alguma dúvida ou alguma pergunta que pensem ser importante, digam-nos” […] [e] no primeiro dia [de audiência] nos passam continuamente papeizinhos […] queriam participar, estavam bem indignados. (Alejandra Nuño, entrevista pessoal, tradução livre1 ) Alejandra Nuño. Advogada, consultora e ex-integrante do CEDEHM. Cidade do México, 4 de setembro de 2018.)

Finalmente, no que diz respeito à construção substantiva das demandas das famílias representadas pelo CEDEHM, as vítimas que buscam o grupo apresentam grande antagonismo frente ao Estado em razão da dor, perda, impunidade e indignação com o modo como são tratadas pelas autoridades. Cabe então ao CEDEHM o desafio de fazer a intermediação desses reclamos perante o SIDH e o Estado em uma linguagem que, sem perder radicalidade e sem se despolitizar, permita à organização ser aceita como interlocutora válida e ponte de diálogo capaz de traduzir essas demandas de acordo com os termos e categorias jurídico-legais altamente técnicos e especializados que estruturam as arenas judiciais e semijudiciais, domésticas e internacionais, de responsabilização do Estado por violações de direitos humanos.

Novamente, a preocupação de garantir a centralidade da participação das famílias e fomentar sua constituição enquanto sujeitos políticos ativos gera uma situação na qual “quem sempre tinha o protagonismo eram elas, […] as famílias, sempre, não só no caso Alvarado, sempre as famílias têm um standard muito mais alto de exigência que as organizações [de direitos humanos] […]” (Alejandra Nuño, entrevista pessoal, tradução livre1 ) Alejandra Nuño. Advogada, consultora e ex-integrante do CEDEHM. Cidade do México, 4 de setembro de 2018.). Cria-se assim o desafio de incorporar esse forte antagonismo das demandas políticas e reivindicações de direitos e, ao mesmo tempo, filtrá-lo e transformá-lo em um intenso agonismo que, sem perder a conexão com o sofrimento das vítimas, permita a abertura e utilização de canais mais institucionalizados de pressão e responsabilização que requerem certa moderação dos discursos e domínio habilidoso da expertise jurídica e da linguagem dos direitos humanos para que as vítimas sejam ouvidas diretamente, neste caso, no SIDH.

Em outras palavras, impunha-se a necessidade de mesclar as estratégias técnico-legais de litígio com a “volúpia da reivindicação de direitos”, que enriquece a aridez do jargão tecnicista (Ansolabehere e Bethencourt, 2017ANSOLABEHERE, Karina; BETHENCOURT, Paula Valle de. 2017. The political-legal representation circuit of human rights politics. In: Zaremberg, Gisela; Guarneros-Meza, Valeria; Lavalle, Adrian (eds.). Intermediation and representation in Latin America: actors and roles beyond elections. London: Palgrave Macmillan. pp. 159-180., p. 167, tradução livre). A esse respeito, Alejandra Nuño considera que

[…] [o que corresponde] a uma boa organização de direitos humanos é ver como você transforma essa exigência [das famílias] em algo viável […]. O que o CEDEHM fazia e segue fazendo era ver como todas as exigências que davam os familiares podiam ser postas e insertadas nas reuniões ou no litígio do próprio caso. (Entrevista pessoal, tradução livre)

Para Ruth Fierro, há uma fórmula para lidar com essas tensões e evitar dois extremos possíveis: o risco de ser visto como um ator radical demais, com o qual não se pode dialogar, e a possibilidade de excessiva moderação na relação com o Estado, que possa vir inclusive a comprometer a confiança das famílias. Segundo ela, trata-se do diálogo que mantém sempre certos irredutíveis: “tem que ter certos irredutíveis, ou seja, a partir disso já não [se pode], e isso também se coloca, digamos, de maneira implícita ou explícita na interlocução com o governo […]. Então, ajuda ter como mínimos para a estratégia” (Ruth Fierro, entrevista pessoal, tradução livre8 ) Ruth Fierro. Advogada e diretora do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.).

De maneira ilustrativa, ao mencionar reuniões de avaliação sobre implementação de medidas provisórias de urgência da Corte IDH para o caso Alvarado, Alejandra Nuño relata que, em muitas reuniões com o Estado, adotava-se um modelo por ela descrito segundo a metáfora do “policial mau e policial bom”, coordenando e alternando movimentos de crítica e enfrentamento duros, típicos da figura do ativista que denuncia e confronta, com tentativas mais pragmáticas de alguma negociação visando avanços, característicos da postura do defensor que age como ponte de diálogo com as autoridades (Gallagher, 2019GALLAGHER, Janice. 2019. The judicial breakthrough model: transnational advocacy networks and lethal violence. In: ANAYA-MUÑOZ, Alejandro; FREY, Barbara (eds.). Mexico’s Human Rights crisis. Philadelphia: University of Pennsylvania Press. pp. 250-271.).24 24 Para Gallagher (2019, p. 253, tradução livre), o ativista (activist) “nomeia, envergonha, critica e confronta o Estado enquanto contradiz as narrativas governamentais que culpam as vítimas”. Já o defensor (advocate) é responsável por “facilitar a comunicação […] como uma ponte ou interlocutor entre funcionários do governo e aqueles diretamente afetados pela violência, e […] devem ter legitimidade com ambos os grupos para efetivamente ocupar esse papel”. Essa dinâmica dupla e complementar de confrontação e interlocução presente no trabalho do CEDEHM politiza a linguagem e utilização dos direitos humanos, a fim de que eles não sejam um mero conjunto de sofisticados artefatos jurídicos despersonalizados e desconectados dos reclamos e protagonismo das vítimas. Ao mesmo tempo, não se limita apenas à vocalização de denúncias e busca, por meio da expertise técnica, criar canais mínimos de diálogo para que as vítimas sejam ouvidas diretamente. Segundo ela,

Lucha sabia bem até quando estirar a corda […]. Nas reuniões de implementação, Lucha abria, muito dura, e depois havia um grupinho - Ruth, Gabino e eu, em alguns momentos - que dizia de maneira, digamos, mais neutra, sem retirar nada […]: “vejamos, isso que acaba de dizer Lucha […] nos parece que isso não pode ser”. (Alejandra Nuño, entrevista pessoal, tradução livre1 ) Alejandra Nuño. Advogada, consultora e ex-integrante do CEDEHM. Cidade do México, 4 de setembro de 2018.)

Em uma estratégia duplamente orientada, a equipe do CEDEHM estabelecia certos irredutíveis de maneira incisiva, às vezes até mesmo com reclamos bastante exasperados que animavam as famílias em razão da sua radicalidade, mas sem que se abandonasse ou rompesse totalmente o diálogo, desconhecendo a legitimidade das autoridades. Essa postura ajudava a explorar a falta de uma posição monolítica do Estado e aumentava a chance de acordos favoráveis ao andamento das investigações e outros reclamos das famílias. Em um ambiente no qual os agentes estatais reconheciam que os membros do CEDEHM eram os únicos interlocutores possíveis e que estavam obrigados a chegar a algum acordo mínimo com eles em razão da necessidade de render informes à Corte IDH que ao menos dissimulassem algum grau de compromisso do Estado, o CEDEHM dava destaque para as posturas mais irrazoáveis do Estado, criando incentivos para que, em um segundo momento, frente aos chamados já mais neutros e pragmáticos de outros de seus integrantes, certos funcionários estatais flexibilizassem algumas posturas institucionais em sinal de esforço e boa-fé para negociar e dialogar.

Obviamente, em termos concretos, o Estado estava pouco disposto a ceder e a colaborar, de fato, com a elucidação dos desaparecimentos forçados, dado o envolvimento do Exército no caso. Apesar disso, o fato de o CEDEHM desempenhar o papel de intermediação e ponte entre famílias e Estado tendo o sistema interamericano como arena, mantendo forte agonismo sem deixar de tentar essa interlocução, mesmo quando infrutífera, demonstra a centralidade da representação das demandas das famílias e a tentativa continuada tanto de estar no meio entre esses dois atores quanto de agir como um meio para que os familiares alcançassem resultados que, de outra forma, não conseguiriam. Em outras palavras, ainda que mantivesse posições conflitivas e radicalmente diferentes das posturas do Estado, ao se apegar à linguagem dos direitos humanos e às regras de funcionamento do SIDH, sem abandonar a interlocução, o CEDEHM contribuía decisivamente para que o clamor das famílias fosse escutado, desempenhando, assim, o papel por excelência do intermediário político-legal.

Comentários finais

Longe de demonstrar uma relação top down de uma elite dominada pelo legalismo excessivo, desconectada das lutas sociais reais e dos atores e movimentos de base, a análise da atuação do CEDEHM frente ao SIDH e às famílias de pessoas desaparecidas tanto no caso Alvarado quanto em centenas de outros casos mostra um esforço consciente de lhes conceder protagonismo enquanto atores políticos, fomentando a organização de um movimento social de familiares com base no discurso dos direitos humanos. Em outros termos, as práticas e os discursos do CEDEHM levam a sério o sofrimento e a dor das famílias, dando-lhes voz e visibilidade, de modo que a mobilização dos direitos humanos se converte em recurso jurídico, político e social para uma política emancipatória contra o terror e o arbítrio do Estado, enraizada na agência de suas vítimas.

Esse achado empírico aponta para uma agenda de pesquisa ainda incipiente, porém necessária, que precisa explorar em que condições o ativismo e a defesa profissional de direitos humanos podem contribuir, de fato, para fortalecer a resistência dos movimentos sociais (Dancy e Sikkink, 2017DANCY, Geoff; SIKKINK, Kathryn. 2017. Human Rights data, processes, and outcomes: how recent research points to a better future. In: HOPGOOD, Stephen; SNYDER, Jack; VINJAMURI, Leslie (eds.). Human Rights futures. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 24-59.). Nesse sentido, a hipótese deste artigo foi a de que a chave que permite ligar a mobilização legal dos direitos humanos com experiências de transformação social reside na dimensão da intermediação político-legal exercida pelas ONGs na qualidade de intermediários entre vítimas e famílias, por um lado, e esferas institucionais, por outro. As dimensões do reconhecimento, da prestação de contas e da construção do conteúdo substantivo das demandas a serem representadas são cruciais, podendo inclinar o uso do discurso dos direitos humanos tanto em direções de agendas, litígios e mobilizações transformadoras quanto de reforço do status quo, alimentando atos de “conversa fiada” (cheap talk), políticas de camuflagem (window dressing) e concessões táticas que, por um lado, sinalizam uma falsa preocupação com o contexto das violações frente a críticas e, por outro, servem ainda para consumir a energia das vítimas com arranjos institucionais desprovidos de impacto real.

No caso Alvarado, em particular, este artigo reconstruiu o circuito da intermediação político-legal exercido pelo CEDEHM e encontrou elevados graus de conhecimento, consentimento, accountability e participação ativa na relação com as famílias, bem como uma postura de forte agonismo na relação com o Estado, que não abandona a radicalidade dos reclamos dos familiares, mas mantém a possibilidade de interlocução com as autoridades para que as famílias possam ser ouvidas diretamente. Assim, conclui-se que a trajetória prévia de luta social dos fundadores do CEDEHM, combinada com a experiência acumulada de litígio doméstico e atuação transnacional, inscreveu, no cerne do trabalho do grupo, uma posição central para as vítimas e familiares, auxiliando decisivamente a formação da agência política desses atores e politizando a própria linguagem dos direitos humanos. Longe de se perder nos intricados labirintos da expertise e do fetichismo técnico-legal em torno do direito internacional, a mobilização dessa linguagem pelo CEDEHM se articula ativamente com a dor, sofrimento e clamor das vítimas, combinando litígio, táticas de protesto e processos de fortalecimento emocional, empoderamento e mobilização social das famílias.

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  • ROBLEDO, Carolina; LÓPEZ, Erika Liliana; QUERALES-MENDOZA, May-Ek; HERNÁNDEZ, Aida. 2018. Peritaje Socio-Antropológico sobre el contexto de militarización y graves violaciones de derechos humanos cometidas por el Ejército en el marco del Operativo Conjunto Chihuahua, especialmente en el norte de Chihuahua y sus impactos comunitarios relacionados con el caso Alvarado Espinoza y otros vs. México, Expediente número CDH-14-2016/011 Ciudad de México: Grupo de Investigación en Antropología Social y Forense.
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Entrevistas realizadas

  • 1
    ) Alejandra Nuño. Advogada, consultora e ex-integrante do CEDEHM. Cidade do México, 4 de setembro de 2018.
  • 2
    ) Paula Mónaco Felipe. Jornalista especializada em direitos humanos. Cidade do México, 7 de setembro de 2018.
  • 3
    ) Alma Gómez Caballero. Professora normalista aposentada, fundadora e ex-integrante do CEDEHM. Chihuahua, 10 de outubro de 2018.
  • 4
    ) Andrea Cárdenas. Psicóloga e integrante do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.
  • 5
    ) Gabino Gómez. Fundador do CEDEHM e responsável pela área de desaparecimentos forçados. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.
  • 6
    ) Luz Estela Castro Rodríguez (Lucha Castro). Advogada, fundadora e ex-diretora do CEDEHM. Chihuahua, 14 de outubro de 2018.
  • 7
    ) Rossina Uranga. Psicóloga e fundadora do CEDEHM. Chihuahua, 13 de outubro de 2018.
  • 8
    ) Ruth Fierro. Advogada e diretora do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.
  • 1
    Presto meus agradecimentos aos pareceristas anônimos da Lua Nova, às pessoas entrevistadas e ao Centro de Derechos Humanos de las Mujeres (Chihuahua, México). Agradeço, em particular, a professora Karina Ansolabehere por me receber na Flacso-México para estágio de pesquisa de pós-doutorado, do qual resultou este artigo.
  • 2
    Ejidos são propriedades rurais de uso coletivo, criadas durante o governo Lázaro Cárdenas (1934-1940) como resultado do processo de reforma agrária. Tratava-se de demanda expressa do processo revolucionário mexicano (1910-1917), realizada parcialmente e apenas depois da ascensão de um governo “populista”.
  • 3
    Para uma análise completa do contexto de militarização e graves violações de direitos humanos decorrentes do OCCH, dentro do qual se insere o caso Alvarado, consultar Robledo et al. (2018ROBLEDO, Carolina; LÓPEZ, Erika Liliana; QUERALES-MENDOZA, May-Ek; HERNÁNDEZ, Aida. 2018. Peritaje Socio-Antropológico sobre el contexto de militarización y graves violaciones de derechos humanos cometidas por el Ejército en el marco del Operativo Conjunto Chihuahua, especialmente en el norte de Chihuahua y sus impactos comunitarios relacionados con el caso Alvarado Espinoza y otros vs. México, Expediente número CDH-14-2016/011. Ciudad de México: Grupo de Investigación en Antropología Social y Forense.) e a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso (Corte IDH, 2018CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - CORTE IDH. 2018. Caso Alvarado Espinoza y otros vs. México: sentencia de 28 de noviembre de 2018 (Fondo, reparaciones y costas). [S.l.]: Corte Interamericana de Derechos Humanos., §54-75). A respeito das circunstâncias concretas do desaparecimento de Nitza Paola Alvarado, José Ángel Alvarado e Rocío Irene Alvarado e no que diz respeito ao histórico de ações de busca de seus familiares, ver os parágrafos 80 a 102 da mesma sentença internacional (ibidem). Em relação às repercussões do caso na imprensa, foram muitas as matérias ao longo da década de 2010, pois se tratava do primeiro caso de desaparecimentos forçados da guerra contra o narcotráfico a chegar ao sistema interamericano e, depois, a resultar em sentença internacional condenatória contra o México. Além disso, as determinações da Corte IDH proíbem a continuidade do modelo militarizado de segurança pública tanto do governo Peña Nieto (2012-2018) quanto da atual administração López Obrador (2018-2024). Exemplos de reportagens sobre as implicações do caso ao longo dos anos podem ser consultadas na revista semanal mexicana Proceso (Mayorga, 2013MAYORGA, Patricia. 8 ago. 2013. Admite la CIDH el caso de tres primos desaparecidos en Chihuahua en 2009. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2Xs0pmj . Acesso em: 11 fev. 2021.
    https://bit.ly/2Xs0pmj...
    ; 2016MAYORGA, Patricia. 21 jan. 2016. Sentencian a 33 años de prisión a mandos militares por asesinato de dos civiles. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xJsp16 . Acesso em: 11 fev. 2021.
    https://bit.ly/3xJsp16...
    ; Díaz, 2018aDÍAZ, Gloria Leticia. 26 abr. 2018a. A 8 años de la desaparición de los primos Alvarado, familiares llegan a la CoIDH para exigir justicia. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yMldmb . Acesso em: 11 fev. 2021.
    https://bit.ly/3yMldmb...
    ; 2018bDÍAZ, Gloria Leticia. 28 abr. 2018b. Caso Alvarado: desnudan al Estado mexicano en la Corte Interamericana. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/37CgpnH . Acesso em: 11 fev. 2021.
    https://bit.ly/37CgpnH...
    ; 2018cDÍAZ, Gloria Leticia. 21 dez. 2018c. Estado mexicano “intencionalmente” responsable en caso Alvarado: CoIDH. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yKRBWq . Acesso em: 11 fev. 2021.
    https://bit.ly/3yKRBWq...
    ; 2019DÍAZ, Gloria Leticia. 8 jan. 2019. No militarizar la seguridad pública, sentencia la Corte Interamericana. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2Ufrisl . Acesso em: 11 fev. 2021.
    https://bit.ly/2Ufrisl...
    ; 2020DÍAZ, Gloria Leticia. 19 jan. 2020. Caso Alvarado: “López Obrador es lo mismo que Calderón y Peña Nieto”. Proceso, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3yGa86a . Acesso em: 11 fev. 2021.
    https://bit.ly/3yGa86a...
    ).
  • 4
    O sistema interamericano de direitos humanos é composto pela Comissão e Corte Interamericanas de Direitos Humanos, sediadas respectivamente em Washington e San José, capital da Costa Rica. Para ativar o sistema, é preciso enviar uma queixa concernente à violação para a Comissão Interamericana (CIDH), na qual se demonstre o esgotamento dos recursos jurisdicionais no plano doméstico ou a impossibilidade de se obter justiça. Caso a denúncia seja admitida e fique patente a responsabilidade do Estado, a CIDH publica recomendações sobre o caso e pode, posteriormente, encaminhá-lo para a Corte Interamericana quando o Estado em questão tenha aceitado a jurisdição contenciosa desse tribunal, que fica habilitado então a julgar o abuso e emitir uma sentença condenatória vinculante.
  • 5
    Os vídeos com a defesa do Estado, vocalizada por Mariana Colín Ayala, da Procuradoria Geral da República do México, e Carlos Rodríguez Ulloa, perito apresentado pelo governo mexicano, foram publicados pela Corte IDH (Audiencia…, 2018bAUDIENCIA Pública Caso Alvarado Espinoza y otros vs. México Parte 2. 2018b. 153’50’’. Corte IDH. Vimeo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xENw4M . Acesso em: 11 fev. 2021.
    https://bit.ly/3xENw4M...
    ; 2018cAUDIENCIA Pública Caso Alvarado Espinoza y otros vs. México Parte 3. 2018c. 138’32’’. Corte IDH. Vimeo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3g2IqsX . Acesso em: 11 fev. 2021.
    https://bit.ly/3g2IqsX...
    ).
  • 6
    Iniciadas pela Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua em 2010, ao longo dos anos as investigações tramitaram de maneira desorganizada e descoordenada por uma profusão de outras instituições: seção da Procuradoria Geral da República (PGR) em Chihuahua; Fiscalía Especial de Delitos de Violência contra Mulheres e Tráfico de Pessoas (FEVIMTRA); Procuradoria Geral da Justiça Militar; Subprocuradoria de Controle Regional de Procedimentos Penais e Amparo da PGR em Ciudad Juárez; Subprocuradoria de Direitos Humanos, Prevenção de Delitos e Serviços à Comunidade da PGR; e Unidade Especializada de Busca de Pessoas Desaparecidas (PGR). Para uma lista completa das investigações, consultar a sentença internacional sobre o caso (Corte IDH, 2018CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - CORTE IDH. 2018. Caso Alvarado Espinoza y otros vs. México: sentencia de 28 de noviembre de 2018 (Fondo, reparaciones y costas). [S.l.]: Corte Interamericana de Derechos Humanos., §103-42). Para Federico Andreu Guzmán, perito ouvido durante a audiência do caso, múltiplas autoridades investigaram o caso com distintos tipos penais e, só depois de três anos, começaram a integrar e unificar os expedientes. Tal fracionamento teria impedido a compreensão do delito em suas múltiplas facetas, impossibilitando a criação de hipóteses e linhas de investigação adequadas. Tamanha fragmentação, com a passagem do tempo, teria gerado, entre outros problemas, perdas irreparáveis de provas, contribuindo para a impunidade (Audiencia…, 2018aAUDIENCIA Pública Caso Alvarado Espinoza y otros vs. México Parte 1. 2018a. 105’20’’. Corte IDH. Vimeo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3g3Ap7b . Acesso em: 11 fev. 2021.
    https://bit.ly/3g3Ap7b...
    ).
  • 7
    O nome original da ONG, em espanhol, é Centro de Derechos Humanos de las Mujeres.
  • 8
    Adotando o modelo analítico de Simmons (2009), conceituam-se aqui como contestatórias e voltadas à transformação social as mobilizações de normas internacionais que sejam capazes de: (1) alterar a agenda nacional de políticas; (2) oferecer recursos jurídico-legais para iniciativas de litígio contrárias ao Estado; e (3) fomentar a mobilização de atores sociais que reivindicam direitos, aumentando sua conscientização e chances de sucesso.
  • 9
    Para uma análise de como a mobilização dos direitos humanos pode resultar na legitimação de políticas de window dressing, cheap talk e concessões táticas dos Estados, inclusive por parte de ONGs interessadas mais na sua sobrevivência institucional do que no combate às violações, ver Estévez (2017ESTÉVEZ, Ariadna. 2017. La repolitización de los derechos humanos frente a la gubernamentalidad neoliberal del sufrimiento social: una lucha de contraconducta. In: ESTÉVEZ, Ariadna; VÁSQUEZ, Daniel (coords.). 9 razones para (des)confiar de las luchas por los derechos humanos. México: FLACSO México. pp. 181-207.). A autora argumenta que a linguagem dos direitos humanos frequentemente produz ambientes tecnocráticos e burocratizados marcados por: (1) labirintos de leis, códigos, regulamentos, comissões e comitês que, sem produzir impactos efetivos, alimentam falsas expectativas e drenam esforços e tempo das vítimas em razão dos seus elevados custos de entrada e de participação; (2) sistemas de alta complexidade institucional e de difícil inteligibilidade, caracterizados por fragmentação, descoordenação, falta de recursos materiais e humanos, além da ausência de incorporação das demandas das vítimas; (3) narrativas de subjetivação das vítimas não como atores ativos de direitos, mas como entes passivos e sem voz salvos pelas políticas dos Estados ou pelas ONGs e grupos de direitos humanos; e (4) fetichização desses artefatos jurídico-legais, que são regularmente substituídos ou acrescidos por novos mecanismos que nunca se implementam de fato. Em conjunto, tais mecanismos transformam a linguagem dos direitos humanos em um dispositivo de legitimação do poder e da dominação, transmitindo aparente preocupação do Estado com os horrores de abusos e violações sem, contudo, atacar seriamente suas causas subjacentes.
  • 10
    A entrevista de menor duração foi de 57 minutos e a mais longa de 2 horas e 46 minutos. O tempo médio das entrevistas foi de 1 hora e 36 minutos.
  • 11
    Para uma explicação detalhada sobre a abordagem das entrevistas semiestruturadas utilizadas neste estudo, que ocupam um espaço intermediário entre as entrevistas totalmente abertas, mais comuns na etnografia, e as estruturadas, com questionários fechados, usadas em surveys, ver Rathbun (2008RATHBUN, Brian Christopher. 2008. Interviewing and qualitative field methods: pragmatism and practicalities. In: BOX-STEFFENSMEIER, Janet; BRADY, Henry; COLLIER, David (eds). The Oxford handbook of Political Methodology. New York: Oxford University Press. pp. 685-701.).
  • 12
    O processo de mudanças e concessões táticas que começaria por razões instrumentais, com argumentos utilizados apenas retoricamente, em resposta às pressões, se tornaria cada vez mais um processo argumentativo e de persuasão, no qual os líderes se convenceriam, com o passar do tempo, de que o seu comportamento seria inconsistente com a identidade à qual eles aspirariam, de membros da comunidade liberal de Estados. Ao final desse processo de socialização, essa mudança substantiva de identidade e valores levaria à internalização plena dos padrões e normas internacionais, com um cumprimento habitual e rotineiro (Risse, Ropp e Sikkink, 1999RISSE, Thomas; ROPP, Stephen; SIKKINK, Kathryn. 1999. The power of Human Rights: international norms and domestic change. Cambridge: Cambridge University Press ., p. 15).
  • 13
    Levadas a cabo pelas ONGs de direitos humanos, as estratégias de naming e shaming envolvem enunciar e dar publicidade às violações cometidas, salientando as normas nacionais e internacionais desrespeitadas. Assim, espera-se “envergonhar” o Estado, antecipando que custos de imagem e reputação possam gerar incentivos e pressões para reformas e medidas de não repetição.
  • 14
    A intermediação política é uma relação triádica e necessariamente marcada por diferenças e assimetrias. Ela “refere-se à mediação exercida verticalmente por um ator, com vantagens posicionais, que conecta cidadãos, atores coletivos ou organizações, por um lado, e instâncias de autoridade pública localizadas em níveis superiores, por outro” (Zaremberg, Guarneros-Meza e Lavalle, 2017ZAREMBERG, Gisela; GUARNEROS-MEZA, Valeria; LAVALLE, Adrian. 2017. Beyond elections: representation circuits and political intermediation”. In: ZAREMBERG, Gisela; GUARNEROS-MEZA, Valeria; LAVALLE, Adrian (eds.). Intermediation and representation in Latin America: actors and roles beyond elections. London: Palgrave Macmillan . pp. 1-30., p. 12-13, tradução livre). Nesse sentido, é “uma atividade que requer engenhosidade, a capacidade de medir precisamente (estar no meio), e, ao mesmo tempo, realizar a tarefa em terreno fértil, como um veículo para a gestação de algo novo (agir como um meio)” (Zaremberg, Guarneros-Meza e Lavalle, 2017ZAREMBERG, Gisela; GUARNEROS-MEZA, Valeria; LAVALLE, Adrian. 2017. Beyond elections: representation circuits and political intermediation”. In: ZAREMBERG, Gisela; GUARNEROS-MEZA, Valeria; LAVALLE, Adrian (eds.). Intermediation and representation in Latin America: actors and roles beyond elections. London: Palgrave Macmillan . pp. 1-30., p. 12, tradução livre).
  • 15
    A fim de operacionalizar empiricamente essas variáveis nas pesquisas, Ansolabehere e Bethencourt (2017ANSOLABEHERE, Karina; BETHENCOURT, Paula Valle de. 2017. The political-legal representation circuit of human rights politics. In: Zaremberg, Gisela; Guarneros-Meza, Valeria; Lavalle, Adrian (eds.). Intermediation and representation in Latin America: actors and roles beyond elections. London: Palgrave Macmillan. pp. 159-180., p. 167-168, tradução livre) oferecem as seguintes perguntas que foram utilizadas para orientar nossas entrevistas: “Até que ponto os representados estão conscientes das ações realizadas em seu nome e concedem seu consentimento?” (reconhecimento do intermediário); “até que ponto os representados podem controlar, ou apelar a alguma forma de controle, diante [das ações] dos representantes” (accountability); “até que ponto o representante propõe uma maneira agonista ou antagonista de construir a demanda ou o interesse do representado?” (conteúdo da intermediação).
  • 16
    Mantida pelos governos subsequentes dos presidentes Enrique Peña Nieto (2012-2018), do Partido Revolucionário Institucional (PRI), e Andrés Manuel López Obrador (2018-2024), do Movimento Regeneração Nacional (MORENA), essa estratégia de militarização nacional resultou, até o final de 2020, segundo dados oficiais da Secretaría de Gobernación, em mais de 80 mil desaparecidos desde dezembro de 2006 (Villa y Caña e Morales, 2021VILLA Y CAÑA, Pedro; MORALES, Alberto. 29 jan. 2021. Denunciaron la desaparición de más de 80 mil personas en México, entre 2006 y 2020: encinas. El Universal, Ciudad de México. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2VKRdsR . Acesso em: 12 fev. 2021.
    https://bit.ly/2VKRdsR...
    ). Para análises a respeito das múltiplas dinâmicas de violação dos direitos humanos que foram desatadas pela militarização da segurança pública no México, consultar Human Rights Watch (2011HUMAN RIGHTS WATCH. 2011. Ni seguridad, ni derechos: ejecuciones, desapariciones y tortura en la “guerra contra el narcotráfico” de México. Nueva York: Human Rights Watch.; 2013HUMAN RIGHTS WATCH. 2013. Los desaparecidos de México: el persistente costo de una crisis ignorada. Nueva York: Human Rights Watch .) e Centro Prodh (2019CENTRO PRODH. 2019. Patrones de impunidad: deficiências em la investigación de violaciones a derechos humanos y alternativas em el Poder Judicial. Ciudad de México: Centro Prodh.; 2020CENTRO PRODH. 2020. Modelos de seguridad: militarización y alternativas desde los derechos humanos. Ciudad de México: Centro Prodh .).
  • 17
    Em 1990, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) se pronunciou pela primeira vez sobre um caso mexicano, referente a fraudes eleitorais cometidas pelo PRI em eleições de Chihuahua, em 1985 e 1986, e de Durango, em 1986. A CIDH concluiu que as eleições não haviam sido livres e justas e recomendou reformas eleitorais. Anos mais tarde, em decorrência dos feminicídios em Ciudad Juárez, o movimento de mulheres da região recebeu dezenas de visitas de funcionários de governos estrangeiros e de mecanismos, relatores e ONGs internacionais de direitos humanos. Em 2009, esse processo atingiria o ápice com a emissão da sentença do caso Campo Algodonero contra o México pela Corte IDH, que foi fundamental para o processo de tipificação legal do crime de feminicídio no país, em 2012.
  • 18
    O Barzón surgiu como movimento social em 1993, originalmente abarcando pequenos e médios agricultores extremamente endividados, cujo patrimônio familiar se encontrava em risco de confisco pelos bancos. As dívidas eram um efeito das políticas neoliberais mexicanas de ajuste econômico e de liberalização comercial frente aos produtos agrícolas mais baratos dos Estados Unidos e Canadá. Com a profunda crise econômico-financeira de 1994, o problema do endividamento sistêmico se estendeu às cidades, afetando pequenos empresários e a classe média, especialmente por conta do crédito hipotecário e do aumento exponencial dos juros, levando muitas famílias a sofrer despejos e confiscos de suas moradias. Para um estudo completo sobre o Barzón e suas estratégias de mobilização social durante a década de 1990, no contexto da democratização do México, cf. Grammont, 2001GRAMMONT, Hubert Carton. 2001. El Barzón: clase media, ciudadanía y democracia. Ciudad de México: Instituto de Investigaciones Sociales; Editorial Plaza y Valdés..
  • 19
    No sistema penal acusatório, o juiz deixa de decidir apenas com base em expedientes escritos acumulados durante o processo. Estabelecem-se audiências com as sustentações orais das partes, de modo que o juiz, para embasar sua sentença, deve ouvir antes a defesa do acusado, o Ministério Público e a figura do acusador coadjuvante, dentro da qual podem se inserir ONGs como o CEDEHM. O acusador coadjuvante tem a prerrogativa de se opor às teses do Ministério Público e até a seus pedidos de arquivamento dos casos, potencialmente impactando assim a decisão final dos magistrados.
  • 20
    De todo modo, o CEJIL continuou sendo um importante aliado, oferecendo apoio e orientação, inclusive facilitando a logística de visitas a Washington e Costa Rica. A esse respeito, Alma Gómez recorda também que uma das advogadas do CEDEHM, Irma Villanueva, que se converteria em coordenadora da área legal da organização, havia feito um estágio em 2010 no escritório do CEJIL na Costa Rica (entrevista pessoal).
  • 21
    Segundo Lucha, “acabava de acontecer a sentença de Campo Algodonero. Então estava por aí em trânsito o caso de Inés e Valentina etc. Ou seja, já tínhamos no México ao menos um panorama de que estes casos podiam chegar à Corte” (entrevista pessoal, tradução livre).
  • 22
    Diferentemente do que ocorre em outros estados do país, nos quais familiares de pessoas desaparecidas conformaram grupos e coletivos autônomos, diferenciados e apartados das ONGs de direitos humanos que formalmente fazem a representação jurídico-legal dos seus casos, em Chihuahua, até hoje, os familiares não têm uma associação própria, articulando-se sempre em torno do CEDEHM (cf. Gerli, 2018GERLI, María de Vecchi. 2018. ¡Vivxs lxs queremos! The battles for memory around the disappeared in Mexico. Tese de Doutorado em Filosofia. Londres: University College London.).
  • 23
    Como exemplos, Ruth cita a importância de discutir os significados e implicações inscritos nas decisões de solicitar declarações de ausência ou de tramitar a presunção de morte das pessoas desaparecidas, as quais podem agravar a dor das famílias. Do mesmo modo, explicar que a aceitação de reparações econômicas não significa se deixar cooptar pelo Estado e nem implica ter de abandonar a luta por verdade e justiça (Ruth Fierro, entrevista pessoal8 ) Ruth Fierro. Advogada e diretora do CEDEHM. Chihuahua, 12 de outubro de 2018.).
  • 24
    Para Gallagher (2019GALLAGHER, Janice. 2019. The judicial breakthrough model: transnational advocacy networks and lethal violence. In: ANAYA-MUÑOZ, Alejandro; FREY, Barbara (eds.). Mexico’s Human Rights crisis. Philadelphia: University of Pennsylvania Press. pp. 250-271., p. 253, tradução livre), o ativista (activist) “nomeia, envergonha, critica e confronta o Estado enquanto contradiz as narrativas governamentais que culpam as vítimas”. Já o defensor (advocate) é responsável por “facilitar a comunicação […] como uma ponte ou interlocutor entre funcionários do governo e aqueles diretamente afetados pela violência, e […] devem ter legitimidade com ambos os grupos para efetivamente ocupar esse papel”. Essa dinâmica dupla e complementar de confrontação e interlocução presente no trabalho do CEDEHM politiza a linguagem e utilização dos direitos humanos, a fim de que eles não sejam um mero conjunto de sofisticados artefatos jurídicos despersonalizados e desconectados dos reclamos e protagonismo das vítimas. Ao mesmo tempo, não se limita apenas à vocalização de denúncias e busca, por meio da expertise técnica, criar canais mínimos de diálogo para que as vítimas sejam ouvidas diretamente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Ago 2021

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2019
  • Aceito
    19 Mar 2021
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