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TRANSIÇÕES POLÍTICAS NA AMÉRICA LATINA

RESENHAS

Regis de Castro Andrade

Cientista Político, Diretor do CEDEC e Professor de Ciência Política na USP

RAÍZES DO GOLPE

DE ALMINO AFONSO,

ED. MARCO ZERO, 1988.

Há períodos na história política em que, sob o impacto de contradições desencadeadas, exibem-se com mais nitidez a índole dos personagens e as estruturas institucionais mais profundas. As rotinas enganadoras, as ilusões e os mitos desaparecem, e nesse instante vemo-nos defrontados a realidades nem sempre confortáveis. Almino Afonso trata de um desses períodos em seu livro Raízes do Golpe, é o período dramático que vai da renúncia de Jânio Quadros em agosto de 1961 ao fim da experiência parlamentarista em janeiro de 1963. Munido da informação direta de quem foi protagonista central naquela conjuntura e de um inegável tirocínio político, o autor nos oferece, em seu livro, mais que um depoimento pessoal. Seu relato expõe, de maneira crua, e mesmo brutal, as misérias e grandezas, gestos de oportunismo e de coragem do Brasil de então. Ao mesmo tempo, coloca-nos implicitamente a questão inescapável sobre o que temos sido em tempos mais recentes.

O livro se organiza em torno de algumas idéias centrais. De início, duas teses que não são precisamente novas, mas que ali são retomadas com muita convicção. A primeira é a de que a renúncia foi parte de uma estratégia golpista fracassada. Entre os que argumentam nesse sentido, aliás, está o próprio Jânio Quadros, cuja mal conhecida "História do Povo Brasileiro" é oportunamente citada. A segunda tese afirma que a "solução" parlamentarista, nas circunstâncias da época, foi um golpe branco. Sem dúvida, o esvaziamento relativo da Presidência, no caso, foi resultado de pressões militares. Mas não seria mais verdadeiro e mais instrutivo politicamente assinalar que, a par de sua dimensão golpista, a solução adotada resultava de uma negociação bem-sucedida num contexto de impasse, com potencial de luta sangrenta?

Uma terceira idéia, menos explícita mas igualmente forte, é a de que tanto no Congresso como nas Forças Armadas coexistiam o melhor e o pior do mundo político. De um lado, o binômio autoritarismo - subserviência, a "direita mascarada" e o golpismo, raiando, em suas manifestações extremas, ao banditismo fascista (como por exemplo na "Operação Mosquito", tramada por oficiais da Força Aérea para abater o avião que traria Jango, lideranças políticas e jornalistas a Brasília após a adoção do parlamentarismo); de outro lado, a resistência no Congresso à truculência dos militares, a grandeza de estadistas, como Juscelino, San Thiago Dantas e Tancredo, a firmeza de alguns oficiais superiores na defesa da legalidade.

Enfim, um dado de sensibilidade que também permeia o livro, e que talvez explique a melancolia que se insinua aqui e ali no texto: é o reconhecimento, por parte do autor, do "atraso político dias novas elites dirigentes". Em face da modernidade e da amplitude de San Thiago Dantas, levantava-se o "vozerio dos pigmeus impenitentes"; e o Autor se deprime ao observar, mais uma vez na comparação com homens de visão mais larga, "o vôo rasteiro dos pardais de ontem, de hoje, de sempre..."

É bem conhecida a trajetória política de Almino Afonso naqueles anos. Posicionou-se com muita coerência em favor das reformas de base, do nacionalismo dos princípios democráticos e da renovação partidária. Depois de 1964, viveu no exílio por 12 anos. Seu livro tem algo de memórias, inevitavelmente; Almino conta a história que ele viveu. Não obstante, em nenhum momento o texto resvala para a mera propaganda pessoal. O resultado final é uma síntese das reflexões feitas de três ângulos distintos de observação: o do memorialista, o do historiador e o do político.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Mar 1989
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