TRANSIÇÕES POLÍTICAS NA AMÉRICA LATINA

RESENHAS

Marco Aurélio Garcia

Professor do Departamento de História da UNICAMP e Consultor do CEDEC

68, A PAIXÃO DE UMA UTOPIA

DANIEL AARÃO REIS FILHO E

PEDRO DE MORAES, ESPAÇO & TEMPO, 1988.

MARIA ANTONIA: UMA RUA NA CONTRAMÃO

MARIA CECÍLIA LOSCHIAVO DOS SANTOS

(ORGANIZADORA), NOBEL, 1988.

Recentemente, num dos poucos debates sobre os acontecimentos de 1968 no Brasil e no mundo, um aluno da Unicamp lamentou; pateticamente não ter sido estudante naquela época. Impactado pela efervescência do período, que havia sido descrita e analisada pelos conferencistas, o jovem chamava a atenção para a mediocridade dos tempos atuais e para a cinzenta existência de sua geração.

É difícil comparar períodos históricos e não está excluído que nos lamentos de nosso estudante houvesse uma boa dose de idealização do passado. A reação é compreensível, porém, e reflete as profundas descontinuidades que existem na memória coletiva no Brasil, que provocaram no estudante um entusiasmo com o passado talvez um pouco precipitado.

É pena que vinte anos após uma conjuntura que tanto marcou a história brasileira, para não falar de outros países, tenha havido uma reflexão tão pequena sobre o crucial ano de 1968. Só isso justificaria a importância dos livros de Daniel Aarão Reis e da antologia organizada por Maria Cecília.

O trabalho de Aarão Reis - um estudioso da esquerda brasileira - reúne uma série de depoimentos dos principais dirigentes estudantis do período: Vladimir Palmeira, José Dirceu, Jean Marc Van der Weid, Luís Travassos, entre outros. Através deles pode-se reconstituir o clima político do país e sobretudo as mutações pelas quais estava passando a esquerda e que tinham no movimento estudantil um reflexo expressivo. O autor fez preceder as entrevistas de uma introdução onde busca traçar um quadro mais abrangente do período não só no Brasil como no resto do mundo. A amplitude do tema e o fato de este período ser pouco conhecido fizeram com que Daniel optasse por um tratamento mais descritivo do período e talvez excessivamente centrado nos estudantes. "68", no entanto, foi um ano de efervescência operária, mencionada no livro, mas, igualmente, um tourning point na história política do país e estas dimensões talvez merecessem mais atenção para que pudessem ser enfrentadas as grandes perguntas sobre as razões e o sentido das transformações então operadas e que ainda estão insuficientemente respondidas.

68, a paixão de uma utopia é, no entanto, uma obra de referência importante sobre o período, uma edição fartamente ilustrada muito bem cuidada que, mais além de seus méritos e defeitos, tem o charme de um revival.

O mesmo encanto o leitor encontrará na antologia sobre a "Maria Antonia". Desigual, dirão uns, excessivamente paulistana, dirão outros. Certo. Mas é justamente nisso que reside seu interesse. O livro oferece elementos para a reconstituição de uma instituição universitária - a Faculdade de Filosofia da U.S.P - que teve um papel chave na história intelectual do país, através dos depoimentos de Aziz Simão, Oliveiros Ferreira ou Antonio Cândido. Ou busca captar o clima da efervescência cultural e política que precedeu e, em grande medida, preparou os acontecimentos de 68, nos textos de Marilena Chauí e João Quartim de Moraes. A entrevista de José Dirceu e o texto de Eder Sader, entre outros, retomam os dramáticos acontecimentos de 64-68, enquanto que Irene Cardoso busca uma interpretação do período. Nas participações de Bento Prado Jr., Gérard Lebrun, J.A. Gianotti, mas, sobretudo, na de Paulo Eduardo Arantes há sugestivos elementos para a reconstituição da história dos estudos de filosofia no Brasil, que tiveram em São Paulo um centro de produção e irradiação fundamental.

A leitura fácil das duas obras não é consequência de sua possível superficialidade. Resulta, antes, do fascínio que tem para as novas gerações o mergulho num passado recente, mas desconhecido, e, para os que viveram aqueles dias, o reencontro com um tempo que parecia perdido.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Jan 2011
• Data do Fascículo
  Mar 1989