Open-access DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E POPULISMO NA ERA DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS

DEMOCRACY, POLITICAL REPRESENTATION, AND POPULISM IN THE AGE OF DIGITAL TECHNOLOGIES

Resumo:

O triunfo da tecnologia da informação é, sem sombra de dúvida, uma das transformações a pôr em xeque os arranjos democráticos, ameaçados hoje, entre outras coisas, pela violência coletiva virtual propiciada por máquinas algorítmicas especializadas em cálculos utilitários. Este artigo pretende sustentar, a partir do debate político corrente, como esse fenômeno concorre para a formação de circuitos de comunicação isolados, que impedem a política deliberativa de funcionar adequadamente, contribuindo, ainda, para a intensidade e simultaneidade da ocorrência do populismo nas democracias constitucionais contemporâneas, operando como um meio de enfraquecimento da representação tradicional e/ou de fortalecimento da representação direta. Tomando respectivamente a teoria reconstrutiva da democracia de Jürgen Habermas e a teoria construtivista da representação de Nadia Urbinati, o objetivo deste artigo é esclarecer duas dimensões em que as novas tecnologias digitais parecem atuar: Habermas analisa seus impactos para a esfera pública democrática; Urbinati enfatiza os problemas para a realização do momento da vontade política e seus desdobramentos para a institucionalidade dos Estados constitucionais. Por fim, apontamos como a soberania popular aparece implicada, em ambos os casos, pela ascensão das novas tecnologias digitais.

Palavras-chave:
tecnologias digitais; populismo; representação política; democracia deliberativa; soberania popular

Abstract:

The triumph of information technology is, without a doubt, one of the transformations challenging democratic arrangements, which are today threatened, among other things, by collective virtual violence enabled by algorithmic machines specialized in utilitarian calculations. This article aims to argue, based on the current political debate, how this phenomenon contributes to the formation of isolated communication circuits, hindering the proper functioning of deliberative politics. Furthermore, it highlights the intensity and simultaneity of populism’s rise in contemporary constitutional democracies, operating as a mechanism for weakening traditional representation and/or strengthening direct representation. Drawing respectively on Jürgen Habermas’s reconstructive theory of democracy and Nadia Urbinati’s constructivist theory of representation, the objective of this article is to clarify two dimensions in which new digital technologies appear to operate: Habermas analyzes their impacts on the democratic public sphere, while Urbinati emphasizes the challenges they pose to the realization of political will and their implications for the institutional framework of constitutional states. Finally, we point out how popular sovereignty is implicated, in both cases, by the rise of new digital technologies.

Keywords:
digital technologies; populism; political representation; deliberative democracy; popular sovereignty

Introdução

Na última década, grande parte da ciência política em todo o mundo dedicou-se ao tema do populismo para explicar transformações sociais e políticas vividas em vários países que têm experimentado, em maior ou menor grau, alguma manifestação desse fenômeno. Trata-se da chegada ao poder, por meio do voto popular, de governantes que se posicionam abertamente em defesa de valores e pautas associados à direita cujos defensores, não raro, estão dispostos a sacrificar direitos democraticamente conquistados em décadas anteriores. A ascensão de populistas tem levado teóricos da democracia a propor reflexões variadas sobre as causas e condições que explicam o sucesso e a crescente adesão popular a esses projetos políticos, em alguns casos, de extrema-direita. Não obstante, qualquer que seja a forma pela qual nos voltemos à temática, parece imprescindível considerar também as transformações ocorridas na esfera pública das sociedades contemporâneas.

Como é amplamente conhecido, a ascensão ao poder de tais lideranças políticas, geralmente carismáticas, tem ocorrido, na maioria das vezes, com base em discursos abertamente autoritários e por meio de métodos semelhantes, como a instrumentalização em larga escala de plataformas digitais e redes sociais, o uso de fake news , a manipulação dos meios de comunicação, entre outras estratégias consideradas por muitos pensadores como antidemocráticas, pouco dialógicas e nada deliberativas. Embora nos anos 1990 uma visão bastante romântica sobre o potencial emancipatório e democrático dos meios de comunicação digital tenha sido amplamente cultivada, parece evidente a crescente periculosidade dos efeitos dessa arquitetura comunicacional para as democracias.

A partir de uma análise a respeito dessas mudanças, este artigo pretende mostrar de que forma algumas proposições normativas contemporâneas são obstaculizadas pelos próprios fenômenos em curso. Assim, recorremos à bibliografia especializada para (i) apontar como as redes digitais modificam o modo de formação da opinião pública e facilitam a formação de grupos cuja lógica é reforçada por afetos e emoções; (ii) recorrendo a Habermas, apontamos o mau funcionamento da esfera pública, tal como havia sido postulado pela política deliberativa , originalmente pensada como uma prática social inclusiva e aberta às opiniões; (iii) depois, retomamos a teoria política normativa de Nadia Urbinati para tratar de como essa lógica pode implicar “desfiguração” da democracia ao favorecer o populismo digital e sua retórica de apelo à representação direta. Por fim, destacamos como a soberania popular aparece implicada, em ambos os casos, pela ascensão das novas tecnologias digitais.

Tecnologias digitais, opinião pública e populismo

Quando o assunto é o populismo, as discussões sobre as ideologias políticas que o fenômeno pode abarcar precisam pressupor que sua lógica de funcionamento é a da busca pela hegemonia discursiva (Laclau, 2005 , 2013 ). Essa busca pode abarcar estratégias variadas, nem sempre republicanas, para mobilizar uma parte da população contra seus supostos opositores. No entanto, desde a recente explosão de ocorrências populistas, essa lógica tem ganhado contornos distintos, particularmente, com as novas tecnologias de comunicação. As eleições presidenciais brasileiras ocorridas em 2018 e 2022 foram marcadas, entre outras coisas, pelo papel central das redes sociais carregadas de desinformação, campanhas de destruição de reputações e apelo às emoções, servindo de exemplo ao que ficou conhecido como política da pós-verdade (Rabin-Havt; Media Matters for America, 2016 ; Pond, 2020 ; Giusti; Piras, 2021 ; Conrad et al ., 2024 ).

Não obstante o tema do populismo tenha sido explorado por diferentes correntes teóricas ao longo dos últimos anos (Mouffe, 2019 ; Urbinati, 2019a ; Moffitt, 2020 ; Rosanvallon, 2021 ), neste artigo, partimos da constatação de que o que diferencia o populismo recente de suas ocorrências ao longo da história das democracias ocidentais são os novos meios de comunicação digitais, que servem muito bem à lógica populista porque aprofundam a possibilidade de um tipo de comunicação direta entre o líder populista e seu eleitorado (Urbinati, 2019b , p. 192). Trata-se de uma nova configuração do modo de formação da opinião pública, na qual os meios de comunicação tradicionais são preteridos e a imprensa profissional é desacreditada, enquanto as redes digitais possibilitam a qualquer pessoa com acesso a instrumentos básicos de uso da internet difundir informações e opiniões sem qualquer tipo de metodologia de verificação; em consequência, o protagonismo das redes sociais toma o centro da vida social e política, numa espécie de transtorno da esfera pública convencional, do qual o populismo se nutre.

Um elemento central para a operacionalização dessa comunicação mediada digitalmente consiste no fato de que, apesar da sua aparente abertura, as plataformas, os hardwares e softwares , a internet e a própria web (rede) são, desde seus primórdios, produzidos e controlados por agentes especializados e por intermediários que, posicionados em diferentes pontos do sistema comunicativo digital, são capazes de exercer graus de influência distintos na circulação dos fluxos, estabelecendo o modo de operação e as prioridades do “sistema”, frequentemente incompreensíveis aos usuários-padrão. No que se refere especificamente aos aplicativos para a rede, o ambiente de navegação é estruturado por códigos de programação que são, de modo geral, inacessíveis aos usuários-consumidores e escassamente auditáveis. Tanto os softwares quanto os apps comerciais mais populares e utilizados dirigem e enquadram a navegação em fórmulas opacas aos sujeitos, protegidas pelos direitos de propriedade intelectual e pelo sigilo garantido a inovações tecnológico-industriais.

Dado o amplo uso de tais apps pela imensa maioria dos proprietários de computadores, celulares e outros aparelhos digitais, não nos parece excessivo afirmar que esses aplicativos constituem hoje verdadeiras plataformas de intermediação da sociabilidade 1 nas quais a cartografia completa do terreno é propriedade de poucas e grandes corporações privadas. Justamente aqui, nesse lugar opaco e sigiloso, inacessível ao usuário-consumidor-cidadão comum, opera uma importante camada deste tipo de tecnologia, hoje dominada por máquinas algorítmicas: as novas formas de coleta, agregação, análise e estabelecimento de correlações estatísticas, que são levadas a cabo pelas empresas desenvolvedoras desses aplicativos, a partir do enorme volume de dados existentes hoje no mundo digitalizado (os chamados big data ), e tornadas produtos customizados que podem ser vendidos seja a empresas, seja a governos ou campanhas políticas. 2

O que viabiliza essa descomunal operação de coleta e sistematização de informações individualizadas, aparentemente desconexas, pelas gigantes da tecnologia são exatamente as técnicas automatizadas de produção de conhecimento e tomada de decisão . As novas tecnologias que conformam a base do machine learning engendram e permitem novas formas de apreender e ordenar a “realidade social”, por meio agora de uma lógica de operação digital que permite que o conjunto de dados mobilizados para o estabelecimento da correlação ou da métrica não seja passível de reconstrução e de contestação aberta por parte do “público de cidadãos”, o que favorece uma aguda privatização desta forma de saber.

Para teóricas e teóricos que estudam as tecnologias algorítmicas e seus impactos sociais, o diagnóstico mais geral é o de que, com a expansão acelerada destas técnicas de produção e de circulação de saber, que ordenam algoritmicamente os conteúdos oferecidos, p. ex., ao usuário no seu feed de notícias (Kramer; Guillory; Hancock, 2014 ), indivíduos, instituições e populações inteiras terminam por confiar às empresas que criam e gerem tais arquiteturas algorítmicas as tarefas de produção de informação e de mediação do debate público , o que tem como efeito uma espécie de colonização do “espaço público” por uma ratio privada hipertrofiada que, muitas vezes, se faz passar por esfera pública e que pode até ter impactos sobre a organização da esfera política e da cidadania. No caso das corridas eleitorais, tais técnicas digitais de produção e de circulação de saber foram as responsáveis por gerar suas principais marcas: fake news , “verdades alternativas”, e exércitos de botssoftwares robôs da web que simulam ações humanas repetidas vezes de maneira padrão, que podem ser ilegalmente utilizados para a disseminação de spams , para o aumento de visualizações de um conteúdo digital ou ainda para alterar os indicadores quantitativos do debate público digitalmente mediado.

Essas máquinas ou sistemas inteligentes automatizados baseados na lógica algorítmica podem interferir na formação da vontade política dos cidadãos de uma maneira muito sutil: operam de modo a evitar e contornar os sujeitos sociais concretos, criando uma espécie de avatar (um duplo digital) dos sujeitos, e, com isso, objetificam perfis (isto é, o conjunto de dados sobre comportamentos, preferências, gostos), cujos dados são correlacionados, em grande parte, por máquinas que analisam uma quantidade imensa de informações capturadas e, a partir da sua mineração ( data mining ), tomam decisões com base na programação para a qual foram criadas. O entrecruzamento dessa imensidão de dados diariamente produzidos pelos usuários em suas interações cotidianas ( datificação ) permite aos algoritmos gerarem um volume inimaginável de informações e insights pragmáticos sobre a realidade representada pelo conjunto de dados em questão (Aradau; Blanke, 2015, 2017 ).

Foi justamente o recurso a estas ferramentas que possibilitou à Cambridge Analítica construir dezenas de arquétipos comportamentais capazes de guiar a campanha estadunidense de maneira especializada (Wylie, 2019 ; Kaiser, 2019 ; Maschewski; Nosthoff, 2021 ), simulando uma conversa pessoal na qual os agentes em interação, por conhecerem o seu interlocutor, são capazes de falar daquilo que lhes interessa ou os perturba de uma maneira que faz sentido ao interlocutor, isto é, jogando com as suas predisposições detectadas e armazenadas em algum banco de dados por algoritmos “inteligentes”. Isto transforma profundamente a competição eleitoral e os pressupostos normativos do regime democrático.

Essa nova configuração da esfera pública implica, por um lado, a competição entre informações encontradas nas mídias tradicionais, que têm métodos rigorosos e específicos de checagem e validação das fontes de informação, e as que são disponibilizadas nas redes digitais, diversas e em grande parte dificilmente verificáveis, e, por outro lado, envolve a própria forma de acesso às informações, com o declínio da utilização dos jornais impressos e o descrédito do jornalismo televisivo, que outrora padronizavam os conteúdos que serviriam para formar a opinião pública – todas elas transformações ocorridas paralelamente ao alastramento do acesso a dispositivos digitais. Os primeiros diagnósticos a respeito das redes chamaram a atenção para o fato de que elas poderiam funcionar como câmaras de eco (Sunstein, 2002 ; Jamieson; Cappella, 2008 ; Garret, 2009 ) e filtros-bolha (Pariser, 2011 ; Resnick et al ., 2013 ; Nguyen et al ., 2014 ), mecanismos que reproduzem visões de mundo de uma forma que impossibilita e/ou dificulta enormemente a circulação de suas críticas. Ao invés de persuadir o interlocutor pela força dos melhores argumentos em um ambiente público e plural, mecanismos desta natureza instigam preconceitos e confirmação de vieses, elementos centrais em modelos estratégicos de ação política que operam por meio do marketing microssegmentado e/ou personalizado, para os quais a capacidade preditiva dos algoritmos de machine learning de construir e modular predisposições desempenha papel fundamental (Mendonça et al ., 2023 ; Kosinski et al ., 2014 ). Formam-se, portanto, não exatamente públicos (Warner, 2016 ) em torno de questões específicas, mas segmentos/nichos da sociedade que se isolam em suas próprias posições políticas – o que é um elemento crucial para o favorecimento da polarização (Bakshy et al ., 2015 ; Sunstein, 2017 ) –, com o reforço e a radicalização das posições e dos preconceitos que as pessoas amiúde já possuíam antes de aderirem a esses grupos isolados, mas que são robustecidos por processos de pensamento de grupo ( groupthink ) (Aronson, 2012 , p. 18), isto é, pela busca por agrupação que supera a avaliação ponderada da realidade.

Assim, ao que tudo indica, ao problema da dificuldade crescente do compartilhamento de informações para a formação da opinião pública e da vontade política é preciso acrescentar o fato de que as redes sociais podem aglutinar pessoas por meio de sentimentos de pertencimento de grupo. Na lógica populista, a mobilização de emoções sempre foi um elemento central para a formulação do binarismo nós x eles (Cossarini; Vallespín, 2019 ; Mouffe, 2019 ; Davies, 2023 ); mas, recentemente, esse elemento foi transposto para a escala das redes digitais e, por vezes, é forte o bastante para fazer com que as pessoas se interessem apenas pelo que pode reforçar as ideias que circulam no grupo e rejeitem (violentamente) o que for contrário.

Nos universos digitais desses grupos, o debate político é simplificado a breves enunciados, fáceis de serem apreendidos, debatidos e replicados. Em geral, o seu conteúdo se dirige contra a imagem de alguém que se apresenta como líder político e tem na personalização e destruição da confiança a sua principal estratégia. A busca por materiais e informações que possam desempenhar um papel destrutivo sobre a imagem dos adversários é a origem daquilo que Castells ( 2018 , p. 21) identifica como política do escândalo , cujo efeito secundário é inspirar um sentimento de desconfiança e de reprovação moral sobre o conjunto dos políticos e da própria política, o que contribui para a crise de legitimidade experimentada hoje pelo regime democrático.

Com base no que se discutiu até aqui, podemos sustentar que assistimos a um duplo movimento. Por um lado, para a teoria política deliberativa, importa a possibilidade de que as pessoas envolvidas na formação da opinião pública e da vontade política estejam tanto abertas aos argumentos umas das outras quanto dispostas a apresentarem as razões daquilo que defendem num debate racional; importam as características do que Habermas ( 2020 , p. 169) chamou de liberdade comunicativa , que ocorre quando atores buscam se entender sobre algo, esperando que as tomadas de posição se deem mediante pretensões de validade suscetíveis a críticas, apresentadas por uns aos outros. Mas com a escalada da formação de grupos ensimesmados, marcados por sentimentos de conformidade e alheios a críticas externas, esse asserto normativo fica impedido.

Em outra frente, esse processo gera um ambiente propício para o desenvolvimento da relação populista de representação. O líder populista encarna a voz do “nós”, que diz respeito ao que há de mais importante para o grupo que ele representa, e opõe-se à voz do “eles”, que, em geral, são as vozes da crítica. A representação direta, sem filtros e sem intermediários, possibilita o rechaço da crítica às ações e discursos do líder populista e retroalimenta o processo de groupthink , de modo que a oposição não é exatamente alguma outra plataforma político-partidária, mas toda e qualquer crítica. É justamente essa nova configuração que se torna o grande óbice para a representação política como forma construtiva de democracia (Urbinati, 2019c , p. 1).

Relação entre as novas tecnologias de comunicação e os conceitos de esfera pública e de representação política

Causas Consequências
Formação de câmaras de eco e filtros-bolha. Redução dos espaços e temas comuns para a formação da opinião pública e consequente declínio da predisposição ao uso da liberdade comunicativa.
Formação de grupos introversos marcados por sentimentos de pertencimento. Fortalecimento da representação direta e consequente enfraquecimento da dinâmica da representação política como forma construtiva da democracia.

Fonte: Elaboração própria.

Essa percepção de que o universo das mídias digitais e das redes sociais tem consequências nefastas para a democracia começa, aos poucos, a ser tematizada por pensadores importantes da teoria política e democrática, com implicações para conceitos normativos fundamentais, como as complexas noções de esfera pública e de representação política , como discutiremos a seguir.

Esfera pública, deliberação e política digital

Segundo o filósofo social alemão Jürgen Habermas ( 2001 ), a democracia e seus elementos são fruto de um desenvolvimento histórico particular às sociedades ditas modernas cuja amarração pode ser bem expressa por meio da noção de Estado democrático de direito , a qual agrega os dois elementos que asseguram legitimação às ordens políticas estatais gestadas na modernidade, os direitos humanos e a soberania popular . Os primeiros garantem aos cidadãos da sociedade a vida e a liberdade privada, enquanto a segunda garante aos cidadãos do Estado um procedimento (o de tipo democrático) que fundamenta a expectativa de resultados legítimos (Kritsch; Silva, 2022 ). Em um Estado democrático de direito, no qual a autonomia pública e a autonomia privada dos parceiros do direito são co-originárias, todos têm o direito de participar do processo legislativo. Democracias constituem, assim, sistemas de ação cujos procedimentos foram implantados na forma de direitos políticos e práticas democráticas (Habermas, 2020 , p. 406).

O procedimento característico de Estados democráticos de direito é a política de tipo deliberativa, que, na teorização habermasiana, assume, entre outros princípios de relevo, as ideias de que: 1º) o único critério de justificação das respostas às questões práticas que se colocam para as sociedades democráticas pluralistas reside no consentimento racional de indivíduos autônomos, livres e iguais; e 2º) que as instituições sociais e políticas só estão justificadas quando refletem os interesses, direitos e concepções de boa vida dos indivíduos, razão pela qual as práticas de justificação moral e de legitimação política só podem adotar como critério norteador aquelas razões que puderem obter o consentimento público * e o apoio universal de todos os indivíduos* (Habermas, 2020 , pp. 393-395; 404-419).

Ou seja, a política de tipo deliberativa, que constitui o cerne da vida democrática, como bem lembra Werle ( 2013 ), repousaria num modo particular de legitimação dos processos de formação da opinião e da vontade coletivas – fundado numa prática argumentativa voltada para o entendimento mútuo que incorpora diferentes usos da razão [pragmático, ético e moral] – capaz de gerar a aceitabilidade racional das escolhas oriundas dos debates informados que ocorrem no espaço público entre razões deliberativas. Segundo esta visão, então, só podem ser tornadas regras aquelas normas que resultam do exercício do uso público da razão (Kritsch; Silva, 2011 ). Como resume Werle ( 2013 , p. 153), em Habermas, a dimensão epistêmica da democracia repousa na “aceitabilidade racional gerada numa prática argumentativa voltada para o entendimento mútuo”, isto é, na aceitabilidade racional dos acordos políticos. (Kritsch; Silva, 2022 , p. 302).

Ora, o cenário atual, marcado pela política digital, tem exigido também de teóricos e teóricas da democracia, e em particular daquele/as que concentraram seus esforços e preocupações reflexivas nas últimas décadas na noção de deliberação – entendida, como propôs Habermas, como parte fundante e fundamental dos processos de formação da opinião e da vontade coletivas, tidos como pressupostos centrais para a escolha e tomada de decisão nos Estados democráticos de direito – um esforço analítico ao mesmo tempo complexo e desafiador. O que parece estar sendo posto em xeque, com a emergência destas ondas antidemocráticas, é o vínculo estabelecido entre soberania popular, regime democrático (instituições) e produção e operacionalização de conflitos e dissensos políticos na esfera pública, para muitos, sustentáculo dos Estados democráticos de direito (Kritsch; Silva, 2022 ).

Pensadoras e pensadores da teoria política e democrática estão cada dia mais convencidos dos efeitos prejudiciais que o universo das mídias digitais e das redes sociais pode ter sobre a esfera pública democrática, tal como concebida e conceituada pela teoria política desde o Iluminismo. Diferentemente da longa e bem-sucedida história da democracia representativa moderna de controlar os impulsos mais selvagens e as frustrações de maiorias descontentes, recorda David Runciman ( 2018 , p. 119), o mundo digital propicia um grau quase desumano de violência coletiva virtual, intermediada por máquinas insensíveis a dores e sentimentos, com consequências desastrosas para o que entendemos como diálogo democrático que ocorre em um espaço coletivo no qual deveria predominar, de acordo com teóricas e teóricos deliberativistas, uma ética do discurso. Não deveria causar espanto o fato de que o autoritarismo pragmático do século XXI possa representar uma alternativa concreta à democracia contemporânea, emenda o autor (Runciman, 2018 , p. 144). E entre os muitos aspectos e transformações a nós impostos pelas novas tecnologias digitais hoje, está um particularmente caro aos Estados democráticos de direito: seus efeitos sobre as distintas esferas públicas das mais diversas sociedades, sejam elas mais abastadas e educadas, sejam elas pobres e desprovidas de recursos capazes de valorizar seu material humano.

Exatamente porque os sinais de alerta se multiplicaram, especialmente após o período de confinamento imposto pela pandemia de covid-19, que obrigou o mundo a enfrentá-la por meio da disposição de ganhar intimidade crescente com ferramentas e formas virtuais de interação social, em 2022, Habermas decidiu retomar o tema do livro que o projetou na carreira, Mudança estrutural da esfera pública , publicado exatos 60 anos antes, e enfrentar o desafio de pensar todas essas mudanças e seus impactos, trazendo aos seus leitores e leitoras o ensaio Uma nova mudança estrutural da esfera pública e a política deliberativa .

Para Habermas ( 2023 , p. 28), a esfera pública pode ser compreendida em sua função de contribuir com a integração da sociedade e, especificamente, com a integração política dos cidadãos, salvaguardando a existência da comunidade democrática. Habermas ( 2023 , p. 54) recorda que, em seu modelo, o sistema de mídia é decisivo para que essa esfera pública possa desempenhar sua tarefa normativa de gerar opiniões públicas concorrentes que atendam aos critérios responsivos e ponderados da política deliberativa, e, com isso, fomentar a integração social. Como bem sintetizam Werle e Melo (2023, p. 13), “[…] a existência de uma comunidade democrática, seu desenvolvimento e relativa estabilidade podem ser avaliados pelos padrões de sua comunicação pública: a hipótese é a de que, quanto mais o uso público da razão, isto é, a discussão mediante razões, livre, inclusiva e reflexiva, estiver presente nas práticas deliberativas e nos procedimentos institucionalizados, maior será o nível de democratização de uma sociedade”.

Para a política deliberativa, então, a qualidade das opiniões depende de que seu surgimento se dê mediante alguns critérios funcionais. As opiniões públicas serão relevantes se políticos, representantes de interesses e os demais atores da sociedade civil forem capazes de fornecer o input correto acerca dos problemas que precisam ser regulados. Os temas e contribuições desses produtores de opinião se tornarão efetivos como opiniões públicas caso se tornem acessíveis na esfera pública, de modo que esse output atraia a atenção da população em geral e dos eleitores em particular. Nesse intervalo, o sistema de mídia tem o papel de throughput , isto é, de filtrar, intermediar e transmitir os temas e contribuições dos produtores de opinião para o público mais amplo. É, portanto, a comunicação pública gerenciada pela mídia de massa, cujos profissionais funcionam como gatekeepers dos fluxos de comunicação passíveis de se transformarem em opiniões públicas, que forma o espaço em que os fluxos comunicativos se transformam em opiniões públicas realmente eficazes do ponto de vista democrático. Esses gatekeepers são os jornalistas de agências de notícias, a mídia e as editoras que gerenciam, portanto, o processo de throughput na formação da opinião pública, e que, com as empresas que organizam a tecnologia de produção e de distribuição das informações, formam a própria infraestrutura da esfera pública (Habermas, 2023 , p. 55). A partir daí, são os próprios usuários de mídia que receberão, no output , as opiniões publicadas e poderão ou não transformá-las em opiniões públicas eficazes que alcancem o sistema político.

O diagnóstico de Habermas ( 2023 , p. 57) é o de que as novas mídias digitais transformam a esfera pública e de que “não se trata apenas de uma ampliação dos serviços de mídia existentes, mas de uma ruptura no desenvolvimento da mídia na história humana, comparável à introdução do livro impresso”. Embora essas novas tecnologias tragam vantagens óbvias, para a esfera pública democrática, as consequências dessa dissolução embutem uma “força explosiva ambivalente”, avalia Habermas ( 2023 , p. 58), com grandes potenciais disruptivos para as esferas públicas nacionais.

O formato de plataforma (Facebook, YouTube, Instagram, etc.), a grande novidade desta tecnologia para ele, transforma a própria estrutura de mídia da esfera pública, na medida em que prescinde dos filtros qualificados e profissionais que até então desempenhavam o papel de mediação jornalística, mudando o padrão de comunicação até aqui prevalente na esfera pública. As novas mídias não apenas capacitam todos os potenciais usuários a serem também, eles mesmos, autores independentes de conteúdo comunicativo e com iguais direitos, habilitando-os a comunicar-se com quaisquer destinatários, mas também as empresas digitais que fornecem as plataformas aos usuários não são responsáveis pelo tipo de conteúdo por elas veiculado, como outrora produzido pelo jornalismo profissional e filtrado por uma redação especializada.

Nas plataformas digitais, a conexão comunicativa é multifacetada e os conteúdos, cuja veracidade não é verificada, são escolhidos de maneira espontânea e trocados pelos próprios usuários, que, por sua vez, embarcam em câmaras de eco fechadas e fragmentadas, permitindo, inclusive, que essas “ilhas de comunicação” reivindiquem obstinadamente “o posto epistêmico de esferas públicas concorrentes” (Habermas, 2023 , p. 67). Esse novo padrão de comunicação resultou em dois efeitos notáveis para a mudança estrutural da esfera pública, alerta Habermas ( 2023 , p. 61): no autoempoderamento dos usuários de mídia, de um lado, mas também, de outro lado, na sua liberação da tutela editorial da mídia antiga, de modo que os conteúdos que produzem não são mais mediados por nenhum tipo de filtro autorizado nem por um exame discursivo capaz de avaliar se tais conteúdos têm como base padrões cognitivos geralmente aceitos.

Para o filósofo social (Habermas, 2023 , p. 66), essa nova modalidade de mídias plataformizadas fragmenta a esfera pública e impede aquela lógica de formação da opinião pública que se pauta por um uso público da razão , fazendo emergir uma severa ameaça à formação de uma opinião pública política e de uma vontade política da comunidade, tão centrais para a noção de esfera pública tal qual a conhecemos e experimentamos até a aurora do novo milênio. A consequência de todos esses desenvolvimentos é a crescente infiltração de fake news na esfera pública política e sua evolução para uma democracia da pós-verdade , que se tornou normalidade durante o governo Trump nos Estados Unidos e que fez aumentar a desconfiança das pessoas na Europa em relação à mídia tradicional, o que presenciamos ocorrer também em alguns países da América Latina, como México, Colômbia, Argentina, Bolívia, Peru, e, particularmente, no Brasil, durante o período de ascensão de Bolsonaro e ao longo de seu mandato como presidente da República. Tal desconfiança acerca da verdade, diz Habermas ( 2023 , p. 67), é acompanhada por uma crescente desconfiança também na classe política, associada mais e mais à corrupção.

Essa grande valorização da nova mídia exerce uma pressão sobre a mídia anterior, que funciona numa lógica muito diferente, já que tanto a sua forma quanto o seu conteúdo devem atender a determinados padrões (cognitivos, normativos ou estéticos), que são julgados pelos receptores, mas que funcionam, ou funcionavam, como uma instância de mediação em sociedades complexas e plurais, sendo capaz de extrair dessa diversidade polifônica um núcleo de interpretação intersubjetivamente compartilhado e de garantir sua aceitação racional geral de forma ampla.

Nesse novo modelo de mídia plataformizada, o que preocupa não é tanto a presença de influenciadores em busca de fama e influência junto à opinião pública, e sim a maneira de selecionar os temas que devem merecer ser tratados como questões de interesse comum, bem como a forma e a racionalidade das contribuições profissionalmente verificadas que viabilizavam um certo acordo sobre o que são interesses comuns ou não e, nesse sentido, sobre o que deve permanecer como questão de interesse privado. “Em determinadas subculturas, a esfera pública não é mais percebida como inclusiva e a esfera pública política não é mais percebida como um espaço de comunicação para uma universalização de interesses que abranja todos os cidadãos”. (Habermas, 2023 , p. 75).

Com as novas mídias, entende Habermas ( 2023 , pp. 75-76), parcelas da população perdem aquela mesma percepção da esfera pública e de sua inclusividade (no sentido de tocar a todos igualmente), e apaga-se o limiar que distinguia questões públicas de privadas. Nas redes sociais, há espaços públicos que quaisquer usuários podem acessar e com os quais podem contribuir sem qualquer tipo de exame ou filtro profissional – e isso atrai, inclusive, “políticos a exercerem uma influência personalizada sem mediação em uma esfera pública plebiscitária”. Assim, todos os usuários podem recorrer a um público anônimo e solicitar seu consentimento em espaços de mídia que, segundo os padrões anteriores, não são nem espaços públicos, nem espaços privados.

Para Habermas ( 2023 , p. 76), os usuários que se aventuram como autores chamam a atenção de um público e formam uma “esfera pública não estruturada” que é produzida basicamente com os comentários de seus leitores e likes dos seguidores. Esse movimento é justamente o que permite a formação de “câmaras de eco autossustentáveis” que, ainda que porosas para a abertura a redes mais amplas como a esfera pública em sua forma convencional, não têm o mesmo caráter inclusivo desta, pois rejeitam as vozes divergentes e incluem as vozes convergentes, assimilando-as sem filtragem ao horizonte do seu suposto ‘saber’, que é capaz de lhes preservar a identidade. Há nesses públicos uma confirmação mútua de vieses, e pretensões que queiram ultrapassar os limites do entendimento geral do grupo são vistas como suspeitas. Habermas ( 2023 , p. 77) chama essas bolhas marcadas por perspectivas limitadas e não testadas de esferas semipúblicas , que levam os seus participantes a não mais perceberem a esfera pública política ampla de um Estado constitucional democrático como inclusiva para a consideração de interesses, e que a rebaixam na existência de várias esferas semipúblicas (ou esferas públicas semiprivatizadas) que competem entre si.

É nessas esferas semipúblicas que surgem a disseminação de fake news e o descrédito da imprensa convencional; e quando aquele espaço comum da política é rebaixado às disputas entre as diversas esferas semipúblicas concorrentes, abrem-se as portas para e são estimuladas explicações fundamentadas em teorias da conspiração, mesmo para os programas políticos de Estado que outrora foram legitimados democraticamente, como vimos à exaustão durante a pandemia, o que pode, escreve Habermas ( 2023 , p. 77), “capturar e deformar o próprio sistema político”. O filósofo social refere-se, aqui, também ao favorecimento da lógica populista de operação pelas plataformas digitais e aponta que a deformação generalizada desta percepção da esfera pública política não é medida pela quantidade de fake news que encontramos nas redes, mas pela impossibilidade de que os participantes das esferas semipúblicas as identifiquem como notícias falsas. A consequência disto é que todo o sistema democrático é posto em xeque quando a infraestrutura da esfera pública já não consegue mais atentar para as questões relevantes que exigem tomada de decisão ou mesmo filtrar opiniões mentirosas . Plataformas digitais e redes sociais são, hoje, portanto, os grandes veículos a causar disrupção e colapso na esfera pública democrática, particularmente, quando se recusam a responsabilizar-se pelos “conteúdos comunicativos sensíveis à verdade” ou propensos a enganos que veiculam. Responsabilização urgente, portanto, é a saída reclamada por Habermas, bem como por Runciman – um alerta que, a nosso ver, apenas adia mudanças estruturais mais profundas já em curso.

Desfiguração da democracia, representação direta e populismo digital

Senhoras e senhores, vivenciamos um novo tempo. As eleições de outubro revelaram uma realidade distinta das práticas do passado. O poder popular não precisa mais de intermediação. As novas tecnologias permitiram uma relação direta entre eleitor e seus representantes

(Bolsonaro, 2018 ).

Nadia Urbinati é hoje uma das principais referências no campo de estudos da teoria democrática e, ao longo dos últimos anos, desenvolveu diversas reflexões sobre as principais ameaças aos regimes democráticos contemporâneos ( 2014 , 2019a , 2019b , 2023 ). Entre as contribuições da autora, podemos destacar sua interpretação sobre como os procedimentos democráticos e a representação política constituem pilares fundamentais para o exercício da igualdade e da liberdade política em um regime democrático (Ballacci, 2022 ).

Na perspectiva da autora, a democracia representativa não é apenas uma alternativa frente à impossibilidade da democracia direta, nem se limita a uma concepção minimalista de democracia eleitoral. Trata-se de uma forma de governo em que a democracia é constantemente recriada e aprimorada por meio da representação política. Em sua obra, a representação política é entendida como uma forma dinâmica de representação que conecta sociedade política e sociedade civil por meio de um processo político comunicativo (Urbinati, 2006 , pp. 191-192; Almeida, 2018 , p. 6), ao tornar o social político.

Entre as principais contribuições que a autora oferece à literatura sobre representação política está a distinção que estabelece entre representação populista e representação por mandato, entendendo a representação por mandato como a forma política de representação adotada pela democracia de partidos, que o populismo buscaria transformar 3 . Para a autora, “esta transformação consiste no desenvolvimento de uma forma direta de representação , e não de uma forma direta de democracia ” (Urbinati, 2019b , p. 163, tradução e grifo nossos).

Na contemporaneidade, o que tem chamado a atenção é a intensidade e onipresença do populismo nas democracias constitucionais (Urbinati, 2019b , p. 1). Para Urbinati, o populismo não é um regime que se estrutura por si: ele surge onde a arena política é marcada por eleições, partidos políticos e associações diversas. O populismo depende da democracia representativa constitucional porque se nutre do questionamento de algumas das características desse regime. Especificamente, o populismo tensiona o gap que essa forma de representação política gera entre o povo como princípio legitimador e o povo como realidade social concreta (Urbinati, 2019a ).

Para a autora, o conceito de povo é ambíguo e evoca uma tensão insolúvel entre “o Povo” enquanto uma persona ficta que alude ao conceito de soberania popular, e, portanto, à autoridade e legitimidade sobre um determinado território e a uma ordem jurídico-legal, e “o povo” entendido como a unidade de múltiplos sujeitos e demandas sociais, relacionado à interpretação sociológica da “maioria”, dotada de valores sociais e éticos. O populismo recorre à segunda interpretação, conferindo e mobilizando uma certa capacidade de ação e de expressão de opinião a essa maioria, considerando-a como o único povo que desfruta de legitimidade para exercer o poder democrático (Urbinati, 2019b , pp. 78-79). Para a forma de representação populista, o povo não pode ser uma representação fictícia da soberania popular: ele deve ser dotado de substancialidade.

Urbinati ( 2019b , p. 4) interpreta o populismo como um projeto de governo que transforma três pilares da democracia moderna: o povo, o princípio da maioria e a representação. E para chegar ao poder, o populismo se fortalece a partir de dois dispositivos discursivos: (i) a relação direta entre o líder e o “povo” considerado “bom” ou “correto”; e (ii) a autoridade superlativa do seu público. Ao mobilizar sentimentos de ressentimento e desconfiança de parcelas significativas da população em relação ao sistema político, o populismo assume uma fisionomia marcada por uma política de parcialidade que busca ocupar o lugar do poder constituinte em um regime democrático representativo, podendo facilmente desfigurar o Estado de direito e a divisão de poderes.

A concepção normativa de democracia representativa proposta por Urbinati ( 2014 , p. 22) supõe a compreensão de sua tese do modelo diárquico da democracia representativa, o qual refere-se a um sistema de governo fundamentado em duas dimensões, vontade e opinião, no qual a vontade se manifesta por meio dos métodos e instituições que regulam as tomadas de decisão, enquanto a opinião abrange os juízos e as opiniões políticas que se expressam para além das instituições. Essas dimensões se influenciam mutuamente, cooperam e entram em conflito, sem, no entanto, se fundirem em um único momento (Urbinati, 2013 , p. 6). O processo interativo entre vontade e opinião é parte da formação reflexiva dos interesses políticos, do funcionamento da democracia representativa e são poderes fundamentais para resguardar as liberdades políticas e civis dos cidadãos em regime democrático (Almeida, 2018 , p. 11).

Para Urbinati, o populismo procura radicalizar a dimensão da opinião, unindo-a à vontade, em um único ato, como expressão da soberania popular. Por este motivo, o populismo pode desfigurar a democracia representativa ao reduzir os processos eleitorais a um mero processo de revelação da suposta maioria autêntica e verdadeira que o líder populista pretende representar (Silva; Kritsch; Teixeira, 2023 ). Em um regime populista, movimentos e lideranças buscam apresentar-se como a encarnação da vontade do povo, o que resulta em uma forma desfigurada de democracia representativa, contribuindo para que o populismo, ao chegar ao poder, interprete, utilize e modifique a democracia representativa, alterando, sobretudo, o estilo e o conteúdo dos discursos públicos na arena política, sem romper efetivamente com a forma de governo representativo (Urbinati, 2013 , p. 7).

O populismo preserva os procedimentos eleitorais ao mesmo tempo que mobiliza a opinião pública para questionar as instituições estabelecidas, como os partidos políticos, a imprensa livre, a representação parlamentar e as cortes constitucionais, com o intuito de glorificar a vontade da maioria à qual busca representar (Silva, 2023 , p. 103). Portanto, o populismo distorce a democracia representativa ao jogar luz sobre a figura de um líder que encarna a vontade popular, enfatizando a representação não mediada.

Para Urbinati, a retórica ocupa uma função crucial no processo de construção de identificações coletivas ao mediar a passagem do social para o político, não apenas no contexto do populismo, mas como uma característica inerente à democracia como um todo. A representação amplifica a dimensão da retórica e possibilita à democracia conectar um emaranhado de significados e interpretações das crenças e opiniões dos cidadãos em uma arena política. Contudo, a retórica antissistêmica do populismo é caracterizada por uma linguagem de confronto que divide a sociedade em dois grupos: o povo e seu inimigo. Portanto, embora esse tipo de retórica possa sugerir a construção de um modelo democrático direto e participativo, na prática, o populismo se destaca pela ênfase em uma democracia de espetáculo, centrada na figura de seu líder, mais do que nos partidos políticos, e na busca por uma identificação emocional entre o líder e o povo (Urbinati, 2019b , p. 25).

A autora identifica, assim, quatro temas do que entende ser manifestações detectáveis de uma ideologia populista que desfiguram as democracias representativas constitucionais: (i) a exaltação da pureza do povo como condição para uma política da sinceridade ( politics of sincerity ), em contraposição à política cotidiana de concessões e negociações sob a qual os políticos operam; (ii) o apelo ao direito da maioria de se sobrepor aos direitos das minorias (de gênero, culturais, étnicas ou religiosas); (iii) a construção de uma identidade coletiva que mobiliza politicamente a oposição entre “nós” e “eles”; e (iv) a santificação da unidade e homogeneidade do povo em oposição a qualquer particularismo (Urbinati, 2014 , p. 151).

Em termos gerais, o populismo, enquanto novo modelo de governo, distorce a diarquia da democracia representativa ao endossar uma ideia antidemocrática de representação, que prioriza o povo em detrimento do cidadão; ponto no qual reside seu caráter antiliberal e anti-individualista. Nesse sentido, pode converter-se em um inimigo da liberdade política, uma vez que mina as instituições políticas, a divisão dos poderes estatais e os direitos individuais e de minorias de se oporem ao regime. Não obstante seu fundamento ideológico ser antissistêmico, Urbinati entende que o populismo tem uma vocação estatista: busca construir uma totalidade corporativa do Estado e da sociedade para levar a cabo seu projeto de poder.

Nesse contexto, ainda que seja um fenômeno intrínseco à democracia representativa, o populismo pode adulterar o regime quando avança na direção de modificar os princípios da legitimidade democrática por meio de um majoritarismo extremado ( extreme majoritarianism ), que ocorre quando uma parte do povo é personificada e mobilizada por um líder contra outras partes do povo (Urbinati, 2019a ). Deste modo, o sucesso e a estabilidade do populismo dependem da utilização de instrumentos que são próprios da democracia, entre eles, a mobilização permanente da opinião do povo em apoio ao líder populista por meio da mídia, o que se intensifica em um contexto de difusão das tecnologias digitais.

A emergência da internet e, sobretudo, das redes sociais potencializou o fenômeno da espetacularização e da democracia de audiência, contribuindo para o declínio dos organismos intermediários da democracia representativa, sendo os partidos políticos os principais afetados dentre eles. Nesse sentido, a lógica de funcionamento da internet e a forma de difusão dos discursos se tornam armas poderosas para a crítica populista à intermediação da vontade política.

A emergência de movimentos e líderes populistas, como explica Paolo Gerbaudo ( 2018 ), e também a intensidade com que o fenômeno vem ganhando força em diferentes regiões do mundo estão intimamente relacionadas com o que o autor chama de “afinidade eletiva” entre as redes sociais e o populismo (Gerbaudo, 2018 , p. 746). As redes sociais ofereceram ao populismo um canal para se apresentar e se manifestar como representantes daqueles que não são ouvidos, que estão à margem, excluídos e/ou sub-representados, mobilizando sobretudo suas emoções e ressentimentos em face do sistema político e das mídias tradicionais, entendidos como pró- establishment financeiro e político.

Nesse sentido, a “afinidade eletiva” entre redes sociais e populismo combina dois fenômenos que apelam para eleitorados conectados digitalmente e politicamente descontentes (Gerbaudo, 2018 , p. 748): de um lado, uma crise econômica e política, que tem afetado negativamente o padrão de vida das pessoas e a sua confiança nas instituições políticas e democráticas; e, de outro, a inovação tecnológica e a difusão da internet e das redes sociais, que estão redefinindo a maneira como as pessoas se comunicam, trabalham e se organizam.

Para Gerbaudo ( 2018 ), as redes sociais, enquanto plataformas que reverberam a “voz do povo”, devem ser entendidas à luz de uma “crise de autoridade” das mídias tradicionais, que abriu espaço para que novos atores se colocassem como porta-vozes da notícia e da informação, além de formadores de opinião no âmbito do debate público. Essa transformação no papel das mídias tradicionais, ocasionada sobretudo pela chegada das mídias digitais, reflete-se nas formas de abordagem sobre como o populismo mobiliza o espaço midiático. As tecnologias digitais impulsionam o personalismo político em um ambiente digital marcado pela falta de intermediação, o que o torna muito favorável à proliferação do tipo de discurso que caracteriza o populismo, algo próprio do que Gerbaudo ( 2018 , p. 746) classifica como “populismo numa era digital”, e outros como “populismo digital” (Rowe, 2023 ; Prior, 2021 ; Cesarino, 2020 ), para indicar um tipo específico de derivação da lógica populista de representação direta.

Assim, se o termo “ democracia de audiência ” (Manin, 1997 , p. 218) serviu para fazer referência às mudanças que afetaram o modo de funcionamento do sistema representativo após os anos 1970, demandando uma adaptação dos políticos e dos partidos à expansão das mídias de massa (ao jornal, ao rádio e à televisão) – que suplantavam o voto nas plataformas partidárias e consolidavam o personalismo na relação representativa –, não resta muita dúvida de que a nova lógica da relação entre representantes e eleitores pode ser compreendida como uma mudança da mesma importância, e já não é incomum depararmo-nos com o termo democracia digital para designá-la (Vallespín Oña; Martínez-Bascuñán Ramírez, 2019 ; Gerbaudo, 2019 ; Losifidis; Nicoli, 2021 ; Fuchs, 2023 ; Pierman, 2023 ).

Para Urbinati, a emergência de novos meios de comunicação, como a internet, alimenta-se não apenas da crise de autoridade das mídias tradicionais, para usar os termos de Gerbaudo ( 2018 ), mas também da desconfiança dos cidadãos frente aos partidos políticos. Nesse contexto, as redes sociais, operadas por especialistas em comunicação digital, possibilitam aos candidatos, sobretudo os populistas, criarem sua própria imagem, estilo e mensagem, independentemente de estruturas partidárias e de apoio das mídias tradicionais, como outrora ocorreu com a televisão e o rádio (Urbinati, 2019b , p. 175).

O populismo em rede não se confunde, no entanto, com a restauração de qualquer forma de democracia direta. Ao contrário, reforça Urbinati, o populismo mobiliza as redes para responder a um desejo de controlar e monitorar instituições e líderes, buscando um poder negativo de julgamento direto, mais do que um poder positivo de tomada de decisões. Essas novas formas de confrontação refletem um desejo de vigilância e democracia monitorada, voltada para a inspeção censuradora mais do que para a governança direta. Tudo o que pode obstruir o desenvolvimento de uma forma de representação populista é visto como poderes que limitam e monitoram a soberania popular. Por meio da comunicação direta e permanente com sua audiência, a propaganda política característica do populismo é a que busca reafirmar constantemente sua identificação com o povo, em uma espécie de campanha eleitoral permanente (Mazzoleni, 2008 ). Embora se diferencie em relação aos símbolos usados, o processo de formação representativa por meio da propaganda permanece hoje semelhante ao dos movimentos populistas tradicionais. A novidade reside na velocidade e no impacto da difusão de informações, símbolos, lemas e imagens (Urbinati, 2019b , pp. 182-183).

O uso consciente dessa estratégia populista, que combina representação direta e novas tecnologias digitais, tem diversas implicações. Em primeiro lugar, é importante considerar a forma seletiva pela qual as plataformas digitais entregam os conteúdos aos usuários, isto é, como elas separam os usuários uns dos outros ao formar grupos de pessoas ( filtros-bolha ) que têm opiniões semelhantes (Jacobs; Spierings, 2016 ). Deste modo, a arquitetura algorítmica das mídias digitais é capaz de amplificar de forma massiva o discurso de lógica populista. Por outro lado, o encapsulamento dos agentes em “ilhas de comunicação” permitido pelo modo de operação de plataformas digitais e redes sociais ( câmaras de eco ) faculta a criação de engajamentos e sentimentos de pertencimento em partes enormes da população (Nguyen, 2020 ), o que permite unificar e manter coeso o povo que o populismo tem por “verdadeiro”.

A partir dessa lógica, os líderes populistas conseguem organizar uma relação de comunicação bastante impositiva, já que os usuários seguem o feed do líder, postam e repostam conteúdos a seu respeito, mas, em geral, não interagem diretamente com ele (Davis; Taras, 2020 ). Trata-se de um tipo de engajamento em que as próprias plataformas digitais facilitam a comunicação seletiva e estratégica, possibilitando a criação de conteúdos para testar a reação dos seguidores com mensagens que podem ser adaptadas para grupos ou redutos eleitorais específicos (Gonawela et al ., 2018 ).

A relação entre populismo e emoções não é nova, mas sua atualização em conformidade com as lógicas das novas tecnologias digitais é mais um elemento que reforça a representação de tipo direto (Cossarini; Vallespín Oña, 2019 ; Vallespín Oña; Martínez-Bascuñán Ramírez, 2019 ). Em ambientes online, o apelo populista às emoções tende a aumentar porque ele se une à busca por visualizações e engajamento por parte dos criadores de conteúdo. Essa competição por views , likes , comentários e compartilhamentos, que ficou conhecida como “ Attention Economy ” (Skains, 2019 ; Nelson-Field, 2020 ; Maly, 2024 ), favorece o tipo de comunicação que apela às emoções (Engesser et al ., 2017 ) e reforça a lógica populista do “nós” versus “eles”. Assim, para além dos efeitos gerados por filtros-bolha e câmaras de eco, a esfera pública em sua versão digitalizada demonstra grande fragilidade democrática também porque a relevância dos conteúdos é baseada em métricas quantitativas de popularidade (os likes ), que não dizem respeito à qualidade ou à diversidade de posições sobre um determinado assunto de importância pública, e sim são medidas em termos de visualizações, curtidas e compartilhamentos (Pasquale, 2006 , 2017 ; Hindman, 2018 ). Ora, interações sociais voltadas à produção de índices quantitativos não geram, na maioria dos casos, debate público ou solidariedade, mas apenas interconexões funcionais, o que, do mesmo modo que filtros e câmaras, contribui para a perda de uma opinião comum coletivamente ponderada dos debates públicos.

Ao mesmo tempo, as mídias digitais permitem que os líderes populistas possam desprezar e desdenhar muito mais que antes das mídias tradicionais, já que não são tão dependentes da visibilidade e da confiança que elas lhes conferiam em outro momento (Moffitt, 2016 ). Se as mídias digitais possibilitam prescindir das mídias tradicionais, o caminho para o uso de desinformação e fake news pelo líder populista para manter seu povo engajado contra os supostos inimigos está livre de impedimentos e pode ser usado como parte do seu repertório de confronto político (Mendonça et al ., 2022 ). Assim, numa espécie de circuito, a própria lógica algorítmica aliada aos artefatos típicos das redes sociais reforça, uma vez mais, a violência dessas táticas do populismo, pois pode fazer viralizar desinformação com apelo emocional e nutrir os processos groupthinking.

Esse cenário proporciona aos líderes populistas um imediatismo maior em seus apelos à identificação do povo com sua liderança; a representação direta é aperfeiçoada com as possibilidades de espaços midiáticos digitais diversificados e rápidos, e com a consequente menor dependência dos espaços midiáticos tradicionais, que não transmitem a mesma sensação de proximidade e velocidade na comunicação. Ao mesmo tempo, os conteúdos prescindem de filtros e custos para serem publicados e republicados (Moffitt, 2016 ; Habermas, 2023 ). Vídeos virais nas redes sociais, por exemplo, custando menos, podem atrair mais atenção do que propagandas na televisão ou em periódicos impressos; também, podem expor conteúdos impensáveis para as mídias tradicionais.

Os efeitos negativos sobre a democracia são evidentes. Embora se apresente como uma ideologia mobilizadora das maiorias excluídas e/ou vulneráveis, o populismo, quando no poder, corrompe os procedimentos democráticos, a representação e a liberdade política das democracias representativas constitucionais, fortalecendo o elemento antissistêmico presente em todas as democracias e conferindo substancialidade à polarização em que a maioria se apresenta como única e legítima detentora do poder político. Assim, promove uma visão de política hierarquizada e personalista, elementos com os quais, como buscamos apontar, as novas tecnologias digitais contribuem abundantemente.

Considerações finais

No século XX, a democracia parecia desfrutar de prestígio incontestável, levando alguns dos mais entusiastas a anunciar o “fim da história”. Esse otimismo cedeu espaço, mais recentemente, a incertezas, dúvidas e preocupações, a partir do momento em que regimes ao redor do globo apresentaram sinais de que suas democracias nacionais poderiam estar experimentando uma crise sem precedentes. A chegada ao poder de lideranças populistas, nos anos 2000 em maior número na América Latina, mas na década seguinte em democracias do chamado norte global, apenas tornou mais palpáveis o grau e a escalada que o fenômeno, e com ele o abalo dos regimes, alcançou ao final da década.

O fenômeno a que todas e todos nós assistimos, um tanto atordoados e incrédulos, não é tanto a derrocada abrupta das instituições democráticas por meio de golpes armados, e sim uma corrosão interna de suas estruturas e procedimentos, decidida, na maioria dos casos, nas urnas. Essa erosão, como já se constatou por meio de diagnósticos oriundos de matrizes teóricas diversas, é fortemente impulsionada, entre outras coisas, pela disseminação do uso das novas tecnologias digitais, e especialmente pela disseminação crescente de plataformas de notícias e conteúdos e das redes sociais como instrumentos de informação e de formação da opinião. Tais ferramentas nada neutras, como alertamos na primeira seção, vêm transformando profundamente os padrões de interação entre indivíduos e grupos e destes com suas respectivas instituições nacionais. Essas mudanças repercutem sobre as antigas formas de sociabilidade e afetam diretamente a dinâmica da vida política e institucional, aqui e alhures.

Assim, como sugerimos ao longo do artigo, o cenário político contemporâneo, modificado pelas novas tecnologias digitais, parece estar abalando aquele tênue e frágil, mas fundamental equilíbrio entre soberania popular e direitos humanos que caracteriza o chamado Estado democrático de direito (Habermas, 2020 ), que foi a realidade socioinstitucional predominante nas formações políticas ocidentais a partir da segunda metade do século XX. O que mais chama a atenção de analistas, neste momento de inflexão socioinstitucional, são as disputas em torno das tentativas de (res)significação da ideia de soberania popular , particularmente evidentes no modo como lideranças populistas lidam hoje com a noção de “Povo”, como bem explicado por N. Urbinati.

O intuito deste artigo foi justamente o de buscar explicitar, por meio das reflexões desenvolvidas por Habermas e Urbinati, duas dimensões nas quais os efeitos das novas tecnologias digitais parecem concorrer para o acirramento de tais disputas: Habermas busca analisar seus impactos sobre a formação da opinião e da vontade política e seus desdobramentos para a noção de esfera pública em regimes democráticos, enquanto Urbinati concentra-se nas suas consequências para a realização do momento da vontade política sobre a institucionalidade política dos Estados constitucionais. Em ambos os diagnósticos, como procuramos mostrar na segunda e terceira seções, a noção liberal de soberania popular está sendo abalada: a esfera pública democrática parece estar sendo, se não posta em xeque, ao menos ‘deturpada’, ao mesmo tempo que a democracia é ‘desfigurada’.

Por um lado, constatamos, com Habermas, o mau funcionamento – e a consequente distorção no âmbito da esfera pública – do exercício da soberania popular, tal como havia sido postulado pela política deliberativa , originalmente pensada pelo autor como uma prática social inclusiva e aberta às opiniões. Como decorrência dessa transformação, a esfera pública – aquele espaço social que deveria representar o fórum público no qual uma sociedade processa e busca resolver coletivamente seus problemas e dilemas, por meio de um entendimento mínimo a ser alcançado pelas partes em disputa, característico dos arranjos democráticos e suas instituições – passa a ser cada vez mais povoada por uma forma de interação sociopolítica que fragmenta a comunicação necessária para se chegar aos arranjos negociados coletivamente, decompondo a esfera pública em diversas esferas semipúblicas excludentes. Um movimento que põe em xeque os próprios pressupostos normativos dessa noção de esfera pública, entre os quais se encontram as ideias da regulação da deliberação por normas de igualdade e simetria, a do respeito aos princípios procedimentais da legitimidade democrática (capazes de garantir igualdade, inclusividade e imparcialidade), a da capacidade de avaliar posições do ponto de vista de todos aqueles e aquelas envolvidas na deliberação, etc. (Benhabib, 2007 ), as quais asseguram que as instituições políticas existentes correspondam em alguma medida às opiniões e à vontade política de seus cidadãos, obtidas por meio do debate público informado e reflexivo.

Por outro lado, detectamos e reconhecemos, com Urbinati, o potencial do populismo para a promoção da representação direta, cuja lógica majoritarista de operação faculta ao líder desafiar e/ou colocar-se acima ou para além das instituições políticas, às custas, se necessário, até mesmo da supressão dos direitos de minorias – inclusive, daqueles constitucionalmente já assegurados (como é o caso da demarcação de terras indígenas e quilombolas ou da educação sexual nas escolas, no Brasil). Quando uma maioria ocasional não busca mais o respeito e a acomodação entre as suas visões de mundo e as de seus concorrentes, visando lograr o poder para, se possível, obter sua eliminação enquanto modo de vida existente e viável, o próprio raciocínio adversarial pressuposto no axioma fundamental da tolerância entre governo e oposição característico de regimes democráticos constitucionais é posto em xeque.

Para Urbinati, o populismo busca disputar e construir uma nova forma de soberania popular, que pode ser caracterizada como uma inclusão parcial desfiguradora da democracia, fundamentada, entre outras coisas, na relação entre maioria e oposição e na abertura à contestação e à competição livre pelo poder político. Para a autora, no entanto, esses diagnósticos de declínio democrático não são inexoráveis: há remédios para combatê-los. Isto porque o populismo na sua versão atual não é um movimento que se dá desde fora da democracia, e sim se constrói desde dentro; nesse sentido, ele não é um movimento inerentemente antidemocrático, mas é, isto sim, antinormativo em relação ao conceito de povo tal como elaborado em sua teoria construtivista da representação política, herdeira do liberalismo clássico. Exatamente por isso é que, para ela, os esforços atuais para combater os problemas do populismo deveriam explicitar objetivos normativos que precisam ser restabelecidos na teoria democrática.

Do mesmo modo que para Urbinati, o diagnóstico de Habermas, quando comparado com os de seus antecessores no paradigma da teoria crítica, foi esperançoso em aludir ao pendor desse processo, ao invés de decretar seu encerramento: remanescentes de racionalidade comunicativa, que costumam alimentar movimentos sociais (negro, feminista, ambientalista, etc.) protagonizados na esfera pública democrática com o objetivo de enfrentar os avanços de todo tipo de racionalidade instrumental, são fundamentais para a democracia deliberativa tal como formulada por Habermas; mas, ao mesmo tempo, eles dependem de uma esfera pública de caráter aberto e inclusivo para a formação da opinião pública e da vontade política. A obstrução do livre exercício da soberania popular como interação reflexiva e fundamentada de cada cidadão com a coletividade na qual está embebido é o que pode intensificar o avanço da racionalidade instrumental – própria das esferas sistêmicas do Estado e da economia, marcadas por uma dinâmica que prescinde da coordenação comunicativa – sobre todos os âmbitos da experiência social, podendo conduzir a uma colonização do mundo da vida. Com o avanço das novas tecnologias, o aspecto inclusivo da deliberação é distorcido e até mesmo recusado por alguns de seus atores mais radicais, favorecendo, por sua vez, elementos antidemocráticos que normalizam a construção das maiorias populistas. Para o autor, ainda que, mais uma vez, não se trate de um processo concluso, tal qual não o é o da colonização do mundo da vida, ele é, sem dúvida alguma, uma grande ameaça às promessas emancipatórias dessa teoria.

Como buscamos mostrar ao longo do artigo, as ‘deturpações’ e/ou ‘desfigurações’ detectadas por Habermas e Urbinati impedem o adequado funcionamento do Estado democrático de direito e seus mecanismos sociais (formação da opinião) e institucionais (momento da vontade política). E uma das causas importantes apontadas por ambos para a descaracterização dos regimes democráticos repousa na emergência e consolidação das novas tecnologias digitais, em particular, nas suas versões plataformizadas e das redes sociais, e seus usos pelos atores sociais e políticos. Regular e regulamentar tanto a sua produção quanto a sua utilização são, sem sombra de dúvida, formas de conter e/ou reduzir seus danos. Resta saber se ainda temos tempo para reverter transformações sociais e culturais mais profundas que parecem estar em curso ou se teremos de nos contentar somente com políticas de redução de danos.

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  • 1
    Dados da Hootsuite de 2023 contabilizam que 5,16 bilhões de pessoas acessam a internet em todo o planeta (mais de 64,4% dos habitantes do globo), sendo que, em mais de 90% dos casos, o acesso é realizado por meio do aparelho celular. Além disso, 4,76 bilhões de pessoas (59,4% da população mundial) utilizam redes sociais, o que equivale a 92,2% dos usuários da internet. A pesquisa também revela que o usuário médio da internet, entre 16 e 64 anos, passa mais de 6 horas (6h 37min) online por dia, dedicando, em média, 2h31 min apenas às redes sociais. Para impressionantes 53,7% dos usuários, a principal razão para o uso da internet é “buscar informações”. Nesse ranking, o Brasil é o 2º maior usuário de internet do mundo: brasileiras e brasileiros gastam, em média, 9,5 horas por dia conectados à internet (cerca de 145 dias por ano). O país também ocupa lugar de destaque (8°) no ranking de populações que passam mais tempo nas redes sociais, ocupando a 8ª posição, com uma média de 3h75min ao dia (aproximadamente 57 dias por ano), acima da média mundial e cinco posições à frente dos EUA. Cf. https://datareportal.com/reports/digital-2023-global-overview-report . Acesso em: 12 out. 2024.
  • 2
    Ricardo Fabrino Mendonça, Virgílio Almeida e Fernando Filgueiras (2023) dão um passo adiante na direção de avaliar os impactos da nova “institucionalidade algorítmica”. Segundo eles, algoritmos vêm desempenhando um papel similar ao das instituições na sociedade contemporânea, na medida em que têm passado a estruturar interações sociais e a assumir funções de organização e controle, de modo a estabelecer regras e padrões que impactam o comportamento humano de forma significativa e criam uma nova institucionalidade algorítmica: algoritmos são a cada dia mais capazes de definir não só o que é permitido ou restringido, mas também reconfiguram papéis sociais e políticas públicas (por meio da gestão de plataformas digitais, dos sistemas de recomendação e segurança pública, etc).
  • 3
    O rechaço do populismo à representação por mandato repousa no fato de que esta última postula divisões no tecido social e tem como foco o formalismo do sufrágio e a identificação da participação com o “status” de eleitorado. Além disso, a representação por mandato está intimamente relacionada com as noções de reivindicação, responsabilidade e prestação de contas (dos representantes frente aos eleitores). Reivindicar, responsabilizar e prestar contas são elementos que conferem legitimidade às regras do jogo institucional, à representação democrática e ao governo representativo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2024
  • Aceito
    19 Nov 2024
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