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DUAS INTERPRETAÇÕES DO EMPRESÁRIO INDUSTRIAL E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

TWO READINGS OF EMPRESÁRIO INDUSTRIAL E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, BY FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Resumo

O objetivo deste trabalho é apresentar as interpretações do livro Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico, de Fernando Henrique Cardoso, encontradas na literatura sobre empresários no Brasil. Mais especificamente, pretende-se mostrar como os autores que vieram depois de Cardoso leram a atuação política dos empresários industriais em sua obra. O artigo busca oferecer também uma interpretação alternativa da obra do sociólogo uspiano, desenvolvendo o argumento em duas chaves. Por um lado, são questionadas tais leituras sobre o empresariado industrial no Brasil, utilizando a própria obra do autor. Por outro, busca-se esclarecer seu método e a sua incompatibilidade com a leitura proposta por seus críticos. Isso tudo com o fito de mostrar que Cardoso apreendeu as determinações específicas da burguesia nacional e seu comportamento político, sem decalques estrangeiros.

Palavras-chave:
Pensamento Político e Social Brasileiro; Fernando Henrique Cardoso; Desenvolvimento Econômico; Burguesia Nacional; Empresário Industrial

Abstract

This essay presents two readings of the book Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico, by Fernando Henrique Cardoso, found in the entrepreneurship literature in Brazil. More specifically, it shows how authors who followed Cardoso read the political action of industrial entrepreneurs in his work. The article seeks to offer an alternative reading of Cardoso’s work, developing a two-fold argument. First, it questions these readings about industrial entrepreneurship in Brazil, using the author’s own work. Next, it clarifies Cardoso’s method and its incompatibility with the reading proposed by his critics. All this to show that Cardoso seized the specific determinations of the national bourgeoisie and its political behavior, without appealing to foreign examples.

Keywords:
Brazilian Political and Social thought; Fernando Henrique Cardoso; Economic Development; National Bourgeoisie; Industrial Entrepreneur

Introdução

O objetivo deste artigo é apresentar as interpretações do livro Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico (1964), de Fernando Henrique Cardoso, encontradas na literatura sobre empresários no Brasil. Mais especificamente, pretende-se mostrar como os autores que vieram depois de Cardoso leram a atuação política dos empresários industriais em sua obra. Para isso, são analisados os trabalhos sobre o empresariado industrial brasileiro de Diniz (1978DINIZ, Eli. 1978. Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra.), Mancuso (2007MANCUSO, Wagner Pralon. 2007. O lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas/Edusp.), Bianchi (2010BIANCHI, Alvaro. 2010. Um ministério dos industriais: a federação das indústrias do estado de São Paulo na crise das décadas de 1980 e 1990. Campinas: Unicamp.) e Campos (2014CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. 2014. Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditaduracivil-militar. Rio de Janeiro: Eduff.), e os de Fernando Henrique Cardoso, não só o Empresário Industrial…, de 1964, mas também dois artigos em que retoma a discussão e que contribuem para esclarecer as questões sobre o empresariado no Brasil: “Hegemonia burguesa e independência econômica”, da Revista Civilização Brasileira (1967), e “O papel dos empresários no processo de transição: o caso brasileiro”, da Revista Dados (1983).

Procura-se argumentar que os autores supracitados desenvolveram uma leitura específica sobre Cardoso, na qual o empresariado industrial brasileiro seria “fraco” em sua atuação política, dado que se caracterizaria como um grupo que não se organiza em torno de seus interesses e possui uma atuação tímida perante o Estado. Segundo tais autores, Fernando Henrique Cardoso teria cometido um equívoco em sua análise dessa fração de classe brasileira, pois, ao contrário deste, em suas pesquisas encontraram atuação política intensa dos empresários industriais, tal equívoco se daria porque Cardoso teria como base um ideal de burguesia dos países de desenvolvimento clássico, os europeus (Bianchi, 2010BIANCHI, Alvaro. 2010. Um ministério dos industriais: a federação das indústrias do estado de São Paulo na crise das décadas de 1980 e 1990. Campinas: Unicamp.; Diniz, 1978DINIZ, Eli. 1978. Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra.), aplicando ideias importadas - as quais teriam ofuscado a visão de Cardoso em seu trabalho de livre-docência.

O artigo busca oferecer uma interpretação alternativa da obra de Cardoso, desenvolvendo o argumento em duas chaves. Por um lado, busca-se mostrar, com base nos três textos de Cardoso - Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico (1964), “Hegemonia burguesa e independência econômica” (1967) e “O papel dos empresários no processo de transição: o caso brasileiro” (1983) -, que o autor não veria a jovem burguesia industrial brasileira como uma classe “fraca”, que não atua politicamente ou que não se organiza em torno dos seus interesses, e, sim, como uma classe que se divide em dois tipos ideais de empresários - o capitão de indústria e o homem de empresa. Na interpretação de Cardoso, o capitão de indústria seria o tipo predominante e as características políticas mais marcantes desse segmento são conformadas por uma visão do Estado em que a mediação principal seria o favor. Nesse bojo, é preciso ter em mente, ainda, que esses empresários atuariam visando os próprios interesses, porém, sob a alegação de ser em nome da indústria nacional, e parte da contradição de sua atuação política estaria na contestação de políticas que expandam o mercado interno nacional:

Se acrescentarmos que ao ideal do “mercado fechado” e dos favores governamentais os industriais desta categoria juntam uma visão tradicionalista da empresa, dos operários, do mercado e da sociedade, ter-se-á a imagem do antiempreendedor que a “industrialização extensiva” e a duplicidade tecnológica, favorecidas pelos mercados de concorrência imperfeita, continuam a alimentar (Cardoso, 1964CARDOSO, Fernando Henrique. 1964. Empresário Industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro., p. 129).

Já o homem de empresa, figura pouco encontrada entre os empresários industriais brasileiros, atuaria com base em interesses mais amplos - no sentido de construir uma hegemonia na condução da nação e para quem importa mais uma campanha massiva pela indústria do que ter um político eleito no congresso. Nesse contexto, a burguesia industrial, ao menos sua parte predominante, escolhe politicamente não disputar a hegemonia da sociedade por medo da revolução e de acabar associada com os sindicatos de trabalhadores.

Por outro lado, argumentamos, ao contrário do que afirmam seus críticos, que o método utilizado por Cardoso não corresponderia a uma análise pouco imanente. Pelo contrário, procura-se argumentar que o sociólogo uspiano busca entender as especificidades de uma classe, como a burguesia industrial, em condições peculiares de uma sociedade em formação (como era o Brasil), questionando as teorias que julgava reducionistas, como a de Rostow (1961ROSTOW, Walt Whitman. 1961. Etapas do Desenvolvimento Econômico (um manifesto não comunista). Rio de Janeiro: Zahar.), a qual, conforme sua interpretação, ignora as múltiplas formas possíveis de reintegração dos sistemas produtivos em tipos particulares de sociedades globais, reduzindo o desenvolvimento econômico a, apenas, duas variáveis (taxa de investimento e crescimento demográfico).

A retomada dessa discussão é fundamental, visto que a obra de Cardoso permanece uma referência para compreender a atuação dos empresários no Brasil. Seja para concordar ou discordar de sua linha de pensamento, alguns autores retomaram seus argumentos, implícita ou explicitamente, para compreender a crise política e econômica iniciada com a derrocada do governo Dilma Rousseff, especialmente no que diz respeito ao seu ensaio desenvolvimentista (Singer, 2015SINGER, André. 2015. Cutucando Onças com Varas Curtas: o ensaio desenvolvimentista no primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014). Novos Estudos, n. 102, pp .39-67. DOI: 10.25091/S0101-3300201500020004
https://doi.org/10.25091/S0101-330020150...
). Alguns autores que fizeram parte desse debate foram Carvalho (2018CARVALHO, Laura. 2018. Valsa Brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia.), Serrano e Summa (2018SERRANO, Franklin; SUMMA, Ricardo. 2018. Conflito distributivo e o fim da “breve era de ouro” da economia brasileira. Novos Estudos, v. 37, n. 2, pp. 115-189. DOI: 10.25091/S01013300201800020002
https://doi.org/10.25091/S01013300201800...
), Rugitsky (2015RUGITSKY, Fernando. 2015. Do Ensaio Desenvolvimentista à austeridade: uma leitura Kaleckiana. In: BELLUZZO, Luiz; BASTOS, Pedro. Austeridade para quem? Balanço e perspectivas do governo Dilma Rousseff. São Paulo: Carta Maior e Friedrich Ebert Stiftung.), Carneiro (2017CARNEIRO, Ricardo. Navegando a contravento (uma reflexão sobre o experimento desenvolvimentista do Governo Dilma Rousseff). 2017. Texto para discussão. Instituto de Economia. Campinas: Editora da Unicamp.) e Singer (2018SINGER, André. 2018. O lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras.).

Cabe ressaltar também que a livre-docência de Cardoso, pesquisa que deu origem ao livro sobre o empresário industrial, contém uma argumentação radical que rompeu com interpretações dominantes sobre o desenvolvimento brasileiro e as estratégias que deveriam ser adotadas para alcançá-lo, como as do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e as de Celso Furtado (Brito, 2019BRITO, Leonardo. Marxismo como crítica da ideologia: um estudo sobre os pensamentos de Fernando Henrique Cardoso e Roberto Schwarz. Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade de São Paulo: São Paulo, 2019.). Tal contexto mostra a relevância de sua obra, algo que pode explicar como até hoje é uma tese importante para se entender os dilemas do desenvolvimento e da política brasileiros.

Para atingir os objetivos expostos, o artigo é dividido em três partes, mais a introdução e a conclusão. Na primeira parte são apresentadas as interpretações dos autores supracitados sobre o trabalho de Fernando Henrique Cardoso, no que diz respeito à atuação política do empresário industrial no Brasil. Em segundo lugar, discute-se, a partir dos textos de Cardoso, a sua visão sobre o empresariado industrial brasileiro, utilizando como bibliografia complementar seus artigos de 1967 e de 1983. Por último, discute-se o método do sociólogo uspiano, buscando argumentar que, partícipe do Seminário d’O Capital (Schwarz, 2014SCHWARZ, Roberto. 2014. Um seminário de Marx. In: SCHWARZ, Roberto. Sequências Brasileiras: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras .), estaria em busca de uma análise concreta da sociedade brasileira e não da simples aplicação de conceitos e teorias europeias por aqui.

Interpretações do empresário industrial brasileiro

Nesta seção, abordamos a literatura que tratou do empresário industrial no Brasil, de forma cronológica, com um triplo objetivo: (1) expor o contexto do debate em que esses autores estavam inseridos; (2) mostrar como tal literatura se centrou nos argumentos de Cardoso - o que reforça a importância da tese do autor; e (3) analisar como a questão sobre a fraqueza ou a força do empresário industrial enquanto classe ou grupo de interesse concentrou os esforços dos autores - desviando, talvez, a atenção do que seria mais importante a se compreender nesse debate com Cardoso.

A literatura sobre o empresariado no Brasil é bastante diversa no que diz respeito às abordagens, perguntas e objetos de pesquisa. O que há em comum entre os trabalhos é o fato de todos eles buscarem entender a atuação, mentalidade ou ideologia política dos empresários em momentos de mudança da política industrial ou da política de desenvolvimento nacional. A primeira geração de trabalhos sobre o empresário industrial no Brasil estava preocupada em entender qual era a mentalidade da nova classe que surgiu no país com a industrialização iniciada em 1930. Umas das perguntas a serem respondidas eram se essa nova classe seria hegemônica na sociedade e se ela seria capaz de conduzir um processo de modernização burguesa. Dessas perguntas, outras foram derivadas, citaremos algumas: Qual era a capacidade desse grupo de se organizar em torno de seus interesses? Qual era a influência desse grupo no Estado e nas políticas adotadas no âmbito estatal? Qual era a relação dos empresários com o Estado brasileiro?

Um dos principais trabalhos desse período é o de Diniz (1978DINIZ, Eli. 1978. Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra.). A autora dialoga diretamente com Cardoso, fazendo a leitura de que o sociólogo veria a burguesia brasileira como um grupo passivo, de comportamento reativo e com baixa capacidade de articulação e de organização. Diniz, por sua vez, tenta mostrar que a burguesia industrial foi um ator estratégico no novo esquema de alianças que se estrutura com a vitória da Revolução de 30, tendo autonomia e atuação crescentes no período 1930-1945, sem condições, contudo, para formular um projeto alternativo de estruturação do país. A leitura da autora sobre Cardoso pode ser mais bem explicitada nos trechos abaixo selecionados, nos quais discute com o referido autor:

Um último ponto que merece referência tem a ver com a tendência à caracterização da burguesia brasileira como um grupo fundamentalmente passivo, dotado de reduzida capacidade de articulação e de organização, cujo comportamento reativo seria mais um indicador de sua dependência estrutural. Inúmeros estudos sobre o empresariado industrial, focalizando distintas fases do processo de industrialização, insistem nestas colocações, consolidando-se a visão deste setor social como ator político de pouca relevância (Diniz, 1978DINIZ, Eli. 1978. Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra., p. 28)

Embora preocupados em captar a especificidade do comportamento político da burguesia nos países periféricos, certos estudos continuaram a avaliá-lo tomando por base o tipo ideal da burguesia nos países de desenvolvimento clássico. Desta forma, o modelo do empresariado ativo, organizado e participante das democracias ocidentais segue sendo o ponto de referências de inúmeras análises […] Falta de capacidade de iniciativa, falsa consciência de classe, desconhecimento de seus reais interesses, incorporação de ideologias de classe média à falta de uma ideologia própria, são algumas das ideias mais difundidas para definir a especificidade da classe empresarial das sociedades latino-americanas (Diniz, 1978DINIZ, Eli. 1978. Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra., p. 29)

Voltando à tese de Diniz, os industriais não tinham vinculação com um projeto de capitalismo nacional, no sentido de “exercer um papel central na constituição de um modelo de desenvolvimento autônomo” (Diniz, 1978DINIZ, Eli. 1978. Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra., p. 160), pelo contrário: não havia oposição ao capital estrangeiro no universo ideológico dos empresários. Havia, entretanto, a preocupação em difundir uma ideologia industrialista que defendesse o capital estrangeiro e com ele se associasse - desde que o Estado o regulasse para atividades industriais - e em disseminar, para as demais elites, a visão da indústria como atividade prioritária. Dessa forma, entende-se o destaque para a importância do Estado na tarefa de industrializar o país, dado que os industriais sabiam da fragilidade do Brasil para essa tarefa. Durante o Estado Novo, o Estado era visto pelos empresários industriais como fundamental, mas restrito às funções de regulamentação, coordenação e planificação - a não ser sobre a indústria de base, “setor em que seria reconhecida a legitimidade da intervenção do Estado, não apenas exercendo funções de estímulo e amparo à iniciativa privada, mas também como produtor direto” (Diniz, 1978DINIZ, Eli. 1978. Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra., p. 162).

Em relação ao regime político, a autora descreve uma inconstância dos industriais, os quais na Revolução de 1930 e na Revolução Constitucionalista de 1932 estavam contra a centralização do poder, levantando a bandeira política da descentralização durante a Constituinte de 1934, ao passo que de 1935 a 1937, no entanto, quando a efervescência política cresceu, o setor industrial passou a aderir ao modelo autoritário centralizador, de sorte que, em seguida, o Estado Novo passa a ser bem recebido pela liderança empresarial.

O período seguinte que aparece na literatura sobre o empresariado industrial brasileiro é o que abarca o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) durante o governo Geisel, na década de 1970. Nesse momento, as questões que se colocavam para os pesquisadores da época eram sobre: a adesão ou não dos industriais brasileiros ao plano, a campanha contra a estatização liderada pelo setor e o seu apoio ou não à redemocratização. Lessa (1988LESSA, Carlos. 1988. A Estratégia de Desenvolvimento: Sonho e Fracasso. Brasília: Funcep.) chama de “rebelião empresarial” a campanha contra a estatização iniciada em 1974 pelos empresários, a qual seria um dos motivos do fracasso do II PND, segundo o autor. Destaca também que, na aparência, se tratava de um protesto ideológico contra a presença do Estado, mas que, na verdade, refletiria a insatisfação de distintas frações do empresariado nacional com o governo, o que dificultou a composição dos interesses para a mudança da matriz econômica - a qual ficou descolada de suas bases empresariais. Conforme novos setores empresariais aderiam à campanha, ela ia mudando de face, tornando-se contrária ao autoritarismo do regime e a favor da liberalização.

Cruz (1995CRUZ, Sebastião Velasco e. 1995. Empresariado e Estado na transição brasileira: Um estudo sobre a economia política do autoritarismo (1974-1977). Campinas: Editora da Unicamp .) analisa as posições políticas dos diversos setores de empresários no Brasil em relação à pressão pela abertura do regime militar. A conclusão a que chega é a de que os empresários não tiveram papel importante para o desencadeamento do processo de abertura do regime. Pelo contrário: se engajaram na campanha contra a estatização quando já era possível, devido às primeiras medidas de distensão política. Cruz ressalta, ainda, que a campanha em questão não entrava no mérito do regime político, todavia acabou sendo propulsora da liberalização ao socializar informações e derrubar a visão de que o governo era honesto e eficiente.

Ainda sobre o período do regime militar, Campos (2014CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. 2014. Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditaduracivil-militar. Rio de Janeiro: Eduff.) vai abordar a atuação dos empresários das empreiteiras brasileiras e sua relação com a ditadura. Conforme o argumento de Campos, o modelo de desenvolvimento a partir de Juscelino Kubitschek deu hegemonia ao empresariado industrial, levando-o para o centro do poder. Dentro dessa configuração, os empresários da construção pesada tinham posição altamente privilegiada, participando intensamente da política. Supostamente em oposição a essa tese, Campos, informado pela interpretação de Diniz e Boschi (1978DINIZ, Eli; BOSCHI, Renato. 1978. Empresariado Nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Forense Universitária.), cita Cardoso no sentido de criticá-lo:

Fernando Henrique Cardoso, em sua tese de livre-docência, entende que os empresários brasileiros de maneira geral não são engajados na política. Eli Diniz e Raul Boschi destacaram que diversos autores do campo das Ciências Sociais caracterizam o empresariado nacional como politicamente fraco, incluindo Fernando Henrique (Campos, 2014CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. 2014. Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditaduracivil-militar. Rio de Janeiro: Eduff., p. 66)

O período seguinte que aparece na literatura sobre empresariado na política é o da abertura econômica dos anos 1990. A principal pergunta desse período é sobre a reação do empresariado nacional a uma política de abertura econômica que amplia a concorrência, expondo-o ao capital estrangeiro. Mancuso (2007MANCUSO, Wagner Pralon. 2007. O lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas/Edusp.) argumenta que a abertura econômica dos anos 1990, que expos a indústria brasileira a uma concorrência nunca vista, teve o efeito de unir os industriais em torno de uma pauta política única, nomeada pelo autor como “redução do Custo Brasil”. Isto é, tratava-se de acompanhar as propostas e pressionar o governo para a redução do custo da produção no país. Conforme o argumento de Mancuso, os industriais obtiveram sucesso em suas pautas, o que mostraria sua capacidade de organização e ação enquanto grupo de interesse organizado. Com a feitura dessa análise, Mancuso acaba por se filiar à linhagem rival daquela a que pertenceria Fernando Henrique Cardoso, aparentemente, um de seus grandes expoentes, cuja essência se baseava na defesa de que a atuação política do setor industrial se caracterizou “pela passividade, tibieza, timidez e pela disposição de aproveitar as oportunidades oferecidas de cima para baixo para se insinuar junto aos altos escalões do poder executivo” (Mancuso, 2007MANCUSO, Wagner Pralon. 2007. O lobby da indústria no Congresso Nacional: empresariado e política no Brasil contemporâneo. São Paulo: Humanitas/Edusp., p. 193). Mancuso faz uma leitura completa e justa do texto de Cardoso, retomando de forma integral alguns de seus argumentos, não obstante, conclui, juntamente com outros autores, como Diniz e Boschi (1978DINIZ, Eli; BOSCHI, Renato. 1978. Empresariado Nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Forense Universitária.), que o sociólogo uspiano reivindicava uma passividade do empresariado industrial brasileiro. Visão que difere da interpretação que estamos propondo aqui, como será mostrado adiante.

Bianchi (2010BIANCHI, Alvaro. 2010. Um ministério dos industriais: a federação das indústrias do estado de São Paulo na crise das décadas de 1980 e 1990. Campinas: Unicamp.), por seu turno, dedicou-se ao estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) para entender quais as disputas existentes dentro da classe dos industriais paulistas em um contexto de crise econômica e política ao longo dos anos 1980 e 1990. O autor conclui que havia grande ativismo político dos empresários e que dentro da FIESP eles se dividiam em duas tendências, uma neoliberal e uma liberal-desenvolvimentista. Ao tratar do trabalho de Fernando Henrique Cardoso, Bianchi descreve os industriais pesquisados pelo sociólogo uspiano como reduzidos a uma subalternidade passiva:

Um empresariado economicamente frágil, dependente dos favores estatais, incapaz de constituir-se direção política e intelectual da sociedade, reduzido a uma subalternidade passiva intransponível. Dentre as razões dessa subalternidade, encontrar-se-ia sua debilidade econômica. Imerso em sociedades nas quais ainda predominavam interesses agroexportadores ou transnacionais, o empresariado latino-americano não teria condições de impor sua vontade a quem quer que fosse. Restariam, assim, aos homens de negócios de nosso continente estratégias meramente adaptativas: adaptar-se ao poder das oligarquias fundiárias, adaptar-se às forças econômicas das multinacionais, adaptar-se ao Estado (Bianchi, 2010BIANCHI, Alvaro. 2010. Um ministério dos industriais: a federação das indústrias do estado de São Paulo na crise das décadas de 1980 e 1990. Campinas: Unicamp., p. 48)

Continuando seu argumento, Bianchi, após ressaltar o mérito de Cardoso ao jogar por terra a tese dos partidos comunistas e socialistas, assentada na ideia de que burguesia industrial por aqui seria hegemônica, compara os pressupostos de ambos com o intuito de aproximá-los criticamente:

Tanto aqueles que apostavam na capacidade hegemônica do empresariado como os que ressaltavam sua passividade partilhavam dos mesmos pressupostos. Inspirados em um burguês típico-ideal, que teria sua certidão de nascimento na Europa do século XIX, apresentavam o empresariado latino-americano não como aquilo que era, e, sim, como o que deveria ser. Para a perspectiva que norteia o presente trabalho, é importante acrescentar que essas visões são fortemente essencialistas. Elas remetem a atributos inatos, específicos dos próprios sujeitos, tal qual uma teoria da predestinação que indicaria os indivíduos fadados a queimar no inferno do subdesenvolvimento ou usufruir o paraíso do progresso econômico e político (Bianchi, p. 48)

De posse da interpretação dos autores supracitados, nos deteremos agora à análise do Empresário Industrial… de Cardoso.

Não é de subalternidade passiva que se trata - notas sobre o Empresário Industrial

Nesta seção, buscamos expor a interpretação alternativa da obra de Cardoso que desenvolvemos, apresentando brevemente o livro para em seguida expor os pontos específicos de diálogo com a literatura discutida acima.

O livro Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico é resultado de uma pesquisa realizada por Cardoso e que viria a ser a sua livre-docência. Nele, o autor busca entender qual seria a participação dos empresários industriais no desenvolvimento econômico brasileiro por meio de entrevistas realizadas entre 1961 e 1962. Isto é, logo após o fim do governo Juscelino Kubitschek, marcado pela aceleração do desenvolvimentismo brasileiro. Desde sua nota introdutória, o sociólogo deixa claro que não buscava simplesmente entender atributos dispersos da ação empresarial, mas sim estabelecer nexos entre a situação concreta de sua existência econômica e a ação empresarial (Cardoso, 1964CARDOSO, Fernando Henrique. 1964. Empresário Industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro., p. 8)

Ao nosso ver, os principais apontamentos de Cardoso são em relação aos determinantes estruturais da mentalidade do empresário industrial, marcada no Brasil, principalmente, pelo tradicionalismo e pela dificuldade de agir segundo seus próprios interesses de classe. Todavia, isso deve-se não a uma fragilidade do grupo, mas, pelo contrário, pelo fato de ter interesses contraditórios. Isso se daria por tratar-se de uma classe recente, heterogênea, não sofredora da pressão de grupos organizados de trabalhadores e que obtém seus lucros em uma situação de concorrência imperfeita, na qual os preços são formados a partir da referência dos produtos importados - não sendo necessária, portanto, a inovação para obtenção do lucro.

Para se tornar classe hegemônica, os industriais teriam que romper com os grupos tradicionalmente dominantes no Brasil e renunciar à situação de concorrência imperfeita, arriscando os lucros atuais por uma hegemonia no futuro. Para isso, entretanto, deveriam se aliar aos grupos urbanos e populares, o que ameaça o controle político dos industriais, que se voltam “imediatamente depois de qualquer passo adiante contra seus próprios interesses, recuando um pouco no presente para não perder tudo no futuro” (Cardoso, 1964CARDOSO, Fernando Henrique. 1964. Empresário Industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro., p. 186). Movimento similar ao descrito, recentemente, por Singer (2018SINGER, André. 2018. O lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras.) como pendular.

Em boa parte do livro, Cardoso se dedica a entender aquele momento do capitalismo e suas implicações para as condições de produção vigentes. Tratando-se, segundo o autor, do capitalismo monopolista, que tem, como uma de suas características essenciais, o processo de politização da economia:

Política e economia tornaram-se a mesma coisa com o surgimento do modo capitalista de produção, e a superação da forma concorrencial substitui a inovação no plano da empresa ou do mercado pelo fiat da decisão política (Cardoso, 1964CARDOSO, Fernando Henrique. 1964. Empresário Industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro., p. 174)

Tendo isso em vista, Cardoso buscava entender a atuação política dos empresários industriais brasileiros, sem pressupor e sem concluir que tais agentes seriam fracos politicamente, passivos, frágeis, não engajados na política ou de comportamento reativo. Pelo contrário, para Cardoso os empresários dependem também da política para suas atividades e têm, sim, grande participação política, que parece diferente de uma suposta subalternidade ou passividade. Tal posição é exposta claramente nos seguintes trechos:

As significações da ação do dirigente industrial que, no Brasil, está atento às portarias e decretos governamentais e que procura influir junto aos Governos para obter concessões, empréstimos, isenções etc., exprimem-se num contexto social e econômico em que a eliminação da competição é tentada como um recurso para manter níveis tecnicamente insatisfatórios de produção e altos lucros unitários. A defesa desta política é feita em nome da necessidade de construir-se a ‘indústria nacional’, o que se justifica até certo ponto, mas os resultados dela ultrapassam frequentemente os propósitos enunciados para se fixarem na manutenção de padrões arcaicos de atividades econômicas. (Cardoso, 1964CARDOSO, Fernando Henrique. 1964. Empresário Industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro., p. 128-129)

Desprovidos de capitais, mas muitas vezes bem relacionados, junto às esferas governamentais, estes empreendedores lançam-se a toda sorte de tentativas para influir nas decisões que lhes possibilitem empréstimos e concessões oficiais. Podendo, tornam-se políticos e líderes de categorias profissionais. Na direção dos sindicatos e federações sindicais patronais proliferam líderes industriais “profissionais” que, com o tempo, tornam-se, de fato, empreendedores. (Cardoso, 1964CARDOSO, Fernando Henrique. 1964. Empresário Industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro., p. 134)

Desse modo, Cardoso apenas ressalta que essa atuação política da burguesia industrial não seria compatível com o que se esperava ‘virtualmente’ da burguesia industrial brasileira. Com efeito, Cardoso intenta mostrar que as teses assentadas na existência de uma burguesia industrial desenvolvimentista estavam erradas pelo fato de não terem realizado uma análise imanente dessa classe recém-constituída no Brasil e concluíram de antemão e abstratamente quais eram seus reais interesses:

Em síntese, as condições sociais de formação da burguesia industrial exercem um “efeito de amortecimento” na concretização das possibilidades de consciência dos interesses de classe que a camada industrial virtualmente possui e dificultam o desenvolvimento de formas de comportamento social compatíveis com sua “situação de classe” (Cardoso, 1964CARDOSO, Fernando Henrique. 1964. Empresário Industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro., p. 166)

Ilhada entre as motivações e interesses de tipo tradicional que a prendem por um lado ao latifúndio e à concepção tradicional de existência e, por outro lado, ao capitalismo internacional ao qual se associou para crescer economicamente, a burguesia industrial se vê na contingência de realizar uma política à beira do abismo: ora reage contra o imobilismo a que os grupos tradicionais querem limitar a política e a economia do país, ora reage contra as pressões urbanas e populares que tendem a quebrar a rotina. Hesita não porque não se dá conta de seus interesses reais, mas porque estes interesses são contraditórios. Para afirmar-se como classe politicamente dominante e para expandir economicamente, a burguesia industrial é forçada a apoiar reformas e medidas que contrariam os grupos de dominação tradicional, mas, em seguida, neste mesmo movimento de modernização, vê-se embaraçada com os únicos aliados com que pode contar nas situações-limite: as forças urbanas e populares. (Cardoso, 1964CARDOSO, Fernando Henrique. 1964. Empresário Industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro., p. 186).

É importante ressaltar que, nesse momento, Cardoso acreditava que os industriais brasileiros poderiam escolher ou não disputar a hegemonia e, diante dessa escolha, eles preferem a opção negativa pelos motivos acima apontados. Não porque ajam contra seus interesses, mas, sim, porque são contraditórios. Em 1967, no artigo “Hegemonia Burguesa e Independência Econômica: Raízes Estruturais da Crise Política Brasileira”, Cardoso retoma a questão da burguesia industrial brasileira partindo da tese levantada principalmente pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e por Celso Furtado sobre a suposta aliança desenvolvimentista. Tal aliança seria constituída pelas massas urbanas e pelos grupos industrializados os quais, em oposição ao setor “atrasado” exportador-mercantil, imporiam sua hegemonia política aos demais grupos, controlando o Estado, os setores médios e financeirizados. Essa situação de hegemonia da “aliança desenvolvimentista” superaria, conforme o esquema pecebista e furtadiano, o subdesenvolvimento. Não obstante, segundo Cardoso, se o esquema do PCB estivesse correto, a burguesia industrial brasileira teria que atender a duas condições básicas: ter base política e social para sua vocação de domínio como classe social ascendente e ser autônoma economicamente, interna e externamente - tendo isso como fundamento objetivo de uma política própria.

A literatura que acreditava - in abstrato - que a burguesia industrial cumpriria essa tarefa histórica, se opondo à penetração imperialista e defendendo a revolução agrária, não viu que o governo Juscelino Kubitschek deu pistas importantes ao mostrar que a burguesia industrial não se opôs à abertura crescente de mercados aos capitais estrangeiros e rechaçou as propostas de reforma agrária. Cardoso volta-se então para as origens sociais dessa burguesia industrial brasileira para mostrar que, assim como no Empresário Industrial, diante de opções concretas para o favorecimento de uma política desenvolvimentista - o que implica no fortalecimento do Estado e na aliança com as classes populares -, a burguesia industrial “vacila e opta por uma política de retraimento” (Cardoso, 1967CARDOSO, Fernando Henrique. 1967. Hegemonia Burguesa e Independência Econômica. Revista Civilização Brasileira, v.17, n.1., p. 73), visto que teme o populismo e a perda de controle da situação política.

Consequentemente, esse setor junta-se aos setores ditos “tradicionais”, mas aceita que o Estado interfira na construção de uma infraestrutura industrial com base em empresas públicas, dado que se encontrava em condições restritivas com sua própria incapacidade de acumulação de capitais. Isso acontece não só pela recente condição de burguesia industrial, mas também, segundo acréscimo analítico feito neste texto, pela condição de mobilidade intersetorial alta do empresariado brasileiro, diretamente ligada à condição de substituição de importações, a qual faz com que os setores sejam constantemente marginalizados em detrimento da incorporação de outros, de mais alta produtividade média. Para comprovar essa adição à tese do Empresário Industrial, Cardoso utiliza dados referentes ao fato de empresários brasileiros diversificarem mais seus investimentos em relação a empresários de outros países - ou seja, investirem também em outros setores -, tendo um caráter de transitoriedade, o qual tem como efeito fazer com que a ideia de comportamento político baseado em verdadeiros interesses da burguesia industrial perca o sentido, já que esses empresários teriam também outros interesses. Por conseguinte, não se tratava apenas de uma classe nova, mas também uma classe em situação de constante transitoriedade.

Sobre os interesses políticos da burguesia, Cardoso aponta que pela própria existência de outros grupos influentes sobre o setor estatal e da presença de capital estrangeiro em setores estratégicos da indústria, a burguesia industrial nacional precisa participar de alianças para conseguir seus objetivos. Essas alianças reagrupam-se constantemente, conforme os objetivos compatíveis estruturalmente e a estrutura da situação social concreta, isto é, estão abertas as possibilidades de coalizões da burguesia industrial e devem ser vistas na prática. Sobre o período Juscelino Kubitschek, Cardoso acredita que houve uma aliança desenvolvimentista aos moldes do que imaginava o PCB, porém ela só durou enquanto houve expansão do sistema produtivo, de forma que trabalhadores organizados e capitalistas industriais puderam ganhar - lembrando que essa situação não implicou numa desvinculação da burguesia industrial dos setores atrasados, como previsto pela tese comunista. Tal aliança nem foi ainda ideal, dado que contou com concessões de ambas as partes: os grupos empresariais aceitaram a ampliação do setor estatal na economia e os grupos populares aceitaram a entrada massiva do capital estrangeiro.

Tendo em vista o que fora dito, é preciso reconhecer que o marxista uspiano mostra, quase em detalhe, o fato de ser contra qualquer visão essencialista ou apriorística da burguesia brasileira e mais: que essa classe social possuía objetivos específicos e fez alianças para consegui-los de acordo com seus próprios interesses.

Por fim, em 1983, Cardoso retoma o tema esclarecendo que o artigo de 1967 não tinha por intenção “subestimar a ação política do empresariado, mas de situá-la num contexto histórico determinado” (Cardoso, 1983CARDOSO, Fernando Henrique. 1983. O papel dos empresários no processo de transição: o caso brasileiro. Dados: Revista de Ciências Sociais, v. 26, n.1, pp. 9-27., p. 10). Ainda no artigo de 1983 é sugestivo notar que o sociólogo uspiano utiliza os trabalhos de Diniz e Boschi para avaliar a participação política dos empresários industriais nos anos anteriores, mostrando que, além de não haver contradição entre sua tese e a dos autores, o que encontrou em Empresário Industrial poderia ser útil para se compreender uma nova situação: a dos empresários industriais apoiarem a abertura do regime militar. Novamente, o que vemos não é passividade por parte dessa classe, mas sim participação política em um sentido específico.

Dando continuidade à exposição, Cardoso argumenta que os empresários “descobriram a democracia” após terem seus interesses contrariados pelo Estado. Acrescenta-se a isso a visão dessa camada de que estaria ocorrendo demasiada estatização da economia e de que o II PND era arrojado demais, não tendo o Estado estrutura para bancá-lo. Consequentemente, em pouco tempo os empresários tornaram-se críticos da política econômica e logo depois do próprio regime. O discurso geral dos empresários passa a ser o de que o setor privado está fragilizado, as estatais fugiram do controle da sociedade, o endividamento externo é crescente e que as instituições democráticas e a participação política são decisivas para o controle do Estado.

Essa posição política muda, no entanto, quando se trata da liberdade de reivindicações dos trabalhadores: “Quando a chama das reivindicações salariais ardeu no interesse direto das empresas, desfez-se o encantamento cívico das posturas liberalizantes consensuais” (Cardoso, 1983CARDOSO, Fernando Henrique. 1983. O papel dos empresários no processo de transição: o caso brasileiro. Dados: Revista de Ciências Sociais, v. 26, n.1, pp. 9-27., p. 23). A posição do empresariado fica clara quando se colocam as opções de romper com o núcleo autoritário e restabelecer a democracia ou acelerar o transformismo do Estado - que não porá em risco o controle do Estado pelo núcleo autoritário ancorado nas Forças Armadas. Este grupo, então, “como é natural - opta por esta última alternativa. É por isso - e não por ‘erro’ ou ‘fraqueza’ - que ele assume simultaneamente uma postura de crítica ao autoritarismo e de apoio à transição controlada” (Cardoso, 1983CARDOSO, Fernando Henrique. 1983. O papel dos empresários no processo de transição: o caso brasileiro. Dados: Revista de Ciências Sociais, v. 26, n.1, pp. 9-27., p. 26). Em 1983, assim como em 1964, Cardoso descreve um movimento de ensaio de avanço dos empresários industriais no Brasil, imediatamente seguido de recuo, que se dá quando eles próprios se veem unidos às forças mais progressistas da sociedade.

Dando consecução ao argumento, partiremos, então, para algumas considerações que achamos pertinentes ao tema aqui enfrentado sobre o método de Cardoso.

Nem de pressupostos errados - notas sobre método em Fernando Henrique Cardoso

Depois do aqui exposto, é importante que olhemos com maior vagar para pontos essenciais do método de Cardoso. Todavia, para atingir tal objetivo, é necessário que passemos por algumas lições do conhecido Seminário d’O capital,1 1 Os nomes seriam: José Arthur Giannoti, Fernando Henrique Cardoso, Ruth Cardoso, Octavio Ianni, Paul Singer, Fernando Novais, Bento Prado Júnior, Roberto Schwarz, Michael Löwy, Juarez Brandão Lopes, Francisco Weffort, Gabriel Bolaffi e outros. É importante ter em mente que além de ler atentamente O capital de Karl Marx, o grupo também leu O capital financeiro de Rudolf Hilferding, História e economia de Max Weber e Teoria geral do emprego, do juro e da moeda de John Maynard Keynes (Mantega, 2007, p. 118). no qual enfrentava-se o desafio de aprender a dinâmica de uma formação social específica diversa, mas não alheia ao capitalismo mundial. Com esse movimento argumentativo pretendemos mostrar que leituras que ligam Cardoso a uma interpretação inespecífica da burguesia brasileira decalcada de uma imagem europeia não encontram sustentação efetiva nem na letra e nem no método do sociológico uspiano. É necessário dizer que recorreremos a outras obras de Cardoso, com o fito de mostrar a maneira específica como encarava a constituição sócio-histórica brasileira, bem como suas classes sociais. Com isso, não pretendemos deslocar a centralidade da obra Empresário industrial e desenvolvimento econômico em nosso argumento, mas, somente explicitar que, apesar do lugar específico e especial de tal obra no espólio intelectual de Cardoso, há a continuidade de uma visada materialista e imanente em seus trabalhos. A partir disso, ao nosso ver, conseguimos dar mais força ao nosso argumento, de que a interpretação efetuada pelo sociólogo uspiano a respeito do empresariado industrial brasileiro não carece de concretude. Pelo contrário: sua análise expõe o movimento real do empresariado industrial brasileiro.

É sugestivo pensar que o primeiro a tirar as consequências do seminário para leitura d’O Capital foi justamente Cardoso, que já no início dos anos 1960 passou a abordar a relação difícil entre capitalismo-escravidão em seu doutoramento - posteriormente lançado como livro com o título Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o negro nas sociedades escravocratas do Rio Grande do Sul. O livro, bastante arrojado e inédito em seu tempo, conta com as influências decisivas das lições de Florestan Fernandes, além de uma leitura bastante heterodoxa do Capital - regada à História e Consciência de Classe, de Lukács, e à Questão do método, de Jean Paul Sartre.

Da parte de Fernandes, presença ausente em meio aos pesquisadores do seminário (Rodrigues, 2011RODRIGUES, Lidiane Soares. 2011. A produção social do marxismo universitário em São Paulo: mestre, discípulos e ‘um seminário’ (1958 - 1978). Tese de Doutorado em História Social. Universidade de São Paulo: São Paulo. DOI: 10.11606/T.8.2012.tde-05072012-164401
https://doi.org/10.11606/T.8.2012.tde-05...
, p. 174), é importante lembrar que já o mestrado de Cardoso - pesquisador da cadeira de Sociologia I, juntamente com Octávio Ianni, que pesquisará a mesma temática no Sul do país -, inseria-se nas pesquisas sobre relações raciais desenvolvidas por Florestan sob o signo da formação/consolidação da sociedade de classes no Brasil e animadas pela temática da modernização brasileira.2 2 Sobre isso, Cardoso dirá o seguinte: “Nesse aspecto o fio condutor que percorre as análises de nossos dois autores - Bastide e Florestan - é o mesmo: as relações interétnicas e os mecanismos de acomodação social entre negros e brancos se formaram no regime senhorial escravocrata, modificaram-se à medida que ruiu a antiga ordem senhorial-servil, dando lugar a uma sociedade capitalista-competitiva baseada no trabalho livre. O preconceito de cor, entretanto não desapareceu, embora suas funções tenham variado com as mudanças no meio interno. Ao percorrer a trajetória das relações entre brancos e negros, primeiro como senhores e escravos, depois como cidadãos pertencendo a classes sociais diferentes, nossos autores analisaram como minúcias as intrincadas relações entre raça e escravidão em uma sociedade de castas e, posteriormente, entre raça e classe social em uma sociedade capitalista-competitiva em formação” (Cardoso, 2008, p. 11). Pesquisas que, a um só tempo, questionavam a ideia de existência de uma “democracia racial” no Brasil e as teses de Donald Pierson e Thales de Azevedo, que apostavam num imbricamento decisivo entre preconceito de raça e de classe no país, apontando para uma boa margem de autonomia de ambos. Além disto, há o tom coletivo do trabalho científico efetuado por Cardoso, bastante rigoroso e exigente com as questões metodológicas envoltas no trabalho de pesquisa. Todavia, não é menos verdade que em boa medida o seminário reuniu-se por insatisfação com a perspectiva funcionalista (Novais, 2005NOVAIS, Fernando. 2005. Aproximações: estudos de história e historiografia. São Paulo: Cosac Naify., p. 347) de Fernandes à época e que Cardoso, por sua vez, afastava-se da perspectiva da sociologia como ciência positiva, exposta por Fernandes. Algo que fica claro nas críticas feitas ao funcionalismo em sua famosa “Introdução” do livro Capitalismo e Escravidão no Brasil meridional - vista, juntamente com o artigo “Notas para uma análise metodológica d’O Capital” de Giannotti, como um manifesto de método dos seminaristas (Lahuerta, 2008LAHUERTA, Milton. 2008. Marxismo e vida acadêmica: os pressupostos intelectuais da crítica uspiana ao nacional-desenvolvimentismo. In: BOTELHO, André; BASTOS, Élide Rugai; VILLAS BÔAS, Glaucia. (org.). O moderno em questão - a década de 1950 no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, pp. 311-357., p. 339) -, em que enfatiza o caráter heurístico superior do método dialético (Gonçalves e Brito, 2017GONÇALVES, Rodrigo Santaella; BRITO, Leonardo Octavio Bellineli. 2017. “Nacionalização” do marxismo: os casos do Seminário d’O Capital e do grupo Comuna. Outubro, v. 28, n. 1, pp. 53-80., p. 11-12).3 3 Rodrigues (2011, p. 179) mesmo nota que Fernandes não aprovou a “Introdução” de seu aluno, até por tentar colocar um tanto em xeque sua direção intelectual.

Quanto a Lukács e Sartre, é preciso notar que a combinação de ambos (Lima, 2015LIMA, Pedro Luiz da Silva Rego. 2015. As desventuras do marxismo: Fernando Henrique Cardoso, antagonismo e reconciliação (1955-1968). Tese de Doutorado em Ciência Política. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ): Rio de Janeiro., p. 110) e de suas noções de totalidade foram um trunfo em seu trabalho, pois diante da construção mais abstrata do conceito de totalidade de Lukács, o francês e a sua ênfase na dialética entre o particular e o universal, bem como a sua categoria de ‘totalidade singular’ (Sartre, 1987, p. 122), permitiram ao sociólogo uspiano operacionalizar concretamente as categorias teóricas advindas do marxismo. Uma astúcia que possibilitou ao autor em questão abrir caminho em direção a um marxismo heterodoxo aberto e crítico, além de possibilitar, por meio de uma invenção categorial inovadora - mesmo que ainda haja certa tensão entre realidade social e categorias analíticas, como explicita ao final de seu livro (Cardoso, 1997CARDOSO, Fernando Henrique. 1997. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro da sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra., p. 276-277) -, o estudo mais pormenorizado da importância do trabalho de escravizados na constituição da sociedade gaúcha, bem como “as formas de consciência possível da situação e as formas efetivas de consciência que limitavam a ação dos escravos” (Cardoso, 1997CARDOSO, Fernando Henrique. 1997. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro da sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra., p. 278). A escolha da sociedade gaúcha, segundo Cardoso, deu-se por se constituir como um lócus epistemologicamente privilegiado para a apreensão das determinações essenciais da relação entre capitalismo e escravidão, pois se a partir dos resultados de sistemas mais simples não se poderia explicar os mais complexos, os primeiros trariam para a ordem do dia “algumas determinações gerais que ficam obscurecidas nas formas mais complexas de integração da ordem escravocrata” (Cardoso, 1997CARDOSO, Fernando Henrique. 1997. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro da sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra., p. 272).

Tal estudo também teria outra especificidade importante: sua produção tinha em vista o período de crise e declínio da economia escravista, em que o aumento do preço da mão de obra escrava e a perda de competitividade quanto a economia do charque uruguaio, por exemplo, deixam às claras o fato de que as relações de produção em que o capitalismo mercantil se baseava e procurava intensificar sua lucratividade eram uma barreira para o desenvolvimento do capitalismo, pois requeria a transformação do trabalho em mercadoria ou a constituição da chamada mão de obra livre (Cardoso, 1997CARDOSO, Fernando Henrique. 1997. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro da sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra., p. 274). Melhor dizendo, Cardoso, em sua obra, consegue desenvolver questões extremamente importantes e originais, visto que, se na teorização de Marx um sistema escravocrata-capitalista seria uma contradição em termos, na prática nem sempre foi assim, já que por quase dois séculos o regime escravista fora muito bem funcionalizado pela produção mercantil em meio ao desenvolvimento do capitalismo comercial, tratando-se, assim, de uma economia de forma capitalista e de base escravista (Arantes, 1992ARANTES, Paulo Eduardo. 1992. Sentimento da dialética na experiência brasileira: dialética e dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. São Paulo: Editora Paz e Terra., p. 64). Isso traria consequências intelectuais bastante importantes, posto que a história não se desenrolaria de maneira linear, mas a partir de avanços e recuos combinados. Avanços no capitalismo que obrigariam a própria Abolição, mas que não levariam ao cumprimento das promessas tecidas no conflito anterior. Chegado o momento do avanço, colocado como uma tarefa incontestável, ainda haveria espaço para invenções políticas e o surgimento de novas formas de exploração. Assim, o atraso brasileiro e suas taras, encontradas em sua estrutura de classe e sociológica, não deveriam ser encaradas como resquícios ou sobrevivências do passado colonial, “mas como partes integrantes da atualidade em movimento, como resultados funcionais ou disfuncionais da economia contemporânea, que excede os limites do país” (Schwarz, 2014SCHWARZ, Roberto. 2014. Um seminário de Marx. In: SCHWARZ, Roberto. Sequências Brasileiras: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras ., p. 115).

Dessas questões poder-se-ia tirar consequências categoriais importantes para o desenvolvimento posterior da própria obra de Fernando Henrique Cardoso e de outros seminaristas, à maneira de Roberto Schwarz. Os produtores coloniais de maneira alguma poderiam ser considerados pré-capitalistas, pois existiam devido à expansão do capitalismo comercial; também não poderiam ser feudais, já que inexistiram no Brasil relações de domínio, servidão e vassalagem. O escravismo brasileiro não poderia ser antigo também, visto que nunca havia se estruturado como parte de um sistema de produção voltado para o mercado em âmbito mundial. Além disso, jamais os colonos se constituíram como burguesia agrária, dado que não extraiam mais-valia de assalariados. Entretanto, o que nosso Antigo Regime seria? Cardoso caracteriza-o tanto como capitalismo colonial, como escravismo colonial. Dessa forma, o capitalismo, agora, não poderia mais ser apresentado como um bloco monolítico contraposto ao pré-capitalismo.4 4 Citemos o interessante trecho de Arantes em sua integridade: “Só que agora o capitalismo não poderia ser mais apresentado como um bloco homogêneo contraposto à nebulosa do pré-capitalismo. Ele será muitas coisas e também o seu contrário: entre outras, a produção Manchesteriana e o sistema industrial-estatal de Colbert, o monopólio d’El Rey e a escravidão nas Américas, os enclosure acts e a irracionalidade do capital variável congelado na mão de obra escrava etc. Éramos, portanto, parte de um sistema com duas caras, nem integralmente capitalistas, nem simplesmente pré-capitalistas. Capitalistas? Escravistas? Éramos e não éramos, ao mesmo tempo — essa a nossa ambivalente existência bifronte. Voltamos assim a terra natal da dualidade, agora passada a limpo na língua da contradição: os termos que a compõem não se encontram mais justapostos, porém ‘contraditoriamente relacionados’” (Arantes, 1992, p. 66).

Pode-se dizer que os seminaristas, em especial Cardoso, sabiam que sem uma crítica e uma invenção categorial de peso seria impossível se apreender a especificidade sócio-histórica própria ao Brasil. Por conseguinte, seria extremamente marxista operar um deslocamento na temática clássica do marxismo, obrigando a pensar a experiência histórica de forma particular, sem sujeitar-se aos clássicos modelos importados, incluídas aí as teses do próprio Marx.

Ainda seguindo o ritmo da formação social brasileira - específica, mas não alheia ao capitalismo mundializado -, é necessário que olhemos para os trabalhos mais maduros do cientista político uspiano: Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil e Dependência e Desenvolvimento na América Latina (escrito em parceria com Enzo Faletto).

No primeiro, Cardoso se insurge tanto contra as interpretações do Partido Comunista Brasileiro (PCB),5 5 O argumento principal do PCB girava em torno da necessidade de uma Revolução Burguesa no Brasil, feita a partir da aliança entre o proletariado e a burguesia nacional contra o latifúndio e o capital internacional. De forma que os supostos restos feudais e o atraso brasileiro seriam superados, abrindo espaço, assim, para a luta em direção ao Socialismo como fora dito acima, quanto às ideias nacionalistas de uma Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), a qual projetava estímulos à burguesia nacional, de modo que realizasse um verdadeiro salto para frente com um programa de industrialização intensiva que superasse o atraso brasileiro, identificado com a chamada heterogeneidade estrutural, e colocasse o país em um nível mais civilizado dentro do concerto das nações.

Olhando para essa argumentação, Cardoso primeiramente irá criticar o decalque feito tanto pelo PCB quanto pela CEPAL da história europeia, uma vez que traçavam um paralelo errôneo entre a burguesia europeia do século XIX - principalmente a francesa - e a burguesia brasileira do século XX, sem se darem conta de que as condições históricas de formação de ambas eram essencialmente diferentes. Para Cardoso, ambas as análises seriam por demais abstratas e baseadas em grandes esquemas interpretativos,6 6 Os quais são detalhadamente debatidos e criticados no capítulo de número dois do livro em questão (CARDOSO, 1972, p. 52-103). os quais deixaram de lado as determinações e mediações históricas primordiais a qualquer análise crítica e imanente de situações concretas. Consequentemente, Cardoso argumentará que seria preciso entender os interesses concretos daquela situação histórica pré-Golpe de 1964, levados a cabo pelas classes e frações de classe, para que se pudesse entender o comportamento da burguesia brasileira, a qual, afinal, havia preferido o status quo ou o subcapitalismo (Cardoso, 1964CARDOSO, Fernando Henrique. 1964. Empresário Industrial e desenvolvimento econômico. São Paulo: Difusão Europeia do Livro., p. 187), deixando de lado, portanto, um projeto de dominação política que efetivasse uma hegemonia burguesa na sociedade brasileira.

Sendo assim, a burguesia brasileira preferiu ser uma sócia menor do capitalismo internacional, jogando uma pá de cal sobre qualquer pretensão emancipatória. De acordo com Schwarz (2014SCHWARZ, Roberto. 2014. Um seminário de Marx. In: SCHWARZ, Roberto. Sequências Brasileiras: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras ., p. 121) o epíteto subcapitalismo veio a calhar, dado que, após o golpe, ao invés de uma primarização significativa da economia brasileira, como imaginava a esquerda nacionalista, houve uma industrialização importante, a qual, por sua vez, não cumpriu nenhuma promessa civilizatória e não integrou socialmente o país. Seguindo o argumento, é sugestivo notar que a categoria elogiada por Schwarz já não estaria mais presente no livro Dependência e Desenvolvimento, sendo substituída por capitalismo dependente - como o próprio autor indica (Cardoso e Faletto, 2011CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 2011. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 15) -, o que, talvez, evidenciasse um maior “otimismo” quanto aos rumos do capitalismo no Brasil. Ademais, em Dependência e Desenvolvimento, a força argumentativa estaria em manter o cuidado com as determinações históricas específicas de cada país, sem perder de vista a totalidade concretizada na chamada “análise integrada”.

De acordo com Cardoso e Faletto (2011CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 2011. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.), para a explicação teórica das estruturas de dominação dos países latino-americanos, é preciso estabelecer “as conexões que se dão entre os determinantes internos e externos”, não obstante, essas vinculações de forma alguma deveriam ser entendidas “em termos de uma relação causal-analítica, nem muito menos em termos de uma determinação mecânica e imediata do interno pelo externo”. Nesse bojo, é o conceito de dependência que tenta outorgar a uma série de fatos e situações que aparecem conjuntamente em um momento dado, buscando-se “estabelecer, por seu intermédio, as relações que tornam inteligíveis as situações empíricas em função do modo de conexão entre os componentes estruturais internos e externos”. Contudo, o externo, em tal perspectiva, “expressa-se também como um modo particular de relação entre grupos e classes sociais no âmbito das nações subdesenvolvidas” (Cardoso e Faletto, 2011CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 2011. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 35). É por isso mesmo que é válido centrar a análise da dependência em sua manifestação interna, até porque a categoria de dependência deve ser utilizada como um tipo específico de relação “causal-significante”.

Diante disso, Cardoso e Faletto alçaram uma “desprovincianização” teórica desde a América Latina e um método inovador (Palma, 1978PALMA, Gabriel. 1978. Dependency: a formal theory of underdevelopment or a methodology for analysis of concrete situations of underdevelopment? World Development, v. 6, n. 7-8, pp.881-924. DOI: 10.1016/0305-750X(78)90051-7
https://doi.org/10.1016/0305-750X(78)900...
), superando uma visão por demais economicista e determinista da esquerda comunista e nacionalista em suas análises internacionais. Além de libertar o pensamento sobre a dominação política internacional, isto é, o imperialismo (Lenin, 2012LENIN, Vladimir. 2012. Imperialismo: estágio superior do capitalismo. São Paulo: Expressão Popular.) de um esquema tributário do transplante da luta de classes para o âmbito internacional, que pensava puramente em nações opressoras e oprimidas (Löwy e Haupt, 1980LÖWY, Michael; HAUPT, Georges. 1980. Los marxistas y la cueston nacional. Barcelona: Fontamara.), sem que houvesse uma análise mais pormenorizada da integração entre as determinações internas e externas e sobre a formação econômica e política local. Formações econômicas que nos casos latino-americanos seriam subdesenvolvidas e com uma história própria, dando suporte para uma inserção subalterna na economia internacional. De sorte que seriam esses os fatores basilares do caráter dependente dos países desse subcontinente, os quais não ficam fora do desenvolvimento capitalista “que se processou de forma sui generis através daqueles mesmos arranjos (a reposição do atraso), ou de sua reformulação (o atraso reposto de modo novo)” (Schwarz, 2014SCHWARZ, Roberto. 2014. Um seminário de Marx. In: SCHWARZ, Roberto. Sequências Brasileiras: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras ., p. 125).

Continuando o argumento, Cardoso e Faletto mostram que as categorias econômicas não poderiam andar sozinhas e que a subordinação dos países subdesenvolvidos não era alheia à luta de classes interna ao país. Isso sem perder de vista, contudo, que as transformações do capitalismo central mudam os termos de disputa de classes nos países periféricos, “abrindo saídas imprevistas no quadro do conflito cristalizado anteriormente, que passa a girar em falso, enquanto a nova solução recria outra modalidade de atraso” (Cardoso e Faletto, 2011CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. 2011. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.). A partir dessas considerações, Cardoso e Faletto puderam desenvolver a ideia de que é preciso articular a estrutura de classes interna (atípica, se comparada com a do centro capitalista) com o movimento geral do capital e da atualidade, enxergando-se, nessa articulação, um problema teórico, político ou histórico; surgindo-se a ideia da funcionalidade moderna do atraso. Articulando essas órbitas que antes estavam separadas, deu-se um passo dialético a frente: constata-se que a ordem mundial não se impõe diretamente a um país sem passar pela mediação das relações políticas e sociais internas e que essas relações não podem ser vistas fora da totalidade do movimento geral do capital (Schwarz, 2009SCHWARZ, Roberto. 2009. Entrevista. In: MOURA, Flávio; MONTEIRO, Paula. (org.). Retrato de grupo - 40 anos de CEBRAP. São Paulo: Cosac Naify , pp. 224-246., p. 232). Dito isso, é razoável pensar que o atraso não é, de forma alguma um acidente: trata-se, na verdade, de uma escolha política funcional à realização global do capital.

Diante do que fora dito nesta seção, é necessário frisar que Cardoso, ao tratar as condições materiais e históricas do Brasil, bem como de suas classes sociais, não recorria a uma visão essencialista do empresariado nacional, decalcada à moda europeia, mas, sim, de um ponto de vista imanente assentando nas determinações essenciais específicas de uma realidade periférica particular - não apartada, porém, das reviravoltas do capitalismo internacional.

Consideração finais

Na primeira parte de nosso artigo, buscamos evidenciar os principais argumentos de autores que identificavam na leitura de Cardoso sobre o empresário industrial brasileiro a caracterização de que essa camada social seria passiva e incapaz de agir politicamente de forma autônoma. No cerne da exposição desse conjunto de críticos é possível notar uma fixação nas ideias de que Cardoso não teria apreendido as determinações econômicas e políticas essenciais do empresariado industrial brasileiro e uma das raízes disso seria uma comparação indevida que Cardoso teria feito entre a ação dessa camada e o comportamento político e econômico das burguesias do centro do capitalismo.

Na segunda parte do trabalho, procuramos explicitar, a partir de uma leitura cerrada de alguns textos de Cardoso, que essa leitura crítica não teria sustentação em sua obra. Pelo contrário: para o sociólogo uspiano a condição política do empresariado industrial não tem a ver com quaisquer condições de fraqueza congênita ou subalternidade política, na verdade a burguesia industrial escolhe politicamente não disputar a hegemonia da sociedade por temer a revolução e acabar associada com os sindicatos e com as classes populares.

Na seção final do texto, tentamos evidenciar, calcados numa visada mais geral a respeito da obra de Cardoso, que os pressupostos metodológicos que guiam seus trabalhos e pesquisa partem de uma análise imanente das relações materiais concretas do Brasil. Trocando em miúdos: até do ponto de vista do método, ao tratar as condições materiais do Brasil, Cardoso não recorria a uma visão essencialista do empresariado nacional e, sim, de um ponto de vista assentando nas determinações específicas de uma realidade periférica particular, porém, não alheia ao movimento geral do capital.

Sendo assim, é possível ver que a leitura feita de parte da obra de Fernando Henrique Cardoso ou é bastante parcial ou não se sustenta caso confrontada com uma pesquisa mais detida tanto de seus textos quanto de seus pressupostos teóricos e epistêmicos. Em outras palavras, a ideia de que o sociólogo uspiano tomaria a burguesia ou o empresário nacional como subalternamente passivo e como mero decalque da burguesia europeia não estão presentes nem em suas principais obras sobre a temática nem nos pressupostos que as galvanizam e estruturam.

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  • 1
    Os nomes seriam: José Arthur Giannoti, Fernando Henrique Cardoso, Ruth Cardoso, Octavio Ianni, Paul Singer, Fernando Novais, Bento Prado Júnior, Roberto Schwarz, Michael Löwy, Juarez Brandão Lopes, Francisco Weffort, Gabriel Bolaffi e outros. É importante ter em mente que além de ler atentamente O capital de Karl Marx, o grupo também leu O capital financeiro de Rudolf Hilferding, História e economia de Max Weber e Teoria geral do emprego, do juro e da moeda de John Maynard Keynes (Mantega, 2007MANTEGA, Guido. 2007. Marxismo na economia brasileira. In: MORAES, João Quartim de. (org.). História do marxismo no Brasil: os influxos teóricos, vol. II. Campinas: Unicamp , pp. 103-127., p. 118).
  • 2
    Sobre isso, Cardoso dirá o seguinte: “Nesse aspecto o fio condutor que percorre as análises de nossos dois autores - Bastide e Florestan - é o mesmo: as relações interétnicas e os mecanismos de acomodação social entre negros e brancos se formaram no regime senhorial escravocrata, modificaram-se à medida que ruiu a antiga ordem senhorial-servil, dando lugar a uma sociedade capitalista-competitiva baseada no trabalho livre. O preconceito de cor, entretanto não desapareceu, embora suas funções tenham variado com as mudanças no meio interno. Ao percorrer a trajetória das relações entre brancos e negros, primeiro como senhores e escravos, depois como cidadãos pertencendo a classes sociais diferentes, nossos autores analisaram como minúcias as intrincadas relações entre raça e escravidão em uma sociedade de castas e, posteriormente, entre raça e classe social em uma sociedade capitalista-competitiva em formação” (Cardoso, 2008CARDOSO, Fernando Henrique. 2008. Uma pesquisa impactante. In: BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na cidade de São Paulo. 4 ed. São Paulo: Global, pp. 9-17., p. 11).
  • 3
    Rodrigues (2011RODRIGUES, Lidiane Soares. 2011. A produção social do marxismo universitário em São Paulo: mestre, discípulos e ‘um seminário’ (1958 - 1978). Tese de Doutorado em História Social. Universidade de São Paulo: São Paulo. DOI: 10.11606/T.8.2012.tde-05072012-164401
    https://doi.org/10.11606/T.8.2012.tde-05...
    , p. 179) mesmo nota que Fernandes não aprovou a “Introdução” de seu aluno, até por tentar colocar um tanto em xeque sua direção intelectual.
  • 4
    Citemos o interessante trecho de Arantes em sua integridade: “Só que agora o capitalismo não poderia ser mais apresentado como um bloco homogêneo contraposto à nebulosa do pré-capitalismo. Ele será muitas coisas e também o seu contrário: entre outras, a produção Manchesteriana e o sistema industrial-estatal de Colbert, o monopólio d’El Rey e a escravidão nas Américas, os enclosure acts e a irracionalidade do capital variável congelado na mão de obra escrava etc. Éramos, portanto, parte de um sistema com duas caras, nem integralmente capitalistas, nem simplesmente pré-capitalistas. Capitalistas? Escravistas? Éramos e não éramos, ao mesmo tempo — essa a nossa ambivalente existência bifronte. Voltamos assim a terra natal da dualidade, agora passada a limpo na língua da contradição: os termos que a compõem não se encontram mais justapostos, porém ‘contraditoriamente relacionados’” (Arantes, 1992ARANTES, Paulo Eduardo. 1992. Sentimento da dialética na experiência brasileira: dialética e dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. São Paulo: Editora Paz e Terra., p. 66).
  • 5
    O argumento principal do PCB girava em torno da necessidade de uma Revolução Burguesa no Brasil, feita a partir da aliança entre o proletariado e a burguesia nacional contra o latifúndio e o capital internacional. De forma que os supostos restos feudais e o atraso brasileiro seriam superados, abrindo espaço, assim, para a luta em direção ao Socialismo
  • 6
    Os quais são detalhadamente debatidos e criticados no capítulo de número dois do livro em questão (CARDOSO, 1972, p. 52-103).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2018
  • Aceito
    23 Mar 2022
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