Open-access POPULISMO, CRISE ESTÉTICA E MASSIFICAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE A TRANSGRESSÃO NO LULISMO E NO BOLSONARISMO 1

POPULISM, AESTHETIC CRISIS AND MASSIFICATION: REFLECTIONS ON TRANSGRESSION IN LULISM AND BOLSONARISM

Resumo:

Este artigo debate a relação entre populismos e transgressão estética num contexto de massificação, a partir de uma análise do lulismo e do bolsonarismo no Brasil. Dividido em três partes, o artigo a princípio retoma a ideia de Jacques Rancière de estética como “partilha do sensível” para discutir a conexão entre as performances transgressivas de líderes populistas e a mobilização de setores invisibilizados, frequentemente associados à noção de massa. Afirma-se que, para além do estilo de seus líderes, o populismo gera uma crise estética ao incluir massas invisibilizadas na esfera pública. A segunda parte estuda os processos de invisibilização e massificação contemporâneos, apresentando uma tipologia das massas no Brasil que distingue entre subalternos, precários e ralé. A terceira parte avalia como lulismo e bolsonarismo lidam com a transgressão e mobilizam diferentes frações das massas. Conclui-se que, para enfrentar o bolsonarismo, a esquerda deve resgatar a transgressão e se reconectar com as massas excluídas.

Palavras-chave:  Populismo; Transgressão Estética; Lulismo; Bolsonarismo; Estudos Subalternos

Abstract:

This article discusses the relationship between populisms and aesthetic transgression in a context of massification, based on an analysis of Lulism and Bolsonarism in Brazil. Divided into three parts, the article first takes up Jacques Rancière’s idea of aesthetics as the “partage du sensible” to discuss the link between the transgressive performances of populist leaders and the mobilisation of invisible sectors. It argues that, beyond the style of its leaders, populism generates an aesthetic crisis by bringing the invisible masses into the public sphere. The second part examines the contemporary processes of invisibilisation and massification and presents a typology of the masses in Brazil, distinguishing between the subaltern, the precarious and the mob. The third part assesses how Lulism and Bolsonarism deal with transgression and mobilise different fractions of the masses. It concludes that in order to confront Bolsonarism, the left must recover transgression and reconnect with the excluded masses.

* Keywords:   Populism ; Aesthetic Transgression ; Lulism ; Bolsonarism ; Subaltern Studies

Este artigo apresenta reflexões preliminares sobre a relação entre transgressão e os populismos no caso brasileiro, e suas implicações para a defesa da democracia. Parte-se da constatação de uma diferença estética entre lulismo e bolsonarismo. Descrever Jair Bolsonaro meramente como vulgar é insuficiente. Seu estilo bufão e malcomportado, marcado por quebras de protocolo e ofensas, é sem precedentes no país. Para além de Bolsonaro, o núcleo duro de seus apoiadores também é transgressivo. Embora grave, a tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2023 teve algo de tosco — e talvez seja exatamente esse aspecto que tornou o ataque tão chocante. Em vídeos que circulam nas redes sociais, em meio à depredação da Praça dos Três Poderes, os participantes proferiam impropérios e faziam obscenidades. Em contraste com a transgressão do bolsonarismo, no último período, Lula tem encarnado o papel de defensor da normalidade democrática, do respeito e até do chamado “politicamente correto”.

Tal contraste não é trivial. Ele revela desafios para a vida democrática. Por um lado, é correto dizer que Bolsonaro está acuado. Além de inelegível, ele está sendo investigado em casos que vão de burlescos desvios de joias a tentativa de golpe de Estado. Por outro lado, a conversão de Lula em garante da democracia liberal também indica certo acuamento. Se por uma década o lulismo encarnou em graus diferentes uma força transgressiva de transformação social e incorporação dos excluídos, hoje parece que o bolsonarismo é o grande agente transgressor na política nacional, a despeito do cerco judicial.

Em diálogo com a literatura dos estudos críticos sobre o populismo, mas articulando-a com análises sociológicas, argumenta-se que enquanto persistir como principal força de transgressão, o bolsonarismo seguirá forte no país. Isso porque há processos de massificação e invisibilização que criam terreno fértil para os populismos como força mobilizadora transgressiva. Para desenvolver essas reflexões, este artigo está dividido em três partes. Num primeiro momento, partindo de uma análise do caso brasileiro, discute-se a conexão entre as transgressões estilísticas de líderes populistas e uma outra dimensão pouco desenvolvida dos estudos críticos do populismo: a ideia de que o populismo engendraria uma crise estética ao transgredir as regras do que pode e do que não pode aparecer na política. Retoma-se aqui a categoria de massa, mobilizada nos textos clássicos sobre o populismo latino-americano, para se referir a setores invisíveis cuja entrada na política é siderante, pois transforma a própria maneira como se lê o mundo. A segunda parte apresenta uma tipologia das diferentes formas de se ver as massas no Brasil de hoje, desenvolvendo a distinção entre três setores: os subalternos, os precários e a ralé. A terceira e última parte avalia como o lulismo e o bolsonarismo lidam com a transgressão, e como isso impacta na mobilização das diferentes frações das massas. Este artigo conclui que apesar de estar acuado, o bolsonarismo tem a iniciativa da transgressão, e por isso está numa posição privilegiada como força mobilizadora.

“A crise é, sobretudo, estética”

“A crise é, sobretudo, estética”. Essa expressão, que ganhou as redes sociais digitais a partir de 2016, descreve bem a política brasileira — e não apenas nesse último período. Na realidade, crise estética é algo que acompanha e define a história dos populismos no país. Em certa medida, ela se expressa no estilo de seus líderes. Em longa pesquisa sobre a história da palavra “populismo” no Brasil, vê-se que os primeiros usos da palavra na imprensa estavam associados às performances de figuras carismáticas como Hugo Borghi, Adhemar de Barros e Jânio Quadros (Zicman de Barros e Lago, 2022 ). Extravagantes e bonachões, eles fugiam dos protocolos de então e chocavam uma elite bem-comportada. Um influente deputado conservador diria que o populismo é uma “aparência de plebeísmo” contra os modos de uma elite tornados insuportáveis (De Mello Franco, 1953 , p. 5). Vale ressaltar que, apesar de ser associado a esse choque estético, quando surge na política brasileira, o rótulo de “populista” não tinha o caráter pejorativo que hoje lhe é atribuído, sendo ao contrário reivindicado por muitos políticos à época (Zicman de Barros e Lago, 2022 , pp. 43–47).

Passados quase 70 anos da entrada da palavra “populismo” no léxico nacional, vê-se muitas reencarnações desse estilo. Um bom exemplo contemporâneo é Lula. Suas performances são marcadas por quebras de protocolo e referências populares pouco comuns nos corredores do poder. São constantes as metáforas futebolísticas, as piadas, as referências a seu passado humilde. Lula inclusive brinca com essa tensão entre o popular e o sofisticado: “Hoje eu falo ‘menas laranja’ e as pessoas acham engraçado, mas quando eu falava em 1989 eu era um ‘anarfa’”, disse ele em um discurso de 2010 no qual sublinhava sua origem pobre e seu estilo desajeitado (Zicman de Barros e Lago, 2022 , p. 118).

Quando se pensa na dita crise estética recente, porém, quem se destaca é Bolsonaro ( Zicman de Barros e Lago, 2022 ). O ex-presidente se apresenta frequentemente de maneira informal, despojada, tosca. Reunia-se com autoridades no palácio presidencial trajando camisas esportivas e chinelos. Durante a campanha eleitoral, ele se deixou fotografar em uma mesa de café da manhã milimetricamente desarrumada, comendo pão com leite condensado. Já presidente, apareceu em fotos filando um espetinho na rua, sentado em uma cadeira de plástico, deixando cair farofa na calça. Em viagem oficial, divulgou ter tido como refeição macarrão instantâneo, pizza, e ido a um bandejão. Para usar uma noção acadêmica rigorosa, Bolsonaro quer parecer “simplão”.

A transgressão bolsonarista assume contornos agressivos. Em sua comunicação, não faltavam referências escatológicas, como nas vezes em que comentou sobre urofilia e sobre a frequência com que o cidadão deveria ir ao toalete. Ainda mais frequente é a presença de xingamentos. Como disse Olavo de Carvalho, ademais um autoproclamado “populista” (Carvalho, 2017b , 2017a ), o xingamento é uma estratégia retórica (Carvalho, 2015 ). Essas transgressões, em grande medida calculadas, serviriam como testemunho de indignação e denúncia da indecência do interlocutor. A intenção é dar a entender que Bolsonaro é autêntico, sincero, não tem papas na língua e diz as coisas como elas são: “manda a real”. A análise dessa dimensão estratégica pode ainda ser aprofundada em um ponto levantado por Vladimir Safatle ( 2008 , p. 97–101). Como ele indica, ao zombar de si mesma, apresentando-se como uma caricatura, como protagonista de uma ópera-bufa, a extrema-direita desarma a crítica.

Bolsonaro não foi o primeiro nem o último a instrumentalizar a transgressão. Como relata Pablo Stefanoni ( 2021 , p. 50), a nova extrema-direita que emerge ao redor do mundo é “viciada em provocar” e no chamado “politicamente incorreto”. Essa transgressão não se restringe aos líderes. Ela se verifica em sua base militante. Alguns dos mais claros exemplos dessa transgressão “vinda de baixo” talvez tenham sido vistos no 8 de janeiro de 2023 no Brasil. É preciso recordar, entre as imagens obscenas referidas na abertura deste artigo, aquela de uma senhora idosa, anônima, vestida da cabeça aos pés com um conjunto estampado com a bandeira do Brasil, arriando as calças para simular uma defecação dentro do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse afã transgressivo é potencializado pelo amplo uso que a extrema-direita faz das mídias sociais digitais. As novas mídias não servem apenas para transmitir mensagens transgressivas marcadas por desinformação e pânico moral, mas carregam em si uma dimensão de transgressão. As redes digitais se apresentam como capazes de romper as barreiras de quem pode ou não falar, participar do debate público. Seriam, à primeira vista, um veículo para a expressão da voz dos “debaixo” contra os poderosos.

Crise, estilo e estética

Muitos pesquisadores têm buscado formalizar uma teoria performativa do populismo que justamente sublinha como o estilo de líderes populistas traz um aspecto transgressivo. Segundo Pierre Ostiguy ( 2017 ), o populismo celebraria o que vem de baixo, em oposição à alta cultura. Para Benjamin Moffitt ( 2016 ), o estilo do líder populista seria marcado por “maus modos”: ele seria malcomportado e quebraria o decoro da política tradicional. Théo Aiolfi ( 2022 ), por sua vez, define o estilo populista como inerentemente transgressivo e formula uma tipologia de transgressões performativas.

Essa abordagem é muito produtiva, e tem entre os seus méritos o fato de não estigmatizar o populismo. Como é regra nos estudos críticos do populismo, entende-se que os populismos são plurais, e que performances transgressivas podem ser vistas tanto em movimentos emancipatórios quanto em movimentos reacionários. Isso dito, a discussão sobre o caráter transgressivo dos apoiadores de Bolsonaro e das mídias sociais fornece um gancho para apontar limites dessas abordagens. Elas se focam em demasia sobre as performances corporais dos líderes, reduzindo a crise estética a uma questão de estilo (Zicman de Barros, 2023 , p. 249). Sozinha, essa perspectiva não dá conta de uma dimensão fundamental do populismo: a sua força mobilizadora. Como Maria Esperanza Casullo ( 2021 ) apontou, as performances corporais do líder são sobretudo um instrumento de identificação e mobilização de setores excluídos. De fato, quando se volta à história da palavra populismo no Brasil, percebe-se que o choque, a crise estética do populismo não era associada apenas aos líderes carismáticos, mas também para se referir aos setores sociais — os ditos “setores populistas” — mobilizados por essas lideranças (Zicman de Barros e Lago, 2022 , pp. 52-53).

Esse segundo tipo de uso da palavra “populismo” era comum na mídia, mas foi na academia em que foi mais desenvolvido. Hélio Jaguaribe ( 1954 , pp. 139), por exemplo, afirmava que os líderes populistas seriam “vulgares”, mas seu estudo pioneiro sobre o populismo se concentrava na análise desses movimentos como fenômenos de massas. A ideia de massa e conceitos correlatos aparecem em diversas formas na história do pensamento político mundial e brasileiro. Jaguaribe fora influenciado pela tradição heideggeriana, notadamente por José Ortega y Gasset ( 1929 ), mas a noção de massa assume espaço importante também no marxismo e na psicanálise. Apesar das diferenças, em todos os casos a massa se refere a elementos que carecem de representação simbólica. A massa não é um ator político organizado, com projeto e consciência. Ela é marcada por desorganização e marginalização: a massa não se entende e não é entendida como sujeito político. Ela está excluída da ordem simbólica, do espaço das aparências, da política.

Essa interpretação foi muito presente no pensamento latino-americano, influenciando Alberto Guerreiro Ramos ( 1961 ), Ruy Mauro Marini ( 1962 ), Francisco Weffort ( 2003 [1965], 2003 [1965]), Fernando Henrique Cardoso ( 1969 [1965]), Celso Furtado ( 1966 ), Octavio Ianni ( 1968 ), Gino Germani ( 1945 ), Torcuato Di Tella ( 1965 ), Jorge Abelardo Ramos ( 1957 ) e Ernesto Laclau ( 1960 ). Apesar das inegáveis diferenças, todos esses pensadores entendiam que as sociedades latino-americanas no século passado eram marcadas por um processo de desenvolvimento anormal — ao menos quando comparado ao modelo europeu ocidental. Segundo eles, não havia classes sociais bem organizadas na América Latina como havia na Europa. Parte importante do proletariado industrial no continente era composto por um enorme contingente de migrantes do interior que chegavam às grandes cidades e compunham uma nova classe trabalhadora urbana, mas que não tinha histórico de mobilização sindical e luta política. O que imperava eram as dinâmicas de massa: elementos dispersos, desorganizados, desprovidos de consciência de classe. Trabalhadores que até então não tinham voz, que não tinham representação. Submetidos à invisibilização, foi nos movimentos populistas que essas massas encontraram um meio de expressão — e de fato chocaram a sociedade.

Considerar a mobilização das massas sem voz em movimentos populistas permite entender mais profundamente a “crise estética” do populismo. Para tanto, é preciso explicar que a definição de estética aqui empregada é aquela de Jacques Rancière. Voltando à etimologia da palavra, Rancière ( 2000a , p. 12) define estética como a “partilha do sensível”. A estética diz respeito ao que ele chama de “regimes de visibilidade” — às regras definindo o que se vê e o que não se vê (Rancière 2000b , pp. 30-31; 1995, p. 142). É a partir dessa definição vasta que Rancière poderá afirmar que a política é sempre uma questão de estética (Rancière 2000a , p. 12). Isso ultrapassa o campo das artes, ou das performances de certos líderes. A política é uma questão de estética porque é uma questão de visibilidade, do que pode ou não pode aparecer na esfera pública. Rancière ensina que as disputas de interesses, valores, identidades que para muitos estão na base da política — e a rigor a própria existência de tais interesses, valores, identidades — são no fundo disputas sobre o que pode e o que não pode ser visto. Seguindo Rancière, entende-se a ideia de populismo não apenas como transgressão estilística, mas como transgressão estética. Para além das performances de líderes malcomportados, o populismo é esteticamente transgressivo quando, ao falar em nome do “povo”, traz para dentro da política elementos que estavam excluídos — o que Rancière ( 1995 , p. 31) chama de “parte dos sem-parte”. A rigor, é possível dizer que o populismo pode até carecer de líderes, mas não pode carecer da mobilização dos invisibilizados.

Vê-se aqui que a ideia de crise estética associada ao populismo não diz respeito apenas a um verniz. Por realizar uma transgressão estética, tensionando as regras estéticas que definem a fronteira entre o que pode e o que não pode aparecer na política e incorporar os invisíveis, o populismo transforma as coordenadas pelas quais se percebe a realidade. É por isso que, como Miguel Lago ( 2021 , p. 17) diz, “populismo” é o nome que se dá para aquilo que não se entende. Ele é siderante porque transforma as coordenadas do possível. Nesse sentido, a crise estética é existencial pois leva o sujeito a se confrontar com os limites da forma como costumava interpretar o mundo e o seu lugar nele. A crise é estética, e por isso mesmo é ontológica.

Massificação e a força do populismo

Pelo que foi discutido acima, surge a questão nevrálgica deste artigo: por que as performances transgressivas do populismo têm força? E por que notadamente a transgressão da extrema-direita está em ascensão? Na literatura psicanalítica, há amplas discussões sobre a relação entre transgressão e gozo (Glynos, 2003 , p. 8). Sabe-se que as fantasias transgressivas de se romper com tabus mobilizam e sustentam discursos. Ocorre que essas reflexões sozinhas não bastam, pois não é todo discurso transgressivo que será bem-sucedido a qualquer momento. Menos de três anos atrás, Pablo Stefanoni publicou o muito debatido livro cujo título em português seria A rebeldia tornou-se de direita? ( 2021 ), em que relata as práticas transgressivas e “politicamente incorretas” de grupos reacionários. É preciso ler essa obra em seu contexto. Se a obra de Stefanoni tivesse sido escrita há poucas décadas antes, talvez ela não conseguisse a projeção que hoje adquire. Seria um relato aguçado da extrema-direita mundial, mas de grupelhos caricatos, malcomportados, e absolutamente minoritários.

Quais são então as condições para que, como diz Casullo ( 2021 ), as performances corporais transgressivas do líder populista se tornem ponto de identificação para largas parcelas da sociedade? Em seu epílogo, Stefanoni esboça, mas não desenvolve, uma teoria sobre a relação entre transgressão estilística e seu “encanto”, sua força mobilizadora que levaria ao sucesso eleitoral (Stefanoni, 2021 , pp. 185–196). Como se verá, parte desse sucesso se deve à normalização da extrema-direita, à expansão da rede internacional que conecta e financia esses grupos. Contudo, é preciso considerar outros componentes “estruturais”. De fato, para se entender a força mobilizadora do populismo — em especial o de extrema-direita, do qual o bolsonarismo é expoente — talvez seja preciso escutar o apelo de Federico Tarragoni (2016) por uma reconciliação entre teoria política e sociologia. Nesse movimento, a noção de massa, tão central nos clássicos latino-americanos, se torna indispensável.

É verdade, há problemas no conceito de massa que precisam ser resolvidos. Um primeiro ponto, devidamente atacado pelos estudos críticos, é que a maioria dos autores clássicos que falava sobre o populismo como um fenômeno de massas o entendia como uma patologia política que marcaria processos de desenvolvimento anormais. O populismo manipularia as massas de maneira irracional para amortecer a luta de classes e impedir transformações sociais reais. Em contraste com um ideal de classe operária consciente, autônoma e racional — que ademais não existe —, as massas eram apresentadas como incapazes de crítica e de inquietações (Zicman de Barros e Lago, 2022 , p. 82).

Como apontado à época por Weffort, um outro problema da categoria de massa — presente, por exemplo, no trabalho de Jaguaribe — é a tendência a homogeneizá-la (Weffort, 2003 [1965], p. 28). Como Weffort explicava, os ditos “setores populistas”, massificados, não são homogêneos. Já à época, dizia ele, existiam diferentes frações da massa: havia massas do interior e massas das capitais, assim como massas operárias, massas de classe média assalariada, e massas ditas pequeno-burguesas, compostas por pequenos comerciantes (Weffort, 2003 [1965], pp. 28–31). Em outras palavras, havia massas de diferentes tipos, que se comportavam de formas diferentes. O que elas tinham em comum era a desorganização, falta de vínculos de solidariedade e de inscrição simbólica, e consequente exclusão do processo político (Weffort, 2003 [1965], p. 59).

Subalternos, precários, e a ralé

Atualizando as distinções de Weffort, propõe-se aqui um esboço de tipologia, uma chave de leitura para se diferenciar entre pelo menos três facetas das massas contemporâneas. Com inegáveis possíveis intersecções, as massas de hoje em dia podem ser divididas entre subalternos, precários, e a ralé ou lumpen .

A associação entre as noções de massa e subalternidade não é nova. Gayatri Chakravorty Spivak, autora de um denso e influente ensaio intitulado “Pode a subalterna falar?” ( 1988 [1985]), foi uma importante figura nesse movimento. No entanto, as raízes da conexão entre massa e subalternidade podem ser encontradas ainda mais longe no tempo, na obra de Antonio Gramsci ( 2021 [1934], Q25 §5). Para Gramsci, o subalterno não é o simples sinônimo do proletariado, como alguns chegaram a interpretar. A rigor, a sobreposição entre essas duas categorias seria pequena. O proletariado é visto por Gramsci como uma classe: um grupo organizado, capaz de liderar um projeto hegemônico. Já os subalternos, como massa, se referem a todos os que não estão organizados e carecem de recursos simbólicos para se entenderem e serem entendidos como sujeitos políticos. Os subalternos estão submetidos à hegemonia vigente e são incapazes de desafiá-la (Gramsci, 1996 [1930], Q3 §48). Em uma passagem de grande atualidade, Gramsci associava grupos de gênero, raça e até religião à subalternidade (Gramsci, 2021 [1934], Q25 §4). Spivak reforça esse entendimento: pode-se dizer que negros, indígenas, mulheres, LGBTQIAP+, entre outros, foram e ainda são invisibilizados, subalternizados. No melhor dos casos, constituem o que Camila Rocha ( 2019 ) e outros chamariam de “contrapúblicos” subalternos — grupos dominados com identidades e discursos compartilhados, mas que não conseguem se impor na esfera pública. São precisamente os que não podem falar, ou cuja fala, quando existe, é percebida como simples ruído, ou como chocante e apavorante.

A distância entre esses grupos historicamente subalternizados e o proletariado parece, no entanto, ter se reduzido com o tempo. Há, pode-se dizer, um processo de subalternização do proletariado. Em seus cadernos, Gramsci descrevia o proletariado como “a mais avançada classe subalterna” (Gramsci, 1996 [1930], Q3 §48), por ser fundamentalmente organizado. É essa condição “avançada” de que falava o sardo que tem se reduzido na medida em que o proletariado se desorganiza. Em outros termos, por todo o planeta se testemunha processos de massificação no mundo do trabalho. A origem dessa massificação, dessa desorganização, é o que se convenciona chamar de precarização. Fruto da desregulação do mercado de trabalho, tais processos datam de pelo menos três décadas, mas foram acelerados com o desenvolvimento de novas tecnologias e o advento do chamado capitalismo de plataformas. Sua principal consequência é a dissolução das redes de proteção e das relações de trabalho tradicionais.

Ao redor do mundo, os sindicatos perdem força, e via de regra são obrigados a assumir uma postura defensiva. Cai o poder de barganha, a informalidade não arrefece, tampouco os contratos de curta duração, o trabalho intermitente e por conta própria. A terceirização e individualização dos contratos se expandem em todos os setores de trabalho, em processos que também transferem riscos e custos operacionais da atividade profissional para os trabalhadores. A propalada “flexibilidade” de se escolher quando e quanto trabalhar esconde a realidade de longas jornadas de trabalho e superexploração. Vive-se cada vez mais em uma sociedade de salários rebaixados. Em muitos casos, as pessoas não têm mais emprego, entendido como uma atividade fixa, formalizada e assalariada. Elas têm trabalhos, às vezes mais de um; e, mesmo assim, a cada dia parece que fica mais difícil viver.

É verdade que as relações tradicionais nunca foram dominantes no Brasil. No sentido inverso dos clássicos do populismo latino-americano que tomavam a Europa como modelo, é possível dizer que atualmente o padrão de desenvolvimento histórico da América Latina talvez se torne o novo normal mundo afora. Essa inversão poderia até mesmo explicar em parte a emergência de populismos no centro do capitalismo, pois vê-se ali a emergência de dinâmicas sociais que estavam na base das experiências populistas históricas na periferia do sistema. De fato, Ruy Braga não hesita em utilizar a expressão “precariado” para se referir às massas do dito período populista brasileiro (Braga, 2012 , p. 57). André Singer dizia que o subemprego era a regra no país ao longo do século passado, sendo o traço definidor da fração de classe precária chamada de “subproletariado”, aqueles “destituídos das condições mínimas de participação na luta de classes”, e que englobariam metade da população brasileira (Singer, 2009 , p. 98). Nesse sentido, é importante ressaltar a peculiaridade da condição precária na periferia do capitalismo (Pinheiro-Machado, 2024 , pp. 60–61). Ela não se verifica sempre em um movimento de declínio social, como acontece no Ocidente, mas ao contrário, pode vir conjugada a uma ascensão social. Essa era a situação do que Singer batizou como “novo proletariado” que progrediu socialmente na primeira década lulista (Singer, 2015 , p. 9). Segundo Rosana Pinheiro-Machado ( 2024 , p. 61), esses novos trabalhadores constituiriam um “precariado aspiracional”: setores de baixa renda, mas acima da linha da pobreza, consumidores que seguem almejando uma melhoria de vida.

Dez anos atrás, nos anos prósperos do lulismo, os teleoperadores, jovens trabalhadores com qualificação mínima, em mercados de alta rotatividade, pareciam ser grandes símbolos desse novo setor social que ascendia rumo a condições precárias (Braga, 2012 , pp. 182–183). Passada uma década marcada por reiteradas políticas de austeridade, reformas como a trabalhista e da previdência, crise econômica e avanço do capitalismo de plataformas, os entregadores de aplicativos parecem surgir como a quintessência dessa nova era. Racializados, eles são a evidência de que os impactos da precarização são ainda mais sentidos entre os setores historicamente subalternizados.

Para se entender a dimensão estética desse processo generalizado de massificação, é preciso ressaltar que a precarização econômica vem acompanhada de uma precarização subjetiva. Como sugere Hannah Arendt, o desamparo da massa não é apenas material, mas testemunha uma “perda de mundo”: isolamento, falta de vínculos sociais e colapso de toda uma ordem simbólica (Arendt, 1994 [1954], p. 357, 1998 [1958], pp. 255–257). Com a precarização, dificulta-se a criação de uma identidade coletiva ao redor do trabalho. Como resultado, constitui-se uma classe trabalhadora cada vez mais “carente de recursos organizativos, ideológicos e políticos” (Braga, 2012 , p. 37).

Para concluir essa apresentação das diferentes formas da massa, é preciso também explicar uma outra noção correlata e, como se verá, relevante para se pensar o populismo de extrema-direita e o bolsonarismo: aquilo que Marx chamava de “ lumpen ”, e Arendt de “ralé”. Aqui as categorias marxianas e arendtianas encontram evidentes paralelos. Lumpen e ralé nomeiam setores reacionários nas franjas da ordem simbólica. São, para usar uma expressão que aparece tanto em Marx quanto em Arendt, “o refugo de todas as classes” (Arendt, 1967 [1951], p. 155; Marx, 1979 [1852], p. 149). Um refugo que via de regra passa desapercebido, recalcado, reproduzindo-se nas sombras. Se há tantos relatos sobre como a vitória de Bolsonaro foi recebida com choque, espanto, incredulidade, um “terremoto” saído “como que do nada” (Singer, 2021 , pp. 705–706), isso se deve em parte à emergência e expansão desses setores. Eles passaram a constituir outra forma de contrapúblico, um contrapúblico não subalterno (Rocha, 2019 , p. 6), com potencial para construir uma nova hegemonia. É importante ressaltar que lumpen e ralé não são os pobres. Eles emergem em todas as classes sociais, não se restringindo portanto a frações proletárias (Marx, 1978 [1850], p. 51; Rancière, 2007 , p. 145). Há inclusive quem fale em “lumpenburguesia” ressentida pela perda de status (Weffort, 2003 [1965], p. 33). A ralé, de fato, é com frequência associada a setores déclassés , ressentidos ou frustrados.

Como ressaltado anteriormente, é importante relembrar que entre subalternos, precários e a ralé pode haver muitas sobreposições. A rigor, é possível pertencer ao mesmo tempo a essas três expressões contemporâneas da massa. Como os modos de invisibilização coexistem e se interseccionam, o desafio é refletir sobre as diversas e complexas maneiras pelas quais a “parte dos sem-parte” entra na cena política.

Lulismo, bolsonarismo e as massas

Com a tipologia preliminar das massas esboçada anteriormente, é possível pensar como os diferentes populismos que coexistem na política brasileira — o lulismo e o bolsonarismo — mobilizam setores excluídos cuja entrada na esfera pública é transgressiva.

Ao se estudar a história do Partido dos Trabalhadores (PT), percebe-se que o partido foi pioneiro no mundo. Em grande medida, o que a esquerda europeia tem tentado realizar na última década, com a criação de ditos “partidos-movimento” (Kim, 2023 , p. 2), foi algo que o PT fez com sucesso ainda nos anos 1980. Em sua fundação, no entanto, o PT não era um partido populista. Ao contrário, o partido foi fundado se colocando abertamente contra o populismo. E essa rejeição não era apenas terminológica. As forças fundadoras do PT queriam criar um partido de sindicatos e movimentos autônomos, organizados, e viam no populismo uma patologia da massa a ser evitada. Mesmo na campanha vitoriosa de 2002, quando o PT já deixara de ser fundamentalmente um partido de movimentos sociais e se tornava uma sigla institucional e eleitoral (Singer, 2010 ), o partido seguiu distante do populismo. De fato, sintomaticamente, a alcunha não era utilizada para descrever Lula no período (Zicman de Barros e Lago, 2022 , p. 68). Essa rejeição do populismo também se expressou nas performances de Lula nessa corrida presidencial: ele se apresentava então como um candidato “light”, “cor-de-rosa”, bem-comportado, de barba feita, terno bem cortado, e conciliador (Zicman de Barros e Lago, 2022 , p. 117).

É claro que se pode dizer que havia leves traços de populismo na “primeira alma” do PT (Singer, 2010 , p. 89) porque, por mais organizados que pudessem ser, os sindicatos brasileiros eram — e seguem sendo — invisibilizados. Como Lula repete inúmeras vezes, um fator importante na decisão de fundar o partido veio da constatação de que não havia deputados de origem operária em Brasília. Desde a sua fundação, mesmo que de forma incipiente, o PT também incorporou militantes e pautas do movimento feminista e antirracista, subalternizados. No entanto, o PT apenas ganhará contornos explicitamente populistas, inclusive se reconciliando e reivindicando o legado varguista (Zicman de Barros e Lago, 2022 , p. 71), quando já no poder. É durante seu primeiro mandato que, sob acusações de compra de votos de parlamentares, amplamente difundidas pela mídia, Lula vê uma crescente erosão de seu apoio entre as camadas médias (Singer, 2009 ). Essa perda, no entanto, é mais do que compensada por meio de importantes mudanças discursivas de Lula, reforçadas por políticas públicas de inclusão e empoderamento capazes de atrair para as suas bases o subproletariado mencionado anteriormente (Singer, 2009 ). Setores de baixíssima renda, massificados, dos quais o partido se aproximara um pouco com ajuda das comunidades eclesiais de base e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, mas aos quais o sindicalismo petista tinha enormes dificuldades em “dar direção” (Singer, 2009 , p. 99).

Singer dizia que a força do lulismo entre o subproletariado vinha do seu apelo à estabilidade (Singer, 2009 ). O lulismo tem uma inegável dimensão conciliatória, mas essa leitura negligencia a profunda transgressão estética que o animava. Não é por acaso que o realinhamento eleitoral que consolida o lulismo como um populismo se dá precisamente no momento de sua reeleição, quando Lula passa a ser mais transgressivo e a reivindicar a oposição dos “debaixo” contra os “de cima”, dos invisíveis contra os poderosos (Zicman de Barros e Lago, 2022 , pp. 71-72). Ele intensifica as referências a seu passado humilde citadas anteriormente, reforçando o contraste entre o sofisticado e o popular. Como o próprio Singer indica, os setores de baixíssima renda, de “escassa visibilidade”, quiseram reeleger um “ex-retirante pernambucano” que tinha as mesmas origens deles (Singer, 2009 , pp. 84-85). A partir daí, a oposição do “povo” contra as “elites” foi o mote que deu a tônica de todas as campanhas presidenciais vitoriosas do PT. Para Tales Ab’Sáber (2011), o apelo a tais habitus de classe e a oposição retórica aos poderosos, centrais para a identificação carismática com Lula, não seriam mais do que um “teatrinho de fantoches”, em última análise desmobilizador. São inúmeras e justas as análises que afirmam que o lulismo promoveu uma inclusão política feita à baixa intensidade (Singer, 2012 ). Apesar desses limites, não se pode menosprezar que a perspectiva de transformação social e de aprofundamento da democracia liberal pela entrada das massas na política foi fundamental na emergência do lulismo.

O retorno de Lula à presidência em 2023 ocorre em um contexto significativamente diferente daquele da primeira década lulista. Entre os dois períodos, o país passou por uma profunda crise política, judicial e econômica, que resultou na derrubada de Dilma Rousseff e na prisão de Lula, culminando na ascensão de Michel Temer e Jair Bolsonaro à presidência. Lula volta ao poder, portanto, como líder de uma frente ampla contra a extrema-direita. O antagonismo contra as elites se torna menos central. Da mesma forma, se há uma transgressão impossível de eliminar na figura de um “ex-retirante pernambucano” alçado à presidência (Zicman de Barros e Lago, 2022 , p. 119), nesse movimento de construção de frente ampla Lula isso se afasta da postura transgressiva. Ao contrário, ele encarna certa superioridade moral. Em sucessivos eventos, durante a campanha eleitoral e já como presidente, Lula tem criticado o “baixo nível” de Bolsonaro e do bolsonarismo. Em contraste, ele se apresenta como defensor do respeito e da democracia.

A defesa da democracia e das instituições é fundamental, mas, como a palavra bem indica, trata-se de uma posição defensiva. Lula se converte, paradoxalmente, no garante da ordem democrática, porém perde força seu papel tensionador, de apontar para os pontos cegos da democracia liberal, buscando aprofundá-la e aperfeiçoá-la. É verdade que, para além da extrema-direita, Lula deve haver com um legislativo em hipertrofia, com a indisciplina militar, e com um contexto mundial de redução do poder de ação do Estado. Contudo, é preciso sublinhar que a grande promessa de Lula nesse mandato é de um retorno à percebida prosperidade de 2010, com a reedição dos seus projetos bem-sucedidos. Para além da restauração de certa “normalidade” e defesa de direitos, não é claro para onde o governo pretende avançar. Singer ( 2012 , p. 200) caracterizava a primeira década do lulismo como um “reformismo fraco”, mas discursivamente esse novo período anuncia uma carência de projetos de reforma.

É preciso se perguntar quais os efeitos desse comedimento em termos de mobilização das massas. Sem dúvida um discurso pode ser transgressivo de maneiras muito diversas (Aiolfi, 2022 ), e sua eficácia na mobilização de setores marginalizados dependerá sempre do grupo sociológico e do contexto de invisibilização em questão. Voltando à tipologia esboçada anteriormente, percebe-se que no contexto atual Lula mobiliza negros, indígenas, mulheres, LGBTQIAP+, apesar de críticas sobre a falta de políticas públicas efetivas para esses grupos subalternizados. A presença de representantes desses segmentos durante a posse enfatiza seu papel central. A adesão a Lula também se beneficia da rejeição a Bolsonaro. Apesar de a extrema-direita ao redor do mundo por vezes tentar atrair frações dos subalternos (Stefanoni, 2021 ), no contexto brasileiro a transgressão bolsonarista costuma tomá-los como alvo, o que acaba por afastá-los.

Nesse ponto, fica evidente o choque entre subalternos, que tendem a formar parte da base lulista, e a ralé bolsonarista. É preciso, porém, rever duas hipóteses que buscam explicar essas tensões. A primeira é o “revide cultural”, ou cultural backlash: segundo essa tese, o avanço dos subalternizados causaria desconforto e reação por parte de um eleitorado mais velho, masculino, branco, religioso e conservador (Braga, 2023 ). Em outras palavras, a força dos subalternizados teria atiçado a ralé. Se a hipótese do revide cultural não pode ser descartada, Braga ( 2023 ) aponta que essa visão é cômoda: ela garantiria à esquerda uma superioridade moral, e não permite entender outros fatores estruturais para além do racismo, do machismo e da homofobia que levam parcelas precárias a aderir à extrema-direita.

Stefanoni ( 2021 ) oferece uma perspectiva alternativa, associando o crescente foco dos partidos de esquerda nos subalternizados com um possível negligenciamento dos precários, o que os aproximaria da ralé. Segundo essa leitura, apesar de estarem na encruzilhada entre a luta por expansão de direitos e as ameaças de retrocessos, haveria um crescente grau de organização dos movimentos dos subalternizados e consequente incorporação de suas demandas de representação (Stefanoni, 2021 ). No entanto, essa incorporação se daria “pelo alto” (Braga, 2023 , p. 253). O exemplo do grupo Globo, que começou a enfatizar a diversidade em seu elenco (Zicman de Barros e Lago, 2022 , p. 105), ilustra uma mudança significativa na mídia, que pode ser vista tanto como uma diminuição da condição de subalternidade quanto como uma abordagem que privilegia certos setores “burocratizados” e “bem comportados” dos movimentos sociais em detrimento de uma base massificada. Assim, enquanto há uma atenção crescente às ditas questões de “reconhecimento”, a crítica às dinâmicas do capitalismo que afligem os precários sai de cena (Stefanoni, 2021 , p. 74).

Essa segunda hipótese é interessante pois critica as apropriações das pautas subalternas que retiram delas a sua radicalidade transgressiva, mas não parece se adequar ao lulismo. Apesar do acuamento de que se falou acima, Lula não se encaixa no papel de presidente “bem-comportado”. Como também indicado anteriormente, ele se mantém, pelas políticas públicas implementadas, pela memória do seu governo e pela sua figura, um ponto de identificação esteticamente transgressivo, de promessa de transformação social, notadamente entre o subproletariado, sobretudo nordestino. Novamente aqui, a adesão ao lulismo também é reforçada pela rejeição às transgressões de Bolsonaro, que faz constantes comentários depreciativos sobre os mais pobres, apresentando-os como iletrados e dependentes de políticas assistencialistas.

A força do lulismo é menos nítida, porém, ao se considerar o “novo proletariado” precarizado. Em 2015, Singer se perguntava qual o destino político dos setores que ascenderam durante o lulismo (Singer, 2015 , p. 11). Hoje já há considerável evidência etnográfica sugerindo que a entrada de Bolsonaro entre o “precariado aspiracional” não pode ser negligenciada (Pinheiro-Machado, 2024 , pp. 60–61). Baseando-se em um recorte apenas de renda, é possível estimar que Bolsonaro teria obtido mais votos nesse segmento do que Lula, e há indícios de que é nesse estrato que se encontra o núcleo duro do que tenho chamado de ralé bolsonarista (Pinheiro-Machado, 2024 , pp. 62–63).

Pode o reacionário falar?

Para se entender a possível conversão de frações do “precariado aspiracional” ao discurso da ralé bolsonarista, é preciso debater o que se costuma chamar de mainstreaming , a normalização da extrema-direita. No entanto, em vez de seguir as abordagens tradicionais, propõe-se aqui examinar a paradoxal “não normalização” desse movimento. Em outras palavras, deve-se estudar como a extrema-direita mantém sua dimensão transgressiva, mesmo enquanto parece ocupar o mainstream .

Quando se fala em normalização da extrema-direita, pensa-se muito na chamada “desdiabolização”: a tentativa de políticos de extrema-direita de se distanciar de arroubos de militantes supremacistas e se apresentar como normais, moderados. Em grau tímido, Bolsonaro fez um movimento desse tipo em 2018 — com redução de seus elogios explícitos à ditadura militar e a adesão nominal à democracia. Mas a normalização não ocorre apenas com um movimento dos extremos rumo ao centro mainstream . A própria definição do que é o mainstream não é algo dado. Por isso, autores como Aurelien Mondon e Aaron Winter ( 2020 ) têm alertado para o movimento de atores políticos do centro mainstream rumo à extrema-direita, que redesenha os próprios limites do que é o mainstream . Eles mostram como, em busca de audiência, de um mal elaborado pluralismo e baseada em falsas simetrias, a mídia tanto pública quanto privada tem um papel central em dar palanque para atores reacionários, permitindo que eles falem desavergonhadamente. Mondon e Winter também apontam como políticos ditos centristas adotam pautas e políticas de extrema-direita na busca em geral malfadada por conquistar esse eleitorado, normalizando suas posições. Pode-se citar, enfim, o surgimento de grupos ainda mais histriônicos — no caso do Brasil, candidaturas excêntricas como as de Cabo Daciolo ou de Padre Kelmon — que fazem personagens da extrema-direita como Bolsonaro parecerem menos extremistas.

O relato de Mondon e Winter é preciso, mas apresentado dessa maneira não permite que se veja a outra faceta da extrema-direita contemporânea: sua dimensão transgressiva e o apelo que ela produz. Conforme dito, houve um leve movimento de Bolsonaro para moderar seu discurso em 2018, mas se tratou de gesto tímido e de forma alguma decisivo para a sua eleição. Se houve algum “aceno” importante, não foi ao centro, mas ao mercado financeiro. De resto, tal qual apontou Lago, o discurso bolsonarista não é de acomodação. Ao contrário, ele tem traços revolucionários (Lago, 2021 , p. 17). Bolsonaro lidera um levante reacionário, e leva as pessoas a se engajarem em um processo de transformação.

A força dessa transgressão bolsonarista na mobilização de parcelas importantes do “precariado aspiracional” deve ser entendida como resultado da frustração com um processo de transformação social truncado. Como Pinheiro-Machado indica, muitos dessa classe aspiracional já integraram o bloco lulista, e foram celebrados enquanto ali se mantiveram. Ocorre que os jovens que haviam entrado no mercado de trabalho durante a bonança da primeira década lulista se tornaram adultos em um momento de crise (Pinheiro-Machado, 2024 , p. 65). Para além dos altos e baixos da vida material objetiva entre esses dois períodos, Pinheiro-Machado ressalta o contraste de expectativas em jogo: a promessa de transformação dos padrões de vida e de consumo foi substituída pela percepção de retrocesso e insegurança, acentuada por um ambiente de criminalidade e violência crônicas.

A adesão ao bolsonarismo deve ser vista como um desejo de transformação que muda de lado. Trata-se, no entanto, de uma transgressão paradoxal. Se por um lado existe uma dimensão da extrema-direita que não se normaliza, que mantém vivo o discurso de ruptura, se está lidando aqui com uma transgressão que em última medida reforça modos de dominação e silenciamento. A dimensão contra-hegemônica da extrema-direita tem como horizonte o reforço da hegemonia vigente. Ao mesmo tempo, é precisamente esse aspecto paradoxal que explica parte de seu apelo. Num mundo que desaba, de precarização econômica e subjetiva, busca-se a transgressão, mas também a autoridade. É por isso que Bolsonaro é um paradoxal ultraconservador transgressor. Como diz Safatle ( 2015 , p. 107), trata-se aqui de uma mistura bricolada de bufão e pai severo. A transgressão de Bolsonaro evoca a mais popular e grosseira máxima do fascismo histórico: “ me ne frego [estou me lixando]” (Urbinati, 2012 , p. x). A transgressão aqui veicula fantasias do triunfo da vontade de um homem viril, que impõe a sua própria lei, que faz o que quiser, na hora que quiser, sem se importar com os outros (Zicman de Barros e Lago, 2022 ).

À primeira vista, seria possível pensar que o pânico moral reacionário que marca o bolsonarismo é apenas uma cortina de fumaça para avançar com o desmonte do Estado (Hall, 1978 , p. 33). Contudo, o bolsonarismo apresenta o projeto de dilapidação de direitos de modo explícito. O fato curioso é que a transgressão promovida pela extrema-direita é frequentemente desprovida de maiores promessas (Stefanoni, 2021 ). Melhor dizendo, ela não se estrutura ao redor de promessas de expansão de direitos e de inclusão. Ao contrário, a gramática da promessa é estranha a figuras como Bolsonaro. Como ele disse, seu objetivo ao chegar no poder não era construir nada, mas desfazer muita coisa (Lago, 2021 e Zicman de Barros e Lago, 2022 ). Seu objetivo é desmontar a máquina pública e esvaziar a Constituição de 1988.

A transgressão bolsonarista encontra terreno fértil e reforça uma ética do mérito que acompanha e se torna hegemônica com o avanço da precarização. Apesar de superexplorada, parte do “precariado aspiracional” adere ao mito de que apenas o trabalho duro trará prosperidade (Pinheiro-Machado, 2024 , p. 66). A “aspiração” do precariado, que na sua raiz poderia ser um desejo de mudança social potencialmente emancipador, pode se expressar na fantasia de alcançar estratos sociais superiores num ambiente de competição profunda (Pinheiro-Machado, 2024 , p. 73). Nessa perspectiva, a frustração produzida pela transformação social truncada da década lulista se explica atribuindo-se a prosperidade ao mérito pessoal, e não às políticas públicas. Ademais, o Estado é visto como uma entidade que não lhes ajuda e premia quem não trabalha — o subproletariado que Bolsonaro estigmatiza (Pinheiro-Machado, 2024 , pp. 61, 65). De forma semelhante, mesmo que haja um desejo de se obter benefícios tradicionalmente associados à sindicalização, os sindicatos e a regulação do trabalho são vistos com hostilidade. Em contraste, as longas jornadas de trabalho não são vistas como um fardo, mas como uma escolha, um sacrifício voluntário em prol de um pretenso futuro melhor.

Esse discurso é reforçado por fatores tecnológicos e religiosos. No aspecto tecnológico, deve-se considerar dinâmicas de “gamificação” do capitalismo de plataformas. Os aplicativos que dão o ritmo de trabalho de muitos precariados são desenhados com bônus e recompensas que incentivam o prolongamento da jornada e a ética do mérito. No campo da religião, deve-se levar em conta o papel das igrejas evangélicas como ambiente de sociabilidade privilegiado diante da ausência do Estado. Apesar de não haver determinismo, pertencer a uma igreja reforça a ética do mérito, notadamente no caso das denominações neopentecostais adeptas da teologia da prosperidade, quando não da teologia do domínio.

Embalada por essa ética do mérito, a transgressão de extrema-direita promete apenas uma versão potencializada do mundo como ele é. Diante da crescente incapacidade de intervenção do Estado na proteção de seus cidadãos, não se busca reverter tendências, mas acelerá-las até o ponto de ruptura. O Estado surge como um obstáculo a ser removido para o desenrolar de uma guerra de todos contra todos, em que os mais fortes sobrevivem.

Conclusão

Em artigo recente, Singer questionava se a intentona golpista de 8 de janeiro de 2023 não poderia se revelar como uma “ferida mortal” ao bolsonarismo (Singer, 2023 , p. 31). A ralé bolsonarista teria ido longe demais na transgressão, afastando parte da sua base e, sobretudo, acuando Bolsonaro e seu círculo. No entanto, nota-se grande resiliência em suas taxas de apoio, notadamente entre o precariado aspiracional (Pinheiro-Machado, 2024 ). Este artigo argumentou que, num contexto em que Lula se converte em defensor da normalidade democrática, e no qual o bolsonarismo se mantém como a principal força transgressiva do país, seguirá havendo espaço para a extrema-direita mobilizar uma parte dos setores massificados da população brasileira, convertendo-os ao discurso da ralé.

Para desenvolver esse argumento, este artigo fez uma análise crítica das teorias performativas do populismo, explicando que, para além das performances transgressivas de líderes malcomportados, o populismo envolveria sempre a mobilização de setores invisíveis, daquilo que os clássicos do pensamento social latino-americano chamavam de massa. Por isso ele produziria uma crise estética, pois transforma as próprias coordenadas pelas quais se lê o mundo. Em seguida, esboçou-se uma tipologia das formas contemporâneas de massa, distinguindo entre três categorias: os subalternos, elementos submetidos à invisibilização estrutural; os precários, tanto subproletariado quanto setores aspiracionais confrontados a um mercado de trabalho desregulamentado que superexplora e isola; e a ralé, ou lumpen , que reúne elementos reacionários de todas as classes reproduzindo-se às margens da esfera pública e cuja emergência é chocante. Na terceira parte, este artigo explicou como em sua primeira década o lulismo encarnou um discurso de transformação social capaz de mobilizar subalternos e precários. Com o truncamento desse processo, no entanto, o desejo de transformação de parte relevante do precariado aspiracional teria mudado de lado e aderido ao discurso transgressivo da ralé.

O argumento deste artigo implica que, sem reatar com a transgressão, a esquerda brasileira não conseguirá desarmar o bolsonarismo. Essa constatação não deve ser lida de maneira voluntarista. A precarização e a redução da capacidade de ação do Estado são fenômenos globais, assim como a organização de redes de extrema-direita, e não é por acaso que situações análogas à brasileira se reproduzem em quase todas as democracias liberais. Mesmo considerando apenas a conjuntura local, existem inúmeros motivos para o acuamento relativo de Lula, notadamente um parlamento arisco e fortalecido e uma insubordinação militar latente a ser debelada. Além disso, Lula não joga sozinho: independentemente do destino judicial de Bolsonaro, o bolsonarismo se estabeleceu como forte concorrente no campo das transgressões populistas, que em alguma medida já calcificam a identificação de parcelas importantes do precariado aspiracional com o discurso da ralé. Com todas as restrições que a conjuntura impõe, porém, não se pode renunciar a dar direção a um desejo de transformação das massas que marca a história do Brasil.

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    Este trabalho é fruto do projeto “Populismo, Demagogia e Retórica em Perspectiva Histórica” (2022.05060.PTDC), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal. Agradeço a Rodrigo Toneto por longas conversas sobre lulismo e transgressão, e a Théo Aiolfi pela parceria nas reflexões sobre transgressão estética e populismo. Sou grato aos dois pareceristas anônimos e a Pedro Lima, cujas observações colaboraram para aprimorar este artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2024
  • Aceito
    18 Jul 2024
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