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Educação e a cientificidade do processo educativo

POLÊMICA

Educação e a cientificidade do processo educativo

Lauro de Oliveira Lima

Centro Experimental e Educacional Jean Piaget, Rio de Janeiro

O ministro da Educação da França, Jean-Pierre Chevènement, em nome de um governo socialista, comandou espetacular guinada direitista e conservadora na orientação do sistema educacional de seu país. O ministro contou com o apoio unânime da população francesa, saudosa de sua tradicional "escola risonha e franca", sem as complicações da "matemática moderna" e sem as inovações da "escola-nova": uma escola de LER, ESCREVER e CONTAR, como sempre foi a escola, desde suas origens. No fundo, os pais desejam, apenas, que as escolas prossigam, sem complicações, a tarefa que eles mesmos iniciaram, ensinando a seus filhos as clássicas "habilidades" de ler, escrever e contar, admitindo, inclusive, se for necessário, o uso moderado dos castigos que eles usam no lar ... Detestam ver seus filhos lidando com assuntos que eles mesmos não entendem, e não consideram sérias as atividades que não levam a resultados práticos imediatos. Não acreditam que a escola desenvolva "capacidades" intrínsecas (inteligência, criatividade, etc.)... limitando-se sua tarefa a mero adestramento e disciplinamento. Do ponto de vista destas"capacidades criativas", os pais e a maioria dos mestres permanecem inatistas, atribuindo, contudo, à escola o poder de treinar as crianças sem limites, na aquisição de habilidades e na recitação de textos: é a imagem que retiveram da escola, modelo que o ministro francês resolveu devolver-lhes. Pode-se, pois, dizer que se trata do confronto entre uma "educação criativa" e uma "educação formadora". A discussão pedagógica suscitada pela reforma educacional francesa oscila entre velhas crenças e as modernas descobertas biopsicológicas sistematizadas no "construtivismo sequencial", que afirma a possibilidade de desenvolvimento mental e a estreita dependência que existe entre os níveis das estruturas de comportamento e as possibilidades de"aprendizagem", fato inteiramente novo em pedagogia. O ministro simplesmente jogou fora do sistema escolar todas as conquistas resultantes das pesquisas feitas durante o último século, voltando a práticas medievais e até pré-históricas. Sua ordem é: "acabou o recreio", isto é, acabou "a pedagogia de eclosão das potencialidades". Faz cerca de cem anos que as mais variadas experiências vêm sendo feitas, sobretudo no nível elementar, primário e pré-primário, onde os processos dissertativos são, obviamente, ineficazes, fato que põe sob suspeita o sistema escolar inteiro.

O movimento iniciado na França é, portanto, puro anacronismo. Gritam-se slogans reacionários para o magistério: esforço!, mérito!, disciplina!, patriotismo! A função da escola, dizem, é "transmitir o saber" (dar "conteúdos": instruir, treinar, memorizar, automatizar), o mesmo grito repressor que Carlos Lacerda usou, no Brasil, contra os movimentos políticos estudantis: "estudante é para estudar". O ministro socialista francês determinou a volta à escola da leitura recitada, da ortografia, da tabuada, da gramática, do cálculo mental e... de instrução moral e cívica! Em nenhuma das justificativas do ministro alegam-se fatos científicos. Simplesmente afirma-se, falsamente, que a escola tradicional era eficiente e que a escola-nova é uma brincadeira irresponsável. No Japão, vigora há séculos o"terrorismo pedagógico" pregado pelo ministro francês, provocando, anualmente, centenas de suicídios de adolescentes, um dos problemas mais agudos da sociedade japonesa, que só conta para o êxito individual com a capacidade técnica adquirida na escola. Ora, enquanto no Japão as lideranças mais esclarecidas lutam por uma escola sem coação, na França volta-se ao modelo jesuítico que dividia os alunos em "decúrias", urna das quais era denominada "dos asnos". Aliás, o ministro apenas radicaliza, oficializando uma prática generalizada de punição através de "reprovação" . Em todo Ocidente e nos países asiáticos ocidentalizados vigora o sistema de notas, que é disfarce do terrorismo. Veja-se bem que, no fundo, a questão gira em torno da rentabilidade, a qualquer preço, criticando-se a "escola-nova" ou mesmo a pedagogia em geral por tirar a "seriedade da escola". Não se indaga a cientificidade do processo escolar, do correto funcionamento dos mecanismos mentais, dos efeitos emocionais do processo, da compatibilidade do sistema escolar com os ritmos de crescimento... O que se mede é a rentabilidade... como nas "linhas de produção"! Toda a atividade pedagógica que não leve diretamente à aquisição de habilidades e à fixação de informações (escola antiga) é considerada perda de tempo! Ninguém de bom senso e com o mínimo de seriedade intelectual arriscar-se-ia a afirmar que os "métodos antigos" são mais compatíveis com a assimilação dos conhecimentos: o que os reacionários franceses afirmam é que "antigamente, a escola era mais séria", isto é, mais violenta!

... Na emulação escolar que se quer provocar com estas providências, é evidente que as crianças das classes burguesas levarão vantagem, como se constata, entre nós, na disputa do vestibular. Na própria URSS florescem "escolas clandestinas" de reforço ao processo escolar oficial baseado em extrema competição...

Aprendizagem dos conteúdos

O Brasil antecipou-se (pelo menos teoricamente) ao recuo pedagógico do ministro francês, o que não é de estranhar-se, pois, afinal, fomos o último país do mundo a abolir a escravatura e a permitir o divórcio... Um grupo de educadores acadêmicos paulistas, de tempos a esta parte, já vinha pregando a "volta à pedagogia tradicional"! Em nome da " igualdade de oportunidades" (sic!), este grupo prega o "ensino dos conteúdos" ou a "socialização do saber sistematizado", cantando loas à "pedagogia tradicional". Na orquestração tupiniquim, o movimento de retroação é feito em nome da "cientificidade da pedagogia tradicional "! Já para os franceses, a pedagogia é que é culpada, não ousando chamar de científicas as práticas pedagógicas que estão ressuscitando. São, portanto, dois enfoques diferentes. Entre nós, do ponto de vista teórico, esta regressão pedagógica apoiar-se-ia nas categorias mentais inatas que negam o processo evolutivo das operações do pensamento. Optam pela mera imposição de uma "cultura-padrão burguesa" ou capitalista, que seria um pretenso "saber sistematizado"! Uma escola de "ensinar conteúdo" é, de fato, uma arena de treinamento (memorização e automatização), parecida com a arena de preparo de animais para o circo (formação de mão-de-obra). Não está voltada para o desenvolvimento do indivíduo, mas para seu engajamento no sistema de produção, apesar das turbulentas mutações atuais (revolução tecnológica) deste setor. Freqüentemente, entre nós, alega-se precisamente a necessidade de fornecer ao proletariado equipamento para engajamento no sistema de produção, oportunidade que a escola renovada não forneceria, vez que as crianças burguesas dele não necessitam (a escola-nova, pois, seria um complô contra as classes desfavorecidas) ... Ora, é precisamente em nome deste handicap que se torna premente insistir na recuperação dos mecanismos de operacionalização (desenvolvimento da inteligência), vez que sem esta capacitação os "conhecimentos" impostos não têm funcionalidade! A discussão, na França e entre nós, ignora dados fundamentais das modernas pesquisas epistemológicas e psicogenéticas, tais como: a) o mecanismo de construção do conhecimento, filogenética e ontogeneticamente; b) o funcionamento dos processos de assimilação dos "conteúdos"; c) as características dos estágios de desenvolvimento mental e, sobretudo, as pre-condições de assimilação dos "conteúdos", a mais decisiva contribuição da pesquisa psicológica moderna aos processos pedagógicos. A aprendizagem dos "conteúdos" depende estritamente dos mecanismos gerais da inteligência, mecanismos que, provavelmente, foram afetados no desenvolvimento das crianças proletárias. O ponto de compensação a atacar, pois, como diz Piaget, é a "forma" e não o "conteúdo": "a experimentação sobre os objetos não consiste, absolutamente, em simples registro de suas propriedades, no curso do qual o sujeito se limitaria a constatar os fatos, supondo, ao contrário, um conjunto de processos ativos de dissociações e de tentativas de relacionamento que implicam o emprego constante das operações lógico-matemáticas usadas a título de instrumentos de análise. Por estas razões conjuntas, as matemáticas e a lógica formaram-se bem antes de nossa era, enquanto que as ciências experimentais não se desenvolveram senão a partir dos tempos modernos". Mais uma vez, tiram-se conseqüências pedagógicas de fatos sociológicos e políticos, para aplicá-las, inclusive, em escolas pré-primárias e com recém-nascidos... sem levar em conta os fatos psicológicos!

Prêmio ou castigo

Os partidários destas posições anacrônicas limitam-se quase sempre, entre nós, aos cursos superiores, sobretudo, na pós-graduação, ignorando quase tudo sobre o desenvolvimento mental das crianças e dos adolescentes. A própria expressão "conteúdo", que Paulo Freire denominaria de "enfoque contábil" de educação, é um anacronismo frente às modernas pesquisas epistemológicas: a compreensão do real, a explicação causal, a compreensão das regularidades (legalidade), as operações mentais, o sentimento de necessidade não são "saberes" e muito menos "sistematizados", mas "aproximações sucessivas" que aparecem, tanto na psicogênese quanto na sociogênese.

Aparentemente, os regressionistas defendem uma tese válida: "de que servem as escolas se não ensinam conteúdo? Se não aumentam o conhecimento? Se não tornam o aluno mais capaz?" É esta evidência consensual que torna os partidários do ministro francês tão aceitáveis, conquistando as simpatias das famílias e dos intelectuais de outras áreas. Não há quem não deseje a eficiência e a eficácia do sistema escolar, sobretudo para as crianças das classes populares, que nele iriam buscar os instrumentos para sua sobrevivência. Ocorre, porém, que a rentabilidade do sistema escolar não está nem em "conteúdos" nem nos modelos arcaicos de escola, nem em coação (escola tradicional), nem em motivações (escola-nova) ... Por surpreendente que seja, a instrumentação das crianças das classes populares caminha mais na direção da operacionalização que na dos "conteúdos" e "habilidades" (cada vez mais, o engajamento no sistema de produção depende do nível mental para operar máquinas e compreender o funcionamento do sistema). Esqueçamos estes fatos (que vão provocar a mais drástica revolução pedagógica da história da humanidade) e argumentemos com as perspectivas clássicas de "aquisição de conteúdos"... condição, segundo estes pedagogos, do engajamento das crianças proletárias no sistema de produção.

Duas correntes disputam o privilégio de saber como se ensinam "conteúdos": a) a escola tradicional afirma que t fazendo pressão (castigo); e b) a escola-nova pretende que seja pela motivação (prêmio): para fazer-se um burro mover-se ou lhe damos chibatadas, ou lhe oferecemos um feixe de capim!... É o velho conflito entre escola tradicional e escola-nova. .. discussão que tem mais de cem anos! ... No Brasil alcançou seu ápice com Tristão de Athayde (atitude de que ele muito se arrependeu: ver seu discurso no primeiro Congresso Brasileiro Piagetiano), tomando-se como bode expiatório Anísio Teixeira (num congresso, em Ribeirão Preto, São Paulo, solicitou-se sua destituição do INEP-MEC). Transformou-se em discussão entre católicos e ateus. Descendo destas grimpas metafísicas, a discussão foi-se reduzindo ao dilema behaviorista "prêmio ou castigo" ou à disputa freudiana entre intelectualismo e afetividade. O confronto, como se vê, assume os mais variados aspectos, mas no fundo está a "violência escolar" e a "concepção de criança". Em comum, todos buscam a eficiência do processo escolar. Uns e outros afirmam que possuem meios para tornar o processo escolar mais eficaz. Ambas as correntes, contudo, fogem à verdade quando afirmam que possuem instrumentos para aumentar a aprendizagem de "conteúdos". Os tradicionalistas tripudiam frente à ineficiência evidente da escola-nova. Pretendem corrigi-la, voltando ao passado... De fato, trata-se de uma discussão académica, pois, ao contrário do que aconteceu na França, nunca implantamos, entre nós, sobretudo no sistema público, qualquer prática pedagógica inovadora, de tal forma que os regressionistas simplesmente lutam contra moinhos de vento. O sistema escolar sempre contentou-se com a aprendizagem de, apenas, 50% do programa (ver escala de notas para promoção), verificando-se que mais de 90% do que nela é ensinado é esquecido dentro de pouco tempo, isso sem se falar na fraude que sempre acompanhou os processos de avaliação do rendimento escolar, em todos os tempos e lugares. As pesquisas pedagógicas que deram origem ao reformismo surgiram, precisamente, em vista do massacre feito nas escolas tentando-se fazer as crianças aprenderem! Neste sentido, no mínimo, a "escola-nova" foi um movimento humanístico que deu maravilhosas contribuições na maneira de tratar as crianças, apesar de nada ter feito para tornar mais eficaz o "aumento dos conhecimentos". Nem a escola antiga, nem a escola-nova, pois, atinaram que o problema são os "mecanismos de assimilação dos conhecimentos"! A solução do fracasso do ensino está, precisamente, em descobrir este funcionamento. Este tipo de discussão é, portanto, mero anacronismo, vez que não houve mudança de paradigma: os dados e enfoques são os mesmos de cem anos atrás! O dilema não é prêmio e castigo, inteligência e afetividade, conteúdo e pedagogia (sic!)... É descobrir as razões intrínsecas do fracasso escolar, ao longo da história e em nossos dias, fracasso que nenhum processo didático conseguiu, até hoje, superar!...

Desenvolvimento mental

O problema não é apenas adequar-se o processo escolar aos mecanismos mentais. Descobriu-se que os chamados "conteúdos" são apenas ações e/ou operações aplicadas ao real, mecanismo que varia de acordo com o estágio de desenvolvimento mental do aprendiz. O que está em jogo não é a acumulação de informações e o domínio de certas habilidades, mas a capacidade de manipular e operar o real. As escolas tradicionais reduziram o real a um elenco de situações que deviam ser resolvidas mediante certas fórmulas, elemento denominado de "conteúdo" ou "saber sistematizado", o que significa colocar o educando em um beco sem saída. Ora, as descobertas de Jean Piaget produzem tal mudança de paradigma na discussão do problema, que equivale ao que aconteceu com Galileu ao propor a teoria heliocêntrica! Os tais "conteúdos" dos regressionistas não são dados objetivos a interiorizar, mas resultados de determinadas ações e/ou operações do sujeito sobre o objeto, não se devendo esquecer que estas ações e/ou operações do sujeito sobre o objeto vão se estruturando, lenta e gradativamente, em estágios sucessivos, o que relativiza a explicação de causalidade.

Para se ter noção de como se "constrói o conhecimento", o livro póstumo de Jean Piaget com R. Garcia (Psycogènese et Histoire des Sciences) é exemplar, completando a desmistificação já iniciada por Kuhn sobre o saber acumulado ou "saber sistematizado". A apreensão do real (do "conteúdo") só se faz na medida em que a criança constrói ações e operações mentais correspondentes à complexidade da causalidade, não havendo pressão (escola antiga) ou motivação (escola-nova) que a faça "aprender" sem a presença destes mecanismos mentais. Verificou-se que o tal do "saber sistematizado" não é senão a aplicação das operações mentais atuais sobre a realidade, de modo que cada um "interpreta" os fenômenos segundo seu nível operacional, não existindo um elenco de conhecimentos prontos (sistematizados), mas um processo de construção indefinido. Realmente, o processo educativo, como quer o ministro francês e nossos regressionistas, tem por objetivo "aumentar os conhecimentos" (conteúdos), mas não se consegue isto empurrando "conteúdos goela abaixo". A compreensão da realidade (causalidade, explicação dos fenômenos) ocorre através da construção de estruturas de comportamento. Depois de séculos e séculos de "violência escolar", descobriu-se que o problema é o "desenvolvimento mental" e não a "aprendizagem"! ... Toda aprendizagem depende de determinado nível de desenvolvimento mental, consistindo, basicamente, na organização dos dados da realidade. A descoberta dos mecanismos mentais, contudo, não invalida as conquistas humanistas da "escola-nova" que os regressionistas caricaturam chamando-as de "festividades". Se nada se aproveita da escola tradicional, enorme contribuição prestou a "escola-nova" ao sistema escolar, centrando a atividade no educando. A contribuição da "escola-nova" foi humanística, reconhecendo que a "criança não é um adulto em miniatura" (não é que a "escola-nova" tente subestimar o "conteúdo": simplesmente recusa-se a conseguir aprendizagem mediante violência, supondo que a afetividade resolveria o problema).

Apreensão dos conteúdos

O ministro da França e seus seguidores tupiniquins, pois, ouviram cantar o galo, mas não sabem onde: todos (eles e nós) queremos que as crianças aprendam mais "conteúdos", isto é, "aumentem seus conhecimentos", fiquem mais sábios e capazes de aplicar a sua capacidade mental aos problemas que enfrentam. O desenvolvimento mental não é senão o aumento da capacidade de manipular e operar os elementos da realidade, objetivo que se alcança, pedagogicamente, mediante a atividade do aprendiz sobre os dados da realidade.

Falar em "conteúdos" como algo exterior que a mente deve assimilar é um barbarismo que admitimos para manter a discussão, no plano dos regressionistas, embora com grave "decalagem" epistemológica. Nossos objetivos são idênticos. Mas não é com a escola tradicional ou com a escola-nova que se consegue isto. A moderna escola com bases científicas trabalha com "conteúdo" (é óbvio), mas não acredita que recitação (verbalismo) ou afetividade (terapia) consigam aumentar a "aprendizagem" (já não se usa esta expressão na reflexão pedagógica atual). Aprendizagem é memorização e automatização, ao passo que "apreensão dos conteúdos" é uma construção original da mente (construção do real). A automatização e a memorização estão sendo transferidas para os robôs e para os gravadores (uso programado de computadores). Terminamos um longo período em que o objetivo da escola era "treinar o aprendiz", chegando-se ao momento em que o papel da escola passa a ser favorecer o desenvolvimento mental. A mudança de paradigma é tão radical que é quase impossível usar uma linguagem comum. É o próprio termo em que se apóia a discussão (conhecimento — conteúdo) que mudou de significado...

O mais lamentável em tudo isto, no plano internacional, é que seja um governo socialista o autor desta regressão e que, entre seus adeptos caboclos, existam muitos que se consideram revolucionários. O socialismo é a crença na inteligência e na pesquisa científica. É o uso do conhecimento para tirar a humanidade da miséria e abolir a injustiça. A psicogenética, hoje, dispõe de imensos meios de conhecimentos sobre o desenvolvimento da criança. Não usar esses conhecimentos, ressuscitando passadas etapas da pesquisa, é obscurantismo ideológico ou, simplesmente, ignorância.

Para mostrar nossa flexibilidade, aceitaríamos a posição dos regressionistas (a título provisório) no ensino superior, onde, provavelmente, não há mais desenvolvimento mental, reduzindo-se o processo escolar a treinamento profissional (aquisição de habilidades). Se o protesto dos regressionistas fosse contra a farsa do ensino superior... talvez nos engajássemos na passeata, pois todos sabem que nossa rede universitária é um piquenique sem graça. Lá, sim, o sistema é tíbio, frouxo, sem responsabilidade, sem apuração da eficácia, lasso, pobre: um desperdício de investimento das economias do povo. No nível superior teria sentido falar-se em treinamento, "conteúdo", saber sistematizado, pois o que se persegue é a profissionalização, mas duvidamos que os sistemas universitários venham, um dia, a cumprir esta função. Não se pode brincar com cursos elementares, sobretudo agora que as crianças vão para a escola logo depois do nascimento.

Aconselho a observar como pensam e agem seus próprios filhos, tentando ensinar a eles algo com os "passos formais" de Herbart! Em sua pesquisa, Piaget sempre eliminava as "crianças sabidas", isto é, as crianças treinadas pelos adultos a darem respostas decoradas (conteúdo), sem nada entenderem. Segundo ele, estas crianças ficam prejudicadas na elaboração espontânea de suas estruturas mentais... É o que desejam o ministro da Educação da França e nossos pedagogos, sem vivência real de classe. Quando superarmos estas oscilações epistemológicas da explicação pedagógica, a educação passará a ter como objetivo o "desenvolvimento mental" (educação pela inteligência) e não a aquisição de informações e de habilidades (aprendizagem), não só para nos conformarmos com a natureza evolutiva dos mecanismos mentais, como por termos alcançado um nível civilizatório em que os processos automatizados e as informações serão tarefas dos robôs e computadores. Por acaso (?), os regressionistas ressuscitaram estas teses precisamente no momento civilizatório em que se discute a implantação dos robôs, computadores e meios de comunicação de massa, tecnologías que reduzem a processos eletrônicos as habilidades e a memorização (as máquinas e os gravadores superam infinitamente o ser humano nestas tarefas a que se vinha dedicando, há séculos e séculos, o sistema escolar). O problema já não é acumular dados e automatizar fórmulas, mas operar criativamente a massa de informações disponíveis e aplicar a inteligência ao desconhecido.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2011
  • Data do Fascículo
    Mar 1987
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