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TRANSIÇÕES POLÍTICAS NA AMÉRICA LATINA

RESENHAS

Paulo Sérgio Muçoaçah

Sociólogo, Pesquisador do CEDEC e Professor de Ciência Política da USP

QUANDO NOVOS PERSONAGENS ENTRAM EM CENA - experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-1980)

EDER SADER,

PAZ E TERRA, 1988.

PREFÁCIO DE MARILENA CHAUÍ.

POSFÁCIO DE MARCO AURÉLIO GARCIA.

Embora bastante rica no que se refere às descrições empíricas nos seus inúmeros estudos de caso, a literatura brasileira sobre os movimentos sociais sempre se ressentiu de um maior aprofundamento teórico tanto dos seus pressupostos tomo das suas conclusões. A maioria dos estudos realizados procuraram se manter estritamente dentro dos paradigmas de análise já consagrados, ainda que nem sempre eles tenham sido explicitados. A principal consequência disso acabou sendo uma certa artificialidade nas conclusões, sem falar no seu caráter repetitivo.

A obra acima representa, sem dúvida, uma brilhante exceção, na medida em que analisa um rico material empírico com base num instrumental teórico essencialmente inovador. Construído a partir de contribuições de Castoriadis, Thompson e Laclau, entre outros, esse instrumental não apenas traz em si a marca da originalidade como também se revela extremamente adequado para dar conta das especificidades do seu objeto: a constituição de novos sujeitos sociais em São Paulo no período 1970-1980. Abandonando as explicações fáceis que vêem os movimentos sociais como simples objetivações das estruturas, o autor descreve o processo de construção das identidades sobre as quais se apoiam os movimentos mais importantes do período, protagonizados pelos Clubes de Mães, pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, pela Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo e pelo Movimento de Saúde da Zona Leste. Embora elaboradas no interior de um campo atravessado por vários discursos (entre os quais se destacam o da Igreja, o do "novo sindicalismo" e o dos militantes da esquerda), essas identidades coletivas não se reduzem a nenhum deles. O autor demonstra como esses autores acabam articulando os diferentes elementos fornecidos por tais discursos de modo a forjar a sua própria identidade e exercer a sua autonomia.

Trata-se, portanto, da emergência de sujeitos novos, como bem acentua Marilena Chauí no seu prefácio. Exatamente por isso, o seu potencial e as suas limitações não se encontram prefigurados por determinações "objetivas", conforme quer nos fazer crer boa parte da literatura brasileira.

A explicação para a possível derrota que esses movimentos teriam sofrido no processo de transição democrática que se desenvolvia no país deve ser buscada no próprio terreno da luta política e não na sua natureza, no seu "ser". Para Edér Sader, essa derrota não era uma fatalidade, algo absolutamente necessário, mas apenas uma possibilidade histórica entre outras: "O que rios interessa aqui é que, nesse sentido, o projeto político implícito nós movimentos sociais do fim da década de 70 sofreu uma derrota. E é por isso mesmo que hoje suas promessas são vistas frequentemente como ilusões, mistificações, erros de avaliação. Mas a verdade é que toda representação passada contém 'ilusões', porque, sendo contemporânea dos acontecimentos que representa, não pode dar conta deles em sua totalidade, nos desdobramentos que ainda estão ocorrendo, e é levada, pelas necessidades da ação, a supor uma idéia geral do seu significado. Nesse sentido, se bem que não tenhamos mais as 'ilusões' que tínhamos há 8 anos, não podemos cancelar o fato de que efetivamente aqueles movimentos eram portadores daquelas promessas e tiveram aqueles significados enquanto possibilidades postas numa situação aberta". (pp. 314-315).

É aí que a ousadia teórica de Eder mostra-se totalmente recompensada, na medida em que lhe permite compreender o papel efetivamente desempenhado pelos movimentos sociais no Brasil sem cair em nenhum dos maniqueísmos tão frequentes na literatura brasileira sobre o assunto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Mar 1989
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