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TRANSIÇÕES POLÍTICAS NA AMÉRICA LATINA

RESENHAS

Regina Giffoni Marsiglia

Professora do Departamento de Medicina Social da FCMSCSP e Serviço Social da PUC SP

A DOENÇA

GIOVANNI BERLINGUER,

CEBES-HUCITEC, 1988.

O que é afinal a doença?

Esta indagação tão antiga, e que tantas respostas tem merecido da humanidade, é o tema central deste livro de G. Berlinguer, escrito em seu estilo claro e agradável. Com toda a certeza, este texto, como os demais do autor, será útil para um público muito amplo, desde estudantes da área de saúde a profissionais, professores, militantes e até leigos interessados nas questões da doença e da saúde.

Parte de três premissas: 1) a doença é um dos aspectos da vida, embora tenha caráter predominantemente negativo; 2) é um processo de ciclo contínuo que se desenvolve no interior do organismo do indivíduo e nas relações deste com o ambiente, em busca de um equilíbrio funcional; 3) a saúde deve ser pensada como um valor universal, e não apenas como um valor instrumental para atingir outros objetivos, mesmo os mais nobres.

Uma das atribuições da medicina na sociedade é combater as doenças; mas o que é esse fenômeno que se deve controlar? Pode-se partir de várias definições, e os dicionários, enciclopédias e compêndios estão aí com muitas explicações. Mas o autor prefere colocar-se na perspectiva de o que a doença tem representado para o doente, e dos sentimentos que tem suscitado nos outros: o que tem expressado de sofrimento, de diversidade, de perigo, de sinal e até de estímulo, é o que Berlinguer procurou discutir, argumentar e demonstrar através de vários exemplos.

Enquanto sofrimento, a doença implica também em perda do poder físico e da dignidade humana: se muitas vezes no passado foi motivo de culpabilização do indivíduo, no presente, não estamos livres deste julgamento em relação aos dependentes do álcool, das drogas aos trabalhadores em ambientes insalubres...

Enquanto diversidade é frequentemente vista como anormalidade, desvio ou mesmo inferioridade em relação à média da população. Chama-nos a atenção para o fato de que, se é preciso cuidado para separar o que é normal do que é anormal, mais cuidado ainda exige a classificação do que é anormal em "patológico", principalmente porque o uso deste conceito tem justificado muitas vezes a discriminação social.

O fato de se apontar a doença como perigo para a humanidade, por outro lado, tem incentivado a segregação dos doentes desde a Antiguidade como se fazia com os leprosos, e como se vem fazendo nos dias de hoje com os doentes mentais, e agora com os aidéticos... Paradoxamente, em outras situações, os indivíduos podem ser considerados "doentes" porque são "perigosos" politicamente, como se dá com os dissidentes na URSS.

Mas a doença pode também ser vista de maneira positiva de dois pontos de vista: enquanto sinal de situações econômicas e sociais, já que a doença de um indivíduo nem sempre é um fato isolado; para apreender esta dimensão coletiva da doença, o autor aponta para a importância dos estudos epidemiológicos, não só das doenças infecto-contagiosas, mas de todas as doenças agudas ou crônicas. Lamenta apenas que tanto os serviços de saúde como a educação médica ainda se concentrem quase que exclusivamente no tratamento individual.

O outro ponto de vista positivo sobre a doença é que ela pode constituir-se em estímulo para a busca de novos conhecimentos, à "tomada de conhecimento do próprio corpo", e à cooperação entre os indivíduos. Cita o fato histórico de que a solidariedade para cornos doentes e deficientes deu origem às sociedades de auxílio mútuo, que por sua vez constituíram-se no embrião de muitos sindicatos e partidos operários.

A doença também tem estimulado a tomada de medidas sociais importantes que, além do benefício imediato no campo sanitário, estimulam a agregação dos indivíduos e a consciência coletiva. Nesta passagem, entre outros exemplos, cita as recentes experiências dos movimentos sociais no Brasil com reivindicações em saúde, e a mudança da concepção cristã a respeito da "saúde como um dom de Deus e um direito de todos", substituindo a antiga visão da igreja sobre a doença como uma forma de "expiação da culpa" dos indivíduos, explicação que a acompanhou durante séculos. Assim, Berlinguer afirma que é possível partir-se dos fenómenos patológicos para transformar as condições de vida, de trabalho e de relação entre os homens.

Concluindo, no capítulo 7, quando trata das Perspectivas da Saúde, ele mostra que as doenças sempre existirão, mas que é possível reduzir seu número e a sua gravidade, seja do ponto de vista dos efeitos físicos sobre os indivíduos, seja do ponto de vista de seus efeitos sociais. Três metas devemos perseguir: erradicar algumas doenças passíveis dessa solução, prevenir as consequências que as alterações da sociedade podem trazer para a saúde e intervir oportunamente, tomando medidas de proteção específica contra outras doenças.

Em um futuro próximo, até o ano 2.000, chegaremos a conhecimentos e à criação de técnicas impressionantes, mas as grandes massas ainda hoje não conseguem beneficiar-se de medidas já conhecidas para evitar uma série de doenças. Em virtude disto o autor apoia a proposta da Organização Mundial de Saúde cujo lema é "Saúde para todos no ano 2.000", meta que pode parecer inatingível no momento, mas que tem o poder de despertar as consciências e estimular os Estados dos vários países a tomarem providências nesse sentido.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Mar 1989
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