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RAYMOND WILLIAMS, ESCRITOR GALÊS1 Este texto consiste em uma versão modificada da última seção do quarto capítulo da minha tese de doutorado, intitulada “A longa jornada: Raymond Williams, a política e o socialismo” (2021), resultado de uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Prof. Ricardo Musse, e que contou com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Gostaria de agradecer ao Richard Burton Archives, da Swansea University, por conceder acesso ao acervo de Raymond Williams, ali depositado, e ao Estate of Raymond Williams, por ter gentilmente autorizado a reprodução do material aqui citado. Agradeço também aos pareceristas de Lua Nova, cujas críticas e sugestões contribuíram para o aperfeiçoamento do artigo.

RAYMOND WILLIAMS, WELSH WRITER

Resumo

Este artigo examina como Raymond Williams lidou com suas raízes galesas. Para tanto, são explorados alguns dos momentos principais de sua trajetória como crítico, romancista, intelectual socialista e militante político, com vistas a destacar como os dilemas colocados por sua origem galesa estavam presentes em seu horizonte, ainda que tenham sido abordados de modos distintos segundo a época e o meio de intervenção - se na atividade política ou intelectual; por intermédio de textos críticos ou criativos. Ao final, pretende-se ter demonstrado não só como Williams colocou em questão suas origens e as singularidades da cultura e da política do País de Gales, mas também como o enfrentamento desses problemas impactou na construção de sua obra, contribuindo para a conformação do referencial teórico e da abordagem crítica do escritor.

Palavras-chave:
Raymond Williams; País de Gales; Nacionalismo Galês; Teorias da Cultura; Socialismo Inglês

Abstract

Seeking to examine how writer Raymond Williams addressed his Welsh roots, this paper explores some of the key moments of his path as a critic, novelist, socialist intellectual and political activist. It highlights how the dilemmas posed by Williams’ origins appeared in his critical and creative texts, treated differently according to the time and field of intervention - if in his political or intellectual activity. By the end, the article will have demonstrated not only how Williams questioned his origins and the uniqueness of Welsh culture and politics, but also how facing these issues affected his work by shaping the writer’s theoretical framework and critical approach.

Keywords:
Raymond Williams; Wales; Welsh Nationalism; Theories of Culture; English Socialism

Introdução

A obra de Raymond Williams (1921-1988) atravessa muitos campos e disciplinas - críticas literária e dramática, sociologia da cultura, estudos de mídia, história cultural e social, para citar alguns -, cobrindo não só textos crítico-teóricos como também romances. Isso talvez explique tanto a dificuldade em definir Williams segundo a natureza de sua produção intelectual, como o apelo da solução - incentivada por ele próprio - por identificá-lo como um “escritor”. Ao ser questionado, na longa entrevista concedida à New Left Review2 2 A New Left Review é uma revista política acadêmica, fundada no ano de 1960 no Reino Unido. no final dos anos 1970, sobre o que, quando criança, se via fazendo no futuro, Williams respondeu: “Creio que posso dizer honestamente que era algo bem próximo do que sou hoje. Não o que sou como professor universitário - tenho sempre de me lembrar que sou isso -, mas como um escritor” (Williams, 2013bWILLIAMS, Raymond. 2013b. A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp. [1979], p. 14).

Já a opção por descrevê-lo como britânico não parece impor as mesmas dificuldades. Afinal, embora tenha nascido em uma pequena aldeia na fronteira do País de Gales com a Inglaterra, toda a trajetória acadêmica e política de Williams foi trilhada no lado inglês da divisa, onde ele viveu desde o início de seus estudos universitários em Cambridge, em 1939, até a morte, em Saffron Walden, Essex. Além disso, o mundo no qual Williams viveu era, dos pontos de vista intelectual, prático e político, acima de tudo britânico - e, porque britânico, inglês em sua expressão cultural -, como Stefan Collini ilustra nos seguintes termos, na introdução a sua análise da questão dos intelectuais na Grã-Bretanha do século XX:

Para todos os propósitos intelectuais, práticos e políticos, “Grã-Bretanha” era a entidade definidora durante esse período: o governo britânico fazia as leis, e o povo britânico lutava as guerras; a Marinha britânica dominava os mares, e a Corporação Britânica de Radiodifusão [a BBC] dominava as ondas sonoras, e assim por diante. […] E o fato inescapável é que, na medida em que havia nesse período uma cultura compartilhada entre os elementos constitutivos da Grã-Bretanha, como no nível da vida intelectual pública claramente havia, ela era majoritariamente inglesa em suas fontes, idiomas e preocupações […]. (Collini, 2007COLLINI, Stefan. 2007. Absent Minds. Intellectuals in Britain. Oxford: Oxford University Press., p. 10)3 3 Todas as citações extraídas de edições em língua estrangeira foram por nós traduzidas.

Contudo, classificar Williams simplesmente como um “escritor britânico” esconde muito, uma vez que deixa de lado o fato de que a origem galesa constituiu uma questão para ele, um problema que foi trabalhado ao longo (e por meio) de sua atuação intelectual e política. Porque, mais do que um escritor nascido no País de Gales, Williams também foi um militante socialista diretamente engajado na luta nacionalista galesa; um intelectual que refletiu sobre a história e a cultura de seu país; e autor de uma obra que carrega as marcas do embate recorrente com suas raízes.4 4 A atenção que a bibliografia dedicou às formas pelas quais a obra de Williams foi impactada por sua origem social e galesa atesta a centralidade da questão aqui em tela. Em inglês, destacam-se os trabalhos de Dai Smith (1989; 2008) e Daniel G. Williams (2003; 2015). Na América Latina, merecem ser lembradas as contribuições de Cevasco (2001), Glaser (2008), Paixão (2018), Stra (2018), Jackson e Rivetti (2020) e Murad (2021).

São essas diferentes dimensões da obra e da trajetória do escritor galês que pretendemos analisar neste artigo. Com esse objetivo, o texto foi dividido em duas partes. Na primeira (duas primeiras seções), são analisados, por um lado, os textos em que Williams se deteve mais diretamente sobre a cultura e a política galesas e, por outro, sua atuação nas fileiras do nacionalismo galês nos anos 1970 e 1980. Na segunda parte (terceira seção), procuramos verificar como Williams enfrentou os dilemas colocados por sua origem e identidade galesas em elaborações autobiográficas que estruturam duas de suas principais obras: Border Country (1960) e O campo e a cidade (1973). Uma vez que as questões trabalhadas nesses dois escritos perpassam o conjunto da obra de Williams - notadamente os desenvolvimentos do seu conceito de cultura -, pretendemos ter demonstrado, ao final, em que medida essas elaborações da origem e identidade galesas desempenharam um papel central na construção de sua abordagem teórico-analítica.

Nacionalismo e capitalismo

Os primeiros sinais dos dilemas colocados a Williams por sua origem galesa remontam aos anos 1940, quando da redação dos esboços iniciais daquele que seria seu romance de estreia, Border Country, publicado em 1960. Contudo, foi somente nos anos 1970 que apareceu, pela primeira vez, o escritor preocupado em “lidar autoconscientemente com o sentido de sua experiência galesa” (Williams, 2003WILLIAMS, Daniel Gwydion. 2003. Introduction: The Return of the Native. In: WILLIAMS, Daniel Gwydion. (ed.). Who Speaks for Wales? Nation, Culture, Identity. Cardiff: Cardiff University Press, pp. xv-liii., p. xxiii). Esse esforço teve como ponto de partida o May Day Manifesto (1967), no qual encontra-se a “primeira referência positiva [na obra de Williams] aos movimentos nacionalistas no País de Gales e na Escócia” (Williams, 2003WILLIAMS, Daniel Gwydion. 2003. Introduction: The Return of the Native. In: WILLIAMS, Daniel Gwydion. (ed.). Who Speaks for Wales? Nation, Culture, Identity. Cardiff: Cardiff University Press, pp. xv-liii., p. xxiii).

O May Day Manifesto foi produzido por um grupo de destacados intelectuais socialistas britânicos - encabeçados por Williams, E.P. Thompson (1924-1993) e Stuart Hall (1932-2014) -,5 5 O Manifesto contou com 70 signatários, dentre os quais: Robin Blackburn, Terry Eagleton, Catherine Hall, Steven Lukes, Ralph Miliband, Henry Miller, Iris Murdoch, Michael Rustin, Raphael Samuel, John Saville e Dorothy Thompson. tendo sido projetado como primeiro passo de um esforço para a renovação política e teórica da esquerda local - em reação, sobretudo, a um cenário político marcado pela inflexão do Partido Trabalhista (então no poder) em direção a posições cada vez mais reformistas. O Manifesto pode ser tomado como indício das posições políticas e teóricas de Williams na época não apenas pela liderança por ele exercida no interior do grupo, mas também pelo papel que desempenhou na redação do texto.6 6 Seguindo sugestão de Thompson, o grupo dos organizadores do manifesto decidiu que, para garantir a exposição de uma análise de fôlego, o documento seria composto por cinco seções cuja redação ficaria a cargo de grupos distintos. Mas, para que o texto apresentasse a força expressiva necessária a um manifesto político, foi dada a Williams a tarefa de escrever a versão final - conforme detalhado em carta de Thompson a Williams de 7 de novembro (sem ano indicado, mas, muito provavelmente, de 1966, pelo que se pode inferir de seu conteúdo). Documento consultado no acervo de Williams, depositado no Richard Burton Archives da Swansea University, País de Gales (ref. n. WWE/2/1/7/2/8).

Segundo o diagnóstico apresentado no Manifesto, a sociedade britânica nos fins dos anos 1960 encontrava-se imersa em uma crise precipitada pela emergência, em escala global, de um novo tipo de capitalismo, caracterizado pela concentração de poder e de recursos, tanto entre as grandes corporações internacionais como no Estado. A esse caberia um papel cada vez mais importante de controle dos conflitos sociais (se necessário, por meios repressivos) e de “gerenciamento da economia por meios fiscais” (Williams, 1967WILLIAMS, Raymond et al. (ed.). 1967. May Day Manifesto. London: May Day Manifesto Committee., p. 3).7 7 O texto do Manifesto aqui referido corresponde à primeira edição, publicada em 1967 pelo comitê encabeçado por Williams, Thompson e Hall, cuja cópia foi consultada no acervo de Williams (ref. n. WWE/2/1/6/1/13). O documento ganhou uma segunda edição, com circulação mais ampla, publicada pela Penguin em 1968.

Dada a importância do Estado na manutenção do capitalismo nessa nova fase, o Manifesto afirmava que qualquer política socialista consequente deveria priorizar a conquista das instituições estatais, com vistas a convertê-las no “instrumento socialista democrático para a captura do poder por toda a comunidade, para a transferência do controle de uma minoria de grupos de pressão interligados para toda a sociedade” (Williams, 1967WILLIAMS, Raymond et al. (ed.). 1967. May Day Manifesto. London: May Day Manifesto Committee., p. 16). Essa refundação do Estado como instituição representativa dos interesses da sociedade demandaria dos socialistas a construção de um programa político novo, a ser gestado no contato com as comunidades que cabia ao Estado representar; um programa fundado em “organizações apropriadas a nossas comunidades e ao nosso trabalho, ao mesmo tempo em que buscando a todo momento meios de uní-las em uma estratégia comum” (Williams, 1967WILLIAMS, Raymond et al. (ed.). 1967. May Day Manifesto. London: May Day Manifesto Committee., p. 43). No Manifesto, as lutas nacionais na Escócia e no País de Gales (os casos textualmente mencionados) surgem como meios, entre outros, para viabilizar esse novo programa.

Williams não só manteve como também desenvolveu, daí em diante, as expectativas acerca das lutas nacionais enunciadas no Manifesto. Como ele afirmaria nos anos 1980, essas lutas locais forneceriam o modelo de uma nova forma de ação política - “uma mobilização popular territorialmente baseada” (Williams, 1989cWILLIAMS, Raymond. 1989c. Between Country and City. In: WILLIAMS, Raymond. Resources of Hope: culture, democracy, socialism . London: Verso , pp. 227-237. [1984], p. 240) -, cujo campo de ação residiria em formas de associação menos centralizadas e mais próximas das comunidades representadas, em “unidades nacionais como o País de Gales e a Escócia” ou em “grandes cidades como Londres e Liverpool” (Williams, 1989cWILLIAMS, Raymond. 1989c. Between Country and City. In: WILLIAMS, Raymond. Resources of Hope: culture, democracy, socialism . London: Verso , pp. 227-237. [1984], p. 239). Mas para pensar a política nesses novos termos e escalas seria preciso também pensar os vínculos sociais para além das relações de classe determinadas pela estrutura das relações de produção, de modo a considerar também os vínculos que se estabelecem dentro de um mesmo lugar e que, mais importante, são determinados pelo pertencimento a um mesmo lugar.

A fonte de um ethos diferente reside principalmente nesses outros vínculos sociais […]. O que importa é o que ocorre na preocupação primária das pessoas, nas famílias, nos bairros e nas comunidades. O que importa é o que ocorre nos serviços organizados de saúde e educação, na proteção e no melhoramento de nosso ambiente físico, na qualidade de nossa informação pública e de nosso lazer. (Williams, 2015WILLIAMS, Daniel Gwydion. 2015. Wales Unchained. Literature, Politics and Identity in the American Century. Cardiff: University of Wales Press. E-book. 5834 posições. [1983], pp. 198-9)

Qualquer esforço pela renovação do socialismo deveria, portanto, dar conta também das determinações do lugar, ainda mais em um contexto como o da segunda metade do século XX, marcado “pela explosão da economia internacional e os efeitos destrutivos da desindustrialização sobre as antigas comunidades” (Williams, 1989WILLIAMS, Raymond. 1989a. The Idea of a Common Culture. In: WILLIAMS, Raymond. Resources of Hope: culture, democracy, socialism. London: Verso, pp. 32-38.c [1984], p. 242). Nesse novo cenário, os movimentos nacionais tenderiam a ganhar uma relevância cada vez maior.

Cultura e lugar

Em 1969, portanto dois anos após a publicação da primeira edição do May Day Manifesto, Williams se filiou ao Plaid Cymru (Partido de Gales).8 8 Antes disso, Williams fora filiado ao Partido Comunista da Grã-Bretanha (entre 1939 e 1941) e ao Partido Trabalhista (entre 1961 e 1966). A associação ao partido político que levantava a bandeira do nacionalismo galês é valiosa, entre outras razões, porque ilumina alguns dos aspectos mais importantes das disputas e dos debates em torno da questão nacional galesa, nos quais Williams passou a intervir mais ativa e consistentemente a partir dos anos 1970.

Fundado em agosto de 1925, o Plaid nasceu apoiado em uma concepção bastante específica de nação e com uma estratégia política claramente definida, as quais explicam, em alguma medida, a posição marginal que o partido ocupou na cena da política institucional britânica até a Segunda Guerra Mundial:

Estava acordado que o principal objetivo do partido era a construção de um País de Gales de língua galesa e que o galês deveria ser o único meio da atividade partidária. […] Assim, não foi uma surpresa que o novo partido tenha fracassado em atrair para suas fileiras qualquer político com experiência. De fato, em seus anos iniciais, ele contava apenas com um punhado de apoiadores. […] Ainda assim, seus membros acreditavam que o estabelecimento do partido era, por si só, uma conquista; apenas por existir, o partido era uma declaração da singularidade do País de Gales. (Davies, 2007DAVIES, John. 2007. A History of Wales. London: Penguin Books., p. 532)

Embora preponderantes, essas concepções de nação e de luta nacionalista não dominavam o partido por inteiro. Contra a ideia de uma nação que se afirmaria pela língua, os setores do Plaid mais à esquerda concebiam o País de Gales que cabia a eles defender não em termos de idioma, mas de sua “integridade territorial” (Davies, 2007DAVIES, John. 2007. A History of Wales. London: Penguin Books., p. 574): a nação galesa corresponderia, assim, às fronteiras da entidade política que a abrigava. Uma vez liberada das limitações impostas por uma língua cada vez mais restrita às comunidades rurais do norte e do leste do País de Gales, a luta nacionalista poderia, com base nessa concepção alternativa de nação, mirar aquele que, para as fileiras socialistas do partido, deveria ser o alvo prioritário de sua estratégia e ação políticas: as comunidades mais anglicizadas, concentradas nas cidades mais industrializadas e populosas do sul (Cardiff, Swansea, Newport, Port Talbot). Em um contexto como o de meados do século XX - em que o galês se tornava cada vez menos conhecido e falado -, essa segunda corrente acabou por conquistar a hegemonia dentro do partido.9 9 “Em 1931, 909,261 mil habitantes do País de Gales afirmavam falar galês; esse número caiu para 714,686 mil em 1951, 656,002 mil em 1961 e 542,425 mil em 1971; a proporção de pessoas no País de Gales que afirmavam ter algum conhecimento da língua também caiu - de 36,8% em 1931 para 28,9% em 1951, para 26% em 1961 e 20,9% em 1971” (Davies, 2007, p. 623).

Esse reordenamento de forças no interior do Plaid contribuiu para o avanço do partido nos anos 1950, quando saltou de quatro candidatos apresentados nas eleições gerais de 1951 para vinte no pleito de 1959, no qual acumulou pouco mais de 77 mil votos (Davies, 2007DAVIES, John. 2007. A History of Wales. London: Penguin Books.). Contudo, foi nos anos 1960 que se deu o fortalecimento mais vigoroso e sustentado do partido, no contexto das tendências históricas mais gerais relacionadas justamente ao novo padrão de desenvolvimento econômico diagnosticado no May Day Manifesto e às alternativas de resistência política que a ele se opunham. Mais especificamente, foi a partir dos anos 1960 que começou a ganhar corpo

uma consciência de que os galeses, embora mais prósperos do que em qualquer outro momento, eram consideravelmente mais pobres do que os habitantes das áreas mais ricas da Inglaterra. À medida que os povos de alguns dos menores Estados da Europa passaram a gozar de um padrão de vida mais elevado daquele dos britânicos, o apelo em pertencer ao Estado britânico centralizado se erodiu. […] A mística de pertencer ao maior império do mundo se desfez à medida que o processo de descolonização se acelerou e que Estados menores em população e recursos que Gales surgiram. […] Acima de tudo, a queda no número de falantes de galês e o declínio nos valores tidos como centrais do ser galês [Welshness] promoveram o sentimento de que apenas um nacionalismo intransigente poderia salvar a nação da extinção. (Davies, 2007DAVIES, John. 2007. A History of Wales. London: Penguin Books., pp. 639-40)

Outros fatores que também contribuíram para o revigoramento do Plaid e do movimento nacionalista galês como um todo foram o fortalecimento e a radicalização das pautas nacionalistas na Escócia e na Irlanda do Norte no final dos anos 1960 (o que direcionou as atenções de Londres às mobilizações nacionalistas locais); a adesão do Reino Unido ao Mercado Comum Europeu em 1972 e as discussões que a antecederam (o que enfraqueceu ainda mais o apelo da filiação ao Estado britânico); e, por fim, o estabelecimento, em 1964, do Welsh Office, um órgão com orçamento e corpo de funcionários próprios encarregado de gerir a administração local (Davies, 2007DAVIES, John. 2007. A History of Wales. London: Penguin Books.). Apesar de sua subordinação a Londres, a instituição do Welsh Office foi importante na medida em que “fortaleceu o conceito da unidade territorial de Gales e criou a necessidade de outras organizações que refletissem essa unidade” (Davies, 2007DAVIES, John. 2007. A History of Wales. London: Penguin Books., p. 641), como, por exemplo, os serviços galeses de radiodifusão pública.

No quadro dos debates em torno da questão nacional galesa, Williams assumiu um posicionamento abertamente oposto à concepção de uma identidade galesa fundada em um idioma que deveria a todo custo ser preservado.10 10 Vale lembrar que a divisão do movimento nacionalista galês em torno da questão da língua ainda persistia no final dos anos 1960, agora polarizada pela Welsh Language Society (Cymdeithas yr Iaith Gymraeg), “fundada em 1962 em larga medida como uma resposta à tentativa do Plaid Cymru de ampliar a sua base eleitoral ao se afastar de suas raízes linguísticas, culturalistas e, em um sentido cada vez maior, da crise terminal enfrentada pelas comunidades de língua galesa” (Williams, 2003, p. 221). Para ele, a cultura galesa não se limitava ao conjunto das manifestações artísticas e intelectuais expressas em determinado idioma, mas definia-se, antes de tudo, como todo o modo de vida das pessoas que habitam o País de Gales. Além de apagar as constrições políticas e econômicas que atravessam as histórias das pessoas e do lugar nos quais (e pelos quais) uma cultura ganha corpo, aquela outra abordagem da cultura e da identidade galesas deveria ser rejeitada, segundo Williams, também porque definia cultura como um desdobramento necessário da linguagem - suposição especialmente problemática no caso do País de Gales, cuja história vinha sendo determinada há séculos por uma submissão política à Inglaterra, que tinha na eliminação da língua local uma de suas dimensões mais importantes.11 11 Influência que impactou a trajetória do próprio Williams, sobretudo em sua infância: “Não falávamos galês. A nossa área havia sido anglicizada na década de 1840 - o momento clássico usualmente descrito como aquele em que ‘as mães deixaram de ensinar galês aos seus filhos’. Na realidade, havia uma pressão intensa e consciente nas escolas para eliminar a língua, as crianças que falassem galês eram punidas” (Williams, 2013b [1979], p. 9).

Assumindo-se que a cultura de um lugar é sempre determinada pelos contextos políticos e econômicos nos quais esse lugar se insere, a cultura e a identidade galesas somente poderiam ser compreendidas, argumenta Williams, em sua relação com aquela que é a determinação mais fundamental da história do País de Gales: o domínio político, cultural e econômico exercido pela Inglaterra e as formas de resistência suscitadas por essa relação de dominação. Compreendida desse ponto de vista, a cultura galesa se distinguiria, segundo Williams, pelos “impulsos culturais democráticos” (Williams, 2003cWILLIAMS, Raymond. 2003c. Wales and England. In: WILLIAMS, Daniel Gwydion. (ed.). Who Speaks for Wales? Nation, Culture, Identity . Cardiff: Cardiff University Press , pp. 16-26. [1983], p. 21) engendrados ao longo da história de resistência à dominação externa - pela “ideia de uma democracia igualitária e participativa que estava lá, em experiência, antes de se tornar teoria” (Williams, 2003bWILLIAMS, Raymond. 2003b. Who Speaks for Wales? In: WILLIAMS, Daniel Gwydion. (ed.). Who Speaks for Wales? Nation, Culture, Identity . Cardiff: Cardiff University Press , pp. 3-4. [1971], p. 3).

Essa última afirmação de Williams aponta para as conexões entre a democracia que ele viu em ação em sua infância e juventude no País de Gales (ou, mais precisamente, tal como essa experiência foi por ele reconstruída retrospectivamente) e a democracia embutida em seu projeto de uma cultura comum - delineado em obras como Cultura e sociedade (1958) e The Long Revolution (1961) -, isto é, da cultura que seria gestada em “uma condição na qual o povo como um todo participa na articulação de significados e valores, e nas consequentes decisões entre esse significado e aquele, entre esse valor e aquele” (Williams, 1989aWILLIAMS, Raymond. 1989a. The Idea of a Common Culture. In: WILLIAMS, Raymond. Resources of Hope: culture, democracy, socialism. London: Verso, pp. 32-38. [1968], p. 36). Tal como concebida por Williams, a cultura comum só poderia ser construída por meio de uma democracia participativa:

Qualquer cultura, em seu processo total, é uma seleção, uma ênfase, um cultivo específico. A distinção de uma cultura em comum é que a seleção é livre e comumente feita e refeita. O cultivo é um processo comum, baseado em uma decisão comum, que então, em si mesmo, compreende as verdadeiras variações da vida e do crescimento. O crescimento natural e o cultivo são partes de um processo mútuo, garantido pelo princípio fundamental da igualdade de ser. (Williams, 2011WILLIAMS, Raymond. 2011a. Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. Petrópolis: Vozes.a [1958], p. 361)

O movimento nacionalista galês constituiria, para Williams, um dos possíveis agentes de construção de uma cultura comum assim entendida. E, de fato, já no início dos anos 1970, Williams alinhava o movimento nacionalista galês que ganhava forma naquele momento - ou “ao menos uma importante parte dele” (Williams, 2003bWILLIAMS, Raymond. 2003b. Who Speaks for Wales? In: WILLIAMS, Daniel Gwydion. (ed.). Who Speaks for Wales? Nation, Culture, Identity . Cardiff: Cardiff University Press , pp. 3-4. [1971], p. 4) - não só aos movimentos nacionalistas e anticolonialistas atuantes na periferia do capitalismo, mas também a todos os movimentos encampados por grupos marginalizados nas sociedades dos países desenvolvidos, desde outros movimentos de orientação nacionalista (como o escocês, o irlandês ou o catalão) até mobilizações apoiadas em outras pautas, como o movimento negro nos Estados Unidos e os movimentos estudantil e feminista. Para além das inúmeras diferenças e possíveis divergências, todas essas mobilizações se aproximariam, na medida em que se apoiam em um ideal de “comunidade e solidariedade cooperativa”, base tanto de uma certa concepção de sociedade - como “o meio positivo para todos os tipos de desenvolvimento, inclusive o desenvolvimento individual” -, como de uma certa concepção das relações humanas, pensadas em termos de “responsabilidade mútua ativa” (Williams, 2013bWILLIAMS, Raymond. 2013b. A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp. [1979], pp. 350-354).

Como destacou Daniel G. Williams, a relação entre a ideia de cultura comum - um dos pilares do pensamento de Williams - e sua experiência galesa não é circunstancial, pois foi justamente essa experiência - sobretudo ao jogar luz sobre “os problemas inerentes à concepção de uma cultura britânica comum” (Williams, 2015WILLIAMS, Daniel Gwydion. 2015. Wales Unchained. Literature, Politics and Identity in the American Century. Cardiff: University of Wales Press. E-book. 5834 posições., posição 2387), bastante explorados no May Day Manifesto - que o afastou de qualquer suposição sobre uma identidade unitária, conduzindo-o, desse modo, a uma concepção, antes de tudo, não-essencialista da cultura.12 12 Ainda segundo Daniel Williams (2015, posição 2646), a elaboração de uma concepção pluralista de cultura tem relação não só com as raízes galesas de Williams, mas também com o lugar muito específico - de fronteira - no qual ele nasceu e cresceu (dado sempre lembrado pelo próprio escritor), pois trata-se aqui de “uma localização ambivalente que repousa no coração de seus engajamentos ficcionais e teóricos com o País de Gales e a galesidade e com seus engajamentos com as questões de nacionalismo e identidade nacional. […] Essa experiência fronteiriça forma a base de uma concepção pluralista de nacionalidade”. Segundo essa definição particular - desenvolvida, sobretudo, em contraponto à definição conservadora predominante na crítica literária inglesa do século XX -, a cultura deveria ser pensada não como produto acabado da engenhosidade de uma elite, mas como realização aberta da ação de toda a comunidade, como algo que é vivido e redefinido permanentemente na vida cotidiana.13 13 Embora, como destacou Maria Elisa Cevasco (2001, pp. 46-47), a ideia de Williams de cultura não se restrinja ao sentido mais sociológico de modo de vida privilegiado pela ideia de cultura comum - também designando “um processo de desenvolvimento mental […]; e, ainda, […] os trabalhos e práticas de atividade intelectual e especialmente artística” -, o fato é que esse é o sentido fundamental, “a qualidade determinante do termo ‘cultura’, a que define sua função, e torna seu estudo relevante para o entendimento da organização de uma sociedade”. Ademais, foi esse sentido de cultura como modo de vida que permitiu a Williams repensar as relações entre arte/cultura e sociedade, ao desenvolver uma abordagem que considera a vida social em sua totalidade e que examina como os processos (sejam eles políticos, econômicos ou culturais) interagem no seu interior. Do ponto de vista de sua atuação política, é também esse sentido de cultura que está por trás do engajamento de Williams em projetos e campanhas voltados para a democratização da educação (Paixão, 2018) e dos meios de comunicação.

Modos de ver

Embora o envolvimento político e intelectual mais consistente de Williams com a questão nacional galesa remonte ao final dos anos 1960, efeitos dos dilemas colocados por sua origem já podem ser rastreados, como adiantado acima, nos anos 1940 - mais precisamente no trabalho de redação de seu primeiro romance, Border Country, publicado em 1960.

Antes de partir para a análise desse texto, é preciso assinalar o lugar de destaque que o País de Gales ocupa - em todos os seis romances publicados pelo escritor -, não só como espaço da ação, mas também na forma do debate das relações de dominação e exploração (a que a região e sua população estavam sujeitos) e de seus desdobramentos, seja na forma das experiências de deslocamento vivenciadas pelas personagens - como em Border Country e Second Generation (1964) -, seja no modo de mobilização política encampada como reação a essas condições - como em The Volunteers (1978), The Fight for Manod (1979) e Loyalties (1985). O interesse que Williams dedicou ao País de Gales em seus escritos ficcionais chegou ao ponto máximo em seu último romance, People of the Black Mountains (inacabado e publicado postumamente em dois volumes, em 1989 e 1990), no qual o escritor se impôs o desafio de contar a história do próprio lugar, das “comunidades dos pastores neolíticos” até o “século XX, ou um pouco à frente” (Williams, 2013bWILLIAMS, Raymond. 2013b. A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp. [1979], p. 304).14 14 A análise aqui apresentada segue o padrão da bibliografia dedicada aos romances de Williams ao se concentrar no texto de Border Country. Para uma apreciação mais geral dos romances de Williams, vale a pena conferir o estudo pioneiro de Dai Smith (1989). Considerando a bibliografia brasileira, uma exceção digna de nota é o trabalho de Mariana Carvalho Murad (2021) que, tomando como objeto de análise os cinco primeiros romances de Williams, procura oferecer um retrato mais articulado e integral da produção ficcional do escritor, lida também à luz de seus trabalhos teóricos e críticos.

Border Country começou a ser redigido em 1947 e foi reescrito sucessivas vezes ao longo dos anos 1950, até ser concluído em 1958 e publicado dois anos depois.15 15 Itinerário registrado em documento datilografado, intitulado “Autobiographical material”, depositado no Richard Burton Archives da Swansea University (ref. n. WWE/2/1/18). Passaremos diretamente ao exame da versão final do romance, de 1960, uma vez que as questões aqui analisadas estão presentes tanto nessa versão como na primeira, de 1947 (Davies, 2017, pp. 12-13). De todos os romances de Williams, esse é o que apresenta um tom mais marcadamente autobiográfico e aquele em que esse elemento interage de modo mais explícito com a origem do escritor. Assim como Williams, o protagonista (Matthew) é o filho único de uma família da classe trabalhadora, natural de uma aldeia (Glynmawr) localizada na fronteira do País de Gales com a Inglaterra e que, no curso de uma trajetória acadêmica destacada, migra para a cidade com o objetivo de realizar seus estudos universitários.16 16 Como exposto por James A. Davies (1993), o perfil do protagonista de Border Country reaparece, com algumas variações, em outras personagens de romances posteriores de Williams. Após seu pai sofrer um derrame, Matthew, agora um professor universitário em Londres, retorna a sua aldeia natal e, com isso, se vê confrontado por uma condição duplamente deslocada: tanto como alguém que não se reconhece na metrópole para onde teve de migrar, quanto como um estranho para aqueles que permaneceram na aldeia de sua infância e juventude. Essa identidade cindida da personagem ganha expressão no fato de Matthew ser identificado por seus familiares e amigos por um apelido de infância (Will) que não guarda qualquer ligação com seu nome, pelo qual, por outro lado, é conhecido na cidade para a qual se mudou - em outra elaboração da história de vida do escritor, conhecido em sua Pandy natal pelo apelido de Jim. Na formulação do próprio Williams: “Os dois nomes do romance, e na minha própria experiência, apontam para o problema de haver duas pessoas para conhecer, e as negociações entre dois mundos diferentes” (Williams, 2013bWILLIAMS, Raymond. 2013b. A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp. [1979], p. 284, grifo nosso).17 17 Border Country não trata apenas do deslocamento de Matthew em seu retorno à aldeia de sua infância e juventude, mas também da história de seu pai que, proveniente de outra região do País de Gales, se fixou na comunidade na qual seu filho nasceu. Como assinalou Clare Davies (2017, p. 1), a relação pai-filho ocupa um lugar central na estrutura do romance - o que esclarece, em alguma medida, porque a sua versão definitiva foi escrita no mesmo ano da morte do pai de Williams, em 1958. A centralidade da questão geracional também foi explorada por Murad (2021). O próprio Williams (2011b [1973], pp. 399-400) registrou posteriormente o vínculo da experiência pessoal e individual com um processo coletivo e social: “No final dos anos 1940 percebi que finalmente havia me afastado da aldeia onde me criei. Comecei a escrever a respeito de minha visão dessa experiência, nas sete versões que acabaram formando o romance Border Country. Através dessas versões, descobri-me relacionando a minha experiência a um processo histórico mais geral de mobilidade física e social e, além disso, a uma crise de instrução e classe”. O deslocamento experimentado por Matthew ultrapassa a dimensão física/geográfica na medida em que opõe (do ponto de vista do protagonista) dois tipos de experiências ou, para empregar o vocabulário da teoria da cultura de Williams, dois modos de vida distintos, introduzidos na narrativa no momento em que o trem que leva Matthew ao encontro de seu pai cruza a fronteira: “Abruptamente, o ritmo mudou, à medida que as rodas cruzavam a ponte” (Williams, 2013aWILLIAMS, Raymond. 2013a. Border Country. Cardigan: Parthian /Library of Wales. [1960], p. 8).

O modo de vida característico da comunidade galesa natal define-se por uma organicidade dada pela conexão do lugar e da vida de seus habitantes com a natureza que os circunda - “A aldeia era o vale, todo o vale” (Williams, 2013WILLIAMS, Raymond. 2013a. Border Country. Cardigan: Parthian /Library of Wales.a [1960], p. 35) - e pela penetração do trabalho em todos os espaços da vida - “À medida que olhava, ele [Matthew] percebia o que tinha acontecido ao ter ido embora. O vale, enquanto paisagem, fora levado com ele, mas o seu trabalho fora esquecido” (Williams, 2013WILLIAMS, Raymond. 2013b. A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp.a [1960], p. 89). A comunidade natal de Will/Matthew encerra, portanto, um tipo diferente de sociabilidade no interior, da qual a própria comunidade é o protagonista. É a própria comunidade que confere a continuidade que distingue tão claramente aquele modo de vida e que, como destacou Murad (2021MURAD, Mariana Carvalho. 2021. A cultura do romance em Raymond Williams: o papel das gerações no fluxo de experiências. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CbZwOT Acesso em: 6 jan. 2022.
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), ganha forma nas experiências comuns às gerações que ali viveram.18 18 Como pontuou Beatriz Sarlo (2005, p. 93), a ênfase na continuidade é uma das principais características da perspectiva mais geral de Williams, embasando uma tendência a “sublinhar os processos de resolução, de incorporação e de síntese, as transformações mais que as rupturas”. A própria aldeia pode mudar em sua configuração espacial, mas os vales e as montanhas sempre serão os mesmos, assim como a vida da comunidade, materializada nos festivais e nos rituais religiosos, que se manterá não importa quantas vidas individuais sejam perdidas. O protagonista experimenta essa continuidade na própria pele, nas horas subsequentes à morte de seu pai:

quando o dia começou, a notícia se espalhou rapidamente, e teve início um processo que tomaria e controlaria tudo o que ocorrera: um exercício deliberado de força por parte dessa comunidade próxima, realizado, como sempre, para seus membros que precisavam de ajuda, mas também, ao que parecia, em benefício da aldeia, para prevenir que qualquer coisa alcançasse e perturbasse sua continuidade essencial. Para Matthew, parecia que Harry estava sendo deliberadamente esquecido; de que sua morte já estava sendo empurrada firmemente para o passado. Fechado em seu próprio luto, que estava vindo à consciência apenas lentamente, ele, em um primeiro momento, ressentiu essa pressão. Mas não se tratava de insensibilidade. Era uma reação aprendida, pela qual o processo de restabelecer o tecido dessa vida comum já tinha tido início; uma reação como que ao perigo, demandando esse esforço preventivo imediato. Era como se a aldeia tivesse aceitado a morte tão profundamente que não deixava espaço algum para qualquer reação pessoal a ela. (Williams, 2013WILLIAMS, Raymond. 2013a. Border Country. Cardigan: Parthian /Library of Wales.a [1960], p. 401-402)

Não há como não reconhecer nessa reconstrução da vida cultural e social da Glynmawr natal de Will/Matthew - elaboração ficcional da Pandy natal de Jim/Raymond - ecos da teoria williamsiana da cultura comum. Ao lado dos outros dois textos nos quais Williams lançou as bases dessa teoria (Cultura e sociedade e The Long Revolution), Border Country pode ser lido como parte do seu esforço por mostrar essa noção de cultura em ação - ou, ainda, em solução -, isto é, como realidade presente vivenciada concretamente por uma comunidade específica de homens e mulheres.19 19 Para Smith (1989), essa é uma ideia de cultura que informa não só este, mas todos os romances de Williams.

O campo e a cidade (1973) ilustra outro modo pelo qual a origem galesa de Williams impactou sua obra: como influência decisiva na conformação de seu olhar enquanto crítico e analista. Nesse livro, o próprio escritor não deixa dúvidas quanto às relações entre, de um lado, o ponto de vista a partir do qual o problema em questão - as “imagens e associações” (Williams, 2011bWILLIAMS, Raymond, Raymond. 2011b. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras. [1973], p. 12) vinculadas ao campo e à cidade - será examinado e, de outro, a sua origem galesa e a trajetória de vida por ela condicionada. Apesar de extensa, a passagem em que essa relação é declarada mais explicitamente merece ser reproduzida na íntegra:

Vale dizer logo de início, porém, que, para mim, a questão sempre foi pessoal, desde que me tenho por gente. Isso porque, numa Grã-Bretanha predominantemente urbana e industrializada, quis o acaso que eu nascesse numa aldeia remota, uma antiquíssima povoação do interior, na fronteira entre a Inglaterra e o País de Gales. A trinta quilômetros da aldeia, no final de uma linha de ônibus, havia, de um lado, uma antiga cidade com uma catedral; do outro, uma antiga cidade de fronteira que era um centro comercial; mas a apenas alguns quilômetros dali surgiam as primeiras cidades e aldeias da grande região produtora de carvão e aço do sul de Gales. Antes de ter lido qualquer descrição ou interpretação das mudanças e variações das comunidades e formas de vida, eu as vi concretamente, em ação, com uma clareza inesquecível. Meus estudos levaram-me a uma outra cidade, construída ao redor de uma universidade, e desde então, vivendo, viajando e trabalhando, tive oportunidade e necessidade de visitar muitas cidades grandes, de diferentes tipos, e de olhar para a frente e para trás, no espaço e no tempo, conhecendo e tentando conhecer essa relação, enquanto experiência e enquanto problema. (Williams, 2011WILLIAMS, Raymond. 2011a. Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. Petrópolis: Vozes.b [1973], p. 13)

Portanto, para Williams, a sua história de vida foi o que lhe permitiu entrar em contato com todas essas questões precocemente, como parte integral de sua vivência. Mais precisamente, a experiência do deslocamento - como visto acima, uma das questões centrais em seus romances e, sobretudo, em Border Country - é o que, para Williams, singulariza e qualifica a sua análise do problema teórico das relações históricas entre campo e cidade e das imagens a eles associadas na literatura inglesa - “A experiência utilizada nos romances transformou-se nas questões que coloquei à tradição” (Williams, 2011bWILLIAMS, Raymond, Raymond. 2011b. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras. [1973], p. 487).

Embora seja possível afirmar que, de todos os textos não-ficcionais de Williams, O campo e a cidade é aquele em que se revela mais explicita e extensamente o esforço do escritor, por estabelecer vínculos entre a análise empreendida e sua própria trajetória, sinais da mesma preocupação também estão presentes em outros momentos centrais de sua produção crítica - como, por exemplo, no privilegiamento da obra de Ibsen em Drama from Ibsen to Eliot (1952);20 20 “Quando retornei do exército na Alemanha em 1945, comecei a ler Ibsen, parando apenas por algumas semanas, pela necessidade de completar o restante de um curso universitário. Voltei às peças o mais rápido que pude, e venho lendo-as e vendo-as encenadas, com as muitas centenas de peças que as sucederam, como um interesse central desde então. Os estudos deste livro veem principalmente dessa experiência: fui tocado pelas peças antes mesmo de enxergar os problemas críticos” (Williams, 1973 [1968], p. 2). na elaboração da ideia de uma cultura comum em Cultura e sociedade (como visto acima); ou, ainda, em toda a discussão sobre a tragédia e a experiência do mundo contemporâneo em Tragédia moderna (1966).21 21 “Numa vida comum, transcorrida em meados do século XX, conheci o que acredito ser a tragédia em muitas formas. […] Conheci a tragédia na vida de um homem reduzido ao silêncio, em uma banal vida de trabalhos. Na sua morte comum e sem repercussão vi uma aterradora perda de conexão entre os homens, e mesmo entre pai e filho [entre ele e seu pai, Harry?]; uma perda de conexão que era, no entanto, um fato social e histórico determinado […]. A partir daí, tomei conhecimento dessa tragédia de forma mais ampla” (Williams, 2002 [1966], p. 29). Trata-se aqui de uma marca da escrita de Williams que, segundo nos parece, tem relação com a importância que ele atribuía à própria noção de experiência, o que, segundo Beatriz Sarlo (2005SARLO, Beatriz. 2005. Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação. São Paulo: Edusp., p. 89-90), se revela em análises que colocam em primeiro plano “sujeitos e classes sociais que tinham experiências e podiam modificar-se por meio delas”, bem como no esforço por reconstruir “a dimensão concreta da experiência do passado” - o que, ainda segundo a crítica argentina, Williams empreendeu ao mobilizar a noção de estrutura de sentimento. É nessa mesma chave (mas em outro sentido) que a análise aqui apresentada se apoia: lendo Williams como um escritor que não só buscou reconstruir a experiência do passado, mas que também deixou em seus textos rastros de sua própria experiência.

A marca que a experiência de Williams como um intelectual oriundo do País de Gales imprime na análise exposta em O campo e a cidade se revela mais claramente na crítica à visão do campo como um lugar de prazer e paz, deleite e tranquilidade, gozo e fruição. Tal visão, como Williams demonstra minuciosamente, se apoia na “negação mágica da maldição do trabalho” (Williams, 2011bWILLIAMS, Raymond, Raymond. 2011b. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras. [1973], p. 60) que sustenta esse mundo e, por consequência, também dos homens e mulheres que exercem esse trabalho. Ao fim e ao cabo, o campo surge, no quadro dessa perspectiva, como um mundo de “abundância inata, ‘delícias naturais’. […] as hipérboles tão familiares da aristocracia e de seus agregados” (Williams, 2011bWILLIAMS, Raymond, Raymond. 2011b. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras. [1973], p. 62).

Uma das expressões mais bem acabadas dessa forma de conceber o campo reside na ideia de paisagem, pois a terra que pode ser pensada e vista como paisagem nunca é a terra na qual se trabalha, mas a terra que pode ser contemplada e transformada segundo as finalidades da intervenção paisagística. Em outras palavras, a paisagem reflete a visão de um mundo rural que seria produzido pelo proprietário para o seu deleite e que é concebido conscientemente por ele como objeto de uma apreciação estética. Para empregar os termos de Williams, a paisagem depende da existência de um “proprietário consciente” que seja, ao mesmo tempo, um “observador consciente” (Williams, 2011bWILLIAMS, Raymond, Raymond. 2011b. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras. [1973], p. 208), isto é, consciente de sua capacidade de intervir em sua propriedade para moldá-la segundo seu gosto. Trata-se, como enfatiza Williams, de uma concepção parcial da terra e da propriedade, apoiada no apagamento dos vínculos necessários entre a terra, objeto da intervenção paisagística, e o entorno, matéria do trabalho executado pelos empregados do proprietário, trabalho cujo produto é o que, de fato, viabiliza materialmente aquele tipo de intervenção. Como resultado dessas operações, a paisagem surge não como resultado do trabalho de muitos, mas como criação do proprietário individual.

Faz todo sentido que uma crítica desse tipo - não só da visão bucólica do campo, mas da prática paisagística, um de seus desdobramentos -, tenha sido elaborada por um escritor que, em decorrência de uma trajetória marcada pelo deslocamento, pode se voltar à sua terra natal na condição de observador - assim como Matthew em Border Country. Porque a imagem do campo concebido como paisagem sempre foi a imagem do próprio País de Gales nutrida por aqueles de fora, isto é, não como lugar povoado por homens e mulheres concretos ali trabalhando e vivendo, mas como uma paisagem a ser contemplada e usufruída pelos turistas de fora, “como um resort e um festival, ambos meticulosa e distintivamente galeses” (Williams, 1989WILLIAMS, Raymond. 1989a. The Idea of a Common Culture. In: WILLIAMS, Raymond. Resources of Hope: culture, democracy, socialism. London: Verso, pp. 32-38.b [1975], p. 101). Ou, como dito em Border Country: “O visitante vê beleza; o morador, um lugar onde ele trabalha e tem seus amigos” (Williams, 2013WILLIAMS, Raymond. 2013a. Border Country. Cardigan: Parthian /Library of Wales.a [1960], p. 89).

Por fim, é possível rastrear ainda outra repercussão do engajamento de Williams com sua origem e identidade galesas nas últimas páginas de O campo e a cidade, dedicadas ao enfrentamento de questões políticas mais contemporâneas. Como Williams assinala ao longo do livro, o alvo de sua crítica não é tanto uma forma de ver o campo, mas, sobretudo, uma certa perspectiva da relação entre campo e cidade. Segundo essa forma de ver, se a cidade se opõe à paz e serenidade do campo como o lugar do ruído, da poluição, das construções que subjugam o indivíduo e da multidão disforme e incontrolável, ela também se afirma como símbolo da civilização, da tecnologia e do progresso, em oposição à pobreza e ao atraso do campo. Além disso, essa perspectiva também encerra o diagnóstico de um processo histórico de invasão do campo pela cidade, que culminaria (e, em alguns lugares, como a Grã-Bretanha, já teria se completado) com o desaparecimento do campo e das formas de vida a ele associadas.

Recuperando suas origens entre trabalhadores rurais (a ocupação de seus quatro avós, a quem o livro é dedicado), Williams se opõe a essa visão do campo como o lugar do atraso, assim como ao diagnóstico do seu desaparecimento, compartilhado, segundo ele, não apenas pelos críticos conservadores em seu lamento pela destruição irreversível da civilização rural, mas também por entusiasmados “progressistas da metrópole, muitos deles supostamente internacionalistas e socialistas” (Williams, 2011bWILLIAMS, Raymond, Raymond. 2011b. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras. [1973], p. 488), que reconheciam no desaparecimento do mundo rural uma etapa incontornável do processo histórico. Contrariando essa visão, a história recente, pontuada pelas revoluções Chinesa (1949) e Cubana (1959), além da efervescência política na América Latina, comprovaria, para Williams, o estatuto histórico de campesinos e trabalhadores rurais como agentes potenciais de movimentos capazes de conduzir a um modelo de desenvolvimento alternativo àquele prevalecente na Europa Ocidental e na América do Norte. Não só o campo não era o lugar do atraso fadado ao desaparecimento, como nele poderiam ser descobertas outras formas de ação política.

Considerações finais

Williams compartilha com o protagonista de Border Country a condição de outsider, que, no seu caso, se desdobrou em duas dimensões, nacional e de classe: na universidade inglesa de elite (Cambridge), na qual lecionava, enquanto galês descendente de trabalhadores rurais e, no País de Gales natal, como alguém que emigrou para a Inglaterra.22 22 É possível identificar similaridades bastante significativas entre a experiência de Williams e a biografia do sociológo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), sobretudo no que se refere a um processo de desenraizamento e reconversão sociais via o percurso educacional. Para um exame mais detido da relação entre os dois (incluindo a correspondência que eles mantiveram a partir de meados dos anos 1970) e de como a ascensão pela via educacional impactou a trajetória e obra de ambos, conferir Jackson e Rivetti (2020). Essa posição singular foi decisiva na conformação da perspectiva de Williams frente a sua origem e identidade galesas, por ele enfrentadas no registro de uma reaproximação, de um reencontro ou, ainda, como “o reaprendizado de uma conexão” (Smith, 1989SMITH, Dai. 1989. Relating to Wales. In: EAGLETON, Terry. Raymond Williams: Critical Perspectives. Boston: Northeastern University Press, pp. 34-53., p. 40).23 23 O mesmo ponto foi enfatizado por Daniel Williams (2003, p. vxii), para quem “o movimento para fora na história pessoal e intelectual de Williams - da formação em Pandy para se tornar um estudante e professor em Cambridge e, daí, para se tornar um intelectual da esquerda europeia - sempre foi acompanhado por um retorno às experiências fundamentais que informaram consistentemente sua vida e seu trabalho”. Como afirmou o próprio Williams na entrevista à New Left Review, antes de deixar Pandy ele não só não se reconhecia como galês, como até mesmo rejeitava, sobretudo em sua juventude, qualquer filiação política mais local, sentindo-se muito mais atraído pelo internacionalismo do Partido Comunista da Grã-Bretanha - em detrimento da “política nacional e parlamentar [predominante] no movimento trabalhista […] parte de um mundo enfadonho e estreito” (Williams, 2013bWILLIAMS, Raymond. 2013b. A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp. [1979], p. 16).

Que o reencontro de Williams com sua identidade galesa tenha se dado no final dos anos 1940, quando ele deu início à redação da primeira versão de Border Country, não é um dado fortuito. Uma circunstância que motivou de modo decisivo essa reaproximação foi a experiência do deslocamento, reforçada pelo estranhamento por ele vivenciado em Cambridge, onde Williams ingressou como estudante da Faculdade de Inglês em outubro de 1939.24 24 Williams interrompeu os estudos universitários em julho de 1941, quando foi recrutado para a guerra. Após o treinamento militar (1941-1943) e o envolvimento em combate (1944-1945), retornou a Cambridge, em outubro de 1945, vindo a concluir seus estudos em junho do ano seguinte. Para uma reconstrução detalhada desses momentos, conferir Williams (2013 [1979]). Como relatado na entrevista à New Left Review, o estranhamento vivenciado na chegada a Cambridge foi radical:

Eu estava completamente despreparado para a mudança. […] a universidade era totalmente estranha para mim quando deixei o trem. A faculdade era quase incompreensível, exceto na imagem de uma escola maior. […] Em uma faculdade daquela dimensão, não havia muitos esforços voltados a uma integração. […] Notei pela primeira vez que havia um problema na composição social do corpo estudantil de Cambridge quando fui ao grêmio estudantil, a que eu naturalmente queria me filiar, e me foi dito que eu teria de ser indicado. Eu precisava de alguém que me apresentasse e de outra pessoa que apoiasse a minha entrada. Obviamente, eu não conhecia ninguém para pedir isso. Eles me perguntaram: “Você não tem amigos da escola?”. Embora uma questão técnica, ela subitamente revelou como minha situação era peculiar. (Williams, 2013WILLIAMS, Raymond. 2013a. Border Country. Cardigan: Parthian /Library of Wales. [1979], p. 23)

Os anos em Cambridge representaram “uma época de desordem pessoal e emocional bastante extraordinária” (Williams, 2013WILLIAMS, Raymond. 2013a. Border Country. Cardigan: Parthian /Library of Wales. [1979], p. 37), alimentada pelo isolamento imposto pela origem nacional e de classe e manifesta, ainda que indiretamente, nos impasses colocados por sua orientação comunista, que logo se mostrou muito limitada para lidar com a crítica literária profissional ali exercida. A dimensão da crise experimentada naquela época permanecia bastante viva no relato de quarenta anos depois: “me deparei com uma incompreensão total e um sentimento de humilhação. Não havia ninguém na faculdade com quem eu pudesse discutir meus problemas” (Williams, 2013WILLIAMS, Raymond. 2013b. A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp. [1979], pp. 36-37).

Williams reagiu a essa situação de crise e desordem pessoais não camuflando suas raízes trabalhadora e galesa, mas mergulhando nelas. Referendando a leitura de que há uma conexão entre a crise vivida em Cambridge e a redescoberta de uma identidade galesa, Williams registrou no capítulo final de O campo e a cidade como seu acerto de contas com suas origens levou-o a conectar sua experiência a um “processo histórico mais geral de mobilidade física e social e, além disso, a uma crise de instrução e classe” (Williams, 2011bWILLIAMS, Raymond, Raymond. 2011b. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras. [1973], p. 486).

A identidade galesa foi retrabalhada por Williams ao longo de sua trajetória no quadro de uma tensão constitutiva como objeto de análise e crítica, mas também (e cada vez mais) como um de seus referenciais - e, nesse sentido, também como base de apoio para a sua própria afirmação como crítico e intelectual socialista. O percurso de Williams constituiu-se nesse ir e vir permanente, na “oportunidade e necessidade […] de olhar para a frente e para trás, no espaço e no tempo” (Williams, 2011bWILLIAMS, Raymond, Raymond. 2011b. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras. [1973], p. 13). Foi nesse percurso que ele procurou enfrentar os impasses colocados por suas origens e em que veio a encontrar uma das fontes do ímpeto democrático e plural de seus engajamentos políticos e intelectuais.

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  • WILLIAMS, Raymond. 1989b. Welsh Culture. In: WILLIAMS, Raymond. Resources of Hope: culture, democracy, socialism . London: Verso , pp. 99-104.
  • WILLIAMS, Raymond. 1989c. Between Country and City. In: WILLIAMS, Raymond. Resources of Hope: culture, democracy, socialism . London: Verso , pp. 227-237.
  • WILLIAMS, Raymond. 2002. Tragédia moderna. São Paulo: Cosac Naify.
  • WILLIAMS, Raymond. 2003a. Are We Becoming More Divided? In: WILLIAMS, Daniel Gwydion. (ed.). Who Speaks for Wales? Nation, Culture, Identity . Cardiff: Cardiff University Press , pp. 186-190.
  • WILLIAMS, Raymond. 2003b. Who Speaks for Wales? In: WILLIAMS, Daniel Gwydion. (ed.). Who Speaks for Wales? Nation, Culture, Identity . Cardiff: Cardiff University Press , pp. 3-4.
  • WILLIAMS, Raymond. 2003c. Wales and England. In: WILLIAMS, Daniel Gwydion. (ed.). Who Speaks for Wales? Nation, Culture, Identity . Cardiff: Cardiff University Press , pp. 16-26.
  • WILLIAMS, Raymond. 2011a. Cultura e sociedade: de Coleridge a Orwell. Petrópolis: Vozes.
  • WILLIAMS, Raymond, Raymond. 2011b. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras.
  • WILLIAMS, Raymond. 2013a. Border Country. Cardigan: Parthian /Library of Wales.
  • WILLIAMS, Raymond. 2013b. A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp.
  • WILLIAMS, Raymond. 2015. Towards 2000. In: MCGUIGAN, Jim (ed.). A Short Counter-Revolution - Towards 2000 Revisited. London: Sage Publications, pp. 1-219.
  • Este texto consiste em uma versão modificada da última seção do quarto capítulo da minha tese de doutorado, intitulada “A longa jornada: Raymond Williams, a política e o socialismo” (2021), resultado de uma pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Prof. Ricardo Musse, e que contou com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Gostaria de agradecer ao Richard Burton Archives, da Swansea University, por conceder acesso ao acervo de Raymond Williams, ali depositado, e ao Estate of Raymond Williams, por ter gentilmente autorizado a reprodução do material aqui citado. Agradeço também aos pareceristas de Lua Nova, cujas críticas e sugestões contribuíram para o aperfeiçoamento do artigo.
  • 2
    A New Left Review é uma revista política acadêmica, fundada no ano de 1960 no Reino Unido.
  • 3
    Todas as citações extraídas de edições em língua estrangeira foram por nós traduzidas.
  • 4
    A atenção que a bibliografia dedicou às formas pelas quais a obra de Williams foi impactada por sua origem social e galesa atesta a centralidade da questão aqui em tela. Em inglês, destacam-se os trabalhos de Dai Smith (1989SMITH, Dai. 1989. Relating to Wales. In: EAGLETON, Terry. Raymond Williams: Critical Perspectives. Boston: Northeastern University Press, pp. 34-53.; 2008SMITH, Dai. 2008. Raymond Williams: A Warrior’s Tale. Cardigan: Parthian.) e Daniel G. Williams (2003WILLIAMS, Raymond. 2003a. Are We Becoming More Divided? In: WILLIAMS, Daniel Gwydion. (ed.). Who Speaks for Wales? Nation, Culture, Identity . Cardiff: Cardiff University Press , pp. 186-190.; 2015WILLIAMS, Raymond. 2015. Towards 2000. In: MCGUIGAN, Jim (ed.). A Short Counter-Revolution - Towards 2000 Revisited. London: Sage Publications, pp. 1-219.). Na América Latina, merecem ser lembradas as contribuições de Cevasco (2001CEVASCO, Maria Elisa. 2001. Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra.), Glaser (2008GLASER, André Luiz. 2008. Materialismo cultural. Tese de Doutorado em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês. São Paulo: Universidade de São Paulo. DOI: https://doi.org/10.11606/T.8.2008.tde-03082009-151710
    https://doi.org/10.11606/T.8.2008.tde-03...
    ), Paixão (2018PAIXÃO, Alexandre Henrique. 2018. Raymond Williams e a educação democrática. Educação e Sociedade, v. 39, n. 145, pp. 1004-1022. DOI: https://doi.org/10.1590/ES0101-73302018191487
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    ), Stra (2018STRA, Sebastián Matías. 2018. Memoria y Estudios Culturales: Un acercamiento al relato sobre la propia historia de vida en Raymond Williams y Richard Hoggart. Trama comum, v. 22, n. 1, pp. 15-31. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KdAbXF Acesso em: 24 jan. 2022.
    https://bit.ly/3KdAbXF...
    ), Jackson e Rivetti (2020JACKSON, Luiz Carlos; RIVETTI, Ugo. 2020. Pierre Bourdieu e Raymond Williams: correspondência, encontro e referências cruzadas. Tempo Social, v. 32, n. 1, pp. 83-204. DOI: https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2020.164991
    https://doi.org/https://doi.org/10.11606...
    ) e Murad (2021MURAD, Mariana Carvalho. 2021. A cultura do romance em Raymond Williams: o papel das gerações no fluxo de experiências. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CbZwOT Acesso em: 6 jan. 2022.
    https://bit.ly/3CbZwOT...
    ).
  • 5
    O Manifesto contou com 70 signatários, dentre os quais: Robin Blackburn, Terry Eagleton, Catherine Hall, Steven Lukes, Ralph Miliband, Henry Miller, Iris Murdoch, Michael Rustin, Raphael Samuel, John Saville e Dorothy Thompson.
  • 6
    Seguindo sugestão de Thompson, o grupo dos organizadores do manifesto decidiu que, para garantir a exposição de uma análise de fôlego, o documento seria composto por cinco seções cuja redação ficaria a cargo de grupos distintos. Mas, para que o texto apresentasse a força expressiva necessária a um manifesto político, foi dada a Williams a tarefa de escrever a versão final - conforme detalhado em carta de Thompson a Williams de 7 de novembro (sem ano indicado, mas, muito provavelmente, de 1966, pelo que se pode inferir de seu conteúdo). Documento consultado no acervo de Williams, depositado no Richard Burton Archives da Swansea University, País de Gales (ref. n. WWE/2/1/7/2/8).
  • 7
    O texto do Manifesto aqui referido corresponde à primeira edição, publicada em 1967 pelo comitê encabeçado por Williams, Thompson e Hall, cuja cópia foi consultada no acervo de Williams (ref. n. WWE/2/1/6/1/13). O documento ganhou uma segunda edição, com circulação mais ampla, publicada pela Penguin em 1968.
  • 8
    Antes disso, Williams fora filiado ao Partido Comunista da Grã-Bretanha (entre 1939 e 1941) e ao Partido Trabalhista (entre 1961 e 1966).
  • 9
    “Em 1931, 909,261 mil habitantes do País de Gales afirmavam falar galês; esse número caiu para 714,686 mil em 1951, 656,002 mil em 1961 e 542,425 mil em 1971; a proporção de pessoas no País de Gales que afirmavam ter algum conhecimento da língua também caiu - de 36,8% em 1931 para 28,9% em 1951, para 26% em 1961 e 20,9% em 1971” (Davies, 2007DAVIES, John. 2007. A History of Wales. London: Penguin Books., p. 623).
  • 10
    Vale lembrar que a divisão do movimento nacionalista galês em torno da questão da língua ainda persistia no final dos anos 1960, agora polarizada pela Welsh Language Society (Cymdeithas yr Iaith Gymraeg), “fundada em 1962 em larga medida como uma resposta à tentativa do Plaid Cymru de ampliar a sua base eleitoral ao se afastar de suas raízes linguísticas, culturalistas e, em um sentido cada vez maior, da crise terminal enfrentada pelas comunidades de língua galesa” (Williams, 2003WILLIAMS, Raymond. 2003b. Who Speaks for Wales? In: WILLIAMS, Daniel Gwydion. (ed.). Who Speaks for Wales? Nation, Culture, Identity . Cardiff: Cardiff University Press , pp. 3-4., p. 221).
  • 11
    Influência que impactou a trajetória do próprio Williams, sobretudo em sua infância: “Não falávamos galês. A nossa área havia sido anglicizada na década de 1840 - o momento clássico usualmente descrito como aquele em que ‘as mães deixaram de ensinar galês aos seus filhos’. Na realidade, havia uma pressão intensa e consciente nas escolas para eliminar a língua, as crianças que falassem galês eram punidas” (Williams, 2013bWILLIAMS, Raymond. 2013b. A política e as letras: entrevistas da New Left Review. São Paulo: Editora Unesp. [1979], p. 9).
  • 12
    Ainda segundo Daniel Williams (2015WILLIAMS, Raymond. 2015. Towards 2000. In: MCGUIGAN, Jim (ed.). A Short Counter-Revolution - Towards 2000 Revisited. London: Sage Publications, pp. 1-219., posição 2646), a elaboração de uma concepção pluralista de cultura tem relação não só com as raízes galesas de Williams, mas também com o lugar muito específico - de fronteira - no qual ele nasceu e cresceu (dado sempre lembrado pelo próprio escritor), pois trata-se aqui de “uma localização ambivalente que repousa no coração de seus engajamentos ficcionais e teóricos com o País de Gales e a galesidade e com seus engajamentos com as questões de nacionalismo e identidade nacional. […] Essa experiência fronteiriça forma a base de uma concepção pluralista de nacionalidade”.
  • 13
    Embora, como destacou Maria Elisa Cevasco (2001CEVASCO, Maria Elisa. 2001. Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e Terra., pp. 46-47), a ideia de Williams de cultura não se restrinja ao sentido mais sociológico de modo de vida privilegiado pela ideia de cultura comum - também designando “um processo de desenvolvimento mental […]; e, ainda, […] os trabalhos e práticas de atividade intelectual e especialmente artística” -, o fato é que esse é o sentido fundamental, “a qualidade determinante do termo ‘cultura’, a que define sua função, e torna seu estudo relevante para o entendimento da organização de uma sociedade”. Ademais, foi esse sentido de cultura como modo de vida que permitiu a Williams repensar as relações entre arte/cultura e sociedade, ao desenvolver uma abordagem que considera a vida social em sua totalidade e que examina como os processos (sejam eles políticos, econômicos ou culturais) interagem no seu interior. Do ponto de vista de sua atuação política, é também esse sentido de cultura que está por trás do engajamento de Williams em projetos e campanhas voltados para a democratização da educação (Paixão, 2018PAIXÃO, Alexandre Henrique. 2018. Raymond Williams e a educação democrática. Educação e Sociedade, v. 39, n. 145, pp. 1004-1022. DOI: https://doi.org/10.1590/ES0101-73302018191487
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    ) e dos meios de comunicação.
  • 14
    A análise aqui apresentada segue o padrão da bibliografia dedicada aos romances de Williams ao se concentrar no texto de Border Country. Para uma apreciação mais geral dos romances de Williams, vale a pena conferir o estudo pioneiro de Dai Smith (1989SMITH, Dai. 1989. Relating to Wales. In: EAGLETON, Terry. Raymond Williams: Critical Perspectives. Boston: Northeastern University Press, pp. 34-53.). Considerando a bibliografia brasileira, uma exceção digna de nota é o trabalho de Mariana Carvalho Murad (2021MURAD, Mariana Carvalho. 2021. A cultura do romance em Raymond Williams: o papel das gerações no fluxo de experiências. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CbZwOT Acesso em: 6 jan. 2022.
    https://bit.ly/3CbZwOT...
    ) que, tomando como objeto de análise os cinco primeiros romances de Williams, procura oferecer um retrato mais articulado e integral da produção ficcional do escritor, lida também à luz de seus trabalhos teóricos e críticos.
  • 15
    Itinerário registrado em documento datilografado, intitulado “Autobiographical material”, depositado no Richard Burton Archives da Swansea University (ref. n. WWE/2/1/18). Passaremos diretamente ao exame da versão final do romance, de 1960, uma vez que as questões aqui analisadas estão presentes tanto nessa versão como na primeira, de 1947 (Davies, 2017DAVIES, Clare. 2017. Fathers and Phantoms: Revealing the Unconscious Residues in Raymond Williams’s Border Country. International Journal of Welsh Writing in English, v. 4, pp. 1-23. DOI: https://doi.org/10.16995/wwe.4.2
    https://doi.org/https://doi.org/10.16995...
    , pp. 12-13).
  • 16
    Como exposto por James A. Davies (1993DAVIES, James. 1993. ‘Not going back, but… exile ending’: Raymond Williams’s Fictional Wales. In: MORGAN, W. John; PRESTON, Peter. Raymond Williams: Politics, Education, Letters. New York: St. Martin’s Press, pp. 189-210. DOI: https://doi.org/10.1007/978-1-349-22804-1_9
    https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
    ), o perfil do protagonista de Border Country reaparece, com algumas variações, em outras personagens de romances posteriores de Williams.
  • 17
    Border Country não trata apenas do deslocamento de Matthew em seu retorno à aldeia de sua infância e juventude, mas também da história de seu pai que, proveniente de outra região do País de Gales, se fixou na comunidade na qual seu filho nasceu. Como assinalou Clare Davies (2017DAVIES, Clare. 2017. Fathers and Phantoms: Revealing the Unconscious Residues in Raymond Williams’s Border Country. International Journal of Welsh Writing in English, v. 4, pp. 1-23. DOI: https://doi.org/10.16995/wwe.4.2
    https://doi.org/https://doi.org/10.16995...
    , p. 1), a relação pai-filho ocupa um lugar central na estrutura do romance - o que esclarece, em alguma medida, porque a sua versão definitiva foi escrita no mesmo ano da morte do pai de Williams, em 1958. A centralidade da questão geracional também foi explorada por Murad (2021MURAD, Mariana Carvalho. 2021. A cultura do romance em Raymond Williams: o papel das gerações no fluxo de experiências. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação). Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3CbZwOT Acesso em: 6 jan. 2022.
    https://bit.ly/3CbZwOT...
    ). O próprio Williams (2011bWILLIAMS, Raymond, Raymond. 2011b. O campo e a cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras. [1973], pp. 399-400) registrou posteriormente o vínculo da experiência pessoal e individual com um processo coletivo e social: “No final dos anos 1940 percebi que finalmente havia me afastado da aldeia onde me criei. Comecei a escrever a respeito de minha visão dessa experiência, nas sete versões que acabaram formando o romance Border Country. Através dessas versões, descobri-me relacionando a minha experiência a um processo histórico mais geral de mobilidade física e social e, além disso, a uma crise de instrução e classe”.
  • 18
    Como pontuou Beatriz Sarlo (2005SARLO, Beatriz. 2005. Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação. São Paulo: Edusp., p. 93), a ênfase na continuidade é uma das principais características da perspectiva mais geral de Williams, embasando uma tendência a “sublinhar os processos de resolução, de incorporação e de síntese, as transformações mais que as rupturas”.
  • 19
    Para Smith (1989SMITH, Dai. 1989. Relating to Wales. In: EAGLETON, Terry. Raymond Williams: Critical Perspectives. Boston: Northeastern University Press, pp. 34-53.), essa é uma ideia de cultura que informa não só este, mas todos os romances de Williams.
  • 20
    “Quando retornei do exército na Alemanha em 1945, comecei a ler Ibsen, parando apenas por algumas semanas, pela necessidade de completar o restante de um curso universitário. Voltei às peças o mais rápido que pude, e venho lendo-as e vendo-as encenadas, com as muitas centenas de peças que as sucederam, como um interesse central desde então. Os estudos deste livro veem principalmente dessa experiência: fui tocado pelas peças antes mesmo de enxergar os problemas críticos” (Williams, 1973WILLIAMS, Raymond. 1973. Drama from Ibsen to Brecht. Harmondsworth: Pelican. [1968], p. 2).
  • 21
    “Numa vida comum, transcorrida em meados do século XX, conheci o que acredito ser a tragédia em muitas formas. […] Conheci a tragédia na vida de um homem reduzido ao silêncio, em uma banal vida de trabalhos. Na sua morte comum e sem repercussão vi uma aterradora perda de conexão entre os homens, e mesmo entre pai e filho [entre ele e seu pai, Harry?]; uma perda de conexão que era, no entanto, um fato social e histórico determinado […]. A partir daí, tomei conhecimento dessa tragédia de forma mais ampla” (Williams, 2002WILLIAMS, Raymond. 2002. Tragédia moderna. São Paulo: Cosac Naify. [1966], p. 29).
  • 22
    É possível identificar similaridades bastante significativas entre a experiência de Williams e a biografia do sociológo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), sobretudo no que se refere a um processo de desenraizamento e reconversão sociais via o percurso educacional. Para um exame mais detido da relação entre os dois (incluindo a correspondência que eles mantiveram a partir de meados dos anos 1970) e de como a ascensão pela via educacional impactou a trajetória e obra de ambos, conferir Jackson e Rivetti (2020JACKSON, Luiz Carlos; RIVETTI, Ugo. 2020. Pierre Bourdieu e Raymond Williams: correspondência, encontro e referências cruzadas. Tempo Social, v. 32, n. 1, pp. 83-204. DOI: https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2020.164991
    https://doi.org/https://doi.org/10.11606...
    ).
  • 23
    O mesmo ponto foi enfatizado por Daniel Williams (2003WILLIAMS, Raymond. 2003c. Wales and England. In: WILLIAMS, Daniel Gwydion. (ed.). Who Speaks for Wales? Nation, Culture, Identity . Cardiff: Cardiff University Press , pp. 16-26., p. vxii), para quem “o movimento para fora na história pessoal e intelectual de Williams - da formação em Pandy para se tornar um estudante e professor em Cambridge e, daí, para se tornar um intelectual da esquerda europeia - sempre foi acompanhado por um retorno às experiências fundamentais que informaram consistentemente sua vida e seu trabalho”.
  • 24
    Williams interrompeu os estudos universitários em julho de 1941, quando foi recrutado para a guerra. Após o treinamento militar (1941-1943) e o envolvimento em combate (1944-1945), retornou a Cambridge, em outubro de 1945, vindo a concluir seus estudos em junho do ano seguinte. Para uma reconstrução detalhada desses momentos, conferir Williams (2013WILLIAMS, Raymond. 2013a. Border Country. Cardigan: Parthian /Library of Wales. [1979]).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2021
  • Aceito
    22 Mar 2022
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