Resumo
Este artigo pretende mostrar como a obra de Ronald Dworkin mudou ao longo dos anos, deixando de ser um liberalismo antiperfeccionista, baseado na neutralidade como princípio, para se constituir como um liberalismo baseado na igualdade, que pode ser interpretado como uma posição perfeccionista a partir do seu “modelo do desafio” e da defesa da promoção estatal das condições para que os cidadãos possam levar vidas autônomas, autênticas e justas. Para isso, será mostrado inicialmente como Dworkin adotou a neutralidade como princípio. Em seguida, será reconstruído o modo como ele passa a tomar a igualdade como princípio, deixando a neutralidade em segundo plano. Por fim, o artigo pretende sugerir que esse deslocamento, culminando no modelo do desafio na obra Sovereign Virtue, leva a uma posição que pode ser considerada perfeccionista.
Palavras-chave:
liberalismo político; Ronald Dworkin; neutralidade; igualdade; perfeccionismo
Abstract
The paper aims to show how Ronald Dworkin’s work has changed over the years, evolving from an anti-perfectionist liberalism based on neutrality as a principle to a liberalism centered on equality, which can be interpreted as a perfectionist position through his “challenge model” and the defense of state promotion of the conditions that enable citizens to lead autonomous, authentic, and just lives. To this end, it will first demonstrate how Dworkin adopted neutrality as a principle. Next, it will reconstruct how he came to prioritize equality as a principle, putting neutrality in the background. Finally, the article intends to suggest that this shift, culminating in the challenge model in Sovereign Virtue, leads to a position that can be considered perfectionist.
Keywords:
political liberalism; Ronald Dworkin; neutrality; equality; perfectionism
Apresentação
As discussões sobre o perfeccionismo nas democracias liberais são relativamente novas. A primeira obra a tratar especificamente do “perfeccionismo” em tais democracias foi Uma Teoria da Justiça, de John Rawls, publicada em 1971. Essa obra não apenas abriu o caminho para esse debate, mas condicionou fortemente seu desenvolvimento, de modo que a Filosofia política liberal passou a considerar evidente, durante vários anos e de maneira quase exclusiva, a incompatibilidade entre o perfeccionismo e as democracias liberais. Daí a importância de compreender, ainda que de maneira breve e esquemática, como isso foi estabelecido por Rawls. Todavia, considerando que esse debate teve desenvolvimentos posteriores que se afastaram dessa posição inicial rawlsiana, será importante mostrar em seguida as novas discussões que ocorreram a partir da década de oitenta, já que nosso principal objetivo será mostrar como o filósofo Ronald Dworkin vai alterar sua posição nesse debate.
Começando por Rawls, ele afirma que sua teoria da justiça segue a abordagem contratualista clássica, mas pretende elevá-la a um nível mais alto de abstração, indagando quais seriam os princípios de justiça que constituiriam o objeto de um acordo original para regular a estrutura básica da sociedade. Esse acordo seria pactuado entre pessoas livres, iguais e racionais (Rawls, 2016, pp. 13-14). Segundo ele, as pessoas, nessa imaginada posição original, rejeitariam o utilitarismo e o perfeccionismo1, sendo o seu contratualismo uma alternativa a essas visões (Rawls, 2016, pp. 19). Nesse sentido, Rawls opõe as teorias políticas contratualistas às teorias teleológicas, cujas espécies seriam justamente o utilitarismo e o perfeccionismo. Segundo ele, as teorias teleológicas consideram o correto (“right”) aquilo que maximiza o bem (“good”) (Rawls, 2016, pp. 21-22). Se o bem a ser maximizado é a satisfação do desejo, trata-se de uma teleologia utilitarista (Rawls, 2016, pp. 22-23). Porém, se o bem a ser maximizado é a excelência humana, trata-se de uma teleologia perfeccionista, como em Aristóteles ou Nietzsche. No trecho da obra que trata especificamente do “princípio da perfeição” e o rejeita como alternativa aos seus princípios de justiça, Rawls define o perfeccionismo como uma teoria teleológica “[…] que leva a sociedade a organizar as instituições e definir os deveres e as obrigações dos indivíduos de modo a maximizar a perfeição das realizações humanas na arte, na ciência e na cultura” (Rawls, 2016, p. 404). Evidentemente, essa definição do perfeccionismo levará à crença generalizada de que as democracias liberais devem ser manifestamente antiperfeccionistas.
A partir dessa discussão, o tema do perfeccionismo tornou-se objeto de atenção de alguns filósofos, entre eles, Ronald Dworkin, geralmente para contestarem o princípio da perfeição, considerando-o constitutivamente externo e antagônico ao modo de vida liberal. Assim, seguindo Rawls, Dworkin classificou o perfeccionismo como uma das teorias baseadas em objetivos (“goal-based theories”) - ao lado do utilitarismo neste aspecto -, visando ao ideal da excelência humana (Dworkin, 1978, p. 172). Em contraste, ele defende o que chama de uma teoria baseada em direitos ou deveres (“right-based or duty-based theories”), que coloca o indivíduo no centro e considera suas decisões ou condutas como de fundamental importância, independentemente dos objetivos ou da excelência que possam alcançar (Dworkin, 1978, p. 172), definindo assim sua adesão clara a um antiperfeccionismo liberal. De fato, nesse momento inicial do debate, que se constituiu basicamente como uma recepção generalizada da posição antiperfeccionista de Rawls, a necessidade de rejeição ao perfeccionismo era uma evidência para toda a filosofia política liberal, incluindo para Dworkin, posição que este artigo buscará mostrar adiante que se modificou ao longo do tempo.
É provável que um dos pontos decisivos na história dessa modificação tenha ocorrido em 1986, quando houve uma inflexão na discussão, com Joseph Raz inaugurando um novo momento no debate entre perfeccionistas e antiperfeccionistas, dessa vez “interno”, ao propor um liberalismo perfeccionista baseado no valor da autonomia. Raz inicia seu argumento caracterizando o princípio antiperfeccionista liberal como a proibição de que a implementação e promoção de ideais de boa vida sejam assuntos do governo (Raz, 1988, p. 110). Todavia, note-se que Raz altera o conceito de perfeccionismo, que não se limitaria à busca do governo pela excelência humana, significando, mais amplamente, a promoção da “vida boa”. A partir disso, contra Rawls, ele rejeita a possibilidade de um Estado liberal neutro quanto às concepções de vida boa dos indivíduos, defendendo que a ideia de autonomia individual, fundamental para tal Estado, já representa uma visão de vida boa, a qual deve ser estimulada pela sociedade e pelo Estado liberais2. Continuando esse desenvolvimento do debate, Steven Wall, antigo orientando de Raz que ocupa lugar de destaque nele, sustenta um perfeccionismo liberal em que as autoridades políticas tenham um papel ativo na promoção de “condições sociais” que permitam aos cidadãos “vidas valiosas e significativas”: “[...] perfeccionismo é comprometido com a tese geral de que as autoridades políticas deveriam ter um papel ativo na criação e manutenção das condições sociais que melhor habilitem seus cidadãos a levarem vidas valiosas e significativas” (Wall, 1998, p. 8, tradução nossa). No restante do artigo, especialmente quando se avaliar a posição de Dworkin, é essa “tese geral” que servirá como a definição de perfeccionismo.
Do visto até então, podemos concluir que Rawls e aqueles que se filiam geralmente às suas ideias, por variadas razões, rejeitam que as instituições políticas promovam um ideal de excelência humana e/ou de vida boa. Essa posição é compartilhada por muitos outros autores, inclusive Dworkin em uma fase inicial, para os quais a perspectiva antiperfeccionista estaria no âmago do pensamento liberal3, consistindo a sua preocupação central no risco de que um governo perfeccionista, em uma sociedade plural, privilegie concepções privadas de excelência e/ou de vida boa, contra a anuência de parte da população, ofendendo assim a sua dignidade e autonomia. De outro lado, os perfeccionistas liberais, como Raz e Wall, entendem que o Estado não pode e não deve ser neutro em relação às diferentes concepções de vida boa dos indivíduos; ao contrário, o governo deve encampar e promover condições que possam levar os cidadãos a uma vida considerada valiosa e significativa.
É indubitável que esse debate entre perfeccionistas e antiperfeccionistas é hoje um tema fundamental na filosofia política liberal, por tratar dos contornos e dos limites da atuação das instituições políticas dentro de uma sociedade plural e democrática. O caráter decisivo desse debate para a teoria política em geral será considerado aqui como um pressuposto, que o artigo não tentará justificar, mas que pode ser vislumbrado em diversas situações. De fato, sendo vitoriosa a defesa de um liberalismo perfeccionista, teríamos um Estado democrático liberal legitimado como agente promotor das condições que melhor permitam vidas valiosas e significativas, entendidas como autônomas, autênticas e justas, como será tematizado adiante. Assim, essa atuação estatal perfeccionista influenciaria diretamente a educação, formal e informal, dos cidadãos e a lida do Estado com questões morais e religiosas, entre muitas outras, podendo se multiplicar e formar decisivamente a estrutura básica das sociedades democráticas.
O artigo pretende se inserir nesse debate a partir da análise das posições ocupadas nele por Dworkin, que possui enorme influência na filosofia política liberal e é habitualmente considerado um dos principais defensores da posição antiperfeccionista. Assim, inicialmente, será mostrado como ele adotou a neutralidade como princípio, seguindo e fortalecendo a posição antiperfeccionista rawlsiana. Em seguida, será reconstruído o modo como ele passou a tomar a igualdade como princípio, deixando a neutralidade em segundo plano, embora ainda se posicionando como antiperfeccionista. Por fim, será sugerido que esse deslocamento, culminando no seu modelo do desafio, leva a uma posição que pode ser considerada perfeccionista nos termos da definição da mencionada tese geral perfeccionista (Wall, 1998, p. 8). No caso de Dworkin, essa posição perfeccionista significa que aquilo que deveria ser promovido pelo Estado são as condições necessárias para que, em nome do princípio da igualdade, o modelo do desafio se torne acessível para todos os cidadãos, de modo que eles possam levar vidas valiosas e significativas ou, em suas palavras, autônomas, autênticas e dignas (Dworkin, 2002, pp. 129-130).
A neutralidade como princípio no liberalismo de Ronald Dworkin
Em Taking Rights Seriously (1978a), Ronald Dworkin defendeu uma teoria político-normativa baseada em direitos, que pretende proteger os indivíduos e seus direitos de maneira independente dos objetivos e da excelência que possam alcançar, rejeitando as teorias utilitaristas e perfeccionistas, ambas baseadas em objetivos. “Levar os direitos a sério” significa precisamente tratar os direitos como “trunfos” nas mãos dos indivíduos - todos os indivíduos -, acima de quaisquer interesses políticos, econômicos, utilitários ou perfeccionistas que possam ser interpostos. Um ano após, Dworkin (1978b, pp. 115, 120) publica o artigo intitulado “Liberalism”, em que define e defende tal corrente como uma moralidade política constitutiva, autêntica e coerente, que permaneceu mais ou menos a mesma por algum tempo.
O filósofo argumenta que parte da confusão acerca do conceito de liberalismo decorre de se tomar o que seria meramente acidental e estratégico nas pautas defendidas por liberais em determinados contextos pelo que estaria realmente na essência dessas posições4. Para desfazer essa confusão, Dworkin (1978b, p. 115) afirma que o cerne do liberalismo se caracteriza por certa concepção de igualdade - posição que ele mantém em obras posteriores. Por exemplo, a diferença entre os liberais e conservadores nos Estados Unidos, segundo ele, não estaria no peso atribuído à liberdade e à igualdade em cada teoria, como muitos acreditam, mas, sim, nas concepções de liberdade e de igualdade defendidas. Os conservadores advogam por uma concepção de igualdade que exige honrarias iguais para virtudes iguais; ao passo que os liberais demandam que todos os indivíduos sejam tratados com igual consideração e respeito, independentemente de seus méritos e virtudes. Assim, ambos defendem a igualdade, mas de diferentes tipos.
Dworkin reconhece que, nas democracias ocidentais atuais, há um amplo consenso em relação à crença de que o governo deve tratar todos os cidadãos com igual consideração e respeito5. Porém, a especificidade da resposta liberal estaria na noção de que tratar com igual consideração e respeito demanda a neutralidade do governo sobre as questões da boa vida: tratar de maneira igual e neutra as diferentes concepções sobre a boa vida. Segundo Dworkin (1978b, p. 127), a teoria liberal da igualdade supõe que as decisões políticas devem ser, tanto quanto possível, independentes de qualquer concepção da boa vida, ou do que dá valor à vida. Isso é necessário porque, como os cidadãos de uma sociedade diferem nessas concepções, o governo não os trata como iguais se preferir uma à outra. Dworkin não se aprofunda na conceituação do que seriam concepções de vida boa, mas cita como exemplos a vida contemplativa do erudito, a do telespectador assíduo de televisão e a do apreciador de cerveja. Lembrando de Taking Rights Seriously, os cidadãos podem legitimamente diferir em objetivos, mas não em direitos. Doutrinas iliberais são mais receptivas à ideia de que as vidas que tendem à excelência, ao talento e ao mérito sejam muito mais valorizadas pelo Estado, pois essas seriam as melhores formas de vida a serem vividas. A tese iliberal correspondente, rejeitada por Dworkin em 1978, implica que o tratamento dado pelo governo aos cidadãos deve ser, pelo menos parcialmente, determinado por alguma concepção de vida boa.
Os liberais, por outro lado, defendem que recursos e oportunidades sejam distribuídos, na medida do possível, igualmente, de modo que aproximadamente a mesma parcela do que estiver disponível seja dedicada à satisfação das ambições de cada um, o que seria independente das concepções individuais de vida boa (Dworkin, 1978b, pp. 128-129). Assim, a perspectiva liberal de igualdade requer um sistema econômico que produza certas desigualdades, mas apenas quando elas refletem os gostos e preferências pessoais livremente escolhidos pelos indivíduos e não aquelas desigualdades decorrentes de diferenças arbitrárias e casuísticas, como diferenças de herança e talento. Nesse sentido, o liberal precisa de um esquema de direitos civis (“trunfos”), protegidos contra eventuais preferências dos cidadãos que possam ameaçar tais direitos, sejam estas preferências expressas no mercado ou na política democrática. Trata-se do núcleo duro da igualdade de oportunidades (Dworkin, 1978b, pp. 130-134).
Jeremy Waldron (1993) comenta que a ideia de neutralidade de Dworkin é uma nova articulação de uma ideia anterior, já presente nas concepções de Locke e Mill sobre a atitude que o Estado deve ter perante a fé pessoal e as crenças dos cidadãos. De fato, na teoria de Locke sobre tolerância, a preocupação era sobretudo com as várias formas de fé religiosa. O Estado foi instado a ser neutro sobre a questão das condições para a salvação individual e a questão de quais crenças e práticas eram requeridas como condições para a salvação pelo criador. Já nas formulações posteriores, como a de Stuart Mill, o escopo é muito mais amplo, pois esse autor sustenta que a sociedade deveria ser neutra tanto quanto possível sobre toda a questão de estilo de vida dos indivíduos e não apenas em relação às questões religiosas. Por sua vez, nas formulações contemporâneas, como a de Dworkin, o termo utilizado é “concepções individuais de vida boa” e, às vezes, “concepções individuais de bem”. Assim, segundo Waldron (1993, p. 144), a ideia de neutralidade de Dworkin, encontrada justamente nesse artigo Liberalism, ao articular e incorporar elementos significativos das versões anteriores, talvez seja a expressão mais clara da doutrina moderna da neutralidade.
Todavia, Waldron diz que a formulação de Dworkin é significantemente nova, o que pode ser entendido a partir da seguinte questão: em relação a que o Estado liberal deve ser neutro? Essa é a área, diz Waldron (1993, pp. 156-157), que mais gera incompreensão sobre a doutrina liberal. O legislador liberal não se pretende neutro quanto à divisão de certos bens que independem dos valores privados individuais, aqueles que Rawls chama de “bens primários”: saúde, integridade corporal, autorrespeito, liberdade negativa, algum grau de educação. Dworkin (1978b, p. 129) fala da distribuição igualitária de “recursos e oportunidades” para a satisfação das ambições de cada um. O legislador terá que definir, então, os princípios para distribuição desses bens, e isso ainda o manteria neutro quanto às diferentes perspectivas individuais de vida boa.
Mas quais princípios e valores seriam excluídos de consideração por essa doutrina, exigindo neutralidade do governo? Waldron complementa que a neutralidade liberal não é e não pode ser a doutrina de que a legislação deveria ser neutra em relação a todos os valores morais, de maneira que não pode ser justificada no ceticismo ou no relativismo. Essa posição não cética foi sustentada justamente por Dworkin, que Waldron cita afirmando que seria a posição da maioria dos pensadores liberais clássicos. De fato, Dworkin conclui seu artigo “Liberalism” afirmando que o liberalismo não se sustenta no ceticismo, por tratar-se de uma moralidade política constitutiva, a qual requer que os indivíduos sejam tratados pelo governo como iguais, não porque não haja certo e errado em questões morais, mas porque isso que é o certo a ser defendido6. Porém, apesar de não se basear num ceticismo, Dworkin ainda entendia, em 1978, que o liberalismo demandaria uma neutralidade quanto às questões de vida boa individual. O liberalismo seria, pois, constitutivamente antiperfeccionista. Assim, ele já não defendia uma neutralidade moral quanto às concepções de moralidade política e de justiça, mas advogava por uma neutralidade quanto às concepções individuais de vida boa, teorizando que essa seria a marca liberal.
A igualdade como princípio no liberalismo de Ronald Dworkin
Com o passar dos anos, Dworkin gradualmente modificou a sua posição quanto ao papel da neutralidade. Em 1981, no ensaio “Is There a Right to Pornography?”, em vez da neutralidade, Dworkin defendeu a ideia de que o Estado deveria garantir o “direito de independência moral” dos cidadãos. Em 1983, no artigo “Why Liberals Should Care About Equality” (depois incluído no livro A Matter of Principle), o autor explicitamente abandonou a neutralidade como princípio, dividindo o liberalismo em dois tipos, “baseado na neutralidade” ou “baseado na igualdade”, afirmando adotar esta segunda versão. Dworkin afirma que o liberalismo baseado na neutralidade retira seu fundamento do ceticismo moral, que o filósofo já rejeitava em 1978, conforme vimos. Para ele, esse liberalismo cético estaria vulnerável à crítica de ser uma teoria negativa, voltada a pessoas sem compromisso, ao contrário de teorias morais propositivas, como a utilitarista. Por outro lado, o liberalismo baseado na igualdade assentaria um compromisso positivo com uma moralidade igualitária (Dworkin, 1986, p. 205).
Nesse artigo, Dworkin mantém a ideia defendida em 1978, no sentido de que o governo não deve impor uma moralidade privada quanto às concepções de vida boa7, porquanto o igual respeito aos indivíduos (pressuposto liberal, para o autor) implica respeitar-se um espaço de autonomia privada para cada cidadão. Portanto, ele ainda mantém sua posição antiperfeccionista. Todavia, para o autor, a neutralidade em si não seria mais um axioma liberal, com a importância que ele havia atribuído em 1978, mas, sim, um corolário, por vezes afastável, subordinado a uma ideia de igualdade segundo a qual, em suas palavras, o governo não deve impor nenhum sacrifício ou constrangimento a qualquer cidadão em virtude de um argumento que o próprio cidadão não poderia aceitar sem abandonar seu senso de igual valor8. Com efeito, trata-se de uma mudança de enfoque, já que ele continua defendendo a neutralidade do Estado em relação às concepções de bem individuais, porém, deixa de entender que esta seja a característica central do liberalismo, que passa a ser a igualdade de direitos.
Na economia, por exemplo, isso significa garantir uma igualdade de recursos iniciais para que cada indivíduo possa seguir os seus projetos próprios. Isso não significa, pondera o autor (1986, p. 206), uma igualdade de resultados, na qual todos os indivíduos possuem a mesma riqueza em todos os momentos de sua vida: ao contrário, após terem partido de uma situação inicial de igualdade, as escolhas que as pessoas fazem sobre trabalho, lazer e investimento podem legitimamente refletir em um resultado final desigual. Isso explica por que razão, muitas vezes, liberais são atraídos pela ideia do mercado como um método de alocação de recursos9. Mas Dworkin (1986, p. 207) adverte: o mercado seria um meio eficiente de definição das partes iguais dos recursos da comunidade se as pessoas começassem com quantidades iguais de riqueza e caso tivessem níveis aproximadamente iguais de habilidade natural, o que está longe de ser a realidade. No mundo real, as pessoas não começam suas vidas em igualdade de condições e as desigualdades desde a partida se manifestam em muitos aspectos: herança, educação, racismo, sorte, talentos valorizados, saúde. “Portanto, um liberal não pode, afinal, aceitar que os resultados do mercado definam partes iguais” (Dworkin, 1986, p. 207)10. Por consequência, as alocações de mercado devem ser corrigidas para compensar desigualdades derivadas de várias diferenças de vantagem inicial, como nos casos de talento e sorte, quando elas não possam ser razoavelmente atribuídas às escolhas genuínas das pessoas.
Dworkin (1986, pp. 207-208) pontua ser impossível estabelecer exatamente quais aspectos da posição econômica de qualquer pessoa fluem de suas escolhas ou de vantagens ou desvantagens que não eram questões de escolha, de maneira que não é possível alcançar uma perfeição e exatidão nesse tema. Por isso, os programas governamentais devem ser sempre revisados e reavaliados, de modo não dogmático, para buscarem as melhores soluções que se aproximem desse ideal. Em algum contexto, exemplifica o autor (1986, pp. 207-208), isso pode recomendar até mesmo a redução de impostos e gastos sociais, caso seja uma maneira eficaz de tornar a economia mais dinâmica, trazendo um benefício final maior para a toda a população. Contudo, o liberalismo não deve admitir políticas públicas e econômicas que, em nome de um bem futuro e de longo prazo, sacrifiquem além do razoável as gerações atuais: “Pois a obrigação da sociedade recai primeiro sobre os seus cidadãos vivos” (Dworkin, 1986, p. 213)11. Ademais, isso incorreria em um utilitarismo12. Tal medida violaria o princípio fundamental do liberalismo baseado na igualdade, segundo o qual as pessoas devem ser tratadas com igual consideração. Coisa diferente e aceitável é demandar que os cidadãos façam sacrifícios que não sejam excessivos, a fim de evitar uma injustiça muito maior para os cidadãos das futuras gerações de sua comunidade. Mas essa exigência ao indivíduo é aceitável apenas quando a mesma comunidade lhe oferece, no mínimo, a oportunidade de desenvolver e levar uma vida que ele possa considerar valiosa, tanto para si quanto para ela13.
Outros tipos de desigualdades ainda são admitidos, mesmo além daquelas derivadas das diferentes escolhas genuínas, quando benéficas para toda a comunidade. Por exemplo, Dworkin considera razoável que, em uma guerra defensiva, aqueles que são capazes de prestar serviço militar assumam uma parcela muito maior do perigo do que outros. Ademais, ele (1986, p. 209) considera admissível que o governo direcione recursos especiais à formação de artistas ou músicos excepcionalmente talentosos, para além do que o mercado pagaria, mesmo que isso signifique menor alocação para outras áreas ou pessoas. Da perspectiva liberal igualitária, isso é aceito não porque a vida de um artista é inerentemente mais valiosa do que outras vidas, mas porque uma comunidade com uma tradição cultural viva oferece um ambiente no qual todos os cidadãos podem viver com mais imaginação e do qual podem se orgulhar. A conclusão do autor sobre o liberalismo baseado na igualdade é bem expressa em um trecho no qual afirma que o liberalismo não precisa ser neutro em relação às diferentes virtudes e excelências, desde que a razão disso seja a igual consideração e respeito por todos os indivíduos, e não o valor inerente de uma forma de vida: “O liberalismo não precisa ser insensível a estas e outras virtudes semelhantes da comunidade. A questão não é se qualquer desvio é permitido, mas quais razões para o desvio são consistentes com igual preocupação e respeito” (Dworkin, 1986, p. 209)14.
Assim, pode ser dito que em “Why Liberals Should Care About Equality” Dworkin mantém o seu antiperfeccionismo, mas retira o peso do princípio da neutralidade diante do ideal da igualdade, admitindo a promoção de virtudes e excelências pelo governo quando isso favorece a igual consideração e respeito na sociedade, marcando mais uma etapa no deslocamento de sua obra, afastando-se da primeira e aproximando-se da segunda.
O “modelo do desafio” de Dworkin como perfeccionismo liberal
Essa posição do autor sobre o valor da igualdade se consolida na obra Sovereign Virtue, de 2000, em que ele delineia diversos aspectos da sua teoria político-normativa liberal. Nela, Dworkin desenvolve a sua teoria da igualdade de recursos, já introduzida no artigo “Why Liberals Should Care about Equality”, como uma teoria da igualdade moral, que pretende deixar espaço também para a liberdade individual e para a responsabilidade pessoal. Portanto, contra a igualdade de bem-estar ou de resultado, o autor defende uma igualdade de recursos iniciais, a partir dos quais todos os indivíduos tenham iguais oportunidades para seguirem seus próprios projetos de vida, mas assumindo a responsabilidade pelo caminho que venham a seguir após o ponto de partida, ao mesmo tempo possuindo uma ampla rede de seguros para aqueles infortúnios que nossa intuição moral admita como incontroláveis ou frutos do acaso, como doenças ou deficiências.
Após tratar da igualdade de recursos, Dworkin aborda as grandes questões da liberdade individual, das instituições políticas e da comunidade. A sua conclusão sobre a concepção de igualdade, liberdade e comunidade é resumida quando ele diz defender uma concepção segundo a qual, ao contrário do que muitos acreditam, igualdade, liberdade e comunidade não são valores distintos e muitas vezes conflitantes, mas valores harmônicos (Dworkin, 2002, p. 237). Para ele, a igualdade deve ser medida em recursos e oportunidades, não em bem-estar, a fim de permitir a liberdade e a responsabilidade individuais; a liberdade não é a liberdade de fazer tudo o que se quer, mas de fazer tudo o que se quer desde que respeite os direitos iguais dos outros; e a comunidade deve basear-se não no obscurecimento ou na diluição da liberdade e da responsabilidade individuais, mas no respeito por ambas15. Ou seja, liberdade e igualdade não são valores conflitantes, mas complementares, e a comunidade liberal não conflita com a liberdade individual, ao contrário, decorre dos próprios valores comunitários uma defesa das iguais liberdades para todos.
A maior novidade de Sovereign Virtue, no entanto, é desenvolvida no capítulo 6 da obra, intitulado Equality and the Good Life, quando Dworkin deixa de defender o liberalismo como uma corrente que demanda a neutralidade do governo em relação às questões de vida boa e do que dá valor à vida, passando a sustentar que o próprio liberalismo propõe uma perspectiva sobre o bem. Logo na introdução da obra, ele afirma contrapor-se a Rawls em um aspecto ao menos: o contrato social de Rawls pretende isolar a moralidade política dos pressupostos éticos e das controvérsias a respeito do caráter da vida boa, o que Dworkin não mais pretende fazer. Assim, ele afirma que o argumento do seu livro espera encontrar apoio não em um acordo ou consenso, mesmo que seja hipotético, mas nos valores da estrutura da vida boa e dos princípios da responsabilidade individual. De fato, a sua teoria da igualdade de recursos e o seu método do seguro hipotético tentam orbitar o máximo possível em torno da responsabilidade do indivíduo por seus atos, ao contrário do princípio da diferença de Rawls, que prescinde da responsabilidade individual (Dworkin, 2002, p. 5).
Chegando ao mencionado Capítulo 6, Dworkin aborda a questão do lugar da vida boa na sua concepção. Inicialmente, o autor afirma responder a objeções poderosas contra o liberalismo, que é acusado de conferir demasiada atenção aos direitos e aos princípios da justiça, e pouca atenção ao bem viver das pessoas (Dworkin, 2002, pp. 237-238). De fato, à esquerda, marxistas acusam os liberais de se preocuparem demais com direitos individuais, esquecendo o caráter alienado da vida burguesa e ignorando o bem-estar de boa parte da população. À direita, nietzschianos afirmam que a moralidade liberal é uma moralidade do escravo, construída pelos invejosos para restringir as pessoas grandiosas, enquanto conservadores afirmam que o liberalismo despreza a vida boa proporcionada pelas tradições e pela moralidade convencional.
Dworkin (2002, p. 238) ainda menciona três acusações latentes ao liberalismo, em ordem decrescente de gravidade: (1) a sociedade liberal impossibilitaria a vida boa; (2) a sociedade liberal subordinaria a vida boa à justiça, insistindo que a justiça está sempre em primeiro lugar, mesmo quando algumas pessoas tenham de sacrificar a qualidade e o êxito geral de sua própria vida; e (3) o liberalismo seria neutro e independente em relação às diferentes concepções de vida boa.
O filósofo, então, pergunta: seria o liberalismo culpado dessas três acusações? E ele mesmo responde, categoricamente, que não. Segundo o autor, o liberalismo (1) não descarta o bem viver, (2) não subordina essa meta à justiça, e (3) nem mesmo a ignora16. Dworkin (2002, p. 238) admite, quanto à terceira acusação, que a maioria dos liberais, de fato, declara tal neutralidade em relação às diferentes perspectivas de vida boa, e, em uma nota de rodapé nesse ponto, afirma que defendeu essa posição no seu artigo “Liberalism”, em 1978. Agora, porém, ele diz que o liberalismo pode e deve ser neutro em alguns níveis relativamente concretos da ética, mas não pode e não deve ser neutro nos níveis mais abstratos da questão de como viver bem. Então, a virada de Dworkin parece quase completa quando ele afirma que “[…] a igualdade liberal não exclui, ameaça ou ignora a bondade das vidas que as pessoas vivem, mas antes flui de e para uma concepção atraente do que é uma vida boa” (Dworkin, 2002, p. 242)17. Todavia, se Dworkin passou a defender uma concepção de vida boa liberal, qual seria tal concepção? De início, ele afirma algo que parece enigmático: a vida é bem-sucedida na medida em que é uma resposta apropriada às diversas circunstâncias em que é vivida. Após, complementa dizendo concordar com Platão no sentido de que a própria justiça é um requisito da vida bem-sucedida18. Isso parece implicar que (a) a vida boa requer alguns parâmetros objetivos em termos de reação apropriada e que (b) a defesa liberal dos direitos e dos princípios de justiça, ainda que independentes da excelência e do bem-estar, faz parte de uma vida boa.
Ao tratar do que torna a vida boa ou bem-sucedida, Dworkin (2002, pp. 242-245) começa abordando uma das correntes que oferecem resposta à questão: o utilitarismo. Como vimos, em 1977, Dworkin rejeitou as teorias “baseadas em objetivos”, contrapostas à sua teoria “baseada em direitos”. Ele continua rejeitando o utilitarismo em Sovereign Virtue: tal concepção se restringe a um tipo limitado de bem, que Dworkin chama de bem “volitivo”, voltado meramente ao prazeroso e ao agradável. O filósofo argumenta que existe outro tipo de bem, que ele chama de “crítico”, não associado direta e necessariamente aos prazeres, mas, ainda assim, que consideramos importante para nossas vidas. O interesse crítico é tudo aquilo que nem sempre queremos e achamos agradável, mas, ainda assim, sabemos ser importante para nós. Mas, em sua nova posição, rejeitar concepções hedonistas (como fazem as teorias liberais baseadas em direitos) não necessariamente significa rejeitar a vida boa, que inclui, além do hedonismo, uma outra espécie de bem viver: um bem-viver crítico. Porém, se Dworkin está rejeitando o utilitarismo, sem rejeitar uma concepção de vida boa a ser promovida pelo governo, estaria aderindo àquela ideia de excelência nas artes, nas ciências e na cultura? Ou deveríamos falar de uma terceira espécie de concepções do bem viver?
Dworkin esclarece que a diferença entre interesses volitivos e críticos não é uma separação entre subjetivo e objetivo (2022, p. 243), pois os interesses críticos têm algo de subjetivo, na medida em que são as próprias pessoas que querem, subjetivamente, viver uma vida melhor, buscando objetivos que consideram mais altos e importantes do que o mero prazer imediato. Ele defende o que chama de “modelo do desafio”, pelo qual cada vida humana é uma grande aventura a ser vivida, na busca da satisfação de interesses volitivos e também críticos, nem sempre ligados ao resultado ou impacto que produzem. Esse modelo, contrariamente ao denominado “modelo do impacto”, valoriza a ação e a jornada, em vez do resultado e da chegada - contrapondo-se assim às teses consequencialistas. Entretanto, os interesses críticos não são apenas subjetivos, porquanto demandam reações apropriadas às situações enfrentadas (Dworkin, 2002, p. 259). Isso não significa estabelecer qual seria exatamente a resposta apropriada para cada situação; em vez disso, almeja somente evidenciar que as respostas dependem de cada contexto e não de um ideal fixo a ser alcançado, como o prazer máximo ou um padrão de excelência imutável. Ainda assim, há parâmetros para essas reações adequadas. Eles são colocados a partir da adoção da tese aristotélica de que a vida boa tem o valor de uma ação habilidosa19, cujo valor não está no seu impacto e no seu produto, mas na forma hábil de agir e reagir a partir das circunstâncias de cada contexto e momento. Isso significa que nem todo desafio pessoal enseja uma boa vida. É preciso que o desafio seja enfrentado de maneira hábil e, como veremos, é preciso também que ele respeite a justiça.
Desse modo, quando defende que o modelo do desafio não enaltece nenhum objetivo, ideal, impacto ou padrão de excelência e de vida boa pré-fixados, Dworkin parece afastar-se do perfeccionismo, mesmo no seu conceito mais amplo. Porém, a ideia de que a vida boa demanda respostas habilidosas e adequadas às circunstâncias e também o respeito à justiça parece nos remeter, novamente, à noção de busca da excelência e de critérios objetivos. A menção de Dworkin à tese aristotélica do valor da ação habilidosa é ainda relevante por uma outra razão importante: porque Rawls, em Uma Teoria da Justiça, já havia reconhecido o princípio aristotélico como algo a ser considerado pelas partes no contrato original, o que, segundo Wall (2013), aproximaria Rawls de um perfeccionismo moderado - embora isso não tenha sido reconhecido explicitamente pelo próprio autor.
Diferentemente de Rawls, Dworkin parece acolher o princípio aristotélico sem reservas em Sovereign Virtue, num modelo de vida boa liberal. Entretanto, ele deixa claro que o valor da ação habilidosa não implica um ideal fixo de boa vida, ao contrário, permite diversas possibilidades conforme diferentes contextos. Além disso, em outros dois aspectos Dworkin rejeita um modelo objetivista de vida boa. Primeiro, ele esclarece que a justiça, embora muito importante para a vida boa individual, não seria o que ele chama de um “parâmetro rígido” para o bem viver, como em Platão, isto é, uma condição sine qua non. Dworkin entende que a justiça seria um “parâmetro suave” para a vida boa, porquanto uma vida pode ser boa sem justiça (do próprio indivíduo ou da sociedade) (Dworkin, 2002, pp. 263-267)20. Em segundo lugar, o autor defende que a vida boa depende da convicção pessoal, de modo que terceiros não podem definir o que é bom para outrem. Desse modo, na tese do desafio, a intenção é parte constitutiva do valor (Dworkin, 2002, p. 268).
É nesse sentido que Dworkin rejeita o “paternalismo crítico coercitivo”, que busca melhorar a vida das pessoas contra sua própria vontade e convicção. O modelo do impacto pode admitir o paternalismo; o modelo do desafio não (Dworkin, 2002, pp. 268-269). O modelo do desafio admite, no máximo, um tipo de paternalismo de curto prazo, desde que baseado num provável endosso futuro do próprio indivíduo paternalizado, por exemplo, no caso de uma criança que é obrigada a estudar por seus pais, levando-se em conta que, provavelmente no futuro, ela própria reconhecerá o acerto dos pais quando forçaram sua educação (Dworkin, 2002 p. 269)21. Porém, se o melhor desafio para cada pessoa depende de suas próprias convicções, isso não significa que toda forma de vida escolhida seja aceitável, pois algumas convicções éticas são tão terríveis ou degradantes que não devem ter espaço, mas não porque a vida contra as próprias convicções seria melhor para a pessoa, e, sim, porque a vida perversa é ruim para outras pessoas (Dworkin, 2002, p. 272)22.
Nesse ponto, podemos finalmente aplicar às ideias de Dworkin aquela tese geral do perfeccionismo (Wall, 1998, p. 8), segundo a qual os governos deveriam ter um papel ativo na criação das condições sociais que possibilitem aos cidadãos vidas valiosas e significativas. A princípio, o modelo do desafio parece apresentar uma ambiguidade em relação a essa tese, pois embora Dworkin afirme defender um modelo de vida boa e afirme que “[…]o governo deve agir para melhorar a vida dos cidadãos […]” (Dworkin, 2002, p. 184)23, seu modelo do desafio admite infinitas formas de vida e depende sempre do endosso de cada indivíduo, rejeitando o paternalismo. Ademais, reforçando a impressão de ambiguidade, ele cita (a) os interesses críticos (contra os meros desejos), (b) a justiça, e (c) a ação habilidosa como condições da vida boa, mas depois pondera que (a’) os interesses críticos são também subjetivos, (b’) a justiça é apenas um “parâmetro suave” (não “rígido”) e, acima de tudo, (c’) nada disso torna a vida de uma pessoa melhor se não contiver a intenção do próprio indivíduo.
Todavia, essa ambiguidade pode ser desfeita a partir de uma compreensão diversa da vida boa. De fato, o modelo de vida boa liberal de Dworkin em Sovereign Virtue pode ser sintetizado na possibilidade de que os indivíduos escolham suas próprias vidas, o que, para o autor, já constitui uma forma de vida boa: trata-se da vida boa como vida autônoma e autêntica. O ideal da autonomia nos parece claro quando Dworkin (2002, p. 254) explica que o modelo do desafio considera a vida boa como “ação habilidosa de uma importante missão auto-atribuída”24 e que “[…] para viver bem, temos de atribuir a nós mesmos o verdadeiro desafio na vida […]” (Dworkin, 2002, p. 264)25. Além disso, a autonomia e a autenticidade são expressamente referidas como predicados de uma vida valiosa no seguinte trecho (Dworkin, 2002, pp. 129-130):
[…] ninguém poderia ser entusiasta da liberdade, como algo intrinsecamente valioso, se não pensasse que vidas levadas sob condições de liberdade fossem, por essa razão, vidas mais valiosas, porque mais autônomas ou mais autênticas, ou vidas de maior dignidade, ou vidas melhores de alguma outra forma. […] Se a liberdade é valiosa porque vidas levadas sob liberdade são vidas mais valiosas, então o princípio igualitário em si exige que o governo cuide da liberdade, pois exige que o governo tenha consideração pelas vidas daqueles que governa26.
Ainda, Dworkin relativiza a separação entre o justo e o bom: em Sovereign Virtue, a justa distribuição dos recursos, permitindo a liberdade individual para todas as pessoas, é parte do próprio bem, do ponto de vista individual e social27. Em outras palavras: ser livre para escolher e ser justo é bom, constituindo uma terceira espécie de concepção de vida boa, diferente do bem-estar e da excelência; uma nova concepção que enxerga a vida autônoma, autêntica e justa como uma vida criticamente boa, ainda que nem sempre repleta de bem-estar e tampouco excelente nas artes, na ciência e na cultura28. Assim, é possível identificar um perfeccionismo em Sovereign Virtue, se adotarmos aquele conceito mais amplo do princípio da perfeição, que engloba quaisquer perspectivas sobre a vida boa e valiosa, porém, trata-se de um perfeccionismo liberal, que busca interferir o mínimo possível nas escolhas dos indivíduos, exceto para proteger seus direitos e promover condições para que suas vidas sejam autônomas, autênticas e justas. Ademais, ao endossar o chamado princípio aristotélico, Dworkin também reconhece ser próprio da natureza humana buscar o autoaperfeiçoamento, o que implicaria aceitar a promoção estatal de políticas públicas visando estimular a excelência humana, desde que com o endosso presente ou provável dos indivíduos e desde que atendidos os requisitos da justiça.
Essa virada perfeccionista liberal, mesmo que não explícita pelo autor nestes termos, (i) permite justificar em nome do que a justiça e os direitos liberais são defendidos, isto é, em nome de um bem crítico do ponto de vista dos próprios concernidos; assim como (ii) cria um embasamento teórico para a atuação estatal no sentido da promoção, não apenas da justiça, mas também, por meio da educação e da cultura, de formas de vida autônomas, autênticas e justas, embora sem interferir-se de modo abrangente nas escolhas dos indivíduos, respeitando, assim, sua dignidade. Conquanto Dworkin não seja totalmente explícito nesse ponto, ele (2002, p. 274) chega a afirmar que “o modelo não exclui a possibilidade de que a comunidade deva endossar e recomendar coletivamente ideais éticos aos quais a cultura não dê apoio adequado”29. Ademais, ele (2002, p. 432) diz que “[…] o Estado tem o direito e, de fato, a responsabilidade de educar e incentivar seus membros a tomar decisões relativas a importantes valores independentes […]30”.
Considerações Finais
Nas seções anteriores, vimos que Dworkin, ao menos desde 1978, rejeitou uma neutralidade liberal em relação às questões de moralidade política e de justiça, porém, entendeu a neutralidade em relação às concepções privadas de vida boa como fundamental para diferenciar o liberalismo de doutrinas iliberais. A partir de 1983, ele passou a separar o liberalismo em duas vertentes, uma baseada na neutralidade e outra baseada na igualdade, defendendo esta última, considerando a neutralidade não mais como definidora do liberalismo, mas, sim, a igualdade31. Nessa nova perspectiva, conforme mostramos, o liberalismo não se diferencia das correntes iliberais pela defesa de uma neutralidade, embora ainda mantendo o antiperfeccionismo, porém, diferencia-se pela concepção de que o governo não deve impor nenhum sacrifício ou constrangimento a qualquer cidadão em virtude de um argumento que o próprio cidadão não poderia aceitar sem abandonar seu senso de igual valor.
Porém, na obra Sovereign Virtue - The Theory and Practice of Equality, de 2000, a virada de Dworkin contra a neutralidade dá mais um passo decisivo, abandonando até mesmo o antiperfeccionismo, quando consideramos o seu sentido mais amplo. Essa virada leva a um perfeccionismo liberal que permite conceber a viabilidade de um Estado que promove políticas públicas, por exemplo, nas áreas da educação e das artes, que estimulem a valorização da autonomia e da autenticidade como concepções de vida boa, sem que isso implique uma ofensa à dignidade dos indivíduos. Como já dito na apresentação, esse tipo de debate entre perfeccionistas e antiperfeccionistas é hoje um tema fundamental na filosofia política liberal, por tratar dos contornos e dos limites da atuação das instituições políticas dentro de uma sociedade plural e democrática. Assim, um Estado democrático liberal - normativamente adequado ao arcabouço teórico do tipo de perfeccionismo fornecido por Dworkin que pretendemos apresentar aqui - poderia assumir uma concepção de bem mais ampla e plural, sem aquela pretensão de neutralidade moral ou ética que pode acarretar certa inação e, consequentemente, como tem se mostrado recentemente, até mesmo o desaparecimento das condições necessárias para a sua continuidade32.
Referências
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» https://plato.stanford.edu/archives/fall2021/entries/perfectionism-moral/ - WALL, Steven. (2013). Rawlsian Perfectionism. Journal of Moral Philosophy, [s. l.], v. 10, pp. 573-597.
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1
“Conforme argumentarei mais adiante, o princípio da perfeição seria rejeitado na posição original” (Rawls, 2016, p. 308).
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2
A posição de Joseph Raz pode ser aproximada do liberalismo de John Stuart Mill nesse ponto. David Brink (2013, p. 258, tradução nossa) argumenta que Mill seria um defensor perfeccionista da autonomia individual, uma vez que a entendia como parte essencial da vida boa: “Como vimos no capítulo 3, o perfeccionismo milliano é pluralista sem ser relativista (§ 18). Liberdades básicas são importantes porque elas são condições necessárias para este tipo de autodireção e autorrealização reflexivas. Nesta versão do liberalismo, o Estado reconhece várias liberdades civis e resiste ao paternalismo e ao moralismo comuns, não porque ele não vai tomar uma posição sobre questões do bem, mas porque ele reconhece a autonomia e a autorrealização como bens de ordem superior”. Nesse sentido, a autonomia humana não seria um valor moral neutro, mas uma perspectiva particular sobre o bem, que o Estado deveria privilegiar. Portanto, Mill estaria enquadrado aqui entre os perfeccionistas liberais. Para uma interessante discussão sobre a relação entre o liberalismo de Mill e o perfeccionismo, Cf.: Coitinho (2022).
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3
Como exemplo dessa posição rigorosamente antiperfeccionista, Ronald Dworkin afirmou sobre o liberalismo que “sua moralidade constitutiva é uma teoria da igualdade que exige neutralidade oficial entre teorias do que é valioso na vida […]” (1978, p. 142, tradução nossa).
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4
A título de exemplo, Dworkin (1978b, pp. 115-120) cita a defesa do crescimento econômico, do capitalismo e da liberdade de expressão como pautas que foram importantes para muitos liberais em certos contextos, mas que, por si sós, não explicam o princípio central dessa corrente política, conforme veremos adiante.
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5
“Eu presumo (como disse) que há amplo acordo nas sociedades modernas de que o governo deve tratar todos os seus cidadãos com igual consideração e respeito” (Dworkin, 1978b, p. 126, tradução nossa).
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6
“O liberalismo não pode ser baseado no ceticismo. Sua moralidade constitutiva proporciona que seres humanos devem ser tratados como iguais pelos seus governos, não porque não haja certo e errado na moralidade política, mas porque isto é o correto” (Dworkin 1978b, p. 142, tradução nossa).
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7
“Então, o liberalismo baseado na igualdade justifica o princípio liberal tradicional de que o governo não deveria impor moralidade privada desse tipo” (Dworkin, 1986, p. 206, tradução nossa).
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8
“Essa forma de liberalismo insiste que os governos devem tratar as pessoas como iguais no seguinte sentido. Ele não deve impor nenhum sacrifício ou restrição sobre qualquer cidadão em virtude de um argumento que o cidadão não poderia aceitar sem abandonar seu senso de igual valor” (Dworkin, 1985, p. 205, tradução nossa).
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9
“Um mercado eficiente para investimentos, trabalho e bens funciona como um tipo de leilão em que o custo para alguém do que ele consome, a título de bens e de lazer, e o valor do que ele acrescenta, através do seu trabalho produtivo ou de suas decisões, são fixados pela quantia que o seu uso de algum recurso custa para os outros, ou quanto suas contribuições os beneficiam, em cada caso medidos por sua disposição de pagar por isso” (Dworkin, 1986, p. 207, tradução nossa).
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10
No original: “So a liberal cannot, after all, accept the market results as defining equal shares”.
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11
No original: “For society’s obligation runs first to its living citizens”.
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12
“Então, o argumento popular atualmente, de que nós devemos reduzir benefícios agora a fim de obtermos prosperidade geral depois, é simplesmente uma peça de utilitarismo, que tenta justificar perdas irreversíveis para uma minoria a fim de obter ganhos para uma ampla maioria. […] Isso nega o princípio fundamental do liberalismo baseado na igualdade, o princípio de que as pessoas devem ser tratadas com igual consideração” (Dworkin, 1986, p. 209, tradução nossa).
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13
“Se for pedido às pessoas que se sacrifiquem por sua comunidade, deve ser oferecida a elas alguma razão pela qual a comunidade que se beneficia deste sacrifício é a comunidade delas” (Dworkin, 1986, p. 211, tradução nossa). Dworkin (1986, pp. 211-212) fornece alguns exemplos de programas possíveis: programas como vale-refeição, Auxílio a Famílias com Filhos Dependentes e aqueles que usam fundos federais para tornar o ensino superior disponível para os pobres. Se programas “direcionados” como esses são considerados muito caros ou muito ineficientes, o governo deve mostrar como planos ou programas alternativos restaurarão a promessa de participação no futuro oferecida por esses programas. Em todo caso, ele diz, a redução do nível global de bem-estar prestado aos pobres deve ser acompanhada de esforços para melhorar a integração social e a participação política dos negros e outras minorias que mais sofrem, de modo a assegurar-lhes um papel mais proeminente na comunidade pela qual se sacrificam.
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14
No original: “Liberalism need not be insensitive to these and similar virtues of community. The question becomes not whether any deviation is permitted, but what reasons for deviation are consistent with equal concern and respect”.
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15
“Nos capítulos precedentes, eu defendi uma concepção particular de liberalismo. Esta concepção - igualdade liberal - insiste que liberdade, igualdade e comunidade não são três distintas e frequentemente conflitantes virtudes políticas, como outras teorias políticas à esquerda e à direita declaram, mas aspectos complementares de uma única visão política. […] A igualdade deve ser medida em recursos e oportunidades, não em bem-estar. Liberdade não é liberdade para fazer qualquer coisa que alguém queira, não importa o que, mas para fazer qualquer coisa que alguém queira que respeite os verdadeiros direitos dos outros. Comunidade não deve ser baseada na confusão ou fusão entre liberdade individual e responsabilidade, mas em respeito partilhado e efetivo por essa liberdade e responsabilidade. Este é o liberalismo concebido como igualdade liberal” (Dworkin, 2002, p. 237, tradução nossa).
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16
“O liberalismo é realmente culpado de qualquer dessas acusações? Ele impede viver bem, subordina esse objetivo ou o ignora? Não; mas nós não podemos compreender porque até que reconheçamos que uma teoria da vida boa, como qualquer outro setor de pensamento importante, é complexa e pesadamente estruturada. Liberalismo pode e deve ser neutro em algum, relativamente concreto, nível de ética. Mas ele não pode e não deveria ser neutro nos níveis mais abstratos em que nós ficamos confusos, não sobre como viver em detalhes, mas sobre o caráter, força e posição da própria questão de como viver” (Dworkin, 2002, p. 239, tradução nossa).
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17
No original: “[…] liberal equality does not preclude or threaten or ignore the goodness of the lives people live, but rather flows from and into an attractive conception of what a good life is”.
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18
Veremos adiante que o próprio autor relativiza essa posição depois, afirmando defender que a justiça seria um requisito “suave” para a boa vida, mas não “rígido”, isto é, não uma condição sine qua non. Por ora, ele diz: “Eu distingo vários modelos de valor ético e defendo um deles - o modelo do ‘desafio’, que supõe que uma vida é bem-sucedida na medida em que ela é uma resposta apropriada às circunstâncias distintas em que ela é vivida. Este modelo, eu alego, tem mais apelo intuitivo do que seus principais rivais e ajuda a expor a verdade que há na ideia platônica de que a justiça não é um sacrifício que prejudica a habilidade de alguém viver uma vida bem-sucedida, mas é, em vez disso, um pré-requisito de uma vida bem-sucedida” (Dworkin, 2002, p. 240, tradução nossa). Porém, em Justice for hedgehogs (2011), sua penúltima e mais abrangente obra, na busca por integrar totalmente a ética pessoal e a moralidade, Dworkin distingue vida boa e bem viver, concluindo que os deveres morais podem nem sempre ser indispensáveis à vida boa, mas são, sim, essenciais ao bem viver.
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19
“O modelo alternativo que eu desenvolverei agora - o modelo do desafio - rejeita esta limitação. Ele adota a visão de Aristóteles de que uma vida boa tem o valor inerente de uma performance habilidosa. Então, ele sustenta que eventos, realizações e experiências podem ter valor ético, mesmo quando eles não têm impacto além da vida em que ocorrem. A ideia de que uma performance habilidosa tem um valor inerente é perfeitamente familiar como um tipo de valor no interior das vidas” (Dworkin, 2002, p. 253, tradução nossa).
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20
Em Justice for hedgedogs, Dworkin desenvolve essa posição, argumentando que o respeito à justiça pode ser dispensável à vida boa (bem-estar), mas é fundamental ao bem viver: “Nós deveríamos distinguir entre viver bem e ter uma vida boa. Estas duas realizações diferentes são conectadas e distintas do seguinte modo: viver bem significa lutar para criar uma vida boa, mas sujeita apenas a certas restrições essenciais para a dignidade humana” (Dworkin, 2011, p. 195, tradução nossa); “Nós não podemos integrar ética e moralidade em uma rede interpretativa global, supondo que ser moral é essencial para a vida boa. Porém, nós podemos manter a hipótese, ao menos, de que a moralidade é essencial para viver bem” (Dworkin, 2011, p. 202, tradução nossa).
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21
“O modelo não elimina a possibilidade de que a comunidade deveria endossar e recomendar coletivamente ideais éticos não apoiados adequadamente pela cultura. Ele também não elimina educação compulsória e outras formas de regulação que a experiência mostre serem provavelmente endossadas de maneira genuína, em vez de manipulada, quando essas são suficientemente de curto prazo, não invasivas e não sujeitas a outras objeções independentes” (Dworkin, 2002, p. 274, tradução nossa).
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22
Essa posição também é desenvolvida em Justice for hedgehogs e Dworkin passa a considerar, seguindo Kant, que a violação dos deveres morais e de justiça prejudica também o bem viver de quem pratica tais atos, pois implica uma violação à dignidade humana, o que denota uma violação ao autorrespeito, condição ao bem viver: “O primeiro princípio da dignidade, reformulado para deixar claro o valor objetivo de qualquer vida humana, torna-se o que chamei de princípio de Kant. O motivo que o leva a considerar objetivamente importante o rumo de sua vida é também o motivo que o leva a considerar importante o rumo da vida de qualquer pessoa: você vê a importância objetiva de sua vida refletida na importância objetiva da vida de todos os outros” (Dworkin, 2011, p. 260, tradução nossa).
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23
No original: “[…] government must act to make the lives of citizens better[…]”.
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24
No original: “[…] skillful performance of an importanl self-assignment”.
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25
No original: “[…] living well includes assigning ourselves the right challenge in living”.
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26
No original: “[…] no one could be enthusiastic for liberty, as something intrinsically valuable, who did not think that lives led under conditions of liberty were for just that reason more valuable lives, because more autonomous or more authentic, or lives of greater dignity, or better lives in some other way. […] If liberty is valuable because lives led under liberty are more valuable lives, then the egalitarian principle itself requires government to attend to liberty, because it requires government to have concern for the lives of those it governs”.
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27
“Se viver bem significa responder da maneira correta ao desafio justo, então, a vida de alguém fica pior quando ele trapaceia os outros para sua vantagem injusta. Ela também fica pior quando, mesmo sem nenhuma culpa sua, ele vive em uma sociedade injusta, porque então ele não pode enfrentar o desafio justo se ele é rico, com mais do que a justiça permita que ele possua, ou pobre, com menos” (Dworkin, 2002, p. 265, tradução nossa).
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28
Com efeito, na obra Justice for hedgehogs, Dworkin dá o passo final no desenvolvimento de sua concepção de bem estabelecendo dois eixos ao bem viver individual, que ele chama de dois princípios da dignidade: o autorrespeito e a autenticidade: “O primeiro é um princípio de autorrespeito. Cada pessoa deve tomar sua própria vida a sério: ela deve aceitar que é uma questão importante que sua vida seja uma performance exitosa, em vez de uma oportunidade desperdiçada. O segundo é um princípio de autenticidade. Cada pessoa tem uma responsabilidade pessoal, especial, de identificar o que conta como êxito em sua vida; ela tem uma responsabilidade pessoal de criar esta vida através de uma narrativa ou estilo coerente que ela mesma adota” (Dworkin, 2011, pp. 203-204, tradução nossa).
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29
No original: “The model does not rule out the possibility that the community should collectively endorse and recommend ethical ideals not adequately supported by the culture”
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30
No original: “[…] a state does have the right, and indeed has a responsibility, for educating and urging its members to make decisions touching important detached values responsibly”.
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31
“Liberalismo baseado na neutralidade toma como fundamental a ideia de que os governos não devem tomar partido sobre questões morais e apoia somente medidas igualitárias tais que possam ser mostradas como resultado deste princípio. Liberalismo baseado na igualdade toma como fundamental que os governos tratem seus cidadãos como iguais e insiste na neutralidade moral apenas no grau que a igualdade exige” (Dworkin, 1985, p. 205, tradução nossa).
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32
Para um tratamento detalhado da questão, cf.: Araujo; Maurício Júnior (2022).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Mar 2025 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
30 Ago 2023 -
Aceito
23 Out 2024