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PRIMEIRAS DEDICATÓRIAS DE MACHADO DE ASSIS

FIRST DEDICATIONS OF MACHADO DE ASSIS

Resumo

Identificação das pessoas para as quais o jovem Machado de Assis dedicou as primeiras poesias e sonetos. Identificação de alguns parentes, amizades e redes de sociabilidades. Valores, afetos e poesia.

Palavras-chave:
Machado de Assis; primeiras poesias; dedicatórias; redes sociais e genealogia

Abstract

Identification of the people to whom the young Machado de Assis dedicated his first poems and sonnets. Identification of some relatives, friendships and social networks. Values, affections and poetry.

Keywords:
Machado de Assis; first poems; dedications; social networks and genealogy

A rede familiar de Joaquim Maria Machado de Assis, seus primeiros afetos e amizades, desde a Quinta do Livramento, são fundantes e importantes para a biografia e a trajetória inicial do escritor. Neste artigo, identifico e descrevo algumas das pessoas citadas nas primeiras dedicatórias do escritor, suas conexões familiares e genealógicas na Quinta do Livramento e na apontada rede de sociabilidades, amizades e paixões poéticas do autor. Todo autor tem uma grande obra escrita entre a sua vida e os seus textos, entre o imaginário e o real. A genealogia de Machado de Assis na infância e na juventude, suas vivências nas proximidades da Quinta do Livramento, no Rio de Janeiro, explicam muitas das temáticas literárias e questões sociais do escritor. A ideia de aplicar a metodologia da sociologia genealógica às primeiras dedicatórias de Machado de Assis, identificar para quem eram e decodificar possíveis nomes surgiu dos debates e das conversas com os pesquisadores Cláudio Soares e Sérgio Ximenes, a quem também agradeço.

Henrique, o primo

Começarei pela identificação do primo do escritor, Henrique José Moreira, a quem Machado de Assis dedicou o poema "A saudade", publicado na página 4 da Marmota Fluminense, em 20 de março de 1855. Os investigadores da biografia de Machado de Assis Jean-Michel Massa, em Dispersos de Machado de Assis (ASSIS, 1965______. Dispersos de Machado de Assis: coligidos e anotados por Jean-Michel Massa. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura; Instituto Nacional do Livro, 1965., p. 481), e Gondin da Fonseca (1974FONSECA, Gondin da. Machado de Assis e o hipopótamo: uma revolução biográfica. 6. ed. Rio de Janeiro: São José, 1974., p. 29-30) não conseguiram dados sobre quem seria o primo Henrique e qual a conexão familiar no parentesco deles. Gondin da Fonseca (1974, p. 29-30) escreveu: "provavelmente do ramo materno". Na dedicatória, "O. D. e C." é abreviatura bibliológica: "Oferece, Dedica e Consagra ao meu primo o Snr. Henrique José Moreira".

A SAUDADE O. D. e C. ao meu primo o Snr. Henrique José Moreira Meiga saudade! - Amargos pensamentos A mente assaltam de valor exausta, Ao ver as roxas folhas delicadas Que singelas te adornam. Mimosa flor do campo, eu te saúdo; Quanto és bela sem seres perfumada! Que te inveja o jasmim, a rosa e o lírio Com todo o seu perfume? Repousa linda flor, num peito f'rido, A quem crava sem dó a dor funesta, O horrível punhal, que fere e rasga Um débil coração. Repousa, linda flor, vem, suaviza A frágua que devora um peito ansioso, Um peito que tem vida, mas que vive Envolto na tristeza!... Mas não… deixo-te aí causando inveja; Não partilhes a dor que me consome, Goza a ventura plácida e tranquila, Mimosa flor do campo! (ASSIS, 1855______. A saudade. Marmota Fluminense, Rio de Janeiro, n. 564, 20 mar. 1855, p. 4. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/706914/538>. Acesso em: 8 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/706914/53...
, p. 4)

Pesquisei informações genealógicas sobre quem seria Henrique José Moreira. Depois de muitos esforços e investigações em várias fontes genealógicas e livros de assentos eclesiásticos, localizei o assento de batismo de Henrique na freguesia de Santana, Rio de Janeiro: Henrique, inocente. Transcrevo e adapto o assento de batismo:

Aos vinte e quatro dias do mês de junho de mil oitocentos e trinta e cinco, batizado nesta freguesia, filho natural de José Bernardes Moreira, natural e batizado na freguesia da Sé desta cidade e de Guilhermina de tal, natural desta cidade. Foram padrinhos Henrique José Moreira e Maria de tal. Nasceu em novembro do ano próximo passado e na mesma ocasião se achou presente o dito José Bernardes Moreira e em minha presença e das testemunhas abaixo assinadas, Antônio da Costa Galvão e Joaquim José de Jesus que por não saber escrever fizera a cruz, disse que o inocente Henrique acima mencionado era seu filho e como tal queria fosse tido de hoje em diante para validade pediu se lavrasse este termo que assinou comigo e as testemunhas. Coadjutor José Joaquim Viccini. (IGREJA DE SANTANA (Rio de Janeiro), 1835IGREJA DE SANTANA (Rio de Janeiro). Assento de batismo de Henrique José Moreira. Registro em: 24 jun. 1835. Assento registrado às fls. 254. Disponível em: <Disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-KPS9-HV?i=265&personaUrl=%2Fark%3A%2F61903%2F1%3A1%3A6X82-RCKH >. Acesso em: 5 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

O casamento de Henrique ocorreu tardiamente, em 24 de fevereiro de 1890, no Rio de Janeiro. Transcrevo e adapto o assento de matrimônio:

Henrique José Moreira, natural do Rio de Janeiro, com 56 anos, solteiro, empregado público, filho natural e reconhecido na Pia Batismal de José Bernardo [sic] Moreira e de Guilhermina Maria da Conceição, brasileiros e já falecidos, casado com Cândida Joaquina Cardoso, solteira de 31 anos, natural desta capital, filha de Maria Delminda Ferreira, brasileira, Testemunhas, Aldano Ramos Fialho, trabalhador braçal e Vicente Ferreira da Cruz, empregado público (SANTANA (RJ), 1890SANTANA (RJ). 1º Distrito de Paz da Paróquia de Santana, 6ª Circunscrição. Assento de casamento de Henrique José Moreira e Cândida Joaquina Cardoso. Registro em: 24 fev. 1890. Assento registrado às fls. 128, n. 49. Disponível em: <Disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:S3HT-686S-JRH?i=129&cc=1582573 >. Acesso em: 5 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

Henrique faleceu logo depois, no final de julho de 1890. Observe-se que a idade era estimada no casamento e no óbito; a verdadeira data de nascimento estava no batismo. Henrique teve uma vida modesta de operário e funcionário na mesma região em que nasceu, nas imediações do morro do Livramento. Transcrevo e adapto o assento de óbito de Henrique:

Henrique José Moreira, fluminense, 52 anos, operário, falecido aos 31 de julho de 1890, filho legítimo de José Bernardo Moreira e de Guilhermina Maria Moreira, morador na Rua do Alcântara, número 17, atual Rua Benedito Hipólito, paróquia de Santana, Rio de Janeiro. Casado com Cândida Cardoso Moreira, sem filhos. Sepultado no Cemitério São Francisco Xavier. (SANTANA (RJ), 1890______. 1º Distrito de Paz da Paróquia de Santana, 6ª Circunscrição. Assento de óbito de Henrique José Moreira. Registro em: 31 jul. 1890. Assento n. 1033. Disponível em: <https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:S3HY-66YS-FQ5?i=6&cc=1582573>. Acesso em: 6 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

O casamento dos pais de Henrique também ocorreu na Igreja de Santana, Rio de Janeiro, em 5 de dezembro de 1837. Transcrevo e adapto o assento de casamento de José com Guilhermina: "José Bernardes Moreira, filho de José Bernardes Moreira e de Rosa Maria da Silva, com Guilhermina Maria da Conceição, filha de Maria Angélica, natural e batizada na Freguesia de Santa Rita. Testemunhas: Henrique José Moreira e Francisco José de Assis" (IGREJA DE SANTANA (Rio de Janeiro), 1837______. Assento de casamento de José Bernardes Moreira e Guilhermina Maria da Conceição. Registro em: 5 dez. 1837. Assento registrado às fls. 291 e verso. Disponível em: <https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-RZ37-KT?i=303>. Acesso em: 6 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

Pelo ano do casamento, em 1837, uma das testemunhas era o pai do escritor Machado de Assis; a outra testemunha, Henrique José Moreira, era o tio paterno e padrinho homônimo de Henrique, primo do escritor Machado de Assis. O tio de Henrique participou da guerra de 1852 no Sul como capitão, foi ferido e sobreviveu. Filho de José Bernardes Moreira e de Rosa Maria da Silva, Henrique José Moreira, tio, casou-se na Igreja de Nossa Senhora das Dores, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 28 de janeiro de 1850, e constituiu família no mesmo estado. A noiva era Maria Senhorinha Alves Moreira, filha de Felisberto Pinto de Camargo e de Dionísia Francisca Alves de Camargo (IGREJA DE NOSSA SENHORA DAS DORES (Porto Alegre), 1850IGREJA DE NOSSA SENHORA DAS DORES (Porto Alegre). Assento de casamento de Henrique José Moreira e Maria Senhorinha Alves Moreira. Registro em: 28 jan. 1850. Disponível em: <Disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/1:1:XN5X-DPX?from=lynx1UIV8&treeref=9NG9-J9Z >. Acesso em: 3 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

Localizei o batismo dos seguintes irmãos do primo Henrique José Moreira: José, batizado em 31 de outubro de 1835, no Santíssimo Sacramento da Antiga Sé, Rio de Janeiro, filho de Guilhermina Maria da Conceição, sem o nome do pai (batismo ocorrido antes do casamento dos pais na Igreja), o padrinho foi José Antônio de Carvalho (SANTÍSSIMO SACRAMENTO DA ANTIGA SÉ (Rio de Janeiro), 1835______. Assento de batismo de José. Registro em: 31 out. 1835. Assento registrado às fls. 148. Disponível em: <https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-R89C-Z5?i=153>. Acesso em: 7 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
); Rosa, batizada em 14 de fevereiro de 1841, na Igreja de Santana, Rio de Janeiro, nascida em 14 de abril de 1840, filha de Guilhermina Maria e de José Bernardes Moreira, com João Antônio Gomes como padrinho (IGREJA DE SANTANA (Rio de Janeiro), 1841______. Assento de batismo de Rosa. Registro em: 14 fev. 1841. Assento registrado às fls. 214 e verso. Disponível em: <https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-KP9B-12?i=218&cc=1719212>. Acesso em: 8 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
); Guilhermina, batizada em 11 de dezembro de 1842, na Igreja de Santana, Rio de Janeiro, nascida em 5 de maio de 1842, filha de José Bernardes Moreira e de Guilhermina Maria da Conceição, com João Antônio Gomes Vianna como padrinho (IGREJA DE SANTANA (Rio de Janeiro), 1842______. Assento de batismo de Guilhermina. Registro em: 11 dez. 1842. Assento registrado às fls. 243 e verso. Disponível em: <https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-KP9Y-5C?i=280>. Acesso em: 5 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
); João, batizado aos 20 de março de 1848, na Igreja de Santana, Rio de Janeiro, nascido em dezembro de 1847, filho de José Bernardes Moreira e de Guilhermina Maria da Conceição, com José Francisco de Santa Ana como padrinho (IGREJA DE SANTANA (Rio de Janeiro), 1848______. Assento de batismo de João. Registro em: 20 mar. 1848. Assento registrado às fls. 298. Disponível em: <https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-R8DZ-H?i=306>. Acesso em: 7 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

Além disso, uma irmã de Henrique, Maria José Moreira, filha de José Bernardes Moreira e de Guilhermina, casou-se com José de Oliveira Moura na Igreja de Santana, Rio de Janeiro, em 1º de fevereiro de 1860 (IGREJA DE SANTANA (Rio de Janeiro), 1860______. Assento de casamento de José de Oliveira Moura e Maria José Moreira. Registro em: 1 fev. 1860. Assento registrado às fls. 207 e verso. Disponível em: <https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-R8X2-F?i=214&personaUrl=%2Fark%3A%2F61903%2F1%3A1%3A6X8G-13Q4>. Acesso em: 8 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

O batismo de Guilhermina, mãe de Henrique, ocorreu na Igreja de Santa Rita, Rio de Janeiro, em 25 de setembro, corrigido no assento para 18 de julho de 1813. Filha natural de Maria, "crioula escrava de Dona Ana Teresa Angélica da Cunha Souza", a última senhora da Quinta do Livramento. Declarada liberta, seu padrinho era Francisco de Assis, pardo forro. O padrinho, pelo ano do batismo, em 1813, era o avô de Machado de Assis e homônimo do pai do escritor (IGREJA DE SANTA RITA (Rio de Janeiro), 1813IGREJA DE SANTA RITA (Rio de Janeiro). Assento de batismo de Guilhermina [Maria da Conceição]. Registro em: 18 jul. 1813. Disponível em: <Disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-GV9S-8Q?i=173 >. Acesso em: 21 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

Maria Angélica, ex-escrava de dona Ana Teresa Angélica da Cunha e Souza, falecida em 1827, no Rio de Janeiro (OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, Ricardo Costa de. Genealogia e prosopografia do Livramento. Os dois Joaquins. Uma sociologia autobiográfica das origens de Machado de Assis. In: ______; GOULART, Mônica Helena Harrich Silva (Org.). Família, política e etnicidade. São Paulo: LiberArs, 2020. p. 13-72., p. 47), recebeu uma casinha no Valongo, descrita no inventário da sua ex-senhora, a falecida dona Ana Teresa Angélica da Cunha e Souza, falecida em 1827, no Rio de Janeiro (OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, Ricardo Costa de. Genealogia e prosopografia do Livramento. Os dois Joaquins. Uma sociologia autobiográfica das origens de Machado de Assis. In: ______; GOULART, Mônica Helena Harrich Silva (Org.). Família, política e etnicidade. São Paulo: LiberArs, 2020. p. 13-72., p. 47). Essa casa era vizinha da casa recebida por Inácia, já viúva de Francisco de Assis, avó do escritor Machado de Assis. Pela idade e proximidade, Maria Angélica seria irmã ou de Inácia ou de Francisco de Assis, avós do escritor, a julgar pelo fato do Machado de Assis declarar ser primo de Henrique José Moreira; as famílias estavam sempre próximas nos eventos familiares, desde a Quinta do Livramento. Pela dedicatória, sabemos e presumimos que havia também uma forte conexão cultural, literária e afetiva na amizade entre esses "herdeiros de agregados da Quinta do Livramento".

Petronilha, ilustríssima dona

D. P. J. A. seria a sigla de dona Petronilha Júlia de Almeida, mais uma dedicatória do jovem Machado de Assis. A lista de matrimônios do Colégio Brasileiro de Genealogia (CBG) foi pesquisada e cotejada. "O arquivo de fichas matrimoniais do Colégio Brasileiro de Genealogia é útil para pesquisa genealógica na cidade do Rio de Janeiro. Ele contém registros dos séculos XVII ao XX." (COLÉGIO BRASILEIRO DE GENEALOGIA, on-lineCOLÉGIO BRASILEIRO DE GENEALOGIA. Fichas matrimoniais do Rio de Janeiro. Disponível em: <Disponível em: https://cbg.org.br/fichas-matrimoniais-do-rio-de-janeiro >. Acesso em: 6 ago. 2022.
https://cbg.org.br/fichas-matrimoniais-d...
). Para o século XIX: "Maior e mais utilizado conjunto, com mais de 80 mil casamentos. As fichas contêm, no mínimo, a localização da paróquia e livro e folha do registro, mas frequentemente trazem informações de filhos (com batismo e casamentos), profissões, endereços, pais dos noivos e óbitos" (COLÉGIO BRASILEIRO DE GENEALOGIA, on-lineCOLÉGIO BRASILEIRO DE GENEALOGIA. Fichas matrimoniais do Rio de Janeiro. Disponível em: <Disponível em: https://cbg.org.br/fichas-matrimoniais-do-rio-de-janeiro >. Acesso em: 6 ago. 2022.
https://cbg.org.br/fichas-matrimoniais-d...
). Nos arquivos do fichário do Colégio Brasileiro de Genealogia existe uma única Petronilha com o próximo nome começando pela letra J e o seguinte pela letra A, de modo que elaboro a hipótese da sigla D. P. J. A. ser de dona Petronilha Júlia de Almeida e Silva, pelo casamento.

À ILMA. SRA. D. P. J. A. Quem pode em um momento descrever Tantas virtudes de que sois dotada Que fazem dos viventes ser amada Que mesmo em vida faz de amor morrer! O gênio que vos faz enobrecer, Virtude e graça de que sois c'roada; Vos fazem do esposo ser amada - (Quanto é doce no mundo tal viver!) A natureza nessa obra primorosa Obra que dentre todas as mais, brilha Ostenta-se brilhante e majestosa! Vós sois de vossa mãe a cara filha, Do esposo feliz, a grata esposa, Todos os dotes tens oh - Petronilha - (ASSIS, 1854ASSIS, Machado de. Soneto. A Ilm.ª Sr.ª D. P. J. A. Periódico dos Pobres, Rio de Janeiro, n. 103, 3 out. 1854, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/709697/2588 >. Acesso em: 2 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/709697/25...
, p. 4)

A pesquisa genealógica revelou que Petronilha era casada com Emídio (Emygdio) Fernandes da Silva. O casamento ocorreu no dia 27 de maio de 1843, na Igreja do Santíssimo Sacramento, Rio de Janeiro. Transcrevo e adapto o assento de casamento de Emídio com Petronilha:

Emídio Fernandes da Silva, filho legítimo de Francisco Fernandes da Silva e de Thereza Maria Da Conceição, com Petronilha Júlia de Almeida, filha de pais incógnitos e exposta na casa de Antônio Júlio de Almeida, ambos noivos eram naturais e batizados na Freguesia do Sacramento. Testemunha: João Pinheiro de Campos e Bernardo José Afonso (IGREJA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO (Rio de Janeiro), 1843IGREJA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO (Rio de Janeiro). Assento de casamento de Emídio Fernandes da Silva e Petronilha Júlia de Almeida. Registro em: 27 maio 1843. Assento registrado às fls. 29 e verso, n. 39. Disponível em: <Disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-GP92-L8?i=31&personaUrl=%2Fark%3A%2F61903%2F1%3A1%3A6X8Y-8DG4 >. Acesso em: 2 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

Pelo assento de casamento, ficamos sabendo que Petronilha nasceu de uma relação não "tradicional" na época, fora do "legítimo padrão dominante estabelecido", com os nomes do pai e da mãe não sendo nomeados. Somente conhecemos os nomes do pai e da mãe de Petronilha no posterior batismo do filho Alberto, aos dezenove de maio de 1861, Igreja de São Cristóvão, Rio de Janeiro, nascido em 16 de dezembro de 1860. Transcrevo e adapto o assento de batismo no qual constam os avós paternos e maternos:

Alberto, filho de Emídio Fernandes da Silva e de Dona Petronilha Júlia de Almeida e Silva. Neto de Francisco Fernandes da Silva, já falecido, e Teresa Maria dos Santos. Neto de Antônio Júlio de Almeida e Inácia Maria Conceição Pinto. Por madrinha Nossa Senhora das Dores e padrinho o doutor José Joaquim Machado (IGREJA DE SÃO CRISTÓVÃO (Rio de Janeiro), 1861IGREJA DE SÃO CRISTÓVÃO (Rio de Janeiro). Registro em: 19 maio 1861. Assento de batismo de Alberto. Assento registrado às fls. 48, n. 649. Disponível em: <Disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-R8H2-T?i=52 >. Acesso em: 8 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

Petronilha também tinha origens familiares alternativas, o que "pesava socialmente" naquela sociedade patriarcal e formal do século XIX, como a situação familiar de origem do escritor Eça de Queirós, debatida em Eça de Queiroz: um caso de abandono materno e de filiação socioafetiva (BAPTISTA, 2018BAPTISTA, Silvio Neves. Eça de Queiroz: um caso de abandono materno e de filiação socioafetiva. Recife: Bagaço, 2018.).

Encontrei o batismo de uma Júlia que pode ser o batismo da mesma Petronilha Júlia, em 21 de julho de 1827, no Santíssimo Sacramento da Antiga Sé, Rio de Janeiro. Transcrevo e adapto o assento de batismo: "Júlia, batizada aos 21 de julho de 1827, nascida a 6 de julho de 1827, filha natural de Antônio Júlio de Almeida e mãe incógnita. Padrinho Manoel José Alves da Fonseca e Protetora Nossa Senhora da Conceição" (SANTÍSSIMO SACRAMENTO DA ANTIGA SÉ (Rio de Janeiro), 1827SANTÍSSIMO SACRAMENTO DA ANTIGA SÉ (Rio de Janeiro). Assento de batismo de Júlia. Registro em: 21 jul. 1827. Assento registrado às fls. 139 e verso. Disponível em: <Disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-R898-RB?i=145 >. Acesso em: 8 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

Segundo o jornal Diário Novo de 23 de dezembro de 1846, o padrinho de Júlia, Manoel José Alves da Fonseca, possuía a patente de tenente-coronel (PARTE…, 1846PARTE oficial. Diário Novo, Recife, n. 277, 23 dez. 1846, p. 2. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/709867/4747 >. Acesso em: 6 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/709867/47...
, p. 2).

Antônio Júlio de Almeida, por sua vez, era escrivão da matrícula dos navios mercantes desde 1799 (DODSWORTH, 1887DODSWORTH, Jorge João (Org.). Anais do parlamento brasileiro. Câmara dos srs. deputados. Segundo ano da terceira legislatura. Sessão de 1835. Rio de Janeiro: Tipografia de Viúva Pinto & Filho, 1887. t. I, p. 151. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/132489/7909 >. Acesso em: 8 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/132489/79...
, t. I, p. 151). Nos jornais da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional aparecem algumas informações sobre Petronilha: em 1839, é mencionada a venda de uma propriedade de casas de sobrado na rua da Alfândega da menor Petronilha Júlia de Almeida e de Angélica Maria de Almeida (ANÚNCIOS, 1839bANÚNCIOS. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, n. 261, 31 jul. 1839b, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/364568_02/11892 >. Acesso em: 9 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/364568_02...
, p. 4). Eram herdeiras do falecido Antônio Júlio de Almeida (ARREMATAÇÕES, 1839ARREMATAÇÕES. Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 240, 24 out. 1839, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01/22231 >. Acesso em: 8 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_01...
, p. 4). Angélica Maria de Almeida e Maria da Graça de Almeida (ANÚNCIOS, 1839aANÚNCIOS. O Despertador, Rio de Janeiro, n. 453, 10 out. 1839a, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/706701/1443 >. Acesso em: 5 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/706701/14...
, p. 4), provavelmente eram irmãs do falecido Antonio Júlio de Almeida e tias de Petronilha Júlia de Almeida.

A mãe de Petronilha, Inácia Maria da Conceição, faleceu com 76 anos em 1881 (OBITUÁRIO, 1881OBITUÁRIO. O Mercantil , Petrópolis, n. 38, 21 maio 1881, p. 1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/376493/1762 >. Acesso em: 6 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/376493/17...
, p. 1).

Já o marido de Petronilha, Emygdio, foi escrivão do juízo municipal da 2ª Vara Cível até 1856 (ESCRIVÃES…, 1856ESCRIVÃES da 2ª Vara Cível. Almanaque administrativo, mercantil e industrial da corte e província do Rio de Janeiro para o ano de 1856. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert , 1856. p. 126. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/9188 >. Acesso em: 4 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/9...
, p. 126), ano em que possuía o endereço na rua da Lampadosa, 90. Por algum motivo, depois deixou de ser escrivão (CORREIO MERCANTIL, 1856CORREIO MERCANTIL. [Emídio Fernandes da Silva]. Correio Mercantil , Rio de Janeiro, n. 204, 25 jul. 1856, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/217280/12142 >. Acesso em: 8 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/217280/12...
, p. 3).

Petronilha Júlia de Almeida e Silva e Emídio Fernandes da Silva também tiveram os seguintes filhos no Rio de Janeiro: "Emídio, batizado no Santíssimo Sacramento, em 16 de dezembro de 1848, padrinho o Guarda Roupa Francisco de Queiroz Coutinho Mattoso" (IGREJA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO (Rio de Janeiro), 1848______. Assento de batismo de Emídio. Registro em: 16 dez. 1848. Assento registrado às fls. 88. Disponível em: <https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-GV1R-Y?i=93&personaUrl=%2Fark%3A%2F61903%2F1%3A1%3A6X8T-V3B4>. Acesso em: 8 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
); "José, batizado na Igreja de São Francisco Xavier, Engenho Velho, em 27 de junho de 1852, padrinho José Mathias de Souza Grugel Amaral e dona Francisca de Paula Monteiro Drumond" (IGREJA DE SÃO FRANCISCO XAVIER (Rio de Janeiro), 1852IGREJA DE SÃO FRANCISCO XAVIER (Rio de Janeiro). Assento de batismo de José. Registro em: 27 jun. 1852. Assento registrado às fls. 235 e verso. Disponível em: <Disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-GN6V-8?i=262&personaUrl=%2Fark%3A%2F61903%2F1%3A1%3A8BXK-K36Z >. Acesso em: 6 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
); "Idalina, batizada na Igreja de Santa Rita, em 15 de outubro de 1853. Foi padrinho Joaquim Guilherme de Souza Leitão e sua mulher" (IGREJA DE SANTA RITA (Rio de Janeiro), 1853______. Assento de batismo de Idalina [Fernandes da Silva]. Registro em: 15 out. 1853. Assento registrado às fls. 114. Disponível em: <https://www.familysearch.org/ark:/61903/1:1:8BXW-XFN2>. Acesso em: 6 de ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

A filha Vergínia foi batizada em Niterói, o que aponta uma mudança para o outro lado da baía da Guanabara: "Vergínia, batizada na Igreja de São João Batista, Niterói, em 30 de agosto de 1863. Foi padrinho Felipe Gomes da Silva" (IGREJA DE SÃO JOÃO BATISTA (Niterói), 1863IGREJA DE SÃO JOÃO BATISTA (Niterói). Assento de batismo de Vergínia. Registro em: 30 ago. 1863. Disponível em: <Disponível em: https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-VZ94-NY?i=11 >. Acesso em: 8 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

Eles tiveram ainda Júlia, sobre quem trataremos mais especificamente na próxima parte do artigo.

Júlia, menina-moça e musa imaginária

Se a senhora D. P. J. A., dona Petronilha Júlia de Almeida e Silva, teve uma dedicatória em abreviatura, com a sigla inteira de seu nome em um poema formal, identifiquei também a possibilidade de que o jovem Machado de Assis, então adolescente com quinze anos em 1855, fosse próximo e conhecido de toda a família e tenha dedicado poemas afetuosos também para a filha de Petronilha, Júlia de Almeida e Silva. Encontrei o batismo de Júlia na freguesia de Santana, Rio de Janeiro. Transcrevo e adapto o assento de batismo:

Júlia, inocente, aos três dias do mês de maio de mil oitocentos e quarenta e seis nesta freguesia, nascida em cinco de setembro do ano passado, filha legítima de Emídio Fernandes da Silva e de sua mulher Dona Petronilha Júlia de Almeida da Silva, foram padrinhos José Pereira [ilegível] e Francisca Maria Pereira [ilegível] (IGREJA DE SANTANA (Rio de Janeiro), 1846______. Assento de batismo de Júlia de Almeida e Silva. Registro em: 3 maio 1846. Assento registrado às fls. 149 e verso. Disponível em: <https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-R8DB-4?i=153&wc=M6ZR-2P8%3A131775101%2C131776902%2C133429601&cc=1719212>. Acesso em: 9 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

Os poemas e versos dedicados a Júlia:

JÚLIA1 1 O poema foi publicado pela primeira vez na Marmota Fluminense, em 18 de maio de 1855. Teu rosto meigo e singelo Tem do Céu terno bafejo. Tu és a rosa do prado Desabrochando ao albor; Abrindo o purpúreo seio, Abrindo os cofres de amor. Tu és a formosa lua Percorrendo o azul dos céus, Retratando sobre a linfa Os seus alvacentos véus. Tu és a aurora formosa Quando dalém vem surgindo; E que se ostenta garbosa Áureas flores espargindo. Tu és perfumada brisa Sobre o prado derramada, Que goza os doces sorrisos Da formosa madrugada. Tua candura e beleza Tem de amor doce expressão; És um anjo, minha Júlia, Donde nasce a inspiração. Quando a terra despe as galas E os mantos da noite veste, Vejo brilhar tua imagem Lá na abóbada celeste. Nela vejo as tuas graças, Nela vejo um teu sorriso, Nela vejo um volver d'olhos Nascido do paraíso. És ó Júlia, meiga virgem Que temente ora ao Senhor; São teus olhos duas setas, O teu todo é puro amor. (ASSIS, on-line______. Poesias dispersas. Disponível em: <https://www.machadodeassis.ufsc.br/obras/poesias/POESIA,%20Poesias%20dispersas,%201855-1939.htm>. Acesso em: 10 ago. 2022.
https://www.machadodeassis.ufsc.br/obras...
)

Ainda, este poema para uma menina:

A UMA MENINA2 2 O poema foi publicado pela primeira vez na Marmota Fluminense, em 21 de outubro de 1855. La esencia de las flores Tu dulce aliento sea. Quintana Desabrochas ainda; tu és bela Como a flor do jardim; És doce, és inocente, como é doce Divino Querubim. Nas gotas da pureza inda se anima A tu'alma infantil; Não te nutre inda o peito da malícia Mortífero reptil. Quando sorris trasbordam de teus lábios As gotas d'inocência; No teu sorriso se traduz o encanto Da tua pura essência. És anjo, e são os anjos que confortam Os tormentos da vida; Vive, e não haja em teu semblante a prova De lágrima vertida! (ASSIS, on-line______. Poesias dispersas. Disponível em: <https://www.machadodeassis.ufsc.br/obras/poesias/POESIA,%20Poesias%20dispersas,%201855-1939.htm>. Acesso em: 10 ago. 2022.
https://www.machadodeassis.ufsc.br/obras...
)

Alguns críticos perceberam os atributos da pessoa para quem o poema tinha sido dedicado: a uma menina-moça que encantou o também jovem poeta adolescente Machado de Assis. É o caso da pesquisadora Cristiane Rodrigues na dissertação de mestrado O aprendizado do ofício: Machado de Assis e seus poemas dispersos (1854-1855):

"A la Hermosura" (1795), indicando que o jovem poeta ampliava suas leituras poéticas. Pela primeira vez, um poema de Machado de Assis continha uma epígrafe com versos em língua estrangeira, saindo então do domínio luso-brasileiro.

É perceptível que ela é uma jovem se tornando mulher e o eu lírico se mostra, indiretamente, em estado de espera para que isso aconteça, já que, ansioso, ele possui muitos desejos para ela: entre eles, o de que comecem os amores. (RODRIGUES, 2017RODRIGUES, Cristiane Nascimento. O aprendizado do ofício: Machado de Assis e seus poemas dispersos (1854-1855). 2017. 159 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Araraquara, 2017., p. 110).

Verificamos que a menina Júlia pode ter sido a primeira musa inspiradora e imaginária de Machado de Assis. Ambos eram muito novos, e Machado de Assis dedicou versos tanto para ela quanto para a mãe, pessoas que compartilhavam os mesmos espaços vizinhos no Rio de Janeiro. Júlia e o primo Henrique foram batizados na mesma Igreja de Santana e frequentavam muito provavelmente o mesmo círculo de amizades e trocas literárias de Machado. Era um círculo de pessoas letradas, o pai (Emídio Fernandes da Silva) e o avô materno (Antônio Júlio de Almeida) de Júlia tinham sido escrivães profissionais e, na minha hipótese, teriam interesses em comum no debate das letras.

Cristiane Rodrigues analisa as primeiras "produções" machadianas:

O poeta de "A uma menina" tinha amadurecido um pouco, porque, nesse poema semelhante tematicamente a "Ela", "Júlia", "Lembrança de amor", "Meu anjo", "Como te amo" e "Um sorriso", o eu lírico não sofre de amor, expressando-se amargamente, pelo contrário, mais confiante, comenta sobre a transformação da menina em mulher. Com "O pão d'açúcar", Machado trouxe novamente à tona um tema nacionalista e com o soneto ao imperador, curiosamente, fechou o seu primeiro ano como escritor com a publicação de um poema de forma clássica, criado para homenagear respeitosamente uma pessoa importante, assim como ele tinha feito com o poema à Petronilha, o soneto responsável pela sua estreia nos jornais. (RODRIGUES, 2017RODRIGUES, Cristiane Nascimento. O aprendizado do ofício: Machado de Assis e seus poemas dispersos (1854-1855). 2017. 159 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) - Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Araraquara, 2017., p. 132).

Júlia era boa aluna, obteve prêmio como aluna da 7ª classe, Colégio de Santa Margarida, Rio de Janeiro, em 27 de dezembro de 1859 (COLÉGIO…, 1859COLÉGIO de Santa Margarida. Correio Mercantil, Rio de Janeiro, n. 353, 26/27 dez. 1859, p. 2. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/217280/17046 >. Acesso em: 8 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/217280/17...
, p. 2). O Colégio de Santa Margarida ficava, em 1857, na rua da Imperatriz, 111, no Valongo, região bem conhecida da obra machadiana (ALMANAQUE…, 1857ALMANAQUE administrativo, mercantil e industrial da corte e província do Rio de Janeiro para o ano de 1857. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1857. p. 444. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/313394x/10776 >. Acesso em: 21 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/313394x/1...
, p. 444). Júlia está listada na Escola Normal em 1862, uma vocação para professora (PROVÍNCIA…, 1862PROVÍNCIA do Rio de Janeiro. Correio Mercantil , Rio de Janeiro, n. 173, 24 jun. 1862, p. 2. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/217280/20610 >. Acesso em: 6 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/217280/20...
, p. 2).

O casamento de Júlia ocorreu em 30 de julho de 1864, em São João Batista, Niterói. Transcrevo e adapto o assento do casamento:

Manoel José da Silva, filho natural de João José da Silva e de Teresa Joaquina de Jesus, com Júlia de Almeida Silva, filha legítima de Emídio Fernandes da Silva e de Petronilha Júlia de Almeida Silva. Niterói, Rio de Janeiro, Júlia batizada na freg. Santana. Testemunham o Dr. Antônio Francisco Leal, Dona Maria Joaquina Lima Leal e major João José de Brito (IGREJA DE SÃO JOÃO BATISTA (Niterói), 1864______. Assento de casamento de Manoel José da Silva e Júlia de Almeida Silva. Registro em: 30 jul. 1864. Assento registrado às fls. 224. Disponível em: <https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:939F-DDS3-NY?i=140&personaUrl=%2Fark%3A%2F61903%2F1%3A1%3A6X8G-XBB9>. Acesso em: 9 ago. 2022.
https://www.familysearch.org/ark:/61903/...
).

Júlia era professora e foi mencionada em uma notícia de outra edição do Correio Mercantil, e Instrutivo, Político, Universal ao abrir uma escola em Guapimirim, Magé, em 1866 (PARTE…, 1866PARTE oficial. Correio Mercantil , Rio de Janeiro, n. 37, 6 fev. 1866, p. 1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/217280/25820 >. Acesso em: 6 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/217280/25...
, p. 1). Em outra notícia do jornal O Mercantil de 1880, aparece a transferência dos professores Manoel José da Silva Guanabara e Júlia de Almeida e Silva Guanabara de Mangaratiba para Petrópolis (NOTÍCIAS…, 1880NOTÍCIAS diversas. O Mercantil, Petrópolis, n. 40, 23 jun. 1880, p. 1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/376493/1398 >. Acesso em: 6 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/376493/13...
, p. 1). Em 1881, era professora em Petrópolis (RIO…, 1881RIO de Janeiro: administração pública provincial. Jornal do Commercio , Rio de Janeiro, n. 115, 26 abr. 1881, p. 1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/364568_07/3067 >. Acesso em: 7 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/364568_07...
, p. 1). O mesmo jornal noticia o falecimento de Júlia no dia 3 de janeiro de 1882, em Petrópolis (GAZETILHA, 1882GAZETILHA. Jornal do Commercio , Rio de Janeiro, n. 6, 6 jan. 1882, p. 2. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/364568_07/4726 >. Acesso em: 7 de ago. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/364568_07...
, p. 2); a causa do falecimento foi tuberculose pulmonar (OBITUÁRIO, 1882OBITUÁRIO. O Mercantil , Petrópolis, n. 9, 8 fev. 1882, p. 1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/376493/2046 >. Acesso em: 6 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/376493/20...
, p. 1). A notícia do óbito e do sepultamento de Júlia de Almeida e Silva Guanabara, esposa de Manoel José da Silva Guanabara, saiu no dia 8 de janeiro de 1882, no Jornal do Commercio. A notícia também informava que Petronilha Júlia de Almeida e Silva, a mãe, ainda estava viva (PETRÓPOLIS, 1882PETRÓPOLIS. Jornal do Commercio , Rio de Janeiro, n. 8, 8 jan. 1882, p. 5. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_07/4745 >. Acesso em: 9 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_07...
, p. 5). Em junho de 1882, faleceu Emídio Fernandes da Silva, marido de Petronilha e pai de Júlia (JORNAL DO COMMERCIO, 1882JORNAL DO COMMERCIO. [Obituário]. Jornal do Commercio , Rio de Janeiro, n. 204, 24 jul. 1882, p. 5. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/364568_07/6067 >. Acesso em: 7 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/364568_07...
, p. 5).

Um dos filhos do casamento de Júlia com Manoel foi Alcindo Guanabara, nascido em 19 de julho de 1865. Alcindo era outro "homem de letras hereditário", jornalista, escritor e político. Foi deputado constituinte republicano e assinou a Constituição em 1891. Membro na Academia Brasileira de Letras (ABL), foi "Convidado para a última sessão preparatória da Academia Brasileira de Letras [em 28 de janeiro de 1897], fundou a cadeira nº 19, que tem como patrono Joaquim Caetano" (ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, on-lineACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Alcindo Guanabara: biografia. Disponível em: <Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/alcindo-guanabara/biografia >. Acesso em: 8 ago. 2022.
https://www.academia.org.br/academicos/a...
). Alcindo Guanabara teria sido convidado por quem? Certamente contou com o apoio dos primeiros participantes da ABL, assim como de Machado de Assis. Tudo indica que Machado de Assis continuara a acompanhar a família de Júlia ao longo dos anos. Alcindo Guanabara proferiu um elogio fúnebre de Machado em 1908, na Câmara dos Deputados:

Esse coração de ouro, esse espírito de cristal desapareceu. Rendo-lhe, neste momento, um preito pessoal de estima, de veneração e do respeito que sempre nutri por ele, desde que ainda adolescente o conheci, sofrendo como ele disse de si a respeito de Alencar, a admiração do menino Heine por Napoleão (MACHADO…, 1941MACHADO de Assis num discurso de Alcindo Guanabara, na Câmara dos Deputados. Autores e Livros: suplemento literário de A Manhã, Rio de Janeiro, n. 7, 28 set. 1941, p. 123. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/066559/123 >. Acesso em: 8 ago. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/066559/12...
, p. 123).

Conclui-se que as pessoas apontadas nas primeiras dedicatórias dos poemas de Joaquim Maria Machado de Assis, um jovem adolescente com quinze para dezesseis anos em 1855, faziam parte e tinham relações com as freguesias de Santana e Santa Rita, ao lado do morro do Livramento, local da infância do escritor. Essa proximidade espacial nas vizinhanças está documentada na realização dos batismos de Henrique e de Júlia na Igreja de Santana em 1835 e 1846, respectivamente. Podemos constatar que os núcleos familiares de Henrique e de Machado de Assis possuíam algum letramento por causa dos parentescos na Quinta do Livramento, e os de Petronilha e Júlia por serem filhas de escrivães profissionais em suas carreiras, o que, naquela sociedade, denotava algum grau de letramento e também pode ser verificado pela transmissão de capitais sociais e educacionais entre as gerações, com a presença de pessoas de letras, escritores, professores, jornalistas e escrivães na família. A rede de sociabilidades, amizades e afetos do jovem escritor Machado de Assis, por volta de 1855, demonstra essas primeiras aproximações. Joaquim Maria Machado de Assis, ainda um adolescente de quinze anos no começo de 1855, um jovem "aprendiz de bruxo", estudando, lendo, tateando nas letras, construindo caminhos, formando alianças com os parcos recursos e capitais sociais disponíveis para alguém com as condições modestas dele na sociedade carioca e brasileira em transformação naquelas décadas formativas da consolidação do Segundo Reinado e de suas instituições culturais, literárias, jornalísticas e políticas. Estas notas e observações mostram a importância da pesquisa nas fontes documentais genealógicas, como o Family Search e a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, e da interlocução com outros pesquisadores interessados na biografia, trajetória e carreira do jovem Machado de Assis em seus primeiros anos de produção literária, o que abrirá caminhos para novas pesquisas, novas descobertas documentais e arquivísticas sobre o autor e sua genealogia, infância e juventude, tão importantes para o destino percorrido por Joaquim Maria Machado de Assis.

Referências

  • 1
    O poema foi publicado pela primeira vez na Marmota Fluminense, em 18 de maio de 1855.
  • 2
    O poema foi publicado pela primeira vez na Marmota Fluminense, em 21 de outubro de 1855.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2022
  • Aceito
    29 Set 2022
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