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RUA DA ALFÂNDEGA, 123: UM ESQUECIDO ENDEREÇO DOMICILIAR DE MACHADO DE ASSIS?

ALFÂNDEGA STREET, 123: A FORGOTTEN HOME ADDRESS OF MACHADO DE ASSIS?

Resumo

Muitos endereços em que viveu Machado de Assis são conhecidos por seus biógrafos, mas parece provável que outros estejam ainda incógnitos. A partir da descoberta de antigo registro, apura-se se o escritor teria habitado em 1867 na rua da Alfândega, 123. Na falta de mais evidências diretas, buscam-se informações paralelas que pudessem desmentir o dado, mas sem resultado que o desabonasse. Procede-se a uma investigação sobre o imóvel, para compreender sua planta e verificar se o prédio ainda existe no Rio de Janeiro atual. Por fim, o logradouro é relacionado a uma passagem da obra machadiana.

Palavras-chave:
Machado de Assis; Endereços residenciais; Geografia urbana do Rio de Janeiro no século XIX; Hemeroteca da Biblioteca Nacional

Abstract

Many addresses where Machado de Assis lived are known to his biographers, but it seems likely that others are still unknown. From the discovery of a record in a newspaper at the time, this research seeks to ascertain whether the writer would have inhabited Alfândega Street, 123 in 1867. In the absence of other direct evidence, parallel information is sought that could disprove the data, without result that disappointed it. In addition to that, an investigation is carried out on the property, in order to understand its plan and to check if the building still exists in Rio de Janeiro today. Finally, this space is related to a passage from Machado’s work.

Keywords:
Machado de Assis; Home addresses; Urban geography of Rio de Janeiro in the 19th century; Periodicals room of the Biblioteca Nacional

Perdoa estas minúcias. A ação podia ir sem elas, mas eu quero que saibas que casa era, e que rua...

Machado de Assis, Esaú e Jacó

Desde que, em julho de 2012, a Fundação Biblioteca Nacional, localizada na cidade do Rio de Janeiro, disponibilizou virtualmente o acervo de jornais e outras publicações em série, rico sobretudo no que se refere à cidade em que mantém sede, pesquisas foram dinamizadas, em função da facilidade do acesso a essa sua hemeroteca. Com isso, preciosidades guardadas pelas páginas de periódicos que circularam em séculos anteriores, em especial os XIX e XX, vêm sendo resgatadas com mais eficiência do que seria antes possível. E o instrumento quiçá tenha ganhado específica importância nos anos de 2020 e 2021, por conta das condições de confinamento a que nos obrigamos - por razão que é escusado reforçar, porque, ao contrário dos fatos pretéritos de que aqui trataremos, esta talvez não desapareça da memória coletiva das próximas gerações, cuja consequência é justamente a necessidade sanitária de priorizar pesquisas remotas.

Eis que uma investigação sobre Machado de Assis encontra episódios que não consideramos descobertas (afinal foram registrados nessas linhas há muito impressas), mas antes resgates acerca de sua trajetória artística, civil e pessoal. É o caso de textos críticos e literários que não constavam de sua obra completa e foram recentemente trazidos de volta à luz por pesquisadores como Alex Sander Luiz Campos e José Américo de Miranda (2016CAMPOS, Alex Sander Luiz; MIRANDA, José Américo de. Um texto crítico de Machado de Assis. Machado de Assis em Linha, São Paulo, v. 9, n. 18, maio-ago. 2016, p. 146-157.)1 1 Os investigadores trouxeram a conhecimento uma perdida crítica do autor sobre Procelárias, de Magalhães de Azeredo, publicada no Jornal do Commercio em 1898. , Cristiane Garcia Teixeira (2020TEIXEIRA, Cristiane Garcia. M’achado biógrafo: da investigação de uma revista a um texto inédito. ArtCultura, Uberlândia, v. 22, n. 40, jan.-jun. 2020, p. 213-232.)2 2 A pesquisadora identificou biografia não assinada de d. Pedro II em revista Espelho de 1859, cuja autoria argumenta em favor de Machado em artigo bem intitulado “M’achado biógrafo”. , Felipe Pereira Rissato (2016RISSATO, Felipe Pereira. Machado de Assis inédito, desconhecido, anônimo, surpreendente. Revista Brasileira, Rio de Janeiro, s. VIII, n. 87, abr.-jun. 2016, p. 119-131.)3 3 O investigador encontrou em Revista Luso-Brasileira de 1860 crônica apócrifa sobre morte de mãe na infância; cotejando com textos do escritor e sua biografia, demonstra a autoria machadiana. e Wilton José Marques (2015)4 4 O pesquisador levantou referências entre 1858 e 1860, no Correio Mercantil, a livro de poemas de Machado que estaria por ser publicado ou teria sido impresso pela tipografia Francisco de Paula Brito, mas cuja existência se desconhece; no mesmo jornal, também identificou um poema de 1856 que não consta das coletâneas do autor. , além de fotografias ou recensões à sua produção feitas à época por outros autores e leitores especializados - como os conselhos que lhe dirige Joaquim Manuel de Macedo para que se dedique aos estudos a fim de se tornar o grande escritor que os primeiros trabalhos prometiam [Anexo I ANEXO I Jornal do Commercio, 23 de setembro de 1861, coluna “Chronica da Semana”, de J.M. de Macedo. ].

Seria esse também o caso de passagens da vida do escritor, como ocasiões em que foi convocado a compor júri pela Justiça carioca; os proclamas de seu matrimônio com Carolina Augusta Xavier de Novaes, um mês antes da cerimônia [Anexo II ANEXO II Jornal do Commercio, 2 de dezembro de 1884. Gazeta de Notícias, 3 de março de 1887, com indubitável erro no nome do escritor, dadas as outras convocações. Jornal do Commercio, 6 de maio de 1885. O Apóstolo, 17 de outubro de 1869. ]; ou ainda, uma mais específica ocorrência, de 1893, em que prestou queixa contra furto à sua residência cometido por um criado que surrupiara, entre outros bens, um relógio de ouro com as iniciais do casal [Anexo III ANEXO III Gazeta de Notícias, 10 de junho de 1893. Jornal do Brasil, 10 de junho de 1893. ] - eventos algo prosaicos que citamos como amostra do que é potencialmente descortinável acerca de sua biografia.

Endereços machadianos

Aliás, a morada em que foi vítima desse delito citado por último é a sua mais famosa: a casa hoje inexistente (e o edifício construído em seu lugar enverga o nome do romancista e mantém placa indicando que ele viveu ali), alugada na rua do Cosme Velho, mais precisamente o “chalé de nº 14,5 5 A notícia do furto informa o número 18 para a casa do Cosme Velho; registros diversos, porém, como o do Almanak Administrativo, Mercantil, e Industrial do Rio de Janeiro - o conhecido Almanaque Laemmert (publicação anual que trazia endereços comerciais e residenciais dos habitantes do Rio de Janeiro entre 1844 e 1889) - e a própria identificação do escritor em correspondências, confirmam o 14; é que a numeração mudou para 18 pouco depois de 1890. pertencente por herança à viúva do conde de São Mamede, morto em 1872, e que se tornara esposa de [Miguel de] Novaes [irmão de d. Carolina, cunhado de Machado] em 1876” (ASSIS, 2009______. Correspondência de Machado de Assis: tomo II 1870-1889. Coordenação e orientação de Sergio Paulo Rouanet. Reunião, organização e comentários de Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: ABL; Fundação Biblioteca Nacional, 2009. Coleção Afrânio Peixoto., p. 219), imóvel para onde o casal mudara em 1884 e viveria até que cada um falecesse (ela em 1904, ele em 1908). Em menção ao logradouro é que o escritor ganha a alcunha de Bruxo do Cosme Velho, não se pode (ao menos até agora) precisar quando, mas que, segundo ideia difundida, liga-se ao caldeirão que usava no quintal para queimar papéis.

Para além desse, com maior ou menor precisão, muitos endereços de Machado são conhecidos desde o nascimento em 1839, sem contar outros que se espera possam ainda ser descobertos. Como se sabe e corroboram biografias, viveu a primeira infância na Ladeira do Livramento, habitou depois o bairro de São Cristóvão (rua São Luiz Gonzaga, 48), dividiu no início da juventude moradia com o amigo Francisco Ramos Paz na rua de Matacavalos (em algum ponto entre Santa Teresa e o Estácio) e, após o casamento, passou pela rua dos Andradas (Lapa), é suposto que pela rua de D. Luísa (Glória)6 6 Segundo Sergio Paulo Rouanet, em apresentação à exaustiva pesquisa acerca da correspondência machadiana organizada por Irene Moutinho e Sílvia Eleutério e coordenada por ele, “na carta de Gonçalves Crespo, de 6 de junho de 1871, há duas anotações de endereços no envelope: o endereço sobrescrito por Crespo - rua de D. Luísa; e uma anotação justaposta ao sobrescrito, de mão desconhecida, em lápis de cor azul e letras graúdas, indicando - Santa Luzia, 54. Tradicionalmente entre os biógrafos de Machado, não há registro de que tenha morado na rua de D. Luísa (atual Cândido Mendes). Segundo o consenso, no ano de 1871, ele morava na rua dos Andradas, 119. Desse ponto de vista, um possível equívoco que resultasse na troca de Santa Luzia por D. Luísa estaria descartado, porque Machado e Carolina só teriam se mudado para a rua de Santa Luzia, 54 em 1873. Surgem então algumas hipóteses. A primeira é que, apesar dos biógrafos, o casal morou na rua de D. Luísa neste período. A segunda é que Machado e Carolina moravam na rua de Santa Luzia antes de 1873, e a anotação justaposta seria apenas uma retificação do endereço. A terceira é que a carta, embora de 1871, só tenha chegado a seu destinatário muito depois, quando este já morava em Santa Luzia, 54.” (ROUANET, 2009, p. 14). e, na sequência, a Santa Luzia (Centro)7 7 No local, foi erigido prédio em que funciona o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, motivo pelo qual, em 2008, foi também descerrada ali placa indicativa de que Machado de Assis e Carolina (imperdoavelmente registrada sem sobrenome) moraram ali. , a das Laranjeiras (bairro homônimo), a do Catete (idem), talvez a Marquês de Abrantes (Flamengo)8 8 Ainda segundo Rouanet, “em carta de 27 de maio de 1883, Miguel de Novaes afirma: ‘Diz-me a Carolina em uma carta que me escreveu ultimamente que já tem casa na rua do Marquês de Abrantes.’ Neste caso, a expressão ter casa deve ser interpretada no sentido de ‘conseguir uma casa’. A dúvida de Miguel não é se Carolina e Machado mudariam, mas se já teriam efetuado a mudança. A ida para a rua Marquês de Abrantes estava definida, mesmo que não houvesse materialmente ocorrido, tanto que conclui a respeito dos mosquitos que atormentavam as redondezas da nova casa: ‘Oxalá que a casa que vai ocupar ou que já deve estar ocupando esteja isenta dessa praga.’ Como um acordo de aluguel nesse tempo não se revestia de grandes formalidades legais, pois muitas vezes bastava que locador e locatário ajustassem as condições e estava feito o negócio, é possível que o casal tenha residido ali nesse ano de 1883 até a transferência para o Cosme Velho no início de 1884.” (ROUANET, 2009, p. 15). , até, depois de algum planejamento - e, conta-se, benevolência da amiga proprietária no aluguel cobrado - alcançar o almejado Cosme Velho.

Dos períodos de sua vida, interessam-nos os anos 1860. Sobre a década, em biografia de 1936, um dos pioneiros trabalhos dessa natureza e que goza da suposta vantagem9 9 Jean-Michel Massa contesta que esse seja um fator necessariamente vantajoso: “Estes biógrafos se apoiavam, com frequência, no testemunho de pessoas que haviam, ainda muito jovens, conhecido o escritor no final de sua vida; estariam habilitados a falar de sua infância, passados cinquenta ou sessenta anos?” (MASSA, 1971, p. 4). de consultar testemunhas oculares de fatos, especula a ensaísta Lúcia Miguel-Pereira:

Mais ou menos ao tempo da sua entrada para o Diário [do Rio de Janeiro, periódico em que trabalhou de março de 1860 a abril de 1867] deve Machado, melhorados os seus recursos financeiros, se ter mudado de S. Cristóvão para o centro da cidade, indo provavelmente morar com Ramos Paz.

Com efeito, o bibliófilo português contava ter morado muitos anos com Machado de Assis; ora, tendo este se casado em 1869, e havendo aquele residido em Petrópolis até 1860, só entre 1860 e 1869 podem eles ter habitado a mesma casa. (MIGUEL-PEREIRA, 1936MIGUEL-PEREIRA, Lucia. Machado de Assis: estudo crítico e biográfico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 95)

A informação, contudo, seria imprecisa nessa hipótese mais larga, que aposta em janela temporal maior a reduzir a um só o local onde vive o escritor nos anos 1860. Certo é que não habitou Machado na companhia de Ramos Paz até o dia do casamento e assim ao menos uma residência intermediária entre Matacavalos e Andradas há de ter havido.

Tomemos por base a valiosa organização da sua correspondência completa, editada a partir de 2008 por Moutinho e Eleutério, já por nós referenciada. A pesquisa traz em seu tomo I exatamente o volume referente a essa década e indica que Machado residira com Ramos Paz “[n]o início dos anos 60, [quando] ambos moraram num sobrado da rua Matacavalos” (ASSIS, 2008______. Correspondência de Machado de Assis: tomo I 1860-1869. Coordenação e orientação de Sergio Paulo Rouanet. Reunião, organização e comentários de Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: ABL; Fundação Biblioteca Nacional, 2008. Coleção Afrânio Peixoto., p. 305-306) - via batizada em 1865 como Riachuelo, conforme até hoje, em homenagem a vitória brasileira em batalha naval na Guerra do Paraguai; mesma área da cidade, nobre à época, em que o autor alocaria personagens de Dom Casmurro, escrito quase quarenta anos mais tarde. Pois eis que se identifica aí missiva do escritor ao amigo, de 1o de maio de 1869 (data concluída por Moutinho e Eleutério), cerca de seis meses antes do matrimônio portanto, na qual, a evidenciar que não divide morada com o remetente, escreve:

Paz.

Procurei-te ontem e anteontem em casa, e não te achei. Hoje, se te não encontrar, deixarei esta carta, pedindo-te que me esperes amanhã de manhã para conversarmos sobre aquilo.

[...]

Espera-me amanhã, domingo; irei às dez horas e meia para dar-te tempo de concluir o sono que, por ser domingo, creio que irá até mais tarde.

Teu

Machado de Assis (ASSIS, 2008______. Correspondência de Machado de Assis: tomo I 1860-1869. Coordenação e orientação de Sergio Paulo Rouanet. Reunião, organização e comentários de Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: ABL; Fundação Biblioteca Nacional, 2008. Coleção Afrânio Peixoto., p. 264)

Ora, a mensagem traz indício de outros endereços intermediários do escritor nesses anos (minimamente um) que não sejam os dois já aludidos, exceto pelo caso improvável de que já tivesse o escritor ido viver na rua dos Andradas antes da união com Carolina. Outra carta de Machado a Paz, sem data, uma vez sobreposta à anterior (dada a promessa de retorno num domingo naquela e, nesta, a efetiva visita nesse mesmo dia da semana), até poderia referendar a antecipada ocupação pré-nupcial do imóvel da Lapa, embora nada desabone que a mensagem adviesse de um contexto mais tardio:

[Rio de Janeiro, sem data.]

Paz:

No domingo bati e rebati à tua porta. Nem viva alma. Queria dizer-te o que houve a respeito de bilhetes, e ao mesmo tempo falar-te de uma ideia soberba!!! Manda dizer onde me podes falar; caso recebas esta carta depois de vir o portador dela, escreve, para minha casa (Andradas 119) e marcando hora e lugar hoje.

A coisa urge.

Teu

Machado de Assis. (ASSIS, 2008______. Correspondência de Machado de Assis: tomo I 1860-1869. Coordenação e orientação de Sergio Paulo Rouanet. Reunião, organização e comentários de Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: ABL; Fundação Biblioteca Nacional, 2008. Coleção Afrânio Peixoto., p. 286)

O fato é que não se sabe onde viveu o escritor após Matacavalos e antes das Andradas. Francisco de Assis Barbosa, biógrafo não somente de Machado, mas de Lima Barreto e Juscelino Kubitschek, em 1957, afirma, sem citar fonte, que o romancista, “deixando de viver em companhia da madrasta [em São Cristóvão], vinha morando em quartos de pensão, sem conforto e às vezes sem companhia” (BARBOSA, 2008BARBOSA, Francisco de Assis. Machado de Assis em miniatura: um perfil biográfico. Brasília: Batel, 2008., p. 47), até afinal casar com Carolina, que lhe devolve a experiência de ter um lar. Também logo à frente Gondin da Fonseca sugere uma multiplicação de endereços, ao descrever, ainda sem fonte aparente, o afastamento gradativo do jovem da casa da madrasta Maria Inês já desde o fim dos anos 1850: “Melhor a vida independente, num quarto alugado, - ele e alguns companheiros, - e visitas dominicais a São Cristóvão. Apenas visitas dominicais. Depois mensais. Depois...” (FONSECA, 1960FONSECA, Gondin da. Machado de Assis e o hipopótamo - biografia e análise. São Paulo: Fulgor, 1960., p, 83). Pois se mantém a incógnita, das muitas que talvez nos sejam impostas pela índole reservada do homem e, para citar ainda sua correspondência, pensemos em como é sugestiva a carta de 30 de maio de 1862 que lhe envia Luís Guimarães Júnior, alegando tê-lo procurado em vários lugares antes de partir para São Paulo, exceto no mais lógico, seu endereço, do que se pode supor então que ou seria ignorado ou distante em demasia da cidade: “Esta cartinha há de servir de despedidas e desculpas. Procurei-o no Diário há dias e não me foi possível encontrá-lo aí, nem na tipografia do Paula Brito onde costuma estar às vezes.” (ASSIS, 2008______. Correspondência de Machado de Assis: tomo I 1860-1869. Coordenação e orientação de Sergio Paulo Rouanet. Reunião, organização e comentários de Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: ABL; Fundação Biblioteca Nacional, 2008. Coleção Afrânio Peixoto., p. 15).

É, pois, com certa indelicadeza que, invadindo essa intimidade, discutiremos a seguir, a partir de nova evidência, uma hipótese de logradouro do escritor na década de 1860 até então, cremos, não referenciado por seus biógrafos.

Um suposto endereço esquecido

O período que se estende desde o momento impreciso em que dividira residência com Ramos Paz até o matrimônio em outubro de 1869 mantém em aberto as possibilidades, revogando a ilação de que Machado conservara-se na rua de Matacavallos (como se grafava à época) por todo esse tempo.

É então que documentos de novembro e dezembro de 1867 podem fornecer dado importante. Trata-se de atas de sessões do Conselho Administrativo da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (a SAIN, espécie de precursora da atual Confederação Nacional da Indústria - CNI), de que o escritor fez parte e onde exerceu mais tarde cargo de direção: na primeira, de 15 de novembro, entre outros nomes, há o seu, indicado a sócio efetivo por Luiz Mendes Ribeiro Júnior, quiçá em razão do entusiasmado apoio que, como jornalista do Diário do Rio de Janeiro, Machado sempre dera às participações da SAIN nas Exposições Universais; na segunda, de 3 de dezembro, a proposta de afiliação é votada e aceita. Em ambas, consta a informação de que seria “Joaquim Maria Machado de Assis, jornalista, morador à rua da Alfândega n. 123”. Os documentos são publicizados mais tarde, não apenas em informativo próprio da associação, como, minimamente no caso da primeira reunião, no Jornal do Commercio (Anexo IV ANEXO IV O Auxiliador da Industria Nacional, n.12, dezembro de 1867, trecho da ata da sessão do Conselho Administrativo da SAIN de 15 de novembro de 1867. Jornal do Commercio, 19 de dezembro de 1867. O Auxiliador da Industria Nacional, n. 1, janeiro de 1868, trecho da ata da sessão do Conselho Administrativo da SAIN de 3 de dezembro de 1867. ).

Mas ser publicada ao menos três vezes não guarda força comprovativa: a informação surge de fonte inicial e se repete, não há dificuldade de o deduzir - da ata primeira à segunda e do informativo da associação para reprodução em jornal de maior circulação: houvesse gralha e ela decerto se espelharia. Pela escassez de dados que o referendem, trataremos o endereço, já que indicado a rigor por um único documento, como hipótese.

Investigações paralelas, contudo, ainda que não confirmem a conjectura, poderiam aumentar a perspectiva de sua veracidade, através de uma técnica que, se assim nos for permitido, chamaríamos de estratégia “das negativas”, definição espirituosa em lembrança do capítulo final de Memórias póstumas de Brás Cubas - porque com efeito, a seguir, esta seção é toda de negativas.

Das negativas

A primeira negativa responde à suposição, muito improvável (mas investiguemos humanas hipóteses), de que o membro associado que o indicara à SAIN, desconhecendo o endereço do poeta, tivesse preenchido exigências burocráticas com sua própria morada ou imóvel de sua posse. Repare-se que estamos a falar, no caso da presumível ocupação por Machado de residência na Alfândega, dos meses finais de 1867, dados pois que se apresentariam no Almanak Laemmert no início do ano seguinte. Ora, na edição de 1868 do catálogo, Luiz Mendes Ribeiro Júnior, cuja família era proprietária (ou fazia uso) de alguns imóveis na cidade, registrava-se à rua São Pedro, 82 e à do Cosme Velho, 46, endereços que se repetem em outros anos na mesma publicação [Anexo V ANEXO V Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1867. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1868. ]. E, como veremos, tudo indica que o sobrado da Alfândega, 123 pertencesse em 1867 a Manoel Francisco dos Santos Deveza. Portanto, o endereço divulgado na reunião da SAIN não teria relação com Ribeiro Júnior.

Uma negativa segunda, aliás, consiste em não haver menção ao endereço no Almanak em 1867 e 1868, exceto pelo ponto comercial do imóvel (principal objeto do catálogo), no térreo, na época a abrigar armarinho administrado pela sociedade entre os negociantes Bruno Telles de Menezes Vasconcellos e Francisco Severiano Amado Júnior [Anexo VI ANEXO VI Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1867. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1868. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1868. ]. É verdade que a parte que serve à moradia, em andar superior, é referida com clareza apenas em 1857, quando se indica a residência de Bellini (parece factível tratar-se do médico Thomaz Victor Bellin, apesar da grafia distinta) na “Alfândega, 123, 2o and.”, e talvez tão só porque o profissional a usasse também como consultório, segundo anúncio de seus serviços a indicar horário fixo para consultas, mas ainda disponibilidade integral a emergências [Anexo VII ANEXO VII Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1857, com provável erro de grafia no nome do médico, além de confusão nas iniciais, dada a coincidência do endereço em datas convergentes; para além: menção a um segundo andar, não ficando claro se indica que a casa teria dois andares superiores ou se houve troca de nomenclatura usual que marcaria o sobrado como primeiro andar, em oposição ao térreo. Correio Mercantil, 15 de agosto de 1856. ]. Nos anos fulcrais à nossa investigação, porém, nem o 1o, nem o 2o andar do 123 são identificados.

A terceira negativa é a ausência de endereços do poeta das Crisálidas no citado catálogo durante esses anos. Em 1862, é listado pela primeira vez, em razão da posição como bibliotecário na Sociedade Arcádia Brasileira - sem que, porém, surgisse no “Indicador Alphabetico”, seção efetiva de logradouros. O posto profissional é repetido no ano seguinte e seu nome desta feita figura no índice geral, mas sem preenchimento algum de endereço. Quando afinal é vinculado a moradia, em 1870, já está casado e residindo na rua dos Andradas, 119, em sobrado que - como poucos dos imóveis que habitou - existe até hoje [Anexo VIII ANEXO VIII Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1862. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1863. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1863. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1870. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1872. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1875. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1876. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1880. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1884. ].10 10 Além das ruas dos Andradas, 119 (atual 147) e da Lapa, 96 (atual 242), tombadas em 2008 pela Prefeitura no centenário do falecimento de Machado de Assis, deu-se processo semelhante em 2013 com imóvel no qual o escritor teria nascido, na hoje Ladeira do Livramento, 77 - informação que gera controvérsia entre historiadores consultados pela Academia Brasileira de Letras, que não reconhece o achado. A reticência seria pertinente, se crermos nas palavras do biografista Luiz Viana Filho, em trabalho de 1974: “[...] ao saber que se demolia a casa onde nascera, Machado, arrastado pelo passado, foi ao local recolher uma pedra, recordação do berço humilde” (VIANA FILHO, 1974, p. 145). Entre 1864 e 1869, todavia, o escritor não é registrado. Aliás, já o dissemos, há falta absoluta de informação precisa de seus endereços nesse tempo. Consultando novamente sua correspondência, vê-se que Luís Guimarães Júnior endereça-lhe cartas à rua do Rosário, 86, entre 1863 e 1865, e Ferreira de Meneses escreve ao mesmo logradouro em 1866, mas essa é a localização da redação do Diário do Rio de Janeiro, endereço profissional portanto. Outras cartas resgatadas, muitas delas missivas públicas em jornais, não trazem pista sobre locais em que o escritor teria residido antes de 1869.

Por fim, a derradeira negativa desta seção de negativas passa pela investigação das ocupações outras do endereço. O sobrado foi usado muitas vezes por profissionais liberais que anunciavam serviços nas folhas, como identificamos em momentos anteriores e posteriores à data de interesse, tais quais o citado médico T. V. Bellin e um guarda-livros nos anos 1850. Nas décadas de 1860 e 1870, abrigou serviços imobiliários, venda de maquinários usados e comércio de escravizados [Anexo IX ANEXO IX Correio Mercantil, 30 de outubro de 1856. Jornal do Commercio, 19 de abril de 1865. Jornal do Commercio, 5 de novembro de 1873, em nova menção a um segundo andar que poderia sugerir dois níveis superiores. Jornal do Commercio, 15 de agosto de 1862. Jornal do Commercio, 8 de novembro de 1864. Jornal do Commercio, 26 de janeiro de 1865. Correio Mercantil, 15 de maio de 1865. ]. Especificamente de 1867 a 1869, porém, não verificamos registro algum referente ao sobrado da Alfândega 123.

O imóvel

Encontram-se nos jornais chamadas para aluguel do espaço e, em 1867, o último que verificamos data de 30 de agosto, enquanto nova disponibilidade só nos foi possível constatar em 10 de janeiro de 1872, a sugerir que não esteve vago nesse tempo ou foi alugado sem carecer de propaganda. Através deles, podemos reconstruir a estrutura do imóvel. Eis uma compilação de descrições: “uma sala mobiliada, com alcova e tres janellas de sacada, com cortinas americanas, uma linda sala e quarto (uma sala e alcova), com bonito terraço na frente, com entrada independente, a casa é muito airosa e o lugar é excellente para qualquer escriptorio, no centro do commercio, rua da Alfândega, n. 123, abaixo da da Valla - tudo isso a ser alugado a pessoa muito capaz empregada no commercio” [Anexo X ANEXO X Correio Mercantil, 1 de março de 1857. Jornal do Commercio, 28 de maio de 1860. Jornal do Commercio, 16 de maio de 1861. Jornal do Commercio, 9 de agosto de 1861. Jornal do Commercio, 28 de outubro de 1865. Jornal do Commercio, 27 de agosto de 1867. Jornal do Commercio, 30 de agosto de 1867. ].

Deparamo-nos, igual a outras vezes, com o espaço ora referido como segundo andar, ora primeiro. Em um tempo de dez anos (os recortes são de 1857 a 1867 - e os de agosto desse último poderiam ser os que encaminharam Machado ao aluguel do imóvel), seria natural que a terminologia oscilasse. Ocorre, porém, que haveria aqui fato novo: as descrições entram em conflito ao opor esta sala e quarto ou sala com alcova à descrição de uma sala com dous quartos (e não um), a provocar a desconfiança de que realmente pudesse se tratar de uma construção com loja térrea e dois sobrados, isto é, dois andares superiores, um deles com um quarto e o outro com dois.

O térreo, denominado “armarinho”, “loja” ou “venda”, era ocupado por comércios diversos, conforme já apontamos, tais quais o de joias, brinquedos, colchões, artigos femininos, fazendas - aliás, um sótão, outra possível estrutura do imóvel a se acrescentar à planta que presumimos, abrigaria oficina de alfaiataria em 1873 - ou, uma vez mais, em triste lembrança de nossa sociedade, escravizados: foi assim, por exemplo, a ourivesaria dos Irmãos Norat na década de 1850, o armarinho Bastos e Vasconcelos na de 1860 e a Casa da Minerva na de 1870 [Anexo XI ANEXO XI Correio Mercantil, 24 de janeiro de 1862. Diário de Rio de Janeiro, 9 de junho de 1860. Gazeta de Notícias, 26 de julho de 1877. Jornal do Commercio, 7 de abril de 1873. Jornal do Commercio, 16 de outubro de 1857. ].

Na reorganização efetuada entre 1873 e 1876 pelo escriturário João Cruvello Cavalcanti a serviço da Câmara Municipal da Corte, torna-se 117 o número 123 da Alfândega. O registro traz informações importantes, como a posse do imóvel à época por Manoel Francisco dos Santos Deveza (talvez o mesmo entalhador português responsável pelos altares laterais da Igreja de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte), que ainda era proprietário dos números contíguos 125 e 121 (morava nesse último endereço nos anos 1850, mas no fim dos 1860 estava em Portugal). O trecho da rua é pertinente, pela proximidade ao imóvel que ficaria na esquina da rua Uruguayana (e cuja numeração passa a fazer parte dessa outra via); ora, essa é a antiga rua da Vala, a mesma que um dos anúncios de aluguel indica como ponto de referência. A única questão que entra em conflito com conclusões que antes levantamos concentra-se na descrição da casa com apenas um sobrado, isto é, um andar acima do térreo [Anexo XII ANEXO XII Nova numeração dos prédios da cidade do Rio de Janeiro, em segunda e definitiva edição de 1878, acerca de trecho da rua da Alfândega. ].

Com tais dados, buscamos o histórico dos imóveis de aparência antiga que ainda estão de pé no lado ímpar da rua da Alfândega e abaixo da da Valla/Uruguaiana. Levantamos no 2o Cartório de Registro Geral de Imóveis certidão de inteiro teor das matrículas dos atuais números 119, 121, 123 e 125 da Alfândega, mas estão disponíveis apenas dados do último meio século. Ademais, prédios anteriores a 1938 tem esse ano como a data de construção, porque somente então o registro passou a ser feito. Dos citados, o 119 é o que, externamente, mais se aproxima de descrições dos antigos anúncios de aluguel, com três janelas de sacada, varanda na frente e entrada independente à loja térrea - e dois sobrados, apesar do registro contrário de Cavalcanti [Anexo XIII ANEXO XIII Imagem do aplicativo Google Maps, com o estado atual do trecho da rua da Alfândega referido neste estudo. Ao fundo, a rua Uruguaiana. ]. Mas não foi possível a certeza de que a construção datasse do século XIX.

O Arquivo Nacional guarda sob o código 4MMAP118 levantamento cartográfico da cidade (organizado em 1870 pelo Setor de Obras Públicas do Ministério da Agricultura) com desenho dos terrenos dos imóveis municipais nesse tempo. Tais mapas poderiam conduzir a respostas, mas o registro, não disponibilizado de modo digital, é por enquanto inacessível à consulta em razão de o contexto pandêmico do país impedir atendimento presencial no órgão.

Um pouco de literatura

Na obra de Machado de Assis, a rua da Alfândega não é das mais visitadas. Uma passagem nos chama a atenção, contudo: a do pungente conto “Pai contra mãe”, de 1906, criação que já discutimos ao ressaltar o simbolismo que os nomes das ruas trazem à narrativa (SOARES, 2020SOARES, Marcelo Pacheco. Estudo hodonímico do conto “Pai contra mãe”, de Machado de Assis. Scripta Uniandrade, Curitiba, v. 18, n. 1, jan.-abr. 2020, p. 299-317.). Eis a passagem em que a Alfândega surge, quando o caçador de recompensas Cândido Neves leva Arminda, cativa que fugira, em direção à casa do senhor de escravos que a reclama:

Foi arrastando a escrava pela rua dos Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. (ASSIS, 1997ASSIS, Machado de. “Pai contra mãe”. In: ______. Relíquias da casa velha. São Paulo: Globo, 1997. p. 1-14., p. 13)

Não sabemos que lado da Alfândega, a partir da rua dos Ourives (atual Miguel Couto), Neves teria tomado, mas nos consintam especular: sendo “a casa próxima”, não a seguisse talvez por mais do que um quarteirão e, se pegasse a esquerda, na direção da Uruguaiana, estaria justamente no trecho da rua da Alfândega em que haveria (por hipótese, reiteramos) residido o autor por volta de 1867.

Pois essa é a época em que se passaria a narrativa:

Sobre a datação algo vaga que o narrador sugere para o narrado (há meio século), acreditamos poder ajustá-la com mais precisão à década de 1860, inferindo-a em razão justamente da menção à Roda dos Enjeitados [...]. Ora, essa estrutura da roda estaria em atividade, segundo o próprio conto, à rua dos Barbonos, exatamente a referência que nos permitirá localizar temporalmente a sua história. [...]

Publicado já no início do século XX (tempo da voz do narrador), o enredo de “Pai contra mãe” desenvolve-se, segundo suas palavras, reiteremos, há meio século, o que nos encaminharia aproximadamente aos meados dos anos de 1850. Mas, dado que a roda somente foi transferida para a rua dos Barbonos em 1860, podemos concluir que, por coerência, a narrativa desenvolve-se em algum momento desse ano em diante (mas, factualmente, apenas até 1870, quando a rua dos Barbonos ganha o nome de Evaristo da Veiga, alcunha que se mantém até hoje, em homenagem ao jornalista liberal que ali residira e falecera) [...]. (SOARES, 2020SOARES, Marcelo Pacheco. Estudo hodonímico do conto “Pai contra mãe”, de Machado de Assis. Scripta Uniandrade, Curitiba, v. 18, n. 1, jan.-abr. 2020, p. 299-317., p. 307-308)

Aqui, mais ou menos sobrepõe-se no espaço e no tempo o enredo da narrativa (escrita no século XX) e a suposta morada do escritor em tempos pretéritos, espécie de possível reflexão de sua experiência vivida na criação literária.

Consideração final

O narrador machadiano confessaria diante da seção anterior que, “ou muito me engano, ou acabo de escrever um capítulo inútil”, como em Memórias póstumas (ASSIS, 1992______. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ática, 1992., p. 158). A razão esclarece-se: o presente pesquisador, habituado a circular pela grande área de Linguística, Letras e Artes, mais precisamente no campo da Literatura, aventurou-se aqui em investigação antes histórica e geográfica do que literária, e a anterior seção anterior pode ser um derivativo que evite alguma crise de abstinência. E a ironia dessa última sentença, confissão inevitável, pretende que lhes sejam absolvidas as falhas técnicas: careça talvez a pesquisa de instrumentos mais precisos, não adquiridos em sua formação, para alcançar informações cruciais, como um conjunto completo das mudanças de numeração que a via sofreu desde 1860 até hoje.

Parece certo que valeria a pena o esforço de precisar o endereço, a fim de saber se continua a existir o imóvel, para que se somasse aos tombamentos já qualificados, se pertinente for, e, caso não mais haja o prédio, que se descerrasse, como em outros casos, placa indicando que o escritor ali viveu. Tudo isso, claro, na hipótese de se concluir que a informação trazida pela ata da sessão da SAIN é precisa sobre a residência de Machado de Assis, em 1867, na rua da Alfândega, 123.

Referências

  • ASSIS, Machado de. “Pai contra mãe”. In: ______. Relíquias da casa velha São Paulo: Globo, 1997. p. 1-14.
  • ______. Esaú e Jacó - Memorial de Aires São Paulo: Nova Cultural, 2003.
  • ______. Correspondência de Machado de Assis: tomo I 1860-1869. Coordenação e orientação de Sergio Paulo Rouanet. Reunião, organização e comentários de Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: ABL; Fundação Biblioteca Nacional, 2008. Coleção Afrânio Peixoto.
  • ______. Correspondência de Machado de Assis: tomo II 1870-1889. Coordenação e orientação de Sergio Paulo Rouanet. Reunião, organização e comentários de Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. Rio de Janeiro: ABL; Fundação Biblioteca Nacional, 2009. Coleção Afrânio Peixoto.
  • ______. Memórias póstumas de Brás Cubas São Paulo: Ática, 1992.
  • BARBOSA, Francisco de Assis. Machado de Assis em miniatura: um perfil biográfico. Brasília: Batel, 2008.
  • CAMPOS, Alex Sander Luiz; MIRANDA, José Américo de. Um texto crítico de Machado de Assis. Machado de Assis em Linha, São Paulo, v. 9, n. 18, maio-ago. 2016, p. 146-157.
  • FONSECA, Gondin da. Machado de Assis e o hipopótamo - biografia e análise. São Paulo: Fulgor, 1960.
  • MARQUES, Wilton José. As primeiras incertezas, o profeta machadiano e o malogro do primeiro livro. Machado de Assis em Linha, São Paulo, v. 9, n. 19, set.-dez. 2016, p. 11-33.
  • ______. “O grito do Ipiranga” e a persistência do tópos histórico (um poema inédito de Machado de Assis. Machado de Assis em Linha, São Paulo, v. 14, n. 32, Janeiro-Abril 2021, p. 1-18.
  • MASSA, Jean-Michel. A juventude de Machado de Assis Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.
  • MIGUEL-PEREIRA, Lucia. Machado de Assis: estudo crítico e biográfico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.
  • RISSATO, Felipe Pereira. Machado de Assis inédito, desconhecido, anônimo, surpreendente. Revista Brasileira, Rio de Janeiro, s. VIII, n. 87, abr.-jun. 2016, p. 119-131.
  • ROUANET, Sérgio Paulo. Apresentação. In: ASSIS. Correspondência de Machado de Assis: tomo II - 1870-1889. Rio de Janeiro: ABL, 2009. p. 7-29.
  • SOARES, Marcelo Pacheco. Estudo hodonímico do conto “Pai contra mãe”, de Machado de Assis. Scripta Uniandrade, Curitiba, v. 18, n. 1, jan.-abr. 2020, p. 299-317.
  • TEIXEIRA, Cristiane Garcia. M’achado biógrafo: da investigação de uma revista a um texto inédito. ArtCultura, Uberlândia, v. 22, n. 40, jan.-jun. 2020, p. 213-232.
  • VIANA FILHO, Luiz. A vida de Machado de Assis São Paulo; Brasília: Martins; INL, 1974.
  • 1
    Os investigadores trouxeram a conhecimento uma perdida crítica do autor sobre Procelárias, de Magalhães de Azeredo, publicada no Jornal do Commercio em 1898.
  • 2
    A pesquisadora identificou biografia não assinada de d. Pedro II em revista Espelho de 1859, cuja autoria argumenta em favor de Machado em artigo bem intitulado “M’achado biógrafo”.
  • 3
    O investigador encontrou em Revista Luso-Brasileira de 1860 crônica apócrifa sobre morte de mãe na infância; cotejando com textos do escritor e sua biografia, demonstra a autoria machadiana.
  • 4
    O pesquisador levantou referências entre 1858 e 1860, no Correio Mercantil, a livro de poemas de Machado que estaria por ser publicado ou teria sido impresso pela tipografia Francisco de Paula Brito, mas cuja existência se desconhece; no mesmo jornal, também identificou um poema de 1856 que não consta das coletâneas do autor.
  • 5
    A notícia do furto informa o número 18 para a casa do Cosme Velho; registros diversos, porém, como o do Almanak Administrativo, Mercantil, e Industrial do Rio de Janeiro - o conhecido Almanaque Laemmert (publicação anual que trazia endereços comerciais e residenciais dos habitantes do Rio de Janeiro entre 1844 e 1889) - e a própria identificação do escritor em correspondências, confirmam o 14; é que a numeração mudou para 18 pouco depois de 1890.
  • 6
    Segundo Sergio Paulo Rouanet, em apresentação à exaustiva pesquisa acerca da correspondência machadiana organizada por Irene Moutinho e Sílvia Eleutério e coordenada por ele, “na carta de Gonçalves Crespo, de 6 de junho de 1871, há duas anotações de endereços no envelope: o endereço sobrescrito por Crespo - rua de D. Luísa; e uma anotação justaposta ao sobrescrito, de mão desconhecida, em lápis de cor azul e letras graúdas, indicando - Santa Luzia, 54. Tradicionalmente entre os biógrafos de Machado, não há registro de que tenha morado na rua de D. Luísa (atual Cândido Mendes). Segundo o consenso, no ano de 1871, ele morava na rua dos Andradas, 119. Desse ponto de vista, um possível equívoco que resultasse na troca de Santa Luzia por D. Luísa estaria descartado, porque Machado e Carolina só teriam se mudado para a rua de Santa Luzia, 54 em 1873. Surgem então algumas hipóteses. A primeira é que, apesar dos biógrafos, o casal morou na rua de D. Luísa neste período. A segunda é que Machado e Carolina moravam na rua de Santa Luzia antes de 1873, e a anotação justaposta seria apenas uma retificação do endereço. A terceira é que a carta, embora de 1871, só tenha chegado a seu destinatário muito depois, quando este já morava em Santa Luzia, 54.” (ROUANET, 2009ROUANET, Sérgio Paulo. Apresentação. In: ASSIS. Correspondência de Machado de Assis: tomo II - 1870-1889. Rio de Janeiro: ABL, 2009. p. 7-29., p. 14).
  • 7
    No local, foi erigido prédio em que funciona o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, motivo pelo qual, em 2008, foi também descerrada ali placa indicativa de que Machado de Assis e Carolina (imperdoavelmente registrada sem sobrenome) moraram ali.
  • 8
    Ainda segundo Rouanet, “em carta de 27 de maio de 1883, Miguel de Novaes afirma: ‘Diz-me a Carolina em uma carta que me escreveu ultimamente que já tem casa na rua do Marquês de Abrantes.’ Neste caso, a expressão ter casa deve ser interpretada no sentido de ‘conseguir uma casa’. A dúvida de Miguel não é se Carolina e Machado mudariam, mas se já teriam efetuado a mudança. A ida para a rua Marquês de Abrantes estava definida, mesmo que não houvesse materialmente ocorrido, tanto que conclui a respeito dos mosquitos que atormentavam as redondezas da nova casa: ‘Oxalá que a casa que vai ocupar ou que já deve estar ocupando esteja isenta dessa praga.’ Como um acordo de aluguel nesse tempo não se revestia de grandes formalidades legais, pois muitas vezes bastava que locador e locatário ajustassem as condições e estava feito o negócio, é possível que o casal tenha residido ali nesse ano de 1883 até a transferência para o Cosme Velho no início de 1884.” (ROUANET, 2009ROUANET, Sérgio Paulo. Apresentação. In: ASSIS. Correspondência de Machado de Assis: tomo II - 1870-1889. Rio de Janeiro: ABL, 2009. p. 7-29., p. 15).
  • 9
    Jean-Michel Massa contesta que esse seja um fator necessariamente vantajoso: “Estes biógrafos se apoiavam, com frequência, no testemunho de pessoas que haviam, ainda muito jovens, conhecido o escritor no final de sua vida; estariam habilitados a falar de sua infância, passados cinquenta ou sessenta anos?” (MASSA, 1971MASSA, Jean-Michel. A juventude de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971., p. 4).
  • 10
    Além das ruas dos Andradas, 119 (atual 147) e da Lapa, 96 (atual 242), tombadas em 2008 pela Prefeitura no centenário do falecimento de Machado de Assis, deu-se processo semelhante em 2013 com imóvel no qual o escritor teria nascido, na hoje Ladeira do Livramento, 77 - informação que gera controvérsia entre historiadores consultados pela Academia Brasileira de Letras, que não reconhece o achado. A reticência seria pertinente, se crermos nas palavras do biografista Luiz Viana Filho, em trabalho de 1974: “[...] ao saber que se demolia a casa onde nascera, Machado, arrastado pelo passado, foi ao local recolher uma pedra, recordação do berço humilde” (VIANA FILHO, 1974VIANA FILHO, Luiz. A vida de Machado de Assis. São Paulo; Brasília: Martins; INL, 1974., p. 145).

ANEXO I


Jornal do Commercio, 23 de setembro de 1861, coluna “Chronica da Semana”, de J.M. de Macedo.

ANEXO II


Jornal do Commercio, 2 de dezembro de 1884.


Gazeta de Notícias, 3 de março de 1887, com indubitável erro no nome do escritor, dadas as outras convocações.


Jornal do Commercio, 6 de maio de 1885.


O Apóstolo, 17 de outubro de 1869.

ANEXO III


Gazeta de Notícias, 10 de junho de 1893.


Jornal do Brasil, 10 de junho de 1893.

ANEXO IV


O Auxiliador da Industria Nacional, n.12, dezembro de 1867, trecho da ata da sessão do Conselho Administrativo da SAIN de 15 de novembro de 1867.


Jornal do Commercio, 19 de dezembro de 1867.


O Auxiliador da Industria Nacional, n. 1, janeiro de 1868, trecho da ata da sessão do Conselho Administrativo da SAIN de 3 de dezembro de 1867.

ANEXO V


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1867.


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1868.

ANEXO VI


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1867.


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1868.


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1868.

ANEXO VII


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1857, com provável erro de grafia no nome do médico, além de confusão nas iniciais, dada a coincidência do endereço em datas convergentes; para além: menção a um segundo andar, não ficando claro se indica que a casa teria dois andares superiores ou se houve troca de nomenclatura usual que marcaria o sobrado como primeiro andar, em oposição ao térreo.


Correio Mercantil, 15 de agosto de 1856.

ANEXO VIII


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1862.


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1863.


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1863.


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1870.


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1872.


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1875.


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1876.


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1880.


Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1884.

ANEXO IX


Correio Mercantil, 30 de outubro de 1856.


Jornal do Commercio, 19 de abril de 1865.


Jornal do Commercio, 5 de novembro de 1873, em nova menção a um segundo andar que poderia sugerir dois níveis superiores.


Jornal do Commercio, 15 de agosto de 1862.


Jornal do Commercio, 8 de novembro de 1864.


Jornal do Commercio, 26 de janeiro de 1865.


Correio Mercantil, 15 de maio de 1865.

ANEXO X


Correio Mercantil, 1 de março de 1857.


Jornal do Commercio, 28 de maio de 1860.


Jornal do Commercio, 16 de maio de 1861.


Jornal do Commercio, 9 de agosto de 1861.


Jornal do Commercio, 28 de outubro de 1865.


Jornal do Commercio, 27 de agosto de 1867.


Jornal do Commercio, 30 de agosto de 1867.

ANEXO XI


Correio Mercantil, 24 de janeiro de 1862.


Diário de Rio de Janeiro, 9 de junho de 1860.


Gazeta de Notícias, 26 de julho de 1877.


Jornal do Commercio, 7 de abril de 1873.


Jornal do Commercio, 16 de outubro de 1857.

ANEXO XII


Nova numeração dos prédios da cidade do Rio de Janeiro, em segunda e definitiva edição de 1878, acerca de trecho da rua da Alfândega.

ANEXO XIII


Imagem do aplicativo Google Maps, com o estado atual do trecho da rua da Alfândega referido neste estudo. Ao fundo, a rua Uruguaiana.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Mar 2021
  • Aceito
    23 Abr 2021
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