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Música e teatro em Machado de Assis

Music and theater in Machado de Assis

O número 26 da Machado de Assis em linha traz um dossiê temático sobre a presença da música e do teatro - tanto dramático como lírico - na obra de Machado de Assis, organizado por Juracy Assmann Saraiva, da Universidade Feevale, e por Marcelo Diego, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Como uma clave que dá o tom da partitura que se segue, o ensaio "A caminho de Bayreuth: a música na obra de Machado de Assis" (1968, revisto em 1983), de Raymond S. Sayers, aparece como o representante da tradição crítica machadiana. Trata-se de um dos primeiros estudos de vulto a dar relevo ao tema e a abordá-lo de modo sistemático e rigoroso. Como o título sugere, o ensaio descreve um percurso - o da educação musical de Machado de Assis -, cujo estágio final seria o diálogo com as composições de Richard Wagner: "Participando da evolução dos conhecimentos musicais dos cariocas, nas Crônicas - fiel espelho do gosto público -, Machado já fala em 1876 na música de Wagner, mas com intenção satírica" (SAYERS, 1968SAYERS, Raymond S. A caminho de Bayreuth: a música na obra de Machado de Assis. Revista Hispánica Moderna, Nova York, v. 34, n. 3, p. 776-790, jul. 1968., p. 779). Na sequência, os artigos originais que compõem o dossiê desenvolvem o tema proposto sob diferentes chaves, porém predomina o enfoque sobre a experiência de Machado de Assis como apreciador e crítico da arte dramática, de que resultaria sua compreensão da vida humana como um espetáculo teatral ou operístico.

Alessandra Vannucci, no artigo "Ó tempos! Ó saudades! Machado de Assis espectador de teatro", relaciona a participação de Machado de Assis em espetáculos teatrais com o registro dessa atividade em crônicas, folhetins, pareceres e na produção ficcional. Sob esse ângulo, a articulista conjuga concepções de Machado sobre a arte dramática a suas observações sobre o trabalho da atriz Adelaide Ristori, para sublinhar que, na ficção, o censor cede seu olhar crítico ao espectador, para recriar o mundo burguês, percebido como espetáculo. Já Alex Lara Martins, em "Os fundamentos filosóficos da crítica teatral de Machado de Assis", procede ao cruzamento de ideias relativas à produção filosófica franco-brasileira em meados do século XIX, buscando identificar o modo como Machado se apropria desses discursos, ao emitir pareceres para o Conservatório Dramático.

Paul Dixon, em "Machado's organic sense: an outline of approaches to Lição de botânica", centra-se na análise da peça teatral mencionada no título do artigo, com o intuito de demonstrar que o escritor recorre a uma metáfora para conferir organicidade ao texto. Assim, o progresso humano e a evolução das plantas são visualizados como termos da metáfora criadora de Lição de botânica, sendo a elasticidade orgânica seu denominador comum, a qual, por sua vez, exemplificaria as características culturais brasileiras da cordialidade e do jeitinho. Anna-Lisa Halling, em "The Shrew and the Shrewd: Machado de Assis's Lição de botânica", aborda a mesma peça teatral, porém justapondo-a a Taming of the Shrew, de Shakespeare, com o objetivo de demonstrar como Machado fortalece os ideais feministas, ao criar personagens femininas fortes, inteligentes e independentes.

Juracy Assmann Saraiva, em "Memorial de Aires: entre dramas e acordes, a inflexão para a literatura", situa Machado de Assis no contexto cultural da segunda metade do século XIX, correlacionando a produção do romance às experiências estéticas do escritor, enfatizando, sobretudo, as relações intertextuais com a ópera Tristão e Isolda, de Richard Wagner, para concluir que a presença de intertextos decorre da atividade crítica de Machado de Assis, a qual integra a literatura à dimensão múltipla e ilimitada da arte. Encerrando o dossiê, o ensaísta convidado David Jackson, em "Machado musical: notas sobre música e escrita", focaliza a influência da ópera e da música no método de composição do escritor brasileiro. Ele examina, para tanto, motivos provenientes da música e desenvolvidos nos romances, chegando à conclusão de que, na ficção machadiana, se expõe a encenação de uma cidade-teatro, segundo a tradição barroca que concebe o mundo como um grande palco.

A seção "Vária" tem como texto de abertura "Esaú e Jacob e Memorial de Ayres: manuscritos que viajam", no qual Ana Cláudia Suriani da Silva descreve com minúcia e precisão os fólios dos dois últimos romances, guardados na Academia Brasileira de Letras, concluindo que os documentos serviram de base para a composição tipográfica dos romances, impressos em Paris.

Luciana Brandão Leal e Alexandre Veloso Abreu revisitam o tema da melancolia em "O legado de Brás Cubas: o príncipe melancólico", extrapolando a abordagem do assunto para fora do ambiente ficcional.

Teresinha Vânia Zimbrão da Silva e Izabella Maddaleno, em "Machado de Assis e A divina comédia", fazem uma revisão minuciosa das referências ao texto de Dante na obra de Machado de Assis, acrescentando detalhes e retificando informações que escaparam a outros estudiosos do assunto.

Na seção "Página recolhidas", Flávia Barretto Corrêa Catita e Luciana Antonini Schoeps apresentam, anotam e transcrevem três cartas manuscritas de Mário de Alencar a José Veríssimo, que tratam da transferência do espólio machadiano para a Academia Brasileira de Letras logo depois da morte do escritor. Os documentos constituem um inventário não só do que foi transmitido, mas também do que ficou perdido no processo de institucionalização do legado machadiano.

Por fim, a edição traz resenhas de dois livros com pesquisas originais e importantes para os estudos machadianos: Machado de Assis - Antes do livro, o jornal: suporte, mídia e ficção, de Lúcia Granja (2018), escrita por Thiago Mio Salla, e Epígrafes e diálogos na poesia de Machado de Assis, de Audrey Ludmilla do Nascimento Miasso (2017), apreciado por Maria Cristina Cardoso Ribas.

Como o leitor poderá ver e ler, a Machado de Assis em linha e os estudos machadianos começam um novo ano com bons auspícios.

Referência

  • SAYERS, Raymond S. A caminho de Bayreuth: a música na obra de Machado de Assis. Revista Hispánica Moderna, Nova York, v. 34, n. 3, p. 776-790, jul. 1968.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019
  • Data do Fascículo
    Abr 2019
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