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CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2020. Drama, ritual e performance: a antropologia de Victor Turner. Rio de Janeiro: Mauad X. 148 pp.

CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. . 2020. Drama, ritual e performance: a antropologia de Victor Turner . Rio de Janeiro: Mauad X. 148 pp.

Victor Turner nasceu em 28 de maio de 1920, em Glasgow, na Escócia. Graduado em Antropologia pela University College London, concluiu o doutorado em 1955 no Departamento de Antropologia da Universidade de Manchester, sob a orientação de Max Gluckman e em parceria com o Instituto Rhodes-Livingstone. Ao longo de sua trajetória, foi conferencista na Universidade de Manchester e professor em instituições nos Estados Unidos, particularmente na Universidade de Stanford, na Universidade de Cornell, na Universidade de Chicago, na Universidade de Princeton e na Universidade de Virgínia, onde atuou até a sua morte em 1983. A vasta obra que produziu nessas três décadas de atividade intelectual valoriza os processos de materialização dos valores sociais, as passagens entre os papéis sociais, as relações entre ordinário e extraordinário, as inversões e os dramas. Seus impactos foram decisivos nos estudos de religião, política, rituais, literatura, performance e tantos outros campos das ciências humanas e sociais.

As ideias de Victor Turner foram introduzidas na antropologia brasileira através dos trabalhos de Roberto DaMatta sobre o carnaval (1973DAMATTA, Roberto. 1973. “O Carnaval como um Rito de Passagem”. Ensaios de Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Editora Vozes. pp. 121-168., 1979DAMATTA, Roberto. 1979. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar. ) e de outras pesquisas realizadas no PPGAS do Museu Nacional/UFRJ sobre a umbanda (Maggie, 1975MAGGIE, Yvonne. 1975. Guerra de Orixá: um estudo de ritual e conflito. Rio de Janeiro: Zahar .) e as escolas de samba (Leopoldi, 1978LEOPOLDI, José Sávio. 1978. Escola de samba, ritual e sociedade. Petrópolis: Vozes.). Em 1974, a Editora Vozes publicou O processo ritual: estrutura e antiestrutura, no âmbito da coleção Antropologia Social. Depois desse primeiro momento, as teorias e os conceitos de Victor Turner forneceram as bases para uma série de importantes estudos da antropologia feita no Brasil (Steil, 1996STEIL, Carlos. 1996. O sertão das romarias: um estudo antropológico do santuário de Bom Jesus da Lapa, Bahia. Petrópolis: Vozes .; Silva, 2005SILVA, Rubens Alves. 2005. “Entre ‘artes’ e ‘ciências’: as noções de performance e drama no campo das ciências sociais”. Horizontes Antropológicos, v. 11, n. 24:35-65. ; Dawsey, 2005aDAWSEY, John. 2005a. “Victor Turner e a antropologia da experiência”. Cadernos de campo, São Paulo, v. 13, n. 13:163-176., 2005bDAWSEY, John. 2005b. “O teatro dos boias-frias: repensando a antropologia da performance”. Horizontes Antropológicos, v. 11, n. 24:15-34, dez.; Cavalcanti, 2018CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2018. “O ritual e a brincadeira: rivalidade e afeição no Bumbá de Parintins (Amazonas)”. Mana: estudos de antropologia social, v. 24, n. 1:9-38., 2015CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2015. Carnaval, ritual e arte. Rio de Janeiro: 7Letras., 2002CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2002. “Os sentidos do espetáculo”. Revista de Antropologia, v. 45, n. 1:37-89., 1999CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 1999. O rito e o tempo: ensaios sobre o carnaval. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., 1994CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 1994. Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.).

Outras obras de Turner se seguiram e algumas foram traduzidas entre nós sempre com grande repercussão. Em 2005 e 2008, a editora da UFF publicou, respectivamente, Floresta de símbolos: aspectos do ritual Ndembu e Dramas, campos e metáforas: ação simbólica na sociedade humana. Em 2017, a editora da UFRJ publicou Do ritual ao teatro: a seriedade humana de brincar.

Nesse cenário marcado por trabalhos que recorrem às ideias do autor e por novas traduções, o livro publicado pela editora Mauad XCAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2020. Drama, ritual e performance: a antropologia de Victor Turner. Rio de Janeiro: Mauad X. 148 pp., Drama, ritual e performance: a antropologia de Victor Turner, de Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, é provavelmente a mais importante introdução e análise da obra do antropólogo britânico escrita no Brasil.

Maria Laura sistematiza teorias e destrincha aspectos da obra de Victor Turner com o conhecimento de quem acompanhou de perto a introdução das ideias do autor na antropologia brasileira, quando aluna de Roberto DaMatta no mestrado do PPGAS do Museu Nacional/UFRJ, no final dos anos 1970. Também, e sobretudo, com sua experiência de pesquisadora das festas populares brasileiras, como o carnaval carioca e o Boi-Bumbá de Parintins, no Amazonas, além das investigações realizadas no Núcleo de Estudos Rituais e Sociabilidades Urbanas, criado por ela no PPGSA do IFCS/UFRJ.

Drama, ritual e performance: a antropologia de Victor Turner é uma análise profunda do pensamento diverso e inquieto do antropólogo britânico. O livro, que conta com prefácio de Roberto DaMatta, examina três conceitos centrais na abordagem desse autor interessado na compreensão dos aspectos simbólicos da vida social em sua relevância para a organização e a expressão da conduta humana: drama social, símbolo ritual e performance. Para tanto, está dividido (além do prefácio) em uma introdução - que apresenta o autor, sua trajetória e potencialidades intelectuais -, três capítulos sobre os conceitos destacados no título e um apêndice com entrevistas de Roberto DaMatta e Yvonne Maggie, que revelam detalhes da recepção das ideias de Victor Turner no Brasil.

O primeiro capítulo, “Drama social: o teatro adentra a antropologia”, é dedicado à formulação do conceito de drama social em Schism and continuity in an African society, seu livro de estreia, de 1957. Como destaca Maria Laura, a originalidade do conceito forjado nesse estudo sobre os Ndembu contrasta com a pouca atenção dada ao livro pelas abordagens contemporâneas. É esta a lacuna que o capítulo preenche, ao revelar o antropólogo como um dramaturgo que narra as ações em cadeia, dá nome e vida aos personagens e transforma leitores em espectadores teatrais, que vivenciam a tensão da espera do fracionamento da aldeia. Para além de integrar o conflito à produção da unidade ou da fissão no processo social, o drama adquire aqui características de reflexividade, pois constitui um momento no qual os atores sociais vivenciam os princípios estruturais de organização social subjetivamente por meio de atos, diálogos e sentimentos.

Os capítulos seguintes debruçam-se sobre os dois outros conceitos. “Símbolo ritual: luzes e sombras no dia social” enfoca o ritual, outro tema fundamental na obra de Victor Turner. Mais especificamente, o símbolo em ação ritual. Por meio de diversos textos do autor, desvendam-se a eficácia e a agência do conceito de símbolo ritual, destacando suas dimensões cognitivas, emocionais e mesmo inconscientes que orientam práticas, reflexões e ações na vida social. Por sua vez, “Do drama à performance” tem o objetivo de articular as relações existentes entre os conceitos de drama social, símbolo ritual e performance formulados em diferentes etapas da trajetória intelectual do autor. A noção de performance foi desenvolvida já na fase final de sua carreira, quando se aproximou do teatro experimental por meio do contato com o diretor Richard Schechner, professor da Tisch School of the Arts, da Universidade de Nova York. Todavia, como nos ensina Maria Laura, essa noção dialoga intimamente com sua obra anterior, com a dimensão processual da experiência social, a teatralidade do drama social e a ação dos símbolos nos contextos rituais como mediadores decisivos na ação social.

No apêndice “A recepção da obra de Victor Turner no Brasil. Duas Visões” são apresentadas entrevistas que Maria Laura realizou com Roberto DaMatta e Yvonne Maggie. O primeiro, principal responsável pela introdução das ideias de Victor Turner no Brasil, conta sobre esse “encontro espiritual” valioso em sua carreira e fala de suas interações pessoais e intelectuais com o autor. Trata de aspectos importantes do conceito de drama social, das ideias de liminaridade e communitas, dos fatores que influenciaram a mudança de Victor Turner para os Estados Unidos, dos seus diversos interesses de pesquisa e das contribuições dessas ideias para seus estudos sobre o dilema brasileiro. Yvonne Maggie relembra a centralidade das ideias do antropólogo para Guerra de Orixá, sua dissertação de mestrado sobre a umbanda orientada por Roberto DaMatta; o conceito de drama social orientou o enfoque da pesquisa. Ela também reflete sobre as particularidades dos estudos dos rituais e conta a visita de Victor Turner e sua esposa, Edith Turner, a um terreiro de umbanda em fins dos anos 1970. Essas entrevistas oferecem uma precisa noção do impacto do trabalho de Turner na antropologia brasileira.

Em Drama, ritual e performance: a antropologia de Victor Turner, mais do que retomar ideias fundamentais da obra do autor - que foi além do estrutural-funcionalismo de sua época e apresentou novos caminhos para as ciências humanas e sociais -, Maria Laura reflete de maneira crítica e criativa sobre suas teorias tendo por referência os três conceitos escolhidos, que permitem apreender a inteireza da obra tão múltipla do inquieto autor. A leitura desperta nossa curiosidade pela exploração de outros conceitos que, certamente mencionados no livro, são também marcantes nessa obra, como o de communitas, ele mesmo uma heterodoxa e instigante derivação do clássico rito de passagem, de Arnold Van Gennep. Com a escrita agradável característica de seus trabalhos, Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti revela as notáveis contribuições de Victor Turner para a compreensão dos rituais e da dimensão simbólica da vida social. Portanto, Drama, ritual e performance já nasce como um clássico, um livro indispensável para todos aqueles interessados em compreender a complexa, inspiradora e multifacetada obra legada pelo grande antropólogo britânico.

Referências bibliográficas

  • CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2018. “O ritual e a brincadeira: rivalidade e afeição no Bumbá de Parintins (Amazonas)”. Mana: estudos de antropologia social, v. 24, n. 1:9-38.
  • CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2015. Carnaval, ritual e arte Rio de Janeiro: 7Letras.
  • CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2002. “Os sentidos do espetáculo”. Revista de Antropologia, v. 45, n. 1:37-89.
  • CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 1999. O rito e o tempo: ensaios sobre o carnaval Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
  • CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 1994. Carnaval carioca: dos bastidores ao desfile Rio de Janeiro: Editora UFRJ.
  • CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. 2020. Drama, ritual e performance: a antropologia de Victor Turner Rio de Janeiro: Mauad X. 148 pp.
  • DAMATTA, Roberto. 1979. Carnavais, malandros e heróis Rio de Janeiro: Zahar.
  • DAMATTA, Roberto. 1973. “O Carnaval como um Rito de Passagem”. Ensaios de Antropologia Estrutural Rio de Janeiro: Editora Vozes. pp. 121-168.
  • DAWSEY, John. 2005a. “Victor Turner e a antropologia da experiência”. Cadernos de campo, São Paulo, v. 13, n. 13:163-176.
  • DAWSEY, John. 2005b. “O teatro dos boias-frias: repensando a antropologia da performance”. Horizontes Antropológicos, v. 11, n. 24:15-34, dez.
  • LEOPOLDI, José Sávio. 1978. Escola de samba, ritual e sociedade Petrópolis: Vozes.
  • MAGGIE, Yvonne. 1975. Guerra de Orixá: um estudo de ritual e conflito Rio de Janeiro: Zahar .
  • SILVA, Rubens Alves. 2005. “Entre ‘artes’ e ‘ciências’: as noções de performance e drama no campo das ciências sociais”. Horizontes Antropológicos, v. 11, n. 24:35-65.
  • STEIL, Carlos. 1996. O sertão das romarias: um estudo antropológico do santuário de Bom Jesus da Lapa, Bahia Petrópolis: Vozes .

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021
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