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Afinidades e Diferenças: Algumas Considerações sobre a Política da Consideração (Parte 2)

Affinities and Differences: Some Thoughts on the Politics of Regard (Part 2)

Afinidades y Diferencias: Algunas Consideraciones sobre la Política de la Consideración (parte 2)

Resumo

Este artigo é a segunda parte de nossa discussão sobre a “política da consideração” proposta por José Kelly e Marcos Matos, e sua relação com as nossas teorias da maestria. Na primeira parte, publicada no número anterior deste periódico, analisamos as premissas dos autores e reinterpretamos os dados etnográficos nos quais estas se sustentam. Nesta segunda parte, reivindicamos o lugar central dos esquemas relacionais da maestria na etnologia indígena, e traçamos sua pertinência em diferentes contextos etnográficos. Em seguida, nós nos voltamos para a região do médio Juruá-Purus e dos povos Arawá e Katukina que habitam a região para oferecer uma análise diferente da suposta ‘alternância’ e ‘mutualidade’ que vigorariam na região segundo a ótica da política da consideração. Por fim, refletimos sobre a importância política da figura do ‘mestre’ ou ‘dono’ nas relações dos povos indígenas com os Estados-nações em que vivem.

Palavras-chave:
Amazônia; Maestria; Filiação; Agência; Parentesco; Política indígena

Abstract

This is the second part of our discussion of José Kelly and Marcos Matos’s “politics of regard” and its relation to our theories of mastery. In the first part, published in the previous issue of this journal, we analysed the authors’ premisses and reinterpreted the ethnographic data that they use to support it. In this second part, we reclaim the central place of the relational schema of mastery in lowland South American anthropology, and trace its pertinence in different ethnographic contexts. We then shift the middle course of the Juruá and Purus rivers, and the Arawá and Katukina speaking people that inhabit it, to provide a different analysis of the purported ‘alteration’ and ‘mutuality’ that would characterise the region according to politics of regard. Finally, we consider the political importance of the figure of ‘master’ or ‘owner’ in the relations that Indigenous peoples sustain with the nation states in which they live.

Key words:
Amazonia; mastery; filiation; agency; kinship; Indigenous politics

Resumen

Este artículo es la segunda parte de nuestra discusión sobre la “política de la consideración” propuesta por José Kelly y Marcos Matos, y su relación con nuestras teorías de la maestría. En la primera parte, publicada en el número anterior de esta revista, analizamos las premisas de los autores y reinterpretamos los datos etnográficos sobre los cuales estos se sustentan. En esta segunda parte, reivindicamos el lugar central de los esquemas relacionales de la maestría en la etnología indígena, y trazamos su pertenencia en diferentes contextos etnográficos. En seguida, nos dedicamos a la región del medio Juruá-Purus, y de los pueblos Arawá y Katukina que habitan la región, para ofrecer un análisis diferente de la supuesta “alternancia” y “mutualidad” que adquirirían vigor en la región desde la óptica de la política de la consideración. Por último, reflexionamos sobre la importancia política de la figura del “maestro” o “dueño” en las relaciones de los pueblos indígenas con los estados-nación en los que viven.

Palabras clave:
Amazonia; maestría; filiación; agencia; parentesco; política indígena

Seul un discours autre que lui-même [...] convient à la méta-categorie de l’alterité, sous peine que l’alterité se supprime en devenant même qu’elle même... (P. Ricouer, Soi-même comme um Autre, 1990: 410RICOUER, Paul. 1990. Soi-Même Comme un Autre. Paris: Seuil.)

Na primeira parte deste artigo, publicada no número anterior de Mana, dedicamo-nos à análise crítica do texto de Kelly e Matos (2019KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.). Investigamos suas premissas fundamentais, bem como revisitamos as etnografias de Gow (1991GOW, Peter. 1991. Of Mixed Blood: Kinship and History in Peruvian Amazonia. Oxford: Clarendon Press.), Surallès (2009) e Allard (2010ALLARD, Olivier. 2010. Morality and Emotion in the Dynamics of an Amerindian Society (Warao, Orinoco Delta, Venezuela). PhD Thesis, Department of Anthropology, University of Cambridge.), que lhes fornecem a base empírica para seus argumentos. Mostramos como eles utilizam os dados de forma extremamente seletiva, de tal maneira que as relações assimétricas entre pais e filhos ou entre mestres e xerimbabos desaparecem inteiramente do radar. Como notamos, ademais, não são só essas as relações que desaparecem no modelo dos autores, pois a própria afinidade é aí também eclipsada por meio da indistinção entre mutualidade, reciprocidade e alternância.

Nesta segunda parte, focalizaremos o nosso próprio modelo a fim de iluminar alguns pontos que julgamos mal interpretados, além de propormos novos caminhos analíticos. É importante lembrar que, em sua origem, o modelo da predação familarizante (Fausto 1999FAUSTO, Carlos. 1999. “Of Enemies and Pets: Warfare and shamanism in Amazonia”. American Ethnologist, 26:933-956., 2001FAUSTO, Carlos. 2001. Inimigos Fiéis: História, Guerra e Xamanismo na Amazônia. São Paulo: Edusp.) buscava articular, em um mesmo movimento, afinidade simétrica e consanguinidade assimétrica. Neste sentido, não há metafiliação sem que haja metafinidade. Nossa crítica aos modelos simetrizantes na Amazônia visava, pois, complementá-los por meio de sua conversão em uma outra relação, esta sim de caráter assimétrico. Ao equacionarem reciprocidade e mutualidade, Kelly e Matos eclipsam a afinidade. O esquema actancial da política da consideração acaba por coincidir com o campo relacional que Sahlins (1972SAHLINS, Marshall. 1972. Stone Age Economics. New York: Aldine de Gruyer.) qualificou como de reciprocidade generalizada (ou seja, de partilha e mutualidade).

O que hoje chamamos de “teoria da maestria” nasceu da necessidade de conceitualizar a articulação entre o tema da fabricação do parentesco e aquele da captura da alteridade, temas centrais à etnologia regional nos anos de 1970 a 1990. A saída foi propor um esquema relacional em que se passava, por conversão, da afinidade à consanguinidade, ou mais exatamente, da afinidade potencial à filiação adotiva. À época, convocar a relação de filiação para o núcleo do modelo soava algo heterodoxo. Não à toa, alguns leram esse movimento como se pusesse em xeque o primado da alteridade na etnologia regional, inserindo um tempero consanguíneo e domesticador ali onde se buscava vislumbrar o excesso da diferença e identificar a sua forma pura. Poucos se lembraram, no entanto, que quem introduziu a filiação no modelo foi Lévi-Strauss, ainda em 1945, ao propor o átomo do parentesco.

O átomo do metaparentesco

A intervenção de Lévi-Strauss no debate sobre o avunculato foi sobretudo interpretada como uma afirmação do primado da troca na instituição do parentesco humano. Para ser plenamente social, o parentesco não poderia se resumir à conjugalidade e à filiação, pois essas relações já estão pressupostas no mundo natural (embora ainda não postas).1 1 Ver, por exemplo, Lévi-Strauss (1967:35). Porém, como sugere Viveiros de Castro (2015), se fizermos uma leitura relacional da proibição do incesto, não se pode dizer que existam consanguíneos antes da instauração da troca. A rigor, tanto a consanguinidade quanto a afinidade são constituídas pela relação entre elas. Para que se instaure o mundo da cultura é preciso que uma dobradiça seja aí instalada. Essa dobradiça é a relação que conecta dois termos por meio de um signo, dispondo um deles como doador e o outro como tomador. No caso dos sistemas de parentesco, esse signo é uma mulher: a irmã de um que se torna a esposa de outro. No texto de 1945, o tio materno é, pois, reconfigurado como cunhado e o problema do avunculato converte-se naquele do cunhadio (Coelho de Souza & Fausto 2004COELHO DE SOUZA, Marcela & FAUSTO, Carlos. 2004. “Reconquistando o Campo Perdido: O que Lévi-Strauss deve aos Ameríndios”. Revista de Antropologia, 47 (1):87-131.).2 2 O termo “cunhadio” foi elaborado a partir de “compadrio”, a fim de traduzir a noção de brother-in-law institution tal qual aparece em Lévi-Strauss (1943:409).

Muitos de nós abandonamos o argumento de Lévi-Strauss nesse ponto. Poucos prestaram atenção à sua continuação, na qual ele faz questão de ressaltar que o átomo do parentesco contém três relações (e não apenas duas): uma relação de aliança, uma relação de consanguinidade e uma relação de filiação. De modo retórico, ele se pergunta: por que é preciso “fazer a criança gerada pelo casamento figurar na estrutura elementar”? E ele mesmo responde:

a criança é indispensável para atestar o caráter dinâmico e teleológico do procedimento inicial que funda o parentesco na e por meio da aliança. O parentesco não é um fenômeno estático; existe apenas para perpetuar-se […] Até mesmo a mais elementar das estruturas de parentesco existe simultaneamente na ordem da sincronia e na da diacronia. (Lévi-Strauss 2008:60LÉVI-STRAUSS, Claude. 2008. “A Análise Estrutural em Linguística e Antropologia”. In: LÉVI-STRAUSS, Claude, Antropologia Estrutural I. São Paulo: CosacNaify. pp. 43-65.).

Ao incluir a relação de filiação, o parentesco ganha finalidade e dinamismo: ele existe, diz Lévi-Strauss, para se perpetuar. A filiação é, portanto, parte essencial de qualquer modelo da aliança. Se Lévi-Strauss aqui se referia exclusivamente ao parentesco humano, hoje não mais operamos com uma distinção forte entre sociologia e cosmologia, nem traçamos uma linha sólida entre humanos e não humanos, de tal modo que o átomo do parentesco pode ser lido como um átomo do metaparentesco, por meio da incorporação de animais, plantas, espíritos e vários tipos de humanos.

Nesse átomo do metaparentesco (que engloba aquele do parentesco), a afinidade potencial é uma forma mais potente da afinidade real (fruto da troca matrimonial), assim como a adoção é uma forma mais potente da filiação biológica. Aliás, é possível dizer que, na Amazônia, toda filiação é uma adoção, uma vez que se está apropriando de uma virtualidade de existência que é exterior ao mundo dos parentes e precisa ser fabricada como humana, isto é, como membro de um corpo de parentes que se vê como humano. Toda adoção, no entanto, é incompleta, pois o processo de apropriação, cuidado e fabricação jamais chega a termo, uma que vez que a alteridade de Si permanece latente, ainda que não seja mais a figura da relação.3 3 A ideia de incompletude da filiação adotiva vai ao encontro do argumento de Viveiros de Castro (2001) de que a consanguinidade resulta de um processo, sempre inacabado, de extração da afinidade. Em outras palavras, a própria ontogênese é, por definição, heteronômica.

Ora, se a pessoa é compósita, contendo necessariamente o Outro de Si, não pode haver, por definição, coincidência entre causa e agente, pois mesmo a vontade de si não é própria.4 4 Daí por que afirmamos que a definição weberiana de poder como “possibilidade de impor a sua própria vontade, no interior de uma relação social” (Weber 1984:43) não se aplica ao contexto ameríndio em razão de a vontade não ser jamais exclusiva e univocamente de um Si idêntico a si mesmo (Fausto 2008:343). Esta é a premissa metafísica fundamental do que chamamos de “Amazônia”. Isto não quer dizer que não possa haver um Si, mas sim que, como já dissemos alhures utilizando o vocabulário de Ricouer (1990RICOUER, Paul. 1990. Soi-Même Comme un Autre. Paris: Seuil.), ipseidade e mesmidade não coincidem, sendo necessário pensar um Si não idêntico a si mesmo (Fausto 2008:337, 355FAUSTO, Carlos. 2008. “Donos Demais: Maestria e Domínio na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 14 (2):329-366.). É exatamente aqui que intervém a figura da pessoa magnificada, cuja magnificação implica, ao mesmo tempo, heteronomia e singularidade. Qual a implicação disso para uma teoria da ação amazônica?

Alinhando a ação

Como notamos na primeira parte deste artigo, Kelly e Matos propõem uma teoria geral da ação, enquanto nós buscamos conceitualizar um certo tipo de capacidade agentiva, associada a processos de magnificação. Nesse sentido, nossos objetos não têm o mesmo escopo - e quanto a isto estamos de acordo (Kelly & Matos 2019:408KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.). Nossa intenção sempre foi a de elaborar uma teoria etnográfica partindo das categorias e das situações interacionais que encontramos em campo. Dono, mestre, xerimbabo, órfão etc. não são categorias da antropologia, mas sim traduções mais ou menos felizes de termos indígenas, com vasta distribuição na Amazônia e aplicados a um sem-número de contextos locais.5 5 Ainda se faz necessária uma investigação sobre a presença e o significado desses termos em diferentes famílias linguísticas das Terras Baixas da América do Sul, bem como de sua ocorrência nos registros coloniais (ver Norton 2015). Por que escolhemos essas traduções e não outras?

O léxico da maestria

Em boa medida, nosso léxico resulta de acasos e da babel linguística em que nós, antropólogos, estamos sempre enredados - mas, claro, resulta também de certas escolhas. O par relacional dono (ou mestre) e xerimbabo (ou filho adotivo) nasceu da necessidade de traduzir dois termos parakanã: -jara e te'omawa. O primeiro, cujos cognatos possuem ampla ocorrência nas línguas tupi-guarani, é frequentemente vertido por “dono” ou “dueño” pelos próprios indígenas. Esta é uma glosa tão usual no português ou no espanhol falado pelos povos indígenas da América Latina que tendeu a se sobressair à outra alternativa tradutiva - “mestre” - que, no entanto, se adequa melhor para falar de conhecimentos intangíveis: mestre de cantos, por exemplo, soa melhor do que dono de cantos. “Posse’ não é um traço semântico de “mestre”, o qual implica antes “influência sobre”, “conhecimento de”, “habilidade em”. Nada é perfeito, porém, pois, como diz Hörl, “mestre”, por sua vez, evoca “demasiadas conotações negativas de dominação e controle” (2015:19HÖRL, Bernhard. 2015. Possession and Personhood: Effects of Ontological Differences on Linguistic Possessive Constructions. Master thesis, Leiden University.; ver também Singh 2018SINGH, Julietta 2018. Unthinking Mastery: Dehumanism and Decolonial Entanglements. Durham: Duke University Press .). Aqui há uma equivocidade interessante, porque o mestre ameríndio parece justamente se proliferar e se dispersar de tal maneira que o traço semântico de controle não se traduz em dominação.

Alguns autores preferem não verter esses termos para “dono” ou utilizar o binômio “dono-mestre” (e.g.Garcia 2015:99GARCIA, Uirá. 2015. “Sobre o poder da criação: parentesco e outras relações awá-guajá”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 21 (1):91-122., Lima 2005:95LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um Peixe Olhou para mim. O Povo Yudjá e a Perspectiva. São Paulo: Editora Unesp/ ISA/ NUTI., Viveiros de Castro 2002a:82VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002a. “Esboço da cosmologia yawalapití”. In: Eduardo Viveiros de Castro, A Inconstância da Alma Selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naïfy. pp. 25-85). A dificuldade parece residir, sobretudo, no traço semântico de posse que “dono” implica. Não cabe aqui repetir as análises desta categoria, que aparecem em Fausto (2008FAUSTO, Carlos. 2008. “Donos Demais: Maestria e Domínio na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 14 (2):329-366.), Brightman, Fausto e Grotti (2016BRIGHTMAN, Marc; FAUSTO, Carlos & GROTTI, Vanessa. 2016. “Introduction: Altering Ownership in Amazonia”. In: BRIGHTMAN, Marc; FAUSTO, Carlos & GROTTI, Vanessa, Ownership and Nurture: Studies in Native Amazonian Property Relations. Oxford: Berghahn . pp.1-35.) e Costa (2017COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks., 2019COSTA, Luiz. 2019. “Language and ethnography: a reply to Allard”. Journal de la société des Américanistes, 105 (1):143-160.). Cumpre apenas lembrar dois pontos básicos. Primeiro, quando a antropologia usa termos de línguas europeias como tradução de vocábulos indígenas - ou como palavras-síntese para modelos etnológicos - isto é acompanhado de uma crítica etnográfica em que as semânticas indígenas acabam por contaminar as nossas (ver, por exemplo, Viveiros de Castro 2002b:115VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002b. “O nativo relativo”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 8 (1):113-148.; Costa 2019COSTA, Luiz. 2019. “Language and ethnography: a reply to Allard”. Journal de la société des Américanistes, 105 (1):143-160.). Nossas opções tradutivas sempre buscaram produzir deslocamentos que tensionam explicitamente conceitos pesados de nossa tradição.6 6 Assim, por exemplo, na aproximação contrastiva entre a dialética hegeliana do mestre e do escravo e aquela do dono e do xerimbabo; ou entre a teoria da propriedade de Locke e a cosmologia de donos ameríndia; ou ainda entre a domesticação (como parte do pacote da revolução neolítica) e a familiarização. Julgamos que isto é parte do próprio experimento intelectual no qual estamos, todos nós, engajados.

Vale enfatizar ainda um outro aspecto. Enquanto muitos termos que povoam nossas etnografias não são usualmente utilizados pelas pessoas indígenas bilíngues com as quais conversamos, “dono”, como dissemos, é uma tradução comum entre os próprios indígenas: por que seria ela menos legítima do que outras? É evidente que existem compatibilidades equívocas nessa tradução, como em tantas outras, mas não vemos razão para contornar analiticamente aquilo que os nossos interlocutores afirmam categoricamente. Como sempre, o desafio é o de elaborar um vocabulário adequado para descrever as relações designadas por esses termos, bem como pelas suas traduções locais, de modo a produzir tensões e deslocamentos semânticos.

No caso - menos polêmico, por certo - do outro polo da relação de maestria (o do xerimbabo enquanto órfão e filho adotivo), recorremos a uma palavra tupi-guarani que foi incorporada ao português via Língua Geral, a qual curiosamente se cristalizou na sua forma possuída de primeira pessoa (“meu animal familiar”). Sua etimologia cristaliza e reverbera camadas de sentido e a própria história colonial, além de ser usado até hoje em certas regiões da Amazônia. Adotamos procedimento tradutivo e conceitual similar na escolha de outros termos importantes para a teoria da maestria, tais como “familiarização” em lugar de “domesticação” (Fausto & Neves 2018FAUSTO, Carlos & NEVES, Eduardo. 2018. “Was There Ever a Neolithic in the Neotropics? Plant Familiarization and Biodiversity in the Amazon”. Antiquity 92: 1604-1618.), o jogo entre ownership e altership (Brightman, Fausto & Grotti 2016:19BRIGHTMAN, Marc; FAUSTO, Carlos & GROTTI, Vanessa. 2016. “Introduction: Altering Ownership in Amazonia”. In: BRIGHTMAN, Marc; FAUSTO, Carlos & GROTTI, Vanessa, Ownership and Nurture: Studies in Native Amazonian Property Relations. Oxford: Berghahn . pp.1-35.), a distinção entre “alimentação” e “comensalidade” (Costa 2017COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.) ou, ainda, ao explorar o duplo sentido de “cuidado”: o dono-mestre é um cuidador por excelência, mas, ao mesmo tempo, aquele com quem se deve ter cuidado.

Nessa dialética do cuidado, o termo menor tem que extrair constantemente cuidados do termo maior, enfatizando sua dependência e demonstrando o seu abandono. Ao mesmo tempo, o segundo tem que agir para prover seus dependentes por meio de sua capacidade de ação ampliada, capacidade que, na Amazônia, é equiparada à posição do predador. Por isso, é preciso sempre “ter cuidado”: os donos-mestres são pais protetores justamente por serem jaguares devoradores, ou seja, eles são uma quimera composta de meta-afinidade e metafiliação, as quais oscilam como figura e fundo, dependendo da perspectiva (Fausto 2008FAUSTO, Carlos. 2008. “Donos Demais: Maestria e Domínio na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 14 (2):329-366., 2020aFAUSTO, Carlos. 2020a. Art Effects: Image, Agency, and Ritual in Amazonia. Lincoln: University of Nebraska Press.; Costa 2017, cap. 4COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.; Taylor 2015TAYLOR, Anne-Christine. 2015. “Amités Amazoniennes: Deux contre L’un?”. Terrain, 65:138-157.).

O potencial de ação ampliada do dono-mestre não significa, como deve ter ficado claro, que a fonte da ação lhe seja própria. Afinal, a magnificação requer a multiplicidade do agente. Isto vale, em escala maior ou menor, para a constituição de toda e qualquer pessoa. Nesse sentido, a não coincidência entre o Si e o Mesmo implica, por definição, a inexistência de um agente que seja causa única de suas ações. No caso de pessoas magnificadas, isto se torna mais evidente, pois elas trazem em si uma alteridade constitutiva que se manifesta por meio de uma capacidade de ação aumentada. Não vemos dificuldade em utilizar aqui a linguagem de Kelly e Matos e dizer que o mestre age, no mais das vezes, com seus xerimbabos em mente. Porém, isso é pouco. O que nos interessa é antes o fato de que a efetividade de sua ação depende de sua capacidade de “alinhar” a ação ou a disposição de seu “pessoal” à sua. Estas duas categorias entre aspas têm, na Amazônia, um rendimento particular que merece ser explorado. A seguir, sugerimos tentativamente algumas ressonâncias que nos vêm à mente.

O primeiro e seu movimento

Se o mestre-dono é, por definição, uma singularidade plural, não um indivíduo, ele não só tem seu “pessoal”, como é constituído por seu “pessoal”. Em Kuikuro, por exemplo, isto pode ser dito por meio da expressão “X-ko”, onde X é o nome do mestre-dono e -ko um coletivizador, ou por meio do substantivo anda, que na forma possuída é “X-andagü”, o pessoal ou os seguidores de X. O conceito de corpo-dono kanamari funciona de modo semelhante, mas ao inverso. Na expressão “Y é X-warah” está se designando uma relação de inclusão, na qual Y é englobado por X. Já discutimos alhures essa topologia continente/conteúdo tão presente no contexto da maestria, não valendo a pena aqui nos ocuparmos dela. Cumpre apenas lembrar que ela é complexa, pois o termo menor aparece, ao mesmo tempo, como interno e externo ao termo maior (Fausto 2008:334FAUSTO, Carlos. 2008. “Donos Demais: Maestria e Domínio na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 14 (2):329-366.).7 7 Topologia que, a partir de Gow (1999:237), já aproximávamos da garrafa de Klein (Fausto 2008:354). Não deixa de ser curioso ver Kelly e Matos nos lembrarem, justamente, de que “se a relação de maestria é muito comumente metaforizada pelas imagens de continente e conteúdo, é mister reconhecer o limite onde tais imagens evocam uma garrafa de Klein” (2019:415). Para uma discussão da topologia kleiniana e as flautas sagradas na Amazônia, ver Fausto (2020a:108-109). Em alguns casos, como o do pajé horizontal marubo (romeya), essa alteridade constitutiva é tão forte que ele se torna um improvável candidato à chefia. Ao possuir tantos outros dentro de seu corpo-maloca, suas palavras e atos se dispersam a tal ponto que ele não pode servir como eixo agregador de uma coletividade humana (Welper 2009:174WELPER, Elena. 2009. O Mundo de João Tuxaua: (Trans)formação do Povo Marubo. Tese de Doutorado, PPGAS-Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.).8 8 O mesmo vale para o xamã horizontal kanamari, o baoh, que não pode ser chefe de subgrupo, em oposição ao xamã vertical, marinawa, que pode se tornar um chefe de subgrupo (Costa 2017:152). Por sua vez, o Grande Homem achuar é capaz de conter em si essa multiplicidade e, ademais, alinhá-la. Como escreve Taylor: “[...] na Amazônia, a magnificação das pessoas se enraíza na capacidade de alinhar as disposições afetivas e as intenções de outros indivíduos às suas” (2015TAYLOR, Anne-Christine. 2015. “Amités Amazoniennes: Deux contre L’un?”. Terrain, 65:138-157., ênfase nossa).

O verbo “alinhar” descreve bem uma concatenação de ações e disposições, sem implicar coerção. Um bom exemplo disto encontra-se entre os Parakanã, em que os inimigos oníricos são convocados pelo sonhador para realizar uma cura. O instrumento que permite “alinhar” a ação desses inimigos (designados “xerimbabos”) à vontade do sonhador são os cantos (denominados “jaguar”). Por meio deles, o sonhador lança um apelo, uma convocação (Aufforderung), alinhando a disposição dos inimigos à sua. Mas aqueles que realizam efetivamente a cura são os próprios inimigos oníricos - são eles, afinal, que agem. A melhor imagem desse alinhamento é expressa pela noção de tenotara, aquele que vai na frente, que lidera uma fila indiana. O líder de uma ação (aquele que saiu da inércia e gerou o movimento) é o cabeça de uma fila: ele literalmente alinha a agência daqueles que, momentaneamente, são seus seguidores. Tenotara é cognato do tenetãmõ araweté que Viveiros de Castro descreveu como “aquele que começa, não o que ordena; o que segue à frente, não o que fica no meio” (1986:302VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1986. Araweté: Os Deuses Canibais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar., ênfases no original). O tenetãmõ pode ser um líder contextual e temporário, mas por vezes converge na figura do tã ñã, “o dono da aldeia", que é quem inicia certas atividades coletivas (Viveiros de Castro 1986:313-314VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1986. Araweté: Os Deuses Canibais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.).

Esta coextensão semântica entre “o primeiro”, “o que inicia”, “o dono”, “o líder”, “o chefe” parece ser bastante recorrente e antiga entre os Tupi. Vale recordar aqui uma passagem de Montaigne, na qual ele conta ter perguntado a um chefe tupinambá sobre o que este último recebia pela “superioridade que tinha entre os seus”, e ouviu como resposta: “andar como primeiro para a guerra” (1962 [1580], Livro 1, cap. 30:245MONTAIGNE, Michel de. 1962 [1580]. Essais. Paris: Éditions Garnier Frères.). Por vezes, o ato de iniciar é descrito pela ação de “levantar”, como no verbo parakanã -po’om, usado para designar o movimento que deu partida a uma atividade coletiva (Fausto 2001:273-274, nota 24FAUSTO, Carlos. 2001. Inimigos Fiéis: História, Guerra e Xamanismo na Amazônia. São Paulo: Edusp.). Do mesmo modo, entre outro povo tupi-guarani, os Suruí Aikewara, “levantar-se” (ku’om) é a forma pela qual se designa “toda ação capaz de desencadear um empreendimento coletivo”, sendo que aqueles que inauguram uma ação são considerados “os donos (-sara) da coisa engendrada” (Calheiros 2014:36, nota 42CALHEIROS, Orlando 2014. Aikewara: Esboços de uma Cosmologia Tupi. Tese de Doutorado, PPGAS-Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). A função-dono resulta de certo amadurecimento da pessoa que a leva a “ser capaz de abarcar outros em seus próprios movimentos” (:62CALHEIROS, Orlando 2014. Aikewara: Esboços de uma Cosmologia Tupi. Tese de Doutorado, PPGAS-Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.).9 9 Ver também a noção de “primeiro” (hypya) e sua associação como -sara (:62). Aqui entra em jogo um princípio escalar de magnificação: “Para aqueles que o seguem, um hypya surge, ainda que provisoriamente, como um moruwisaw, como um ‘grande’, como um ‘maior’ [...]” (:64).

Um outro exemplo tupi (desta vez não guarani) provém dos Yudjá para os quais toda ação coletiva está predicada em um iwa, termo que eles vertem por “dono” quando se exprimem em português. O termo é extremamente produtivo e se aplica a diferentes atividades e escalas: “A mesma agência que torna pensável a existência humana e o universo torna possíveis os acontecimentos mais mundanos, e o iwa atua como condição da vida social em seu desenrolar no dia a dia. Nada viria a ser feito se não tivesse surgido um” (Lima 2005LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um Peixe Olhou para mim. O Povo Yudjá e a Perspectiva. São Paulo: Editora Unesp/ ISA/ NUTI.:95, ênfase nossa). No caso yudjá, a mobilização de um grupo para realizar uma atividade coletiva passa pela oferta de cauim, cujo dono, como nota Lima, deve “ser o primeiro: ir à frente, dar início à atividade, declarar ao fim sua realização” (:96LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um Peixe Olhou para mim. O Povo Yudjá e a Perspectiva. São Paulo: Editora Unesp/ ISA/ NUTI.). Assim como ocorre entre os Araweté, certas cristalizações relacionais menos contextuais - como as figuras de “chefe” (iju’a) e “sênior/capitão” (i’uraha) - também remetem ao iwa, de modo que, uma vez mais, vemos essas categorias operarem em um mesmo campo semântico.

A ideia de que o “dono” é o primeiro (ou que o primeiro é “dono”) é recorrente em outras regiões e agrupamentos linguísticos. Entre os Kanamari, por exemplo, warah compõe as expressões para “primogênito” (danhoran warah) e “ir na frente” (da-warah).10 10 Sobre o morfema aspectual da-, ver Costa (2017:148-149). Os exemplos tupi e kanamari provêm de povos igualitários, mas a mesma ideia de alinhamento está também presente entre povos hierárquicos, como os Kuikuro. Neste caso, ela se apresenta, sobretudo, como obsessão pela ordenação: tudo tem seu primeiro, seu segundo, seu terceiro e assim por diante (Fausto, Franchetto & Montagnani 2011FAUSTO, Carlos; FRANCHETTO, Bruna & MONTAGNANI, Tommaso. 2011. “Les Formes de la Mémoire: Art Verbal et Musique chez les Kuikuro du Haut Xingu”. L’Homme, 197:41-70.).11 11 Nem sempre, porém, essa série ordenada se apresenta como uma linha simples. No caso da pajelança para resgatar a alma, a fila indiana indexa as diferentes funções dos pajés; já no caso dos mensageiros que vão convidar outras aldeias para participar de um ritual, eles se sentam lado a lado (sendo que o do centro é o primeiro, o de sua direita, o segundo, e o da esquerda, o terceiro).

Conforme observamos acima, Kelly e Matos entendem que “[a] relação mestre-xerimbabo seria uma modulação particular de uma estruturação geral da ação e não uma precondição para a agência de forma geral” (2019:408KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.). Afirmamos também, aqui e na Parte I deste artigo, que entendemos haver uma diferença qualitativa entre uma estruturação geral da ação e uma teoria da maestria, do alinhamento da ação de outros por uma pessoa magnificada - teoria esta que jamais sugerimos ser uma precondição para a agência de forma geral. Os exemplos tupi que elencamos acima sugerem, no entanto, que talvez seja mais fiel a uma teoria amazônica da ação (ou pelo menos à sua versão tupi) entender a estruturação geral da ação como uma modulação (em baixa frequência) da maestria, de modo que, como diz Lima (e vale citar novamente) “nada viria a ser feito se não tivesse surgido um [dono]” (2005:95LIMA, Tânia Stolze. 2005. Um Peixe Olhou para mim. O Povo Yudjá e a Perspectiva. São Paulo: Editora Unesp/ ISA/ NUTI.).

Fios que ligam, fios que atam

Uma outra ressonância amazônica interessante do verbo “alinhar” é a de xamãs que estão ligados a seus auxiliares por meio de linhas, como ocorre no caso wayãpi, em que o pajé tem “o tronco envolto por finos fios de algodão que, partindo em todas as direções, o ligam com os mestres dos animais” (Gallois 1996:41GALLOIS, Dominique 1996. “Xamanismo Waiãpi: Nos Caminhos Invisíveis, a Relação I-Paie”. In: Jean Langdon (org.), Xamanismo no Brasil: Novas Perspectivas. Florianópolis: UFSC. pp. 39-74.). Outro exemplo sugestivo encontra-se entre os Mamaindê, que afirmam ter dentro do corpo versões reduzidas de determinados animais, os quais só os xamãs são capazes de ver. Esses animais “podem sair do corpo durante o sonho, levando consigo a linha/colar, que é, para eles, uma estrada, um caminho (tehdu) […]. Nesse sentido, a linha/colar pode ser descrita como uma espécie de fio de Ariadne; ao levá-lo consigo, os animais que ficam dentro do corpo podem sair e voltar sem se perderem no caminho” (Miller 2018:146-147MILLER, Joana. 2018. As Coisas: Os Enfeites Corporais e a Noção de Pessoa entre os Mamaindê (Nambiquara). Rio de Janeiro: Mauad X/ Faperj.).

Os fios que ligam e orientam o movimento podem ser também os fios que atam - como aprendeu Staden (2008 [1557]:52]) ao ser amarrado a uma árvore e chamado “meu xerimbabo” por seu captor tupinambá. No caso Jamamadi, Shiratori escreve que

[a]s crianças pequenas enquanto criação de seus pais são mantidas sempre à vista, no colo ou amarrados pelo pé com uma cordinha presa na outra extremidade à sua mãe ou à tábua da casa. Da mesma forma, os animais de criação, cães e filhotes capturados de animais predados, são mantidos escondidos em suas casinhas fechadas ou presos com uma cordinha para não se afastarem do olhar de seus donos (Shiratori 2018:281SHIRATORI, Karen. 2018. O Olhar Envenenado: Da Metafísica Vegetal Jamamadi (Médio Purus, AM). Tese de Doutorado, PPGAS-Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.).

Neste exemplo, a linha que liga implica não só restrição de movimento, mas também cuidado, pois o objetivo é manter aqueles que são criados sob os olhos constantes de seus cuidadores.

Em resumo, a noção de magnificação implica certo tipo de agência ampliada e uma singularização que não é da ordem da individualidade liberal, mas é antes, como sugere Taylor, uma “condition of enhanced selfhood” (1996:209TAYLOR, Anne-Christine. 1996. “The Soul’s Body and its States: An Amazonian Perspective on the Nature of Being Human”. Journal of the Royal Anthropological Institute , 2:201-215.). SztutmanSZTUTMAN, Renato. 2012. O Profeta e o Principal: A Ação Política Ameríndia e seus Personagens. São Paulo: Edusp . - que ao lado de Heckenberger (2005:259-262SZTUTMAN, Renato. 2005. O profeta e o Principal: A Ação Política Ameríndia e seus Personagens. Tese de Doutorado, Departamento de Antropologia, Universidade de São Paulo.) foi um dos primeiros a aplicar aos ameríndios as noções de magnificação e pessoa fractal (Wagner 1991WAGNER, Roy. 1991. “The Fractal Person”. In: M. Godelier & M. Strathern (eds.), Big Men and Great Men: Personifications of Power in Melanesia. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 159-173.) - assim retrata o matador tupinambá: “trata-se de pensar […] como uma sociedade indígena pode conter em si elementos de diferenciação interna e de individuação. Por que, por exemplo, certos personagens adquirem uma capacidade de influência maior que a dos demais?” (2005:60). Por que, diríamos, ele é capaz de alinhar a ação de seu pessoal (aí incluindo os inimigos mortos em praça pública)?

A magnificação é uma operação de escala, estreitamente associada à noção de fractalidade: ela permite, portanto, ver a mesma figura relacional operar em diferentes escalas, ou seja, entre a menina que cuida de seu primeiro xerimbabo e o xamã que alimenta seus espíritos auxiliares com tabaco há uma mesma figura relacional, embora em “graus de magnitude” diferentes.12 12 Sztutman utiliza a expressão inspirado em Taylor (2000, 2003). Estamos de acordo com autor neste ponto. Não acompanhamos, porém, a definição que ele emprega de agência: “Devido à confusão entre o poder num sentido genérico - capacidade de produzir efeitos sobre o mundo - e o poder em sentido preciso - monopólio dos meios de coerção -, passo a empregar o termo agência seguindo a definição de Rapport e Overing (2000: 1) para agency, qual seja, ‘capacidade, poder de ser a fonte de ação e a origem dos atos’.” (2005, cap. 1, nota 26; ver também 2012:75, nota 36, grifos nossos). A chefia ameríndia seria, portanto, “um caso de um fenômeno, bem mais amplo, e de natureza por assim dizer ‘pré-política’” (Sztutman 2009:49SZTUTMAN, Renato. 2009. “De Nomes e Marcas: Ensaio sobre a Grandeza do Guerreiro Selvagem”. Revista de Antropologia , 52 (1):47-96.). No nosso entendimento, esse fenômeno bem mais amplo encontra seu fundamento, justamente, nas relações de maestria:

É assim que animais cativos, cônjuges, amantes e espíritos auxiliares são atraídos por seus “mestres”, como as crianças o são por sua mãe e seu pai; que os arutam são instados por compaixão paterna a doar suas “almas” aos que buscam uma visão; a que genros e, mais geralmente, indivíduos de menor envergadura sejam convidados a se alinharem com as intenções de homens proeminentes. Dito de outra forma, a magia dos afins é a “força” que alimenta o processo de familiarização, a atração pela semelhança de corporeidades outras (Taylor 2015TAYLOR, Anne-Christine. 2015. “Amités Amazoniennes: Deux contre L’un?”. Terrain, 65:138-157.).

Sob influência

Uma questão relevante para nós - e também para Kelly e Matos - é a de pensar por que as relações de maestria, que são tão produtivas na Amazônia, não se cristalizaram (ao menos até onde podemos vislumbrar) em instituições de poder estáveis e piramidais. Em textos anteriores (Fausto 2008FAUSTO, Carlos. 2008. “Donos Demais: Maestria e Domínio na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 14 (2):329-366., Costa & Fausto 2019COSTA, Luiz. 2019. “Language and ethnography: a reply to Allard”. Journal de la société des Américanistes, 105 (1):143-160.), sugerimos ser possível localizar no próprio mecanismo de magnificação, na própria relação mestre-xerimbabo, os elementos que solapam a sua transformação em uma relação de dominação. Lembremos dois deles: de um lado, o fato de a relação de maestria implicar uma instabilidade constitutiva - não por qualquer razão moral, mas sim porque a potência do termo maior depende da alteridade do termo menor (ver Parte 1 sobre o “paradoxo da maestria”); de outro, porque os mestres são muitos e dispersos - há mestres em todo lugar - e eles não se encaixam em uma organização piramidal, expressando antes o que Viveiros de Castro denominou “política da multiplicidade” (2019VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2019. Politique des Multiplicités: Pierre Clastres face à l’État. Bellevaux: Éditions Dehors.; ver também Costa & Fausto 2019).

Foi esta percepção que nos levou - diferentemente de Viveiros de Castro - a evitar Clastres, de modo a superar a dicotomia entre poder coercitivo e não coercitivo, algo que Kelly e Matos (2019:418KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.) dizem também almejar.13 13 Em outro texto, ainda em elaboração, explicitamos melhor nossas diferenças em relação a Clastres - sobretudo, ao autor de Sociedade contra o Estado (e não aquele de Arqueologia da violência). Eles sustentam a hipótese de que o modelo de ação da política da consideração e a noção de influência respondem ao nosso problema comum de repensar o poder na Amazônia. Como dissemos acima, nosso intuito ao estudar a maestria foi sempre o de procurar uma linguagem etnográfica positiva para falar de relações de caráter assimétrico na região, de modo a refletir sobre os fenômenos que envolvem diferenças de potência e agência, sem necessariamente envolver dominação, desigualdade, submissão e coerção.14 14 O esforço de positivar uma linguagem é que nos levou sempre a evitar qualificar o mundo ameríndio como “contra” algo. Por um lado, ao se usar uma figura da contradição ou contrariedade, acaba-se por limitar o espectro de diferenças possíveis a modalidades da oposição privativa. Como diria Deleuze, a contradição é uma figura inadequada da diferença, pois continua a subordiná-la ao idêntico (1968:1). Nisso, estamos em acordo: ao definir-se X como contrário de Y, traz-se o conceito Y para dentro da descrição, fazendo com que ele passe a determinar a diferença expressa por X. Ao dizer “não necessariamente”, indicamos que não excluímos de nosso horizonte o fato de que - em certos contextos, situações e momentos da história - houve formas de dominação e submissão na Amazônia, seja nas relações interindígenas, seja na interação com os não indígenas, ou mesmo com os não humanos.

Ao afirmar ser preciso escapar à dicotomia clastriana, Kelly e Mattos parecem seguir nessa mesma direção. Contudo, logo convocam Clastres para sentar-se novamente à mesa, não sem antes marcar, eles mesmos, a estranheza do movimento (2019:405KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.). O ponto que parece inspirar os autores é a possibilidade de substituir a noção de coerção por aquela de influência, isto é, “as formas de induzir, provocar ou instigar a ação de outrem” (:406KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.). A coação, contudo, retorna já na frase seguinte, quando os autores afirmam que os atos do agente são “induzidos, compelidos ou até coagidos por esses outros” (ver Parte 1). Em nosso modelo, a influência (termo que não utilizamos, contudo) implicaria, antes de mais nada, a capacidade de alinhar a ação de outros à sua.15 15 Isso vale, inclusive, para não humanos. Pense-se no caso da Terra Preta: em que sentido podemos dizer que ela é antropogênica? Bem, são os humanos que, ao descartarem matéria orgânica nos quintais, acabam por promover o alinhamento da ação de uma miríade de actantes, tais como fungos, insetos, bactérias etc. A ação humana não é aqui a de um engenheiro ou um agrônomo. Ela promove antes uma rede de relações que, se cortadas, não levam ao resultado desejado. Daí por que não se consegue produzir Terra Preta em experimentos controlados. A “ação direta positiva” (Haudricourt 1962) cuts the network.

Se bem entendemos o argumento de Kelly e Matos, eles sugerem substituir a noção de pessoa magnificada por aquela de “pessoas influentes”, cuja habilidade seria a de “transformar as relações que não são de parentesco em relações de parentesco” (:405KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.) - um tema, aliás, fundante de nossos trabalhos sobre a predação familiarizante (Fausto 1999FAUSTO, Carlos. 1999. “Of Enemies and Pets: Warfare and shamanism in Amazonia”. American Ethnologist, 26:933-956., 2007FAUSTO, Carlos. 2007. “Feasting on People: Eating Animals and Humans in Amazonia”. Current Anthropology, 48:497-530.), conceitualizada como uma passagem do metacunhadio à metafiliação, isto é, como processo de conversão do não parentesco em parentesco. O mestre é aquele que processa essa passagem e que se magnifica por meio dela (Costa 2017COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.). De certa maneira, parece que estamos falando a mesma coisa por meio de outros termos. Contudo, não ficou claro para nós como os autores descreveriam essa transformação do não parentesco em parentesco, pois o único exemplo que eles utilizam em que isso poderia estar em jogo é na vinheta da performance do desamparo yanomami em face dos Brancos, na qual temos antes uma deterioração da relação com afins-inimigos do que sua transformação - um caso, aliás, do que os autores chamam de “causa ineficiente” (2019:398-99COSTA, Luiz. 2019. “Language and ethnography: a reply to Allard”. Journal de la société des Américanistes, 105 (1):143-160.).

Ao falarem de pessoas influentes, Kelly e Matos esclarecem que se referem a “personagens que possuem ou mobilizam os atributos atribuídos por Clastres à chefia indígena”, mas aí também incluem “os homens, as mulheres e os casais que de um modo ou de outro desempenham a função de constituir coletivos extrafamiliares” (:420, nota 4). Em nosso modelo, tampouco a produção do parentesco a partir do não parentesco se limita à figura do “chefe”: uma mulher que amamenta um órfão animal trazido por um caçador está também ela produzindo parentesco, assim como o faz o xamã que alimenta com tabaco o espírito de um jaguar. Kelly e Matos dizem visar ao que chamam de “coletivos extrafamiliares” - um conceito um tanto elusivo, a começar pela própria definição do que é uma “família” nos contextos etnográficos estudados.

Kelly e Matos não esclarecem de onde provém o conceito de “influência” que utilizam.16 16 Na versão em inglês do artigo de Kelly e Matos (no prelo), há uma epígrafe retirada da monografia de Wagner (1967) que sugere ser esta a fonte do uso de “influência” pelos autores. Contudo, isto nos colocaria um problema adicional, pois “influência” na análise de Wagner está associada ao que, no contexto amazônico, chamaríamos de feitiçaria (ver 1967:46-47). Trata-se, é verdade, de um termo de uso comum e de etimologia transparente (“fluir para dentro”), abarcando hoje significados como “ação que uma pessoa ou coisa exerce sobre outra” ou “poder, prestígio, autoridade” (Dicionário Aurélio).17 17 No inglês medieval, o espectro semântico de “influência” abarcava sobretudo forças impessoais: “any outflowing of energy that produces effect, of fluid or vaporous substance as well as immaterial or unobservable forces”. Na Baixa Idade Média, era de uso corrente na astrologia para designar as “emanações das estrelas que agem sobre o caráter e o destino das pessoas” (Online Etymology Dictionary). Essa referência astrológica não deixa de ser curiosa, pois uma das etimologias possíveis de “consideração” - termo-chave do texto de Kelly e Matos - é, justamente, “com as estrelas”, cujos sentidos de “refletir sobre” ou “examinar cuidadosamente” derivam de uma “metáfora retirada da contemplação dos corpos celestes” (Latin Etymological Dictionary). A noção de influência, tal como utilizada pelos autores, não parece, assim, ter uma inscrição etnográfica precisa. Ela é antes abstrata, apontando para um poder de causação difuso e intangível, que se ergue sobre a ideia genérica de coparticipação interpessoal - ocupando aqui uma função semelhante à da “participação mística” em Lévy-Brühl (1922).

Quanto passamos a considerar as situações empíricas, surge uma miríade de termos que nem sempre podem ser subsumidos à linguagem da influência. Os Kuikuro, por exemplo, dizem de um(a) chefe, um(a) grande cantor(a) ou um lutador que ele/ela é “falado(a)” (tikaginhü), pois seu nome é conhecido em toda a constelação xinguana - isto é, possui uma extensão espaço-temporal ampliada (Munn 1986MUNN, Nancy. 1986. The Fame of Gawa: A Symbolic Study of Value Transformation in a Massim (Papua New Guinea) Society. Cambridge: University of Cambridge Press.), algo que os jovens, hoje, traduzem por “ser famoso”. Lato sensu, poderíamos dizer dessas pessoas que elas são influentes. Mas o que isso acrescenta às nossas descrições?

Os Kuikuro referem-se a um chefe cuja liderança é “pesada” (titeninhü) como o “assento” (iküpo) ou “esteio” (iho) da comunidade (Fausto 2020a:238FAUSTO, Carlos. 2020a. Art Effects: Image, Agency, and Ritual in Amazonia. Lincoln: University of Nebraska Press.; 2020b:65FAUSTO, Carlos. 2020b. “Chiefly Jaguar, Chiefly Tree: Mastery and authority in the Upper Xingu”. In: S. Kosiba; J. Janusek & T. Cummins (eds.), Sacred Matter: Animism and Authority in the Americas. Boston: Harvard University Press. pp. 37-69.).18 18 Ao que os Kalapalo acrescentam, ainda, a ideia de que o chefe é o “corpo-tronco” (ihü) de seu povo (Guerreiro 2015:169-170). A imagem vertical do esteio e horizontal do assento articulam-se, por sua vez, com a percepção do corpo do chefe como magnificado. A altura e a largura do chefe são constantemente marcadas pelos Xinguanos, a ponto de pessoas de ascendência legítima, mas de baixa estatura, serem relegados à condição de chefes menores. Ademais, como mostrou Heckenberger (2005HECKENBERGER, Michael. 2005. The Ecology of Power: Culture, Place and Personhood in the Southern Amazon, AD 1000-2000. New York: Routledge.), inspirado em Wagner (1991WAGNER, Roy. 1991. “The Fractal Person”. In: M. Godelier & M. Strathern (eds.), Big Men and Great Men: Personifications of Power in Melanesia. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 159-173.), o corpo do chefe é também o corpo de suas estruturas: sua casa (tajühe), sua aldeia (ete), sua sepultura (tahiti) e sua efígie funerária (hutoho). Esses corpos e nomes magnificam o chefe, tornando visível a sua grandeza e a sua capacidade de ser o eixo agregador de uma coletividade (Fausto 2020a:226FAUSTO, Carlos. 2020a. Art Effects: Image, Agency, and Ritual in Amazonia. Lincoln: University of Nebraska Press.).

O mesmo vale para o caso kanamari. Um chefe de aldeia é o “corpo-dono da roça” (boahnin-warah), normalmente por ter sido a pessoa que fundou a aldeia e primeiro abriu uma roça - as parcelas dos demais moradores são, assim, derivadas daquela do chefe (Costa 2017:145-146COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.). Ele é também o dono da casa para onde os moradores levam a caça a fim de ser repartida e distribuída. Ele, sua casa e sua roça são a causa da existência de uma aldeia, a razão para que um conjunto de pessoas se agrupe e permaneça junto. Em uma escala maior, temos o chefe de subgrupo, que é o corpo-dono de uma maloca (hak nyanin-warah), localizada na bacia fluvial cujos afluentes abrigam as diversas aldeias. O chefe de subgrupo é um especialista ritual, cujos cantos são entoados e executados no festival do Devir-Jaguar, o qual garante a fertilização do mundo (Costa 2017:140-143, 216COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.). Uma vez mais, temos aqui uma imagem escalar de grandeza: o conceito kanamari de -warah aplica-se a qualquer pessoa capaz de alinhar a ação de seus dependentes, isto é, daqueles que são ou foram criados por seus atos de alimentação. Daí a associação dos chefes com as roças e a fertilidade ritual.

Estes dois exemplos sugerem que a linguagem da magnificação pode ser mais precisa e produtiva para falar dos processos de formação de coletivos do que o termo, em nosso entender vago, “influência”. Assim, parece-nos que pouco se ganha com essa noção subdeterminada e algo se perde, em termos de poder descritivo, ao se abandonarem as dinâmicas relacionais de magnificação e minificação.

(Dis)torções

Antes de fechar este texto é necessário comentar a seção em que Kelly e Matos comparam a leitura que fazem Costa (2013COSTA, Luiz. 2013. “Alimentação e Comensalidade entre os Kanamari da Amazônia Ocidental”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 19 (3):473-504., 2017COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.) e Bonilla (2005BONILLA, Oiara. 2005. “O Bom Patrão e o Inimigo Voraz: Predação e Comércio na Cosmologia Paumari.” Mana: Estudos de Antropologia Social, 11(1):41-66., 2016aBONILLA, Oiara. 2016a. “Parasitism and Subjection: Modes of Paumari Predation”. In: Marc Brightman; Carlos Fausto & Vanessa Grotti (eds.), Ownership and Nurture: Studies in Native Amazonian Property Relations. Oxford: Berghahn. pp. 110-132.) de seus respectivos materiais etnográficos sobre os Kanamari e os Paumari, povos do interflúvio Purus-Juruá.19 19 Nos últimos quinze anos, essa foi a região que forneceu os dados mais instigantes sobre as relações assimétricas na Amazônia. Vejam-se, entre outros, Aparício (2015, 2019), Huber Azevedo (2012), Bonilla (2007, 2005, 2016a), Costa (2007, 2016, 2017), Maizza (2012, 2014), Shiratori (2018), Zupppi (2021). Os autores sugerem que o modelo de Bonilla é de “alternância” entre causa e agente, enquanto o de Costa implica unidirecionalidade do processo de parentesco (Kelly & Matos 2019:414KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.). Nessa leitura, a diferença entre Kanamari e Paumari, a qual Fausto (2008FAUSTO, Carlos. 2008. “Donos Demais: Maestria e Domínio na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 14 (2):329-366.) já discutia em seu artigo de síntese, seria apenas da ordem da interpretação dos dados e não de diferenças objetivas existentes entre os povos em questão (ver Costa 2017:19-21COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.).

Mais uma vez o uso da etnografia pelos autores é bastante seletivo. Kelly e Matos fazem com a etnografia de Costa o avesso do que fizeram com a de Gow. Se neste último caso, como mostramos na Parte 1 deste artigo, eles excluíram as relações assimétricas a fim de evidenciar a mutualidade do parentesco piro, no caso de Costa, eles ignoram a discussão sobre comensalidade e mutualidade para focalizar apenas um certo caráter unidirecional da teoria da ação kanamari. Ademais, mesmo no que diz respeito à maestria kanamari, os autores desconsideram a plasticidade da relação entre corpo-dono e dependente, conforme os diferentes contextos.

Entre os Kanamari, a maestria é construída a partir de uma dinâmica entre a alimentação e a dependência. Fundamental a este modelo é a modulação do esquema relacional da dependência quando passamos, por exemplo, da alimentação de filhotes de animais que se tornam xerimbabos de mulheres a espíritos que viram auxiliares de xamãs (Costa 2017, cap. 1COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.). No caso de animais, a alimentação provida pela dona cria uma dependência vitalícia - o xerimbabo sempre dependerá da capacidade produtiva dela. É nesse sentido que o xerimbabo é “aquilo que a gente faz crescer” - o “dar de comer” tem uma função vegetativa, visando induzir uma interação reativa do xerimbabo em relação à sua dona (Costa 2017:49-51COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.). No caso do espírito, ao contrário, o xamã alimenta com tabaco um ser que é mais poderoso do que ele. Este fato exige, primeiro, que o xamã alimente seu espírito com “comida de espírito” (tabaco), pois não há como fazê-lo aceitar comida de humanos (Costa 2017:33, 54 nota 29COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.); segundo, que a alimentação ocorra ao lado de outras operações que visam modular a volição do espírito familiar, incluindo o diálogo, de modo que o espírito se encontre “a meio caminho entre um aliado teimoso e um xerimbabo relutante” do xamã (Costa 2017:51COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.).20 20 Do mesmo modo, no ritual do Devir-Jaguar, a alimentação é insuficiente para impedir que os jaguares devorem os participantes. Por isso, ela deve ser combinada com outras estratégias de encantamento, como a entoação conjunta dos cantos. De modo similar ao xamã que alimenta seus espíritos familiares com tabaco, os participantes do ritual proveem os jaguares com cerveja, um antialimento que neutraliza a sua ação predatória, possibilitando uma aliança tensa (Costa 2017:210-221). Ao contrário do que sugerem Kelly e Matos (2019:416), o mito kanamari (ou o ritual do Devir-Jaguar) não tem uma “lógica paumari”. Na verdade, tanto os Kanamari quanto os Paumari utilizam estratégias semelhantes para interagir com Outros. O esquema subjacente é o mesmo, mas ele se atualiza de maneira diferente quando passamos de um povo ao outro (ainda que a atualização “paumari” também ocorra entre os Kanamari, assim como a atualização “kanamari” ocorre entre os Paumari). Assim, se a dona de um xerimbabo deixar de alimentá-lo, ele tenderá a morrer (por não produzir a comida à qual se habituou), enquanto se um xamã deixar de alimentar um espírito, será ele quem possivelmente morrerá (Costa 2017:52-54COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.).

No que toca à relação entre mãe e filhos, Kelly e Matos deixam de notar que ela mescla aspectos da alimentação de espíritos e de xerimbabos, adicionando assim ainda outras nuances à maestria kanamari. O recém-nascido kanamari é um inimigo cujo poder predatório é superior ao de sua mãe e suas corresidentes. A alimentação aqui é, se quiserem, “causada” pelo recém-nascido, pois não dar de mamar à criança causa doença em todos os habitantes da aldeia onde ocorreu o parto. Alimentar é um ato “humanizante”, que inicia um processo de transformação de uma criança-inimigo em um parente, ao mesmo tempo que faz da mãe um corpo-dono de seu filho. A continuidade desse laço alimentar ao longo do tempo possibilita o crescimento do recém-nascido, um crescimento que não é, neste caso, apenas vegetativo, mas também moral, pois visa desenvolver as capacidades humanas da criança - incluindo a de alimentar outras pessoas (Costa 2017, cap. 3COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.; ver também Walker 2013:197WALKER, Harry. 2013. “Wild Things: Manufacturing Desire in the Urarina Moral Economy”. Journal of Latin American and Caribbean Anthropology, 18:51-66.). Kelly e Matos (2019: 416KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.) veem nesse protagonismo da alimentação ao longo do ciclo de vida das pessoas mais um exemplo de “alternância”. Contudo, considerando-se que ser alimentado e alimentar são posições diferentes e assimétricas, enxergar simples alternância aqui acaba por anular a dinâmica do parentesco kanamari (o mesmo efeito que tem sobre o parentesco piro, conforme mostramos na Parte 1).

Ao analisar o caso paumari, Kelly e Matos (2019:415KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.) focalizam a dinâmica relacional entre indígenas e “patrões”, descrita por Bonilla (2005BONILLA, Oiara. 2005. “O Bom Patrão e o Inimigo Voraz: Predação e Comércio na Cosmologia Paumari.” Mana: Estudos de Antropologia Social, 11(1):41-66., 2016BONILLA, Oiara. 2016a. “Parasitism and Subjection: Modes of Paumari Predation”. In: Marc Brightman; Carlos Fausto & Vanessa Grotti (eds.), Ownership and Nurture: Studies in Native Amazonian Property Relations. Oxford: Berghahn. pp. 110-132.). Não parece causar estranheza aos autores propor uma comparação entre relações de escalas tão diversas: pais e bebês entre os Kanamari, patrões e clientes entre os Paumari. Contudo, os exemplos dos xerimbabos, espíritos familiares e recém-nascidos, mencionados acima, mostram que se a figura relacional pode ser a mesma ao longo da escala, isto não implica que os valores relativos atribuídos aos termos sejam sempre os mesmos. Estes mudam conforme lidamos com seres mais ou menos potentes (Costa 2017:52COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.).

Ademais, se inseríssemos as relações patrões-clientes e pais-filhos no conjunto de relações assimétricas entretidas por esses povos, veríamos que nem sempre os Paumari se colocam na posição de xerimbabos, e tampouco os Kanamari jamais o fazem. Assim, por exemplo, Bonilla transcreve a fala de um ex-xamã paumari, que afirma: “O xamã é o pai do itavari [espírito auxiliar]. É como um governador. Aquilo que o xamã lhe disser, ele deverá fazer e obedecer, como um empregado. Os itavari têm muita vontade de trabalhar e de estar sob as ordens do xamã, pois assim eles podem vir ao ihinika [ritual]” (2007:355BONILLA, Oiara. 2007. Des Proies Si Désirables: Soumission et Prédation pour les Paumari d’Amazonie brésilienne. Thèse de doctorat, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris.). Notem que aqui é o espírito que deseja ser xerimbabo do xamã, assim como um Paumari deseja ser cliente ou empregado de um patrão. Em outras palavras, nem sempre os Paumari se colocam na posição subordinada ao interagirem com “estrangeiros”.

Lembremos, ainda, dos Jobiri, “um antigo subgrupo purupuru conhecido por sua habilidade [bélica] e descrito hoje como o ‘exército dos Paumari’” (Bonilla 2007:57BONILLA, Oiara. 2007. Des Proies Si Désirables: Soumission et Prédation pour les Paumari d’Amazonie brésilienne. Thèse de doctorat, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris.). Como indica a autora, não bastava ser filho de pais jobiri para se tornar um grande guerreiro ou caçador; era preciso fabricar um corpo predatório desde o nascimento por meio de sua manipulação, uso de remédios e treinamento físico (Bonilla 2016b:133BONILLA, Oiara. 2016b. “Les Jobiri: Peoples de Guerreier ou Guerriers d’un Peuple? Une Énigme de L’ethnohistoire des Paumari (Amazonas, Brésil)”. In: Philippe Erikson (ed.), Trophées. Études Indigénistes et Amazonistes offertes à Patrick Menget. Nanterre: Société d’Ethnologie. pp. 124-138.). No mito de origem dos Jobiri, ademais, conta-se que um bebê abandonado na floresta é criado desse modo especial por uma mulher paumari, a fim de torná-lo um guerreiro capaz de proteger seus pais adotivos dos ataques dos terríveis Joima. Em suma, os Paumari sabiam fabricar capacidades predatórias que, posteriormente, serviriam para a sua própria defesa (ver Bittencourt 2021).

Há que se considerar ainda que nem todos os inimigos - este é o caso dos Joima - podiam ser neutralizados pelo que Bonilla, ecoando La Boétie, chama de “sujeição voluntária”.21 21 Bonilla escreve (e Kelly e Matos citam): “É essa sujeição voluntária por parte dos Paumari que permite a contracaptura de estrangeiros vistos como potencialmente perigosos e vorazes” (2016:124). Aliás, possivelmente, nem todos os patrões se mantinham nos limites esperados dessa sujeição, recorrendo por vezes à violência. O ponto é que, da perspectiva paumari, o único modo de evitar tal predação - já que eles não parecem ter tido, durante certo período de sua história, a opção de não se submeterem aos patrões - foi transformar uma possibilidade estrutural em uma necessidade existencial.

Inversamente, tampouco é verdade que os Kanamari jamais se deixaram ser capturados ou adotados por um branco, ocupando a posição de xerimbabo. Costa descreve como isto se deu concretamente no caso dos futuros chefes Ioho e Dyoho, adotados por Preto Português nos anos 1920 (2007:99-101). Descreve ainda a chegada de Sebastião Amâncio da Costa, que inaugura o “tempo da Funai”, quando ele teria se proclamado pai protetor dos Kanamari, de tal modo que estes passaram a ocupar a posição de seus filhos adotivos (Costa 2016COSTA, Luiz. 2016. “Virando Funai: Uma Transformação Kanamari”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 22 (1):101-132.). Em resumo, o esquema relacional mestre-xerimbabo é mobilizado de diferentes modos, por diferentes povos da região dependendo da relação e do momento histórico. Nem sempre os Paumari ocuparam a posição de presa, nem tampouco os Kanamari a posição de predador. Há, aqui, tanto um fato estrutural como uma lição de história que devem ser compreendidos conjuntamente.

Lições de história

O interflúvio Purus-Juruá sofreu uma rápida invasão por caucheiros e seringueiros a partir da década de 1870. Foi um processo avassalador, que transformou completamente o cenário indígena na região. A posição geográfica em que se encontravam os diferentes povos do vale do Purus, as relações interindígenas ali existentes, bem como eventos singulares e decisões tomadas em determinados momentos desse processo conduziram a diferentes tonalidades relacionais (Fausto, Welper & Xavier 2016FAUSTO, Carlos; WELPER, Elena & XAVIER, Caco. 2016. “Conflict, Peace and Social Reform in Indigenous Amazonia: A Deflationary Account”. Common Knowledge, 22 (1):43-68.). E aqui, antes de um simples contraste entre Paumari e Kanamari, podemos construir o argumento com base em uma comparação histórica de três termos, incluindo, por exemplo, os Suruwaha.

Os Paumari engajaram-se de cheio no sistema do aviamento, colocando-se na posição de empregados dos patrões e mobilizando a “performance do desamparo” - própria do órfão em busca de proteção e alimentação (qua mercadorias).22 22 Em outro trabalho voltaremos ao tema da orfandade, em particular à função-órfão no sistema hierárquico dos “Povos do Centro” (Karadimas 2000; Lucas 2021), que acabou articulada ao escravismo colonial. Veremos ainda a produtividade do termo (possivelmente arawak) kabari, utilizado pelos Nadëb, como instrumento para cativar um pai protetor (Pissolati 2021). De mesmo modo, trataremos do noviço jívaro que em suas invocações dirigidas a um espírito arutam se apresenta como um órfão (Taylor 2000:326). Já os Kanamari, talvez por terem tido maior autonomia e sofrido, num primeiro momento, menor impacto da invasão caucheira, estabeleceram inicialmente uma relação de “amizade” com os brancos - relação designada pelo autorrecíproco tawari, que hoje eles traduzem por “amigo” ou “companheiro”.23 23 A relação simétrica por excelência (e talvez a única) na Amazônia é aquela entre afins potenciais (Viveiros de Castro 1993). É o towajara tupinambá (“o que está do outro lado”) ou o imütongo kuikuro (“aquele que me faceia, me defronta”). Essa relação, porém, é instável, tendendo a se resolver em conflito ou casamento, a não ser, justamente, no caso de figuras como o “parceiro comercial”, o “amigo formal” e o “companheiro”. Os tawari por excelência eram as pessoas kanamari de outro subgrupo, com as quais rivalizavam no ritual do Hori e com as quais não podiam se casar (Costa 2007:48COSTA, Luiz. 2007. As Faces do Jaguar. Parentesco, História e Mitologia entre os Kanamari da Amazônia Ocidental. Tese de Doutorado. PPGAS-Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.; 2017:157-168COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.). Na mito-história kanamari, o início do “Tempo da Borracha” corresponde à chegada de um branco chamado Jarado, que sobe o rio Juruá, encontra os Kanamari e com eles estabelece uma relação de tawari. Na narrativa, Jarado é assim chamado pelos indígenas e se comporta como tal, dando início à estratégia kanamari de estabelecer relações de troca simétrica com os brancos (Costa 2007:64-65COSTA, Luiz. 2007. As Faces do Jaguar. Parentesco, História e Mitologia entre os Kanamari da Amazônia Ocidental. Tese de Doutorado. PPGAS-Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.).

Embora nem sempre bem-sucedido, esse arranjo menos desigual durou até a década de 1930, quando a morte de certos chefes conduziu a um engajamento mais direto com seringueiros e madeireiros. Foi ainda nesse contexto que, em 1972, a Funai chegou à região na pessoa do servidor Sebastião Amâncio da Costa. Segundo Poroya, um dos primeiros indígenas a encontrá-lo, ele teria dito que os Kanamari não deviam mais trabalhar para os patrões: “Hoje, seu corpo-dono chegou. Os brancos não vão mais pegar vocês. É só a Funai que vai cuidar de vocês” (Costa 2016:119COSTA, Luiz. 2016. “Virando Funai: Uma Transformação Kanamari”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 22 (1):101-132.). Note-se que os Kanamari não narram essa história da perspectiva dos “filhos”, mas sim daquela do “pai”. E é justamente porque eles não são Paumari que eles contam a chegada da Funai como resultado da ação heroica de um -warah e não como um ato que eles suscitaram por meio de demonstrações de desamparo. Amâncio da Costa chega para inaugurar um novo tempo, agindo como um poderoso distribuidor de mercadorias.

A terceira lição de história diz respeito aos Suruwaha, um povo que resulta da reunião de vários povos arawá que fugiram do aviamento e evitaram o contato com os seringueiros. Assim, antes de se colocarem na posição de xerimbabos diante de patrões e missionários (como os Paumari) ou a Funai (como os Kanamari), os Suruwahá recusaram veemente essa posição. A sua própria autodesignação é indicativa dessa resoluta autonomia: jadawa, que Huber Azevedo (2012:83HUBER AZEVEDO, Adriana Maria. 2012. Pessoas Falantes, Espíritos Cantores, Almas-Trovões: História, Sociedade, Xamanismo e Rituais de Autoenvenenamento entre os Suruwaha da Amazônia ocidental. Tese de Doutorado, Universität Bern.) traduz por “donos de si”, e também por “gente” ou “pessoa”. A relação dos Suruwaha com a Funai contrasta diametralmente com aquela kanamari. Huber Azevedo descreve uma reunião com servidores, ocorrida em 2008, quando então o órgão começava a assumir a vigilância da T.I. Zuruahã:

foi o primeiro grupo de “estrangeiros” waduna que chegou nas malocas suruwaha perguntando por líderes (“donos”) e apresentando-se a si mesmo como “responsável” pelos Suruwaha e “todos os outros índios” em nome do “governo brasileiro”. Nesta ocasião, os Suruwaha, em seus discursos, [...] fizeram as seguintes afirmações: 1. “Os Suruwaha não têm donos” (Suruwaha anidawa haxu!). 2. “Nós existimos por nós sós e não somos porcos transformados em animais domésticos para ter e depender de um dono” (Ari arimiary hianai; jamakahirindia igiaty tuhwamiara anidawamary zama ihiadawagi). 3. “Pessoas são por definição donas apenas de si mesmas” (Jadawa madi ija-mary-anidawa-madi hadawagi). (Huber Azevedo 2012:353, nota 434HUBER AZEVEDO, Adriana Maria. 2012. Pessoas Falantes, Espíritos Cantores, Almas-Trovões: História, Sociedade, Xamanismo e Rituais de Autoenvenenamento entre os Suruwaha da Amazônia ocidental. Tese de Doutorado, Universität Bern.).

Não cabe aqui aprofundar-nos na análise destas três afirmações fabulosas, nem tampouco trazer à discussão a posição ocupada pelos Suruwaha enquanto “presas do veneno” ou “vítimas do timbó” (Aparício 2015APARÍCIO, Miguel. 2015. Presas del Veneno: Cosmopolítica y Transformaciones Suruwaha (Amazonía Occidental). Quito: Abya-Yala.). Por ora, o que importa indicar é que, no sistema Purus-Juruá, o esquema relacional da maestria foi mobilizado e infletido de diferentes maneiras em função das relações sociais estabelecidas em momentos específicos da história de cada população. Os modos pelos quais os povos da região lidaram com a invasão caucheira foram diversos, mas baseados nos mesmos esquemas relacionais preexistentes e visando neutralizar a predação alheia. Cada um deles, em instantes diferentes, procurou ocupar a posição de filhos adotados, afins sem afinidade ou predadores autônomos, em um claro exemplo do que designamos alhures de “formas na história” (Fausto 2001:175FAUSTO, Carlos. 2001. Inimigos Fiéis: História, Guerra e Xamanismo na Amazônia. São Paulo: Edusp.). Em nossa maneira de ver, esses fatos descrevem mais acuradamente as diferenças relativas entre Kanamari, Paumari e Suruwaha do que o uso abstrato de uma teoria geral da ação.

Com base na relação dos Paumari com os patrões da borracha, Kelly e Matos concluem que, “mesmo nos casos nos quais as relações assimétricas são culturalmente ou analiticamente predominantes, a mutualidade está presente entre a causa e o agente” (2019:416KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.). A mutualidade é, de fato, um termo-chave no artigo dos autores. No frigir dos ovos, nossas principais divergências se encontram aí. O problema gira em torno de dois pontos: por um lado, a necessidade que Kelly e Matos sentem de reinstaurar a simetria ali onde há uma assimetria, recorrendo à ideia genérica de mutualidade; por outro, e como consequência desse complexo “simetrizante”, a tentativa de cancelar todo movimento por meio da alternância.

A direcionalidade das relações de predação e familiarização não pode ser simplesmente cancelada, pois ela produz um efeito no mundo, deixando um traço inscrito nos corpos das pessoas: guerreiros se tatuam, mães fazem resguardo, cativos têm os lábios perfurados, crianças cuidadas crescem, xamãs recebem pedras mágicas, xerimbabos são depenados. É o que observa Viveiros de Castro acerca do canibalismo tupinambá:

Verdadeiro operador antitotêmico, o canibalismo realizaria uma transformação potencialmente recíproca (ver o imperativo da vingança que o motivava, na socialidade tupinambá) mas realmente irreversível entre os termos que conecta, mediante atos de suprema contiguidade e “descontiguidade” - o contato físico violento da execução, o desmembramento e devoração do corpo da vítima - que implicam um movimento de indefinição e a criação de uma zona de indiscernibilidade entre matadores e vítimas, devoradores e devorados (2015:168VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2015. Metafísicas Canibais: Elementos para uma Antropologia Pós-Estrutural. São Paulo: Cosac Naify.).

Nesse sentido, a maestria - assim como o canibalismo ou o xamanismo (ambos operadores de magnificação) - é antes um vetor “sacrificial” do que “totêmico”: entre magnificado e minificado existe “uma só série, contínua e orientada, ao longo da qual se efetua uma mediação real e irreversível entre dois termos polares e não homólogos [...], cuja contiguidade deve ser estabelecida por identificações ou aproximações analógicas sucessivas” (:163). A maestria gera uma “zona de indiscernibilidade” entre o termo magnificado e o minificado, de modo que a agente que daí resulta é uma pessoa compósita, ao mesmo tempo singular e plural, como afirmamos acima.

Em suma, mesmo quando há um movimento de reversão relacional, não se trata de simetrizar uma assimetria, mas de produzir outra assimetria: o dono que vira xerimbabo e a presa que se torna predador continuam em uma mesma relação assimétrica, apenas invertida. Já chamamos a atenção para este ponto ao falarmos, na Parte 1, do risco de “reversão relacional” e do “paradoxo da maestria”. Kelly e Matos, porém, tendem a tratar alternância, reciprocidade simétrica e mutualismo como sinônimos, conferindo a eles um sentido moral. Acabam, assim, por eclipsar a afinidade, recobrindo-a com o manto da mutualidade e da moralidade, enquanto nós procuramos justamente pensar a dinâmica de conversão de uma afinidade intensiva em uma consanguinidade incompleta.

Uma política sem donos?

Nas últimas décadas, o tema da maestria tornou-se incontornável nos estudos amazônicos. Na atualidade, há inúmeros trabalhos que exploram etnograficamente o tema, sendo um desafio realizar uma nova síntese.24 24 Além dos já referidos, cabe citar, Cesarino (2016), Chaumeil (2010), Cretton (2016), Djup (2007), Fernández-Llamazares & Virtanen (2020), Freire (2018), Gallois (2012), Garcia (2018), Grotti (no prelo), Grotti & Brightman (2016), Hirtzel (2010), Jabin (2016), Martinez-Santamaria (2020), Penfield (2015, 2017), Ribeiro Junior (2021), Tola (2010) e Walker (2012). Do ponto de vista político, o tema também tem ganhado relevância nos discursos públicos indígenas, sobretudo naqueles dirigidos à chamada “sociedade envolvente”. A figura de donos-mestres aparece com potência no discurso de lideranças indígenas, funcionando como hipóstases para marcos territoriais, recursos naturais e fertilidade em geral. Esse movimento permitiu uma nova articulação com a ecologia, na medida em que a floresta, os animais, as montanhas, as cachoeiras ganharam outro estatuto por meio de seus múltiplos donos, vistos como seus originadores, cuidadores e guardiões. Davi Kopenawa, por exemplo, critica a destruição causada pelos Brancos, os quais “não se perguntam de onde vem o valor de fertilidade da floresta”, pensando que “as plantas crescem sozinhas, à toa” (Kopenawa & Albert 2015:468-69KOPENAWA, Davi & ALBERT, Bruce. 2015. A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami. São Paulo: Companhia das Letras.). Repercutindo uma afirmação de Strathern (2017:36STRATHERN, Marilyn. 2017. “Gathered Fields: A Tale About Rhizomes”. Anuac, 6 (2):23-44.) sobre a Melanésia, pode-se dizer que, também na Amazônia, o crescimento não pode ser tomado como dado. É preciso haver alguém que crie - isto é, cuide - e faça crescer. Por isso, a floresta e suas diferentes partes podem ter donos: guardiões zelosos de populações vegetais e animais que, se aos olhos dos humanos são “selvagens”, não são menos cultivadas da perspectiva dos espíritos tutelares. Para os Yanomami, como explica Kopenawa, é o valor de fertilidade në rope que torna a floresta viva e abundante; e são os xamãs que podem ver, em transe, sua imagem, në roperi, que é “o verdadeiro dono da floresta” (2015:471KOPENAWA, Davi & ALBERT, Bruce. 2015. A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami. São Paulo: Companhia das Letras.).25 25 Segundo Marcelo Moura, -rope denota rapidez e agilidade. Në rope seria, assim, aquilo que “agiliza” e “cataliza” um determinado movimento (no caso, o crescimento e a abundância do mundo-floresta) (ver também Kopenawa & Albert 2015:631). Ainda nos falta abordar mais de perto o caso yanomami, bem como o de outros povos do escudo das Guianas, onde a afinidade assimétrica tende a ocupar um lugar importante na maestria (ver Halbmayer 2004).

Entre os Wayãpi, Ka’ajarã (“dono da mata”) é um personagem muito importante, assim como Mijarãjarã (“dono da caça”), com os quais os humanos têm de se haver constantemente para levar a cabo suas atividades diárias. Afinal, ele são outros, afins perigosos, que guardam ciosamente suas “criações” (-[r]eima). Por isso, tendem a ser hostis com os humanos que, ao caçarem e abrirem suas roças, acabam por invadir o território deles, colocando em risco as suas criações (Cabral de Oliveira 2012:33, 124CABRAL DE OLIVEIRA, Joana. 2012. Entre Plantas e Palavras: Modos de Constituição dos Saberes entre os Wajãpi (AP). Tese de Doutorado, Departamento de Antropologia, Universidade de São Paulo.). Os Wayãpi sabem dos cuidados necessários para que, eles mesmos, não se tornem presas desses donos. Já os Brancos ignoram este fato e, por isso, tomam atitudes impensadas como ocorreu em 2017, quando o governo Temer tentou extinguir a Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados), no nordeste da Amazônia. Na ocasião, o líder wajãpi Kasiripiná assim explicou sua contrariedade em relação à medida: “A terra tem dono, o rio tem dono, as árvores têm dono. Não foi o homem que inventou a natureza” (El País, Brasil, 11 de setembro de 2017). Em outras palavras, a natureza não foi criada pelos, nem para os humanos. Por isso, não podemos dela dispor ao nosso bel-prazer - há sempre outros donos com os quais devemos nos haver.

Os Munduruku designam “mães” os mestres da natureza-que-o-homem-não-inventou.26 26 Como indicamos alhures (Fausto 2008), embora os termos mais comuns para falar dos mestres signifiquem “dono”, eles podem ser substituídos por “mãe”, como ocorre, por exemplo, entre os Achuar (Descola 1986). Murphy dedicou-lhes páginas célebres, dando destaque à mais importante dentre elas: a “mãe da caça” (Putcha Ši). Embora cada espécie possa ter também sua própria mãe, os Munduruku costumam enfatizar essa entidade genérica, lembrando a necessidade de “alimentar a Putcha Ši” e evitar a sua vingança. Além da mãe da caça, outra entidade importante é a Asima Ši, a “mãe dos peixes”, que “viaja dentro de pequenos jacarés e pode ser encontrada pelos xamãs em vários lugares onde o pescado é sabidamente abundante” (Murphy 1958:16MURPHY, Robert. 1958. Mundurucu Religion. Berkeley: University of California Press.).

Passados mais de 50 anos desde a pesquisa de Murphy, os Munduruku (bem como os Kayabi e os Apiaká) se veem hoje ameaçados por projetos hidrelétricos do Estado brasileiro. Um exemplo é o salto de Sete Quedas, onde foi construída a UHE Teles Pires, que entrou em operação em 2015. Em 1 de dezembro de 2011, os três povos afetados lançaram o “Manifesto Kayabi, Apiaká e Munduruku contra os Aproveitamentos Hidrelétricos no Rio Teles Pires”, endereçando-o a várias autoridades, dentre elas a então presidente da República, Dilma Roussef. Ao argumentarem contra o projeto, as lideranças indígenas se exprimiram assim:

As cachoeiras de Sete Quedas, que ficariam inundadas pela barragem, são o lugar de desova de peixes que são muito importantes para nós, como o pintado, pacu, pirarara e matrinchã. A construção desta hidrelétrica, afogando as cachoeiras de Sete Quedas, poluindo as águas e secando o Teles Pires rio abaixo, acabaria com os peixes que são a base da nossa alimentação. Além disso, Sete Quedas é um lugar sagrado para nós, onde vive a Mãe dos Peixes e outros espíritos de nossos antepassados - um lugar onde não se deve mexer.27 27 O documento foi consultado na página: https://www.ana.gov.br/noticias-antigas/manifesto-kayabi-apiaka-e-munduruku-contra-os.2019-03-15.0424022687, em 21 de janeiro de 2021.

Reunidos contra uma ameaça comum, esses povos, antes inimigos, denunciaram - infelizmente sem sucesso - o caráter deletério do complexo hidrelétrico a ser construído, que afetaria de forma negativa o potencial de vida dos rios. Para tanto, mobilizaram três argumentos: um argumento naturalista facilmente compreensível pelos técnicos envolvidos (a desova dos peixes); um argumento religioso também de fácil entendimento para os não indígenas (o caráter sagrado do lugar); e, por fim, um argumento cosmológico caracteristicamente indígena: Sete Quedas é a morada da Mãe dos Peixes, que é, em última instância, a fonte de fertilidade pesqueira dos rios da região. Quem seria tão estúpido a ponto de destruir essa fonte fundamental de vida? Quem poderia deixar os peixes sem dono, como se eles pudessem crescer e se cuidar por si mesmos?

Este tipo de discurso, no qual o conceito indígena de mestre-dono serve para traduzir a topologia relacional ameríndia para os não indígenas, também se observa nos Andes em relação aos Apukuna.28 28 Apukuna é o plural de apu, termo quêchua frequentemente traduzido por “señor” (em espanhol) e “lord” (em inglês). O termo se aplica tanto a humanos como a não humanos. Parte da literatura andina contemporânea dedicou-se a compreender a associação entre apu e as altas montanhas da cordilheira. Na condição de seres-montanha, os apukuna surgem como poderosos mestres, associados à predação, cuja força selvagem é preciso canalizar por meio de diversas oferendas e práticas rituais. Bem manejados, eles promovem a vida e a fertilidade, e inclusive podem intervir em lutas bem atuais: “Os andinos relatam amplamente que, em meados do século XX, as montanhas se uniram à sua luta para recuperar a terra das fazendas” (Gose 2018:497). Ver também Martinez-Santamaria (2020). Marisol de la Cadena cita uma fala do ex-presidente do Peru, Alan García, publicada no Diario de la Republica, em 25 de junho de 2011, na qual fica claro, por contrariedade, como os earth-beings servem à resistência indígena ao desenvolvimentismo predatório do Estado:

[O que precisamos fazer é] derrotar essas ideologias absurdas e panteístas que acreditam que as montanhas são deuses e que o vento é deus. [Essas crenças] significam um retorno àquelas formas primitivas de religiosidade que dizem "não toquem naquela montanha porque ela é um Apu, porque está repleta de espírito milenar" [...] Bem, se é isso onde estamos, então não façamos nada. Nem mesmo mineração [...] voltemos às formas primitivas de animismo. [Para derrotar isso] precisamos de mais educação. (García citada em Cadena 2015:169DE LA CADENA, Marisol. 2015. Earth Beings: Ecologies of Practice across Andean Worlds. Durham: Duke University Press., inserções entre colchetes da autora).

Vê-se, enfim, como a multiplicidade de donos ameríndios fornece uma linguagem cosmopolítica relevante para a atuação dos povos indígenas em diversos cenários nacionais sul-americanos, sendo inclusive reconhecível por seus inimigos (tais como Alan García). Mas isto não deveria nos surpreender. Ao longo de toda a história da colonização o esquema relacional da maestria foi mobilizado pelos povos indígenas para refletir sobre, engajar-se com e resistir aos colonizadores (Costa 2016COSTA, Luiz. 2016. “Virando Funai: Uma Transformação Kanamari”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 22 (1):101-132.; Fausto 2008FAUSTO, Carlos. 2008. “Donos Demais: Maestria e Domínio na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 14 (2):329-366.; Kohn 2007KOHN, Eduardo. 2007. “Animal Masters and the Ecological Embedding of History among the Ávila Runa of Ecuador”. In: Carlos Fausto & Michael Heckenberger (eds.), Time and Memory in Indigenous Amazonia: Anthropological Perspectives. Gainesville: University Press of Florida. pp. 106-129; Norton 2015NORTON, Marcy. 2015. “The Chicken or the Iegue: Human-animal Relationships and the Columbian Exchange”. American Historical Review, 120 (1):28-60.). Afinal, ele é precisamente um esquema acionado nos limites externos do parentesco, ali onde exterior e interior se articulam, onde a afinidade toca a consanguinidade, onde o outro é o horizonte inescapável do mesmo.

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Notas

  • 1
    Ver, por exemplo, Lévi-Strauss (1967:35LÉVI-STRAUSS, Claude. 1967. Les Structures Élémentaires de la Parenté. Paris: Mouton de Gruyter.). Porém, como sugere Viveiros de Castro (2015VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2015. Metafísicas Canibais: Elementos para uma Antropologia Pós-Estrutural. São Paulo: Cosac Naify.), se fizermos uma leitura relacional da proibição do incesto, não se pode dizer que existam consanguíneos antes da instauração da troca. A rigor, tanto a consanguinidade quanto a afinidade são constituídas pela relação entre elas.
  • 2
    O termo “cunhadio” foi elaborado a partir de “compadrio”, a fim de traduzir a noção de brother-in-law institution tal qual aparece em Lévi-Strauss (1943:409LÉVI-STRAUSS, Claude. 1943. “The Social Use of kinship Terms among Brazilian Indians”. American Anthropologist, 45:398-409.).
  • 3
    A ideia de incompletude da filiação adotiva vai ao encontro do argumento de Viveiros de Castro (2001VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2001. “GUT Feelings about Amazonia: Potential Affinity and the Construction of Sociality in Amazonia”. In:: L. Rival & N. Whitehead (eds.), Beyond the Visible and the Material: The Amerindianization of Society in the Work of Peter Rivière. Oxford: Oxford University Press. pp. 19-43.) de que a consanguinidade resulta de um processo, sempre inacabado, de extração da afinidade.
  • 4
    Daí por que afirmamos que a definição weberiana de poder como “possibilidade de impor a sua própria vontade, no interior de uma relação social” (Weber 1984:43WEBER, Max. 1984. Economia y Sociedad: Esbozo de Sociologia Comprensiva. Mexico: Fondo de Cultura Económica.) não se aplica ao contexto ameríndio em razão de a vontade não ser jamais exclusiva e univocamente de um Si idêntico a si mesmo (Fausto 2008:343FAUSTO, Carlos. 2008. “Donos Demais: Maestria e Domínio na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 14 (2):329-366.).
  • 5
    Ainda se faz necessária uma investigação sobre a presença e o significado desses termos em diferentes famílias linguísticas das Terras Baixas da América do Sul, bem como de sua ocorrência nos registros coloniais (ver Norton 2015NORTON, Marcy. 2015. “The Chicken or the Iegue: Human-animal Relationships and the Columbian Exchange”. American Historical Review, 120 (1):28-60.).
  • 6
    Assim, por exemplo, na aproximação contrastiva entre a dialética hegeliana do mestre e do escravo e aquela do dono e do xerimbabo; ou entre a teoria da propriedade de Locke e a cosmologia de donos ameríndia; ou ainda entre a domesticação (como parte do pacote da revolução neolítica) e a familiarização.
  • 7
    Topologia que, a partir de Gow (1999:237GOW, Peter. 1999. “Piro Designs: Painting as Meaningful Action in an Amazonian Lived World”. Journal of the Royal Anthropological Institute, 5 (2):229-246.), já aproximávamos da garrafa de Klein (Fausto 2008:354FAUSTO, Carlos. 2008. “Donos Demais: Maestria e Domínio na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 14 (2):329-366.). Não deixa de ser curioso ver Kelly e Matos nos lembrarem, justamente, de que “se a relação de maestria é muito comumente metaforizada pelas imagens de continente e conteúdo, é mister reconhecer o limite onde tais imagens evocam uma garrafa de Klein” (2019:415KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.). Para uma discussão da topologia kleiniana e as flautas sagradas na Amazônia, ver Fausto (2020a:108-109FAUSTO, Carlos. 2020a. Art Effects: Image, Agency, and Ritual in Amazonia. Lincoln: University of Nebraska Press.).
  • 8
    O mesmo vale para o xamã horizontal kanamari, o baoh, que não pode ser chefe de subgrupo, em oposição ao xamã vertical, marinawa, que pode se tornar um chefe de subgrupo (Costa 2017:152COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.).
  • 9
    Ver também a noção de “primeiro” (hypya) e sua associação como -sara (:62). Aqui entra em jogo um princípio escalar de magnificação: “Para aqueles que o seguem, um hypya surge, ainda que provisoriamente, como um moruwisaw, como um ‘grande’, como um ‘maior’ [...]” (:64).
  • 10
    Sobre o morfema aspectual da-, ver Costa (2017:148-149COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.).
  • 11
    Nem sempre, porém, essa série ordenada se apresenta como uma linha simples. No caso da pajelança para resgatar a alma, a fila indiana indexa as diferentes funções dos pajés; já no caso dos mensageiros que vão convidar outras aldeias para participar de um ritual, eles se sentam lado a lado (sendo que o do centro é o primeiro, o de sua direita, o segundo, e o da esquerda, o terceiro).
  • 12
    Sztutman utiliza a expressão inspirado em Taylor (2000, 2003). Estamos de acordo com autor neste ponto. Não acompanhamos, porém, a definição que ele emprega de agência: “Devido à confusão entre o poder num sentido genérico - capacidade de produzir efeitos sobre o mundo - e o poder em sentido preciso - monopólio dos meios de coerção -, passo a empregar o termo agência seguindo a definição de Rapport e Overing (2000: 1RAPPORT, Nigel & OVERING, Joanna. 2001. Anthropology: The Key Concepts. London: Routledge.) para agency, qual seja, ‘capacidade, poder de ser a fonte de ação e a origem dos atos’.” (2005, cap. 1, nota 26; ver também 2012:75, nota 36, grifos nossos).
  • 13
    Em outro texto, ainda em elaboração, explicitamos melhor nossas diferenças em relação a Clastres - sobretudo, ao autor de Sociedade contra o Estado (e não aquele de Arqueologia da violência).
  • 14
    O esforço de positivar uma linguagem é que nos levou sempre a evitar qualificar o mundo ameríndio como “contra” algo. Por um lado, ao se usar uma figura da contradição ou contrariedade, acaba-se por limitar o espectro de diferenças possíveis a modalidades da oposição privativa. Como diria Deleuze, a contradição é uma figura inadequada da diferença, pois continua a subordiná-la ao idêntico (1968:1DELEUZE, Gilles. 1968. Différence et répétition. Paris: Presses Universitaires de France.). Nisso, estamos em acordo: ao definir-se X como contrário de Y, traz-se o conceito Y para dentro da descrição, fazendo com que ele passe a determinar a diferença expressa por X.
  • 15
    Isso vale, inclusive, para não humanos. Pense-se no caso da Terra Preta: em que sentido podemos dizer que ela é antropogênica? Bem, são os humanos que, ao descartarem matéria orgânica nos quintais, acabam por promover o alinhamento da ação de uma miríade de actantes, tais como fungos, insetos, bactérias etc. A ação humana não é aqui a de um engenheiro ou um agrônomo. Ela promove antes uma rede de relações que, se cortadas, não levam ao resultado desejado. Daí por que não se consegue produzir Terra Preta em experimentos controlados. A “ação direta positiva” (Haudricourt 1962HAUDRICOURT, Georges-Andres. 1962. “Domestication des Animaux, Cultures des Plantes et Traitement D’autrui”.L’Homme , 2 (1):40-50.) cuts the network.
  • 16
    Na versão em inglês do artigo de Kelly e Matos (no preloKELLY, José & MATOS, Marcos. No prelo. “A Politics of Regard: Action and Influence in Lowland South America”. In: Luiz Costa & Casey High (eds.), Routledge Lowland South American World.), há uma epígrafe retirada da monografia de Wagner (1967WAGNER, Roy. 1967. The Course of Souw: Principles of Daribi Clan Definition and Alliance in New Guinea. Chicago: University of Chicago Press.) que sugere ser esta a fonte do uso de “influência” pelos autores. Contudo, isto nos colocaria um problema adicional, pois “influência” na análise de Wagner está associada ao que, no contexto amazônico, chamaríamos de feitiçaria (ver 1967:46-47WAGNER, Roy. 1967. The Course of Souw: Principles of Daribi Clan Definition and Alliance in New Guinea. Chicago: University of Chicago Press.).
  • 17
    No inglês medieval, o espectro semântico de “influência” abarcava sobretudo forças impessoais: “any outflowing of energy that produces effect, of fluid or vaporous substance as well as immaterial or unobservable forces”. Na Baixa Idade Média, era de uso corrente na astrologia para designar as “emanações das estrelas que agem sobre o caráter e o destino das pessoas” (Online Etymology Dictionary). Essa referência astrológica não deixa de ser curiosa, pois uma das etimologias possíveis de “consideração” - termo-chave do texto de Kelly e Matos - é, justamente, “com as estrelas”, cujos sentidos de “refletir sobre” ou “examinar cuidadosamente” derivam de uma “metáfora retirada da contemplação dos corpos celestes” (Latin Etymological Dictionary).
  • 18
    Ao que os Kalapalo acrescentam, ainda, a ideia de que o chefe é o “corpo-tronco” (ihü) de seu povo (Guerreiro 2015:169-170GUERREIRO, Antonio. 2015. Ancestrais e suas Sombras: Uma Etnografia da Chefia Kalapalo e seu Ritual Mortuário. Campinas: Editora da Unicamp.).
  • 19
    Nos últimos quinze anos, essa foi a região que forneceu os dados mais instigantes sobre as relações assimétricas na Amazônia. Vejam-se, entre outros, Aparício (2015APARÍCIO, Miguel. 2015. Presas del Veneno: Cosmopolítica y Transformaciones Suruwaha (Amazonía Occidental). Quito: Abya-Yala., 2019APARÍCIO, Miguel. 2019. “A Planta da Raiva. Timbó e Envenenamento nos Suruwaha do Purus. In: Beatriz Caiuby Labate & Sandra Lúcia Goulart (orgs.), O Uso de Plantas Psicoativas na Amazônia. Rio de Janeiro: Gramma: Neip. pp. 107-124.), Huber Azevedo (2012), Bonilla (2007BONILLA, Oiara. 2007. Des Proies Si Désirables: Soumission et Prédation pour les Paumari d’Amazonie brésilienne. Thèse de doctorat, École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris., 2005BONILLA, Oiara. 2005. “O Bom Patrão e o Inimigo Voraz: Predação e Comércio na Cosmologia Paumari.” Mana: Estudos de Antropologia Social, 11(1):41-66., 2016aBONILLA, Oiara. 2016a. “Parasitism and Subjection: Modes of Paumari Predation”. In: Marc Brightman; Carlos Fausto & Vanessa Grotti (eds.), Ownership and Nurture: Studies in Native Amazonian Property Relations. Oxford: Berghahn. pp. 110-132.), Costa (2007COSTA, Luiz. 2007. As Faces do Jaguar. Parentesco, História e Mitologia entre os Kanamari da Amazônia Ocidental. Tese de Doutorado. PPGAS-Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro., 2016COSTA, Luiz. 2016. “Virando Funai: Uma Transformação Kanamari”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 22 (1):101-132., 2017COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.), Maizza (2012MAIZZA, Fabiana. 2012. Cosmografia de um Mundo Perigoso: Espaço e Relações de Afinidade entre os Jarawara da Amazônia. São Paulo: Edusp ., 2014MAIZZA, Fabiana. 2014. “Sobre as Crianças-Planta: O Cuidar e o Seduzir no Parentesco Jarawara”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 20 (3):491-518.), Shiratori (2018SHIRATORI, Karen. 2018. O Olhar Envenenado: Da Metafísica Vegetal Jamamadi (Médio Purus, AM). Tese de Doutorado, PPGAS-Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.), Zupppi (2021).
  • 20
    Do mesmo modo, no ritual do Devir-Jaguar, a alimentação é insuficiente para impedir que os jaguares devorem os participantes. Por isso, ela deve ser combinada com outras estratégias de encantamento, como a entoação conjunta dos cantos. De modo similar ao xamã que alimenta seus espíritos familiares com tabaco, os participantes do ritual proveem os jaguares com cerveja, um antialimento que neutraliza a sua ação predatória, possibilitando uma aliança tensa (Costa 2017:210-221COSTA, Luiz. 2017. The Owners of Kinship: Asymmetrical Relations in Indigenous Amazonia. Chicago: HauBooks.). Ao contrário do que sugerem Kelly e Matos (2019:416KELLY, José & MATOS, Marcos. 2019. “Política da Consideração: Ação e Influência nas Terras Baixas da América do Sul’. Mana. Estudos de Antropologia Social, 25 (2):391-426.), o mito kanamari (ou o ritual do Devir-Jaguar) não tem uma “lógica paumari”. Na verdade, tanto os Kanamari quanto os Paumari utilizam estratégias semelhantes para interagir com Outros. O esquema subjacente é o mesmo, mas ele se atualiza de maneira diferente quando passamos de um povo ao outro (ainda que a atualização “paumari” também ocorra entre os Kanamari, assim como a atualização “kanamari” ocorre entre os Paumari).
  • 21
    Bonilla escreve (e Kelly e Matos citam): “É essa sujeição voluntária por parte dos Paumari que permite a contracaptura de estrangeiros vistos como potencialmente perigosos e vorazes” (2016:124BONILLA, Oiara. 2016a. “Parasitism and Subjection: Modes of Paumari Predation”. In: Marc Brightman; Carlos Fausto & Vanessa Grotti (eds.), Ownership and Nurture: Studies in Native Amazonian Property Relations. Oxford: Berghahn. pp. 110-132.).
  • 22
    Em outro trabalho voltaremos ao tema da orfandade, em particular à função-órfão no sistema hierárquico dos “Povos do Centro” (Karadimas 2000; Lucas 2021LUCAS, Maria Luísa. 2021. “Mais Além do Desamparo: Orfandade e Chefia entre os Bora na Amazônia Colombiana”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 27 (1):1-33.), que acabou articulada ao escravismo colonial. Veremos ainda a produtividade do termo (possivelmente arawak) kabari, utilizado pelos Nadëb, como instrumento para cativar um pai protetor (Pissolati 2021PISSOLATI, Nian. 2021. Viver-mover no alto Uneiuxi (AM/Brasil): estudo sobre a territorialidade nadëb. Tese de Doutorado em elaboração, PPGAS-Museu Nacional, UFRJ.). De mesmo modo, trataremos do noviço jívaro que em suas invocações dirigidas a um espírito arutam se apresenta como um órfão (Taylor 2000:326).
  • 23
    A relação simétrica por excelência (e talvez a única) na Amazônia é aquela entre afins potenciais (Viveiros de Castro 1993VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1993. “Alguns Aspectos da Afinidade no Dravidianato Amazônico”. In: E. Viveiros de Castro & M. Carneiro da Cunha (orgs.), Amazônia: Etnologia e história indígena. São Paulo: Fapesp. pp. 150-210.). É o towajara tupinambá (“o que está do outro lado”) ou o imütongo kuikuro (“aquele que me faceia, me defronta”). Essa relação, porém, é instável, tendendo a se resolver em conflito ou casamento, a não ser, justamente, no caso de figuras como o “parceiro comercial”, o “amigo formal” e o “companheiro”.
  • 24
    Além dos já referidos, cabe citar, Cesarino (2016CESARINO, Pedro. 2016. “Doubles and Owners: Relations of Knowledge, Authorship, and Property among the Marubo”. In: Marc Brightman, Carlos Fausto & Vanessa Grotti (eds.), Ownership and Nurture: Studies in Native Amazonian Property Relations. Oxford: Berghahn . pp. 186-209.), Chaumeil (2010CHAUMEIL, Jean-Pierre. 2010. “Des Sons et des Esprits-Maîtres en Amazonie Amérindienne”. Ateliers du Lesc, 34.), Cretton (2016CRETTON, Vicente P. 2016. “Nosso Pai, Nosso Dono: Relações de Maestria entre os Mbya Guarani”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 22 (3):737-764.), Djup (2007DJUP, Annica. 2007. Personhood and Human Spirit-Relations among the Yurucaré of the Bolivian Amazon. Göteborg: Acta Universitatis Gotherburgensis (Gothenburg Studies in Social Anthropology, 19).), Fernández-Llamazares & Virtanen (2020FERNÁNDEZ-LLAMAZARES, Álvaro & VIRTANEN, Pirjo K. 2020. “Game Masters and Amazonian Indigenous Views on Sustainability”. Environmental Sustainability, 43:21-27.), Freire (2018FREIRE, Gabriela de Carvalho. 2018. Distinções Eyiguayegui. Dissertação de Mestrado. Departamento de Antropologia, Universidade de São Paulo.), Gallois (2012GALLOIS, Dominique. 2012. “Donos, Detentores e Usuários da Arte Gráfica Kusiwa”.Revista de Antropologia , 55 (1):19-49.), Garcia (2018GARCIA, Uirá. 2018. Crônicas de Cáca e Criação. São Paulo: Hedra/ Fapesp.), Grotti (no preloGROTTI, Vanessa. No prelo. Living with the enemy: First Contacts and the Making of Christian Bodies in Amazonia. Oxford: Berghahn .), Grotti & Brightman (2016GROTTI, Vanessa & BRIGHTMAN, Marc. 2016. “First Contacts, Slavery and Kinship in Northeastern Amazonia”. In: Marc Brightman , Carlos Fausto & Vanessa Grotti (eds.), Ownership and Nurture: Studies in Native Amazonian Property Relations. Oxford: Berghahn . pp. 63-80.), Hirtzel (2010HIRTZEL, Vincent. 2010. Le Maître à Deux Têtes: Une Ethnographie du Rapport à Soi Yurucaré (Amazonie Bolivienne). Thèse de Doctorat, École des Hautes Études en Sciences Sociales.), Jabin (2016JABIN, David. 2016. Le Service Eternel: Ethnographie d’un Esclavage Amérindien (Yuqui, Amazonie Bolivienne). Thèse de doctorat, Université Paris Ouest, Nanterre.), Martinez-Santamaria (2020MARTINEZ-SANTAMARIA, Luz Helena 2020. The Owners. Creative Process and Personhood in the Peasant Community of San Pablo de Inkawasi (Lambayeque, Peru). PhD Thesis, University of St. Andrews.), Penfield (2015PENFIELD, Amy. 2015. Material Morality: An Ethnography of Value among the Sanema of Venezuelan Amazonia. PhD Thesis, London School of Economics and Political Science., 2017PENFIELD, Amy. 2017. “Dodged Debts and the Submissive Predator: Perspectives on Amazonian Relations of Dependence”. Journal of the Royal Anthropological Institute , 23:320-337.), Ribeiro Junior (2021RIBEIRO JR, Roberto R. 2021. O Rastro do Outro: Sonho, Diferença e Alteração entre os Tikmũ’ũn_Maxakali. Tese de Doutorado, PPGAS-Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.), Tola (2010TOLA, Florencia. 2010. “Maîtres, Chamanes et Amants: Quelques Réflexions sur la Conception Toba de L’agentivité”. Ateliers du Lesc , 34.) e Walker (2012WALKER, Harry. 2012. Under a Watchful Eye: Self, Power, and Intimacy in Amazonia. Berkeley: University of California Press .).
  • 25
    Segundo Marcelo Moura, -rope denota rapidez e agilidade. Në rope seria, assim, aquilo que “agiliza” e “cataliza” um determinado movimento (no caso, o crescimento e a abundância do mundo-floresta) (ver também Kopenawa & Albert 2015:631KOPENAWA, Davi & ALBERT, Bruce. 2015. A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami. São Paulo: Companhia das Letras.). Ainda nos falta abordar mais de perto o caso yanomami, bem como o de outros povos do escudo das Guianas, onde a afinidade assimétrica tende a ocupar um lugar importante na maestria (ver Halbmayer 2004HALBMAYER, Ernst. 2004. “‘The One Who Feeds Has the Rights’: Adoption and Fostering of Kin, Affines and Enemies among the Yukpa and other Carib-speaking Indians of Lowland South America”. In: F. Bowie (ed.), Cross-Cultural Approaches to Adoption. Londres: Routledge. pp. 145-164.).
  • 26
    Como indicamos alhures (Fausto 2008FAUSTO, Carlos. 2008. “Donos Demais: Maestria e Domínio na Amazônia”. Mana: Estudos de Antropologia Social , 14 (2):329-366.), embora os termos mais comuns para falar dos mestres signifiquem “dono”, eles podem ser substituídos por “mãe”, como ocorre, por exemplo, entre os Achuar (Descola 1986DESCOLA, Philippe. 1986. La Nature Domestique. Symbolisme et Praxis dans L’ecologie des Achuar. Paris: Maison des Sciences de L’Homme.).
  • 27
    O documento foi consultado na página: https://www.ana.gov.br/noticias-antigas/manifesto-kayabi-apiaka-e-munduruku-contra-os.2019-03-15.0424022687, em 21 de janeiro de 2021.
  • 28
    Apukuna é o plural de apu, termo quêchua frequentemente traduzido por “señor (em espanhol) e lord” (em inglês). O termo se aplica tanto a humanos como a não humanos. Parte da literatura andina contemporânea dedicou-se a compreender a associação entre apu e as altas montanhas da cordilheira. Na condição de seres-montanha, os apukuna surgem como poderosos mestres, associados à predação, cuja força selvagem é preciso canalizar por meio de diversas oferendas e práticas rituais. Bem manejados, eles promovem a vida e a fertilidade, e inclusive podem intervir em lutas bem atuais: “Os andinos relatam amplamente que, em meados do século XX, as montanhas se uniram à sua luta para recuperar a terra das fazendas” (Gose 2018:497GOSE, Peter. 2018. “The Semi-Social Mountain: Metapersonhood and Political Ontology in the Andes”. HAU: Journal of Ethnographic Theory, 8 (3):488-505.). Ver também Martinez-Santamaria (2020MARTINEZ-SANTAMARIA, Luz Helena 2020. The Owners. Creative Process and Personhood in the Peasant Community of San Pablo de Inkawasi (Lambayeque, Peru). PhD Thesis, University of St. Andrews.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2021
  • Aceito
    23 Fev 2022
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