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BENITES, Tonico. 2012. A escola na ótica dos Ava Kaiowá: impactos e interpretações indígenas

RESENHAS

BENITES, Tonico. 2012. A escola na ótica dos Ava Kaiowá: impactos e interpretações indígenas. Rio de Janeiro: Contra Capa. 120 pp.

Indira Viana Caballero

Doutora em Antropologia pelo PPGAS/MN/UFRJ

O foco deste trabalho recai sobre as divergências e os conflitos entre a educação escolar oficial introduzida nas aldeias e a educação tradicional realizada pelas famílias extensas ava kaiowá em Tacuru (MS). O autor nos apresenta o "modo de ser múltiplo" (Ava kuera reko reta) dos Ava Kaiowá, mostrando que "cada família constrói o seu perfil e o seu estilo específico (teko laja kuera) em espaço e tempo distintos" (:97), não existindo modo de ser e viver homogêneo. A "diversidade de ser e o estilo (teko laja) não implicam a fragmentação da unidade étnica, nem a tendência a abandonar uma ou outra maneira de ser" (:96), senão que as famílias extensas aperfeiçoaram estratégias e flexibilizaram sua organização.

Esta é a publicação da dissertação de mestrado de Tonico Benites, indígena avá kaiowá, defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (PPGAS/UFRJ) em 2009, orientada pelo professor João Pacheco de Oliveira. Também é o primeiro livro da coleção "Os primeiros brasileiros", a qual visa contribuir para o reconhecimento dos direitos e o "estabelecimento de políticas públicas que respeitem e valorizem a enorme diversidade sociocultural existente no Brasil" (:9), como afirma João Pacheco de Oliveira na "Apresentação".

No início da "Introdução", Tonico Benites declara: "quero registrar minha história como Ava Kaiowá que participou do movimento político Guarani Ñandéva (ou apenas Guarani) e Guarani Kaiowá, incluindo a minha trajetória e a formação acadêmica levadas a efeito nos últimos dez anos" (:13). O autor nasceu e cresceu no Posto indígena de Sassoró, município de Tacuru (MS); frequentou a escola na sede daMissãoEvangélica Caiuáno começo dos anos 1980. Sua família extensa é originária de Jaguapiré (Tacuru-MS), de onde foi expulsa na década de 1970, tendo que se assentar na aldeia ou reserva de Sassoró. Seus familiares lutaram intensamente para voltar a Jaguapiré, porém conseguiram retomar apenas parcialmente a área nos anos 1980. Nessa época, de fortes conflitos comfazendeiros locais, "teve início a minha históriacomoestudante,para ser maistarde professor, depois auxiliar de pesquisa e, finalmente, pesquisador do povo Guarani Kaiowá" (:13), conta-nos o autor.

A pesquisa de campo de Benites foi realizada nas aldeias de Sassoró e também em Jaguapiré, sendo que nesta foi "professor-indígena" por mais de dez anos (de 1994 a 2005). O autor destaca que seus estudos são de grande importância para os povos indígenas "por fortalecerem a luta pela demarcação de terras e a efetivação dos direitos indígenas, [...] por ampliar o reconhecimento do direito dos indígenas à diferença, sobretudo de ser o próprio indígena capaz de narrar a sua história e compreender a sua cultura" (:15). A importância de um indígena ava kaiowá ser pesquisador está na possibilidade de ele próprio ser "um indicador de soluções possíveis para problemas atuais, colocado assim em uma posição de muita responsabilidade" (:15).

O livro é composto por três capítulos. No primeiro, "Tradições de conhecimento e história das formas de dominação", o autor apresenta inicialmente seu instrumental teórico. Partindo dos pressupostos teóricos de Fredrik Barth, a análise de Benites considera a vida contemporânea dos indígenas em processo inacabado de construção, sendo fruto de experiências distintas e de contextos históricos determinados, o que propicia a emergência de diferentes modos de ser e estilos comportamentais de cada família kaiowá. Estas podem privilegiar valores distintos e ter um modo de vida diferenciado de outros grupos (indígenas e não indígenas), mas ainda possuem uma tradição de conhecimento específica.

Benites remete à história para, em seguida, abordar o processo de aldeamento e a ação missionária, bem como os regulamentos coercitivos que foram sendo introduzidos com eles. Agentes e missionários interferiam diretamente na organização social, política e educativa dos Kaiowá por considerarem as famílias desorganizadas, sua educação atrasada e sua religião inadequada.

Na sequência, é apresentada a reserva de Sassoró, delimitada em 1928; e também é descrito o processo de recuperação da Terra Indígena Jaguapiré na década de 1990. Nesta parte o leitor obtém informações diversas sobre o contexto da criação das escolas nessas aldeias. Com base em sua experiência, Tonico Benites nos conta como chegou a ser professor por mais de dez anos em Jaguapiré, revelando pressões, etiquetas e negociações necessárias para permanecer no cargo. As famílias rivais passam a disputar cargos escolares (diretor, coordenador e professor), pois dessa forma têm acesso a várias vantagens.

No segundo capítulo, "Organização social e transmissão de conhecimentos entre os Ava Kaiowá", o foco incide sobre a família extensa (formada ao menos por três gerações), a base da organização social dos Kaiowá do MS. Benites descreve detalhadamente o processo de educação tradicional indígena, ressaltando a função pedagógica das atividades cotidianas para as crianças; a importância do território, já que os membros de cada família extensa identificam-se e caracterizam-se a partir de seu lugar de origem; e o valor do espaço doméstico, como a casa da avó, centro de encontro diário entre os familiares.

Pais e mães, responsáveis diretos pela educação das crianças, são orientados pelos líderes (avó e avô) da família no sentido de vigiar, avaliar e repreender atitudes que estejam em desacordo com as regras da família extensa. Os "líderes-orientadores" – pai e mãe, avô e avó (:62) – são administradores genuínos da família, figuras cruciais no processo de transmissão de conhecimento. O tempo passou, mas Benites enfatiza que "o modo de ensinar permanece como era no passado, [...] realizado através do método oral, repetitivo e contextualizado, baseado nos interesses de cada família extensa" (:69).

Com o intuito de ensinar corretamente as crianças e os jovens, é feita uma classificação das crianças por ciclo de crescimento (primeiro ano de vida; após o primeiro ano de vida; de 5 a 10 anos), levando-se em conta o "estado e a característica de cada alma gradativamente assentada no corpo da criança" (:63). A condição da alma é "vital para o bom desenvolvimento da aprendizagem e do crescimento saudável do corpo" (:63). O processo de ensino é desenvolvido através de exemplos práticos cotidianos, diálogo e aconselhamento em casa (à beira do fogo) e no pátio, e também em eventos cerimoniais sagrados. As atividades educativas são realizadas oralmente, de modo contínuo e repetitivo, com paciência e carinho, já que o objetivo dos parentes é alegrar a alma da criança, buscando acolhê-la bem no seio da família na Terra, cuidando constantemente para não aborrecê-la.

Demonstrar na prática às novas gerações o modo de ser, de viver e de pensar próprios da família kaiowá é a principal preocupação dos líderes religiosos (xamãs ou ñanderu) e dos pais – que agem de forma semelhante aos anteriores, sendo pacientes e acolhedores, escutando, educando e aconselhando os mais jovens – pois assim eles aprendem como devem viver e se comportar de acordo com os princípios de cada família extensa.

No terceiro capítulo, "Os Ava em face da educação escolar", vemos como a educação ocidental, com métodos e práticas contrastantes com a lógica educacional kaiowá, permeou esse universo e quais foram seus impactos. Dessa forma, as incongruências entre as duas formas de educar tornam-se acentuadamente explícitas.

Depois da delimitação das aldeias guarani pelo Estado, entre 1915 e 1928, foi introduzida a educação escolar oficial. A delimitação do espaço era também uma forma de homogeneizar a variedade de ser e de viver de cada família extensa autônoma, que até então estava dispersa em seu território, da mesma forma que a metodologia escolar implicava a homogeneização das crianças, cada qual com seu modo de ser e de viver enquanto membros de famílias distintas. A sala de aula propiciou, ainda, "um contato direto e mais frequente entre crianças e jovens de famílias distintas, o que antes ocorria esporadicamente" (:82). Considerando que, inicialmente, a maioria dos professores era composta por não índios e missionários, outro aspecto negativo é o fato de que os professores não falavam a língua indígena, e os materiais didáticos eram formulados para alunos não índios (karai), apresentando conteúdos abstratos e descontextualizados da realidade empírica.

Assim, a lógica educacional e as regras morais dos Ava Kaiowá eram afetadas pelo modelo escolar dos não índios, resultando na evasão de grande parte das crianças por não se adaptarem às regras dos missionários e da própria escola. Se para estes a "escolarização e a evangelização seriam os únicos meios para se chegar a uma vida ideal" (:95), ou para "ser alguém na vida" (:96), para a maioria das famílias kaiowá, os conhecimentos necessários para a vida não podem ser transmitidos pelos brancos. As famílias extensas ensinam as crianças a serem ava kaiowá, o que elas aprendem vivendo com os parentes, "os educadores exclusivos da família" (:96). A educação escolar transmite saberes escritos, sendo vista por algumas famílias como fonte de prestígio e poder político entre os não indígenas, podendo ser fonte de soluções para seus interesses, mas também origem de novos problemas, como a ocupação de cargos que exigem escolarização.

Segundo Benites, mudanças significativas ocorreram nos últimos anos, sobretudo com a Constituição Federal de 1988, surgindo leis e portarias referentes à educação escolar indígena, bem como propostas que buscavam compreender diferenças entre o modo de ser e de viver dos Kaiowá e dos não índios. Nesse contexto, surge a proposta de que somente indígenas deveriam ser professores, uma reivindicação dos próprios Kaiowá.

Na conclusão, entretanto, Benites enfatiza a necessidade de se repensar o Projeto Político Pedagógico das escolas indígenas para que, finalmente, as demandas reais das famílias kaiowá sejam atendidas, e que os saberes fornecidos pela escola sejam eficazes e sirvam como "instrumentos de luta" (:103). É bom lembrar, mais uma vez, que Tonico Benites, indígena ava kaiowá, em sua análise se debruça sobre a sua história e a de seu povo. Este é mais um motivo para recomendar a leitura deste livro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 2013
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