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ROSE, Nikolas & ABI-RACHED, Joelle. 2013. Neuro: the new brain sciences and the management of the mind

RESENHAS

ROSE, Nikolas & ABI-RACHED, Joelle. 2013. Neuro: the new brain sciences and the management of the mind. Princeton: Princeton University Press. 344 pp.

Guilherme Giufrida

Mestrando em Antropologia Social no Museu Nacional (UFRJ)

Há certa premissa entre os modernos de que o cérebro define os humanos. A tese da dominância cerebral sobre outras funções do corpo ajuda a fundar a medicina ocidental e, através dela, se desenvolveu uma particular filosofia materialista em que as capacidades mentais podem ser compreendidas sem referência à metafísica. O livro Neuro: the new brain sciences and the management of the mind, de Nikolas Rose e Joelle M. Abi-Rached, explora as diversas esferas de sociabilidade que envolvem a grande repercussão recente deste assunto, reveladas na difusão do prefixo neuro nas diversas áreas do conhecimento e que contribui para a constituição de uma nova e sofisticada cosmologia também ligada ao acúmulo de artigos sobre neurociência.

Os autores buscam desenvolver o argumento de que essa ciência supostamente fechada entre métodos laboratoriais se mostra aberta ao diálogo com outras ciências, inclusive as sociais. É nesse espírito de amizade das Geisteswissenschaften e das Naturwissenschaften que Rose e Abi-Rached profetam sua análise. Para tanto, constroem o conceito de "neuro-ontologia", ligado às novidades dos laboratórios de neurociências, os quais vêm crescentemente enfatizando o papel do ambiente, do corpo, da experiência e do comportamento em moldar o cérebro em sua organicidade, reduzindo a importância da natureza vinculada à genética ("nature") e ressaltando as aquisições relacionadas à experiência ("nurture"). Destacam, no entanto, que essas imagens escapam das diversas produções e dos manejos do laboratório e servem de balizador para a vida cotidiana, daí a preocupação dos autores em estudar outros campos criados na interdisciplinaridade com as questões neuronais.

As recentes pesquisas neuro são, para os autores, um evento descontínuo, uma série de sucessivas diferenciações que produzem uma novidade científica. Assim, constroem uma história intelectual desde os anos 1950 de disputas entre aqueles que acreditavam na supremacia do elétrico e a vitória da visão química dos neurotransmissores; a oposição entre tratamentos físicos e psicológicos; a invenção dos hormônios e a sua responsabilização por diferentes respostas humanas. Os autores ressaltam a importância da interdisciplinaridade, ou seja, a interação destas explicações com o seu exterior e suas influências recíprocas; e a consequente possibilidade de intervir no cérebro através dos fármacos. Não condenam, porém, as possibilidades de fazer ciência a partir de relações ditas perversas entre as expectativas de sucesso dos cientistas e a necessidade de suporte financeiro por empresas (como a indústria farmacêutica, por exemplo), mas traçam uma história dos encontros e das dificuldades entre cientistas e aqueles beneficiados por suas conclusões. Seguindo esta análise, "o pesquisador quer fazer algo pela ciência, não está focado no que a ciência pode fazer por ele", isto é, o cientista cria verdades através de um trabalho intenso que envolve formação, criatividade, financiamento e efetividade.

A descoberta (ou invenção) da neuroplasticidade remonta aos anos 1970, o cérebro aparecendo então como aberto ao ambiente, não apenas no nível da sinapse, mas do próprio processamento genético, com consequências que passariam para os filhos, ou seja, da experiência vivida na trajetória cria-se matéria orgânica impregnada de experiências que se propagam na reprodução humana. Não se trata de uma metáfora, mas da própria literalidade da construção da arquitetura e da topografia cerebrais como moldadas no ambiente, isto é, a experiência entendida como processo material, não metafórico e que produz efeitos físicos ("o meio entra na pele"). O cérebro plástico se torna, pois, local de escolha, prudência e responsabilidade dos humanos.

Os autores analisam isso como um "novo espírito" das neurociências, que entende as trocas entre o exterior e o interior dos humanos produzidas durante as trajetórias: cérebros (orgânica, natureza) constituídos por partículas das experiências vividas (história, cultura). Não aparece aqui o reducionismo de que as neurociências normalmente são acusadas, pois nem estrutura e tampouco função do cérebro estão inscritas ou fixas desde o nascimento. Isto está intimamente relacionado, segundo Rose e Abi-Rached, aos recentes avanços da tomografia (PET) e da ressonância magnética (fMRI), que podem mostrar o funcionamento dinâmico do cérebro e não apenas sua estrutura (como nos métodos passados).

Nessas recentes transformações, as tecnologias de visualização ganham importância e criam uma estética do cérebro através de novos imaginários visuais. Assim, tornou-se possível corroborar teorias e práticas ("knowing becomes seeing") produzindo imagens que, segundo os autores, não ilustram, mas criam um humano ao seu modo em formas, cores, velocidades e impulsos. A ilusão de transparência é crucial para os efeitos de verdade produzidos nesses experimentos que simulam realidades, já que há uma série de procedimentos "técnicos" para tornar a informação comparável eapresentável. Dessa forma, os experimentos não demonstram nada, mas suas conclusões são objeto de constante disputa e, por isso, devem ser persuasivos. Todavia,nãosãoirreais, masumaatribuição falsa de concretude absoluta às imagens produzidas pelas tecnologias.

Rose e Abi-Rached não sugerem uma rejeição fundamental aos efeitos verdadeiros das neurociências, mas buscam problematizar a natureza de tal objetividade e facticidade que ela produz. A imagem deveria ser compreendida não como figura a ser julgada via critério de realismo, mas como uma ferramenta, um elemento do argumento e um instrumento retórico a ser julgado por critério de validade e eficácia. As imagens dos laboratórios de neurociência não produzem uma solução fatalista para as questões envolvendo mente e cérebro, mas constituem verdades constantemente testadas e renegociadas em outras esferas da vida coletiva.

A atividade de modelar deve ser compreendida, assim, como uma prática, um trabalho artesanal que envolve rotinas e hábitos de estabilização. Não se trata de analisar este trabalho em termos de naturalidade versus artificialidade, pois seu objetivo é tornar visível e sublinhar as potencialidades animais antes invisíveis ou difíceis de discernir para que nos mostrem algo. Entretanto, podem ter um comportamento que em outro contexto não teriam, ou seja, o que é percebido no laboratório é uma dentre outras possibilidades de expressão, um contexto que produz uma verdade. Isto não implica artificialidade, pelo contrário, trata-se de uma realidade com testemunhas e efeitos que, de certa forma, fornece a cola que mantém o mundo ocidental moderno agregado e estabiliza-o contra o caos.

No capítulo "The social brain", os autores estabelecem relações entre as neurociências e as ciências humanas ao analisarem pesquisas sobre as bases neurais da sociabilidade. Os seres humanos seriam, segundo essas teorias, criaturas sociais e isto estaria na nossa natureza, já que estaria predeterminado que nascemos incompletos e seria necessária a interação com outros, permeada pela linguagem, pelo significado e pela cultura (na perspectiva das neurociências, a cultura seria, então, natural). A nossa estrutura cerebral daria as condições para uma vida social, mas a forma adotada dependeria das experiências dos sujeitos. Assim, a natureza plástica do cérebro torna material o processo de construção da "cultura" pelo agente, imerso em relações sociais que, na relação dialética entre imitação e personalidade, propaga e altera essa "cultura". O cérebro social é, então, definido pelas redes complexas que o fazem reconhecer e sentir como o outro, identificar suas intenções, desejos e crenças.

A antropologia dialogou de diversas formas com a biologia em sua história, por isso, para os autores, talvez esteja aberta a esta nova possibilidade de encontro das ciências, pois, pensando o social como interação, e o cérebro como composto do material que nasce da relação do ser com os outros, as interações sociais podem ser compreendidas através do corpo. Assim, estas pesquisas não parecem essencializar

o cérebro, mas sim ajudam a criar uma ontologia capaz de fazer interagir natureza e cultura através da genômica e da química cerebrais. Ainda, reinventam certa biologia evolucionária, já que, se houve seleção de atributos do comportamento, as capacidades neurais privilegiadas não foram aquelas do autointeresse, mas sim da empatia, da sociabilidade e da reciprocidade, impulsionadas por aprendizado e imitação. Ou seja, eventos neuroquímicos influenciam processos sociais, e vice-versa, suportando uma visão não dualista dos humanos, reconhecendo a importância e a influência do conhecimento neuro, hormonal e imunológico como resultado dos processos e dos comportamentos sociopsicológicos, e do cérebro como mediador da cognição social, das trocas interpessoais, da afetividade e das interações afetivas.

No entanto, a crença de que podemos ver como funciona a mente humana, seus desenhos e comportamentos cria mecanismos e expectativas de que as neurociências possam oferecer informações úteis sobre o governo dos seres, em especial da sua conduta no dia a dia, não apenas o futuro (prevenção), mas também como viver o presente com responsabilidade. Há, assim, o surgimento de uma moralidade associada às produções científicas neuro, ligada à oportunidade de conhecer o comportamento de consumidores, investidores, eleitores. Todavia, parecem mostrar os autores, há uma crise nesse modelo explicativo do cérebro. Hoje, o objetivo é integrar evidências sociais, biológicas e empíricas, sobretudo para desfazer as relações de causalidade obrigatórias entre o biológico, o psicológico e os fatores sociais envolvidos. Trata-se de uma rede de processos, inscritos no cérebro, que predispõe para certos comportamentos. Não há, por exemplo, genes agressivos que explicariam a violência, mas um sistema nervoso reativo a interações gene-ambiente através da biologia, que está aberta à intervenção e à melhoria, que é maleável e plástica, e que temos a responsabilidade de nutrir e otimizar.

O livro descreve, portanto, as mudanças – conceituais, tecnológicas, econômicas e biopolíticas – que permitem o protagonismo das neurociências no mundo ocidental contemporâneo. Nesse processo, o cérebro passa a ser compreendido em sua mutabilidade, adaptável a interações e a sociabilidades, e os seres sendo, mais do que nunca, governados pelos outros. Mas a distância entre as ciências persiste: críticos acusam as neurociências de reducionistas e, de fato, como concluem Rose e Abi-Rached, aquilo que se cria no laboratório não pode ser transportado para realidades não laboratoriais. No entanto, não se pode dizer que o que acontece ali não existe. Há, assim, a necessidade de reafirmar a tradução e a mediação como imperativos da ciência, analisar as novas práticas e os poderes legitimados que emergem com o prefixo neuro, e problematizar as novas obrigações éticas associadas à valorização do cérebro como recurso sociopolítico, e os novos modos de subjetivação que nascem disso.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2013
  • Data do Fascículo
    Ago 2013
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