Open-access “Levanté mis hijos, mi mamá me levanto”: o comércio de doces das palenkeras

“Levanté mis hijos, mi mamá me levanto”: The candy trade of palenqueras women

“Levanté mis hijos, mi mamá me levanto”: el comercio de dulces de las palenkeras

Resumo:

Este artigo resulta de uma pesquisa etnográfica realizada com mulheres negras comerciantes de San Basilio de Palenque, no Caribe colombiano. Descreve os deslocamentos, a circulação e os agenciamentos laborais que foram e são vitais para a existência delas, de suas famílias e de sua comunidade, formada historicamente por pessoas cimarrones. Busca analisar a especificidade do comércio de doces das palenkeras, que vendem seus produtos nas cidades colombianas e em países fronteiriços, um modo de trabalho que demanda delas, além da mobilidade, o cultivo de redes familiares ampliadas, bem como a troca de conhecimentos, solidariedade e apoio em diversas cidades. Objetiva-se realizar uma análise que leve em conta os modos e as relações de trabalho das palenkeras, destacando as estratégias e os sentidos de suas atividades laborais, tais como desbravamento, protagonismo, dignidade, autonomia, mudança social, mas também sofrimento e ambiguidades, uma vez que seus corpos e sua saúde são moldados pela interdependência dos doces.

Palavras-chaves:
San Basilio de Palenque; palenkeras; mulheres negras; comércio; autonomia

Abstract:

This article results from ethnographic research carried out with Black women traders from San Basilio de Palenque, in the Colombian Caribbean. It describes the displacements, circulation and labor arrangements that were and are vital to the existence of them, their families and their community, historically formed by Cimarrone people. It seeks to analyze the specificity of the candy trade of palenkeras, who sell their products in Colombian cities and border countries, a way of work that demands from them, in addition to mobility, the cultivation of expanded family networks, as well as the exchange of knowledge, solidarity and support in several cities. The aim is to carry out an analysis that considers the ways and relationships of work of palenkeras, highlighting the strategies and meanings of their work activities, such as exploration, protagonism, dignity, autonomy, social change, but also suffering and ambiguities, since their bodies and their health are shaped by the interdependence of sweets.

Keywords:
San Basilio de Palenque; palenkeras; black women; trader; autonomy

Resumen:

Este artículo es resultado de una investigación etnográfica realizada con mujeres comerciantes negras de San Basilio de Palenque, en el Caribe colombiano. Describe los desplazamientos, la circulación y los arreglos laborales que fueron y son vitales para su existencia, la de sus familias y de su comunidad, históricamente formada por cimarrones. Se busca analizar la especificidad del comercio de dulces de las palenqueras, quienes venden sus productos en ciudades colombianas y países fronterizos; una forma de trabajo que les exige, además de la movilidad, el cultivo de redes familiares ampliadas, así como el intercambio de conocimiento, solidaridad y apoyo en varias ciudades. El objetivo es realizar un análisis que tenga en cuenta los modos y relaciones de trabajo de las palenqueras, resaltando las estrategias y significados de sus actividades laborales como la exploración, el protagonismo, la dignidad, la autonomía, el cambio social, pero también el sufrimiento y las ambigüedades, ya que su cuerpo y su salud están moldeados por la interdependencia con los dulces.

Palabras clave:
San Basilio de Palenque; palenkeras; mujeres negras; comercio; autonomía

Este artigo decorre de algumas questões fundamentais que passei a elaborar durante a pesquisa etnográfica, na qual discorri sobre os trânsitos, trajetórias e agenciamentos laborais vitais para a permanência e (re)existência social das mulheres negras de San Basilio de Palenque, na Colômbia.1 O objetivo, aqui, é descrever a vivência do comércio de doces realizado pelas mulheres palenkeras, sua agência e alguns desdobramentos e implicações desse trabalho para elas, suas famílias e a comunidade de San Basilio de Palenque. Pude acompanhar as palenkeras2 em deslocamento e trabalhando em circulação com os doces e, assim, mapear os trânsitos, as interações nas cidades e alguns dos sentidos deste comércio. Minhas interlocutoras são mulheres que trabalham vendendo diversos tipos de doce na Colômbia e em países fronteiriços.

A comercialização é, na maioria das vezes, a principal fonte de renda familiar, e seus corpos são também utilizados como veículo e propaganda dos doces. Apresento, neste artigo, uma reflexão a respeito do trabalho e de suas implicações para as mães comerciantes palenkeras, e suas famílias. Indico que, ao se construírem pessoal e coletivamente em deslocamento e circulação, estas mulheres se constituem, historicamente e hoje, como propulsoras e geradoras da vida social em sua comunidade. A intenção é analisar o comércio enquanto lugar da experiência de luta, de trabalho e de sobrevivência das mulheres negras na diáspora africana.

San Basílio de Palenque

Os países da América Latina e do Caribe foram marcados por sociedades escravistas no período colonial; nelas, violência, segregação e desumanização constituem intrinsecamente tal sistema social e econômico. Ao mesmo tempo, porém, notáveis processos de resistência também se inscreveram nesses territórios, à medida que os africanos e seus descendentes encenavam diversas formas de luta pela liberdade. Buscar, portanto, a liberdade e criar lugares para sobreviver foram elementos definidores da resistência negra/africana nos séculos de colonização. Por toda a América e Caribe, surgiram comunidades negras insurgentes. Conhecidos também como Quilombos (Brasil), Palenques (Colômbia), Cumbes (Venezuela) e Bush Negroes (Guiana), esses agrupamentos negros buscavam autonomia e liberdade frente ao processo escravista.

San Basilio de Palenque é uma comunidade formada por cimarrones, pessoas negras que foram escravizadas e se refugiaram nos territórios da costa norte da Colômbia desde o século XVII. Compreende-se por cimarrón o sujeito que fugia do sistema escravista, sendo ele um participante da formação dos palenques. O surgimento de San Basilio foi um produto da luta de outros palenques localizados no Monte de Maria, no final do século XVII, região próxima ao atual território de San Basilio de Palenque (Navarrete 2008; Cassiani 2014). Tem no casal Benkos Biohó e Wiwa e em seus filhos Orika e Sando, os descentes de sua trajetória de luta por liberdade e ancestralidade africana. Benkos Biohó liderou, inicialmente, o Palenque de Matuna, que resistiu às investidas da coroa espanhola no início do século XVII. Assim se criaram as bases para que a população negra interiorizasse as formas de resistência, desde as construções das casas até a organização interna, e, após a morte do Biohó, construíssem San Basilio de Palenque (Escalante 1979; Friedman 1998). Na tradição oral da comunidade, Benkos Biohó é o fundador do território, e, na praça central, há uma estátua em sua homenagem.

San Basílio localiza-se no município de Mahates, no estado de Bolívar, na Colômbia, distante 50 km da cidade de Cartagena de Índias, capital do departamento de Bolívar, situado na região do Caribe colombiano. É considerado o primeiro território negro livre das Américas.3 Em 2005, foi reconhecido como Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela Unesco. Em 2024, San Basílio é elevado à categoria de município especial, por meio do projeto de Lei 362 de 2023, que permitirá à comunidade palenquera uma autonomia sobre decisões políticas e administrativas.

Em Palenque, fala-se uma língua palenquera, o criollo palenquero (Rosselli 2010); há um completo ritual fúnebre de nome lúmbalu, no qual as mulheres palenkeras desempenham papéis crucias na sua organização, durante os 9 dias e as 9 noites da ritualística, nas cerimônias que incluem a realização de rezas, dança para o morto, ladainhas, lamentos, choros, na feitura da alimentação, e no resguardo do luto durante um ano. Sobre a organização social destacam-se os Kuagros, grupos de amizades estabelecidos em Palenque e que terão papel proeminente nas configurações da atividade comerciária, assunto discutido ao longo do artigo.

Nesse fazer-se enquanto território negro, as pessoas de San Basilio de Palenque verbalizam categorias como engajamento e autonomia, uma autonomia voltada para o autogerir. Busco aqui apreender quais são os sentidos e os modos de trabalho operacionalizados pelas minhas interlocutoras palenkeras que exercem o comércio de doces, e indicar a complexidade das relações que elas têm de gerir para realizar seu trabalho, bem como as múltiplas estratégias que mobilizam para a manutenção de si e de suas famílias.

É importante salientar que há uma gama de trabalhos acadêmicos realizados sobre e com mulheres negras na Colômbia, mais proeminentes a partir da década de 1960 e ligados, entre outros aspectos, à consolidação dos estudos sobre a população negra no campo da Antropologia, da Sociologia e da História.4 Ao longo dos anos, Palenque recebeu diversos pesquisadores que se debruçaram sobre sua cultura, e há uma vasta publicação de trabalhos a respeito de sua memória e oralidade (Escalante 1954; Arrazola 1970; Friedemann e Cross 1979; Navarrete 2008); entretanto, estudos sobre o comércio das mulheres palenkeras não tiveram uma dedicação extensa, e o assunto foi mencionado, inicialmente, em pesquisas de diferentes áreas do conhecimento (Marquéz Miranda 2014; Salgado 2015). Destaco, assim, a necessidade de ampliarem-se as discussões acerca das trajetórias de vida e relações de trabalho das mulheres palenkeras, sobretudo, por uma escassez quando nos voltamos ao entendimento das dinâmicas das práticas comerciais das mulheres negras de Palenque e seus desdobramentos nas relações familiares, de gênero, raça e trabalho. Trago como referência essa bibliografia, e, ao longo do artigo, outros trabalhos, para pensar as configurações pessoais, familiares e sociais a partir das vivências e do engajamento das palenkeras comerciantes no contexto do Caribe colombiano. Procuro discorrer sobre o trabalho das mulheres negras de San Basilio de Palenque que é agenciado, coletivamente, com base em suas iniciativas, movimentos espaciais e experiências individuais, o que as torna protagonistas quando se observam as suas atividades laborais. Além de consolidar um movimento de mulheres negras que vem, historicamente, criando e gerindo diversas estratégias para a existência social de si e de sua comunidade. Hoje, estas são reconhecidas enquanto as primeiras mulheres empreendedoras da Colômbia.

Doces caminhos: “Nos quedamos nómadas, hoy estamos acá, mañana estamos en Palenque”

Nesta seção, gostaria de refletir sobre o trabalho tomando o deslocamento e a circulação como modos de gerar renda econômica e autonomia para as palenkeras. O comércio feito por mulheres negras é uma temática historicamente relevante nos estudos antropológicos sobre o Caribe. Um dos pioneiros se destaca a produção do antropólogo Sidney Mintz (1967;1971) que analisou o trabalho das comerciantes haitianas nos mercados desse país, enfatizando a independência financeira e a própria circulação das vendedoras e os arranjos diversos que possibilitavam as viagens e deslocamentos pela ilha. Os trabalhos contemporâneos de Claudia Bongianino (2015), Felipe Evangelista (2019; 2024, neste dossiê) e Joseph Handerson (2015) nos fornecem referenciais etnográficos para pensar, de modos distintos, a imigração e a mobilidade como movimentos constituintes das relações sociais nos contextos afro-caribenhos (Figura 1).

Figura 1:
Andrea Simarra - San Basilio de Palenque, 2024.

Ao lado dessas discussões, podemos refletir a respeito das mulheres negras de San Basilio de Palenque que, a partir do comércio, se lançam a outras localidades a fim de garantir sua existência e a de seus familiares, valendo-se do deslocamento e circulação temporários, por diversas cidades, para obter sua renda econômica e, então, retornar às suas casas em Palenque. Ao considerar tais trânsitos, isto é, os deslocamentos e a circulação pelas cidades, como meu próprio percurso etnográfico, quero pensar como essas experiências de mobilidade se tornaram constituintes do trabalho com a venda dos doces produzidos pelas palenkeras.

As mulheres com as quais dialoguei lembram-se de que os doces faziam parte da culinária familiar desde que elas eram crianças, embora a comercialização venha ocorrendo apenas nas últimas seis décadas, pois, anteriormente, as mulheres trabalhavam com a venda de frutas, peixe, arroz ou tubérculos. Alguns desses produtos derivavam das plantações em Palenque, cultivadas pelos homens e comercializados por elas. Esta é uma consideração que se direciona ao que Antonia Marquéz, 91 anos, afirmou, quando me disse: “Meu marido tinha seu roçado e eu vendia o que ele me trazia”.5 Naquela época, a senhora Antonia comercializava milho, arroz, inhame, macaxeira, banana, goiaba, sapoti e gergelim. Em meados da década de 1930, o comércio de alimentos realizado pelas palenkeras passa a ser uma atividade presente nos diversos mercados das cidades de Cartagena, El Carmem, El San Juan, Mahates, Arjona, Turbaco.

Já a prática das palenkeras de comercializar doces, em princípio, cocadas (doce à base de leite, coco e açúcar) e as alegrías (doce à base de milho, coco e rapadura) tem início por volta dos anos 1950, sendo uma atividade realizada no próprio povoado. No início da década de 1980 até os anos 1990 há um incremento na variedade de doces comercializados, entre eles: as cocadas bolas de tamarindo, bolo de macaxeira, caballito (doce de mamão). Alegrías eram feitas principalmente na época do verão, de janeiro até abril, quando o milho, seu ingrediente principal, estava propício à colheita. As mulheres aproveitavam a safra da matéria-prima do mês para iniciar as atividades e quando o milho acabava, faziam as cocadas, enyucados e doces de mamão. Na década de 1980, por exemplo, as palenkeras também comercializavam circulando nas praias de Cartagena de Índias, especialmente nas mais turísticas: Playa Blanca, La Bonquilla e Bocagrande, que eram e continuam sendo para elas, cenários de comércio de frutas e doces, e de outros empreendimentos laborais, como o serviço de massagem corporal aos turistas ou a feitura de tranças nos cabelos.

Vale salientar que a circulação das mulheres palenkeras no espaço público de Cartagena foi motivo de perseguição por parte do Estado colombiano, sobretudo por meio do controle policial. Surge assim, uma “questão social” sob o ponto de vista dos jornais impressos locais, que discriminam as comerciantes por ocuparem as ruas para trabalhar - como demostrou o historiador Ronal Miranda (2014), ao discutir o encalço ao trabalho dessas mulheres na cidade, nos anos 1970, até a sua transformação em símbolo étnico e cultural da capital de Cartagena, no início da década de 1990, fato que ocorre vinculado à promoção turística daquele território. Em Cartagena, se encontram bares, restaurantes e hotéis cujos nomes fazem referência tanto à mulher palenkera quanto à sua terra natal, sendo constante a observação de sua imagem com uma cesta de frutas ou doces sob a cabeça, ornamentada com seus vestidos multicoloridos, representados pelas cores da bandeira nacional colombiana: azul, amarelo e vermelho. Vemos, em tudo isso, uma disputa entre o reconhecimento étnico e o racismo antinegro. É o que destaca o antropólogo João Vargas (2020), ao enfatizar em tal relação, o ódio e a aversão permanente e estrutural às pessoas negras. Desta forma, a possível exaltação dos símbolos étnico-raciais não implica, aqui, em um reconhecimento formal, tampouco na criação de políticas públicas, menos ainda em atitudes pessoais e coletivas que visem à diminuição do racismo, ou à inclusão de uma coletividade negra que vive na pobreza e precariedade social. No caso das palenkeras comerciantes em Cartagena, tendo como pano de fundo a luta pela ocupação do espaço público, nota-se como o racismo antinegro pode operar.6

Vale considerar que os deslocamentos empreendidos pelas mulheres palenkeras para cidades distantes da sua comunidade se deu a partir de um vislumbre no mapa colombiano: mirar en el mapa funcionou como um dispositivo para iniciar o movimento de desbravar e percorrer o país. Como apontou uma das interlocutoras da pesquisa, Josefa Hernadez, 32 anos, ela passou parte da adolescência comercializando doces, auxiliando a sua mãe: “Então lá elas começaram a sair, alguns até saíram sem saber para onde iam porque não conheciam o interior do país. Então, começaram a olhar o mapa! A primeira cidade que começaram a frequentar foi Bucaramanga”7.

Quando chegavam à capital de uma cidade, por exemplo, em Bucaramanga (Departamento de Santander), que se localiza na região andina da Colômbia, elas passavam também a explorar os municípios vizinhos, buscando conhecê-los. Assim, os deslocamentos começam a permitir uma capilaridade na circulação entre cidades centrais e interioranas. Como refletiu a palenkera Bernada Hernadez, 43 anos, sobre a tessitura desse trânsito (ela comercializava na cidade de Bucaramanga nos anos iniciais da pesquisa): “Nos quedamos nômades, hoje estamos aqui, amanhã em Palenque”8. Quando reencontrei Bernada, em 2023, já fazia cerca de dois anos que não comercializava doces, havia se tornado devota da religiosidade evangélica, e suas atividades agora se voltavam mais para as ações em sua Igreja aliadas à rotina de cuidados familiares. Contudo, Bernada argumentou que tinha interesse em voltar a comercializar os doces no ano seguinte. Ela queria reunir algum dinheiro para montar um pequeno estabelecimento de produtos de limpeza em sua casa.

Para compreender essa capilaridade das palenkeras, que ao chegarem a uma determinada cidade imaginam (e efetivam) a possibilidade de circularem por tantas outras (às vezes por países vizinhos, como a Venezuela, Equador e Panamá), devemos, neste momento, considerar uma estratégia comercial: quando as vendas dos seus produtos se tornam fracas, isso exige delas o movimento de explorar cidades que não conheciam, com clima, pessoas, recursos e lógicas distintas de Palenque, as quais, em sua maioria, são urbanizadas, contrastando fortemente com a realidade em que essas mulheres vivem. Aos poucos, elas foram adentrando cidades grandes, mas também pequenas, bairros, povoados e espraiando-se:

Bom, eu trabalhei na primeira vez que fui, estava em Caucasia. A primeira vez que saí, saí com uma cunhada e uma amiga, ela me levou para Caucásia [Antioquia], bom, fiquei um mês lá. Quando começamos a sair para outras partes não demorou um mês, fomos 15 dias, 20 dias, e como as pessoas não conheciam o produto se vendia. Bom, recorremos o dinheiro e pronto. Em seguida a gente voltava, porque tínhamos dinheiro para isto, para os filhos, eu comprava roupa para eles, comprávamos sapatos, comprávamos comida e íamos, mas depois isso também foi prejudicado lá. Bom eu fui para o Caucasia, de Caucasia vim para Sincelejo, de Sincelejo fui para Montería, de Montería fui para Tierra Alta que fica no departamento de Córdoba, também estive em Ibagué. Tive que ir para a Venezuela, na Venezuela aguentei uns quatro anos, mas não estabilizei assim como aquí [Bucaramanga], eu ia e vinha9. (Bernada Hernández, Bucaramanga, 2016).

Cabe destacar que o deslocamento e a circulação por outras regiões do país não se dão de forma solitária. As viagens são realizadas com outras companheiras, que podem ser parentes (mãe, tia, avó, prima), amigas ou vizinhas, como disse a comerciante Yosaín, 36 anos: “siempre salimos en grupo, en grupo de mujeres, nunca, nunca, nunca lo hacemos solas”. Sair juntas e nunca sozinhas, nos informam sobre as práticas de cuidado e proteção agenciadas pelas mulheres palenkeras em função do seu trabalho, estas fortalecidas pelos vínculos de amizade e confiança. Quando chegam a uma nova cidade, umas das primeiras ações é buscar uma casa para alugar que possa comportar diversas mulheres e que tenha uma infraestrutura mínima. Depois, as mulheres palenkeras procuram saber onde se localiza o centro comercial, e, desta forma, passam a explorar os possíveis locais para a venda de seus produtos, além de mapear os futuros fornecedores de matérias-primas.

Elas realizam o conhecimento do território perguntando aos moradores locais onde poderiam alugar uma casa, onde seria possível comprar seus ingredientes e insumos em grande quantidade, e por um melhor preço. Lembram-se umas às outras que a procura por moradia é uma tarefa difícil que nem sempre traz resultados imediatos. Procurando imóveis a pé, elas contam, muitas vezes davam um susto nos moradores dos bairros, pessoas desconhecidas e majoritariamente brancas, que não compreendiam o que fazia um grupo de mulheres negras batendo de porta em porta: “Saímos muitas vezes batendo na casa das pessoas para que nos alugassem uma casa. Alguns ficaram assustados porque éramos sete mulheres chegando juntas. Muita gente zombava de nós, nos discriminavam fazendo piadas”10, apontou Flor María, 65 anos, que trabalhou na cidade de Bucaramanga e na Venezuela, mas hoje não é mais comerciante. Sustos, piadas, brincadeiras, apelidos, insinuações e expressões desqualificantes, aliados aos assédios e práticas racistas, tornaram-se gramáticas recorrentes na experiência das comerciantes que tentam viabilizar sua permanência nas cidades e seu trabalho nas ruas e bairros colombianos assim como na fronteira venezuelana.

Nesse ínterim, enquanto não encontram moradia, passam a dormir no terminal rodoviário da cidade para a qual se deslocam. Quando conseguem alugar as casas, as moradias abrigam de quatro a oito mulheres, número que pode oscilar para mais ou menos. Geralmente, as casas estão localizadas nos bairros periféricos de uma cidade. Por exemplo, quando acompanhei um destes grupos em circulação pela Colômbia, o lugar onde residíamos se situava em uma zona periférica de Bucaramanga, mas, apesar de periférica, era estratégica e central para os deslocamentos diários. Era uma casa composta por sete mulheres, com as quais passei a conviver entre fevereiro e março de 2016 (Figura 2).

Figura 2:
Comerciante palenkeras: Jobita e Bernada saindo para o dia de trabalho nas ruas de Bucaramanga - Bucaramanga, 2016.

Ao sair de San Basilio de Palenque, aquelas que possuem, inicialmente, um capital financeiro e matérias-primas, como a macaxeira, o milho e o coco, essenciais para se iniciar a produção, levam consigo o que lhes é possível reunir. Também transportam os utensílios necessários para a elaboração dos doces, como panelas, facas, colheres, bacias e tábuas de madeira. As primeiras viagens são permeadas por incertezas, renúncia e coragem, e no horizonte delas está presente o desejo permanente de retornar à casa. Josefa relembra que em sua primeira ida à cidade de Barrancabermeja (departamento de Santander), marcava com riscos na parede os dias que ainda faltavam para retornar ao povoado: “mas sempre desde o primeiro momento que você chega você fica pensando no dia que vai voltar. Lembro que na primeira vez que fui fiz riscos na parede, contava os dias para voltar”.11 Sua rotina de estudante, naquela época, contrastou fortemente com a rotina de um trabalho, nas palavras de Josefa, “super duro, assim que obviamente senti falta da tranquilidade de Palenque”12.

A necessidade de sair de Palenque é, primeiramente, uma questão de sobrevivência social e material, pois essas mulheres visualizaram a comercialização dos doces para além de sua região como uma possibilidade de trabalho e renda, uma vez que há palenkeras que vendem apenas em sua própria cidade. Assim, as vendedoras em circulação buscam ampliar o acesso aos recursos econômicos. Mas sair de Palenque para trabalhar é também uma questão de mudança social, e será através dos filhos que ela será sentida, já que a circulação dessas mulheres para outras regiões tem relação com a entrada deles na universidade.

Há cerca de 20 anos também se pode dizer que começou esse boom para que os palenqueros e palenqueras começassem a frequentar a universidade de forma muito massiva, então obviamente os doces que se vendiam aqui davam simplesmente para a comida, mas não davam para pagar para os estudos dos filhos. Aí eles começaram a sair. (Josefa Hernández, Palenque, 2016).

Por outro lado, a temporada em cidades diferentes é preciosa e valiosa nesse momento. Elas sabem exatamente os dias de trabalho e os esforços que serão necessários para retornar com uma situação financeira melhor do que aquela com que se saiu. A senhora Catalina Herazo, não mais comerciante, hoje com 65 anos, parou de trabalhar há cerca de três anos, e afirmou: uno nunca regresa como sale, afirmação que apresenta vários sentidos. Um primeiro teria a ver com a questão monetária e os artigos adquiridos durante a permanência longe de Palenque; o segundo, não menos óbvio, diz respeito à experiência e ao conhecimento adquiridos numa viagem que é, em vários aspectos, transformadora; e o terceiro faz referência ao processo de adaptação muito rápido em um contexto distinto. Elas já não são mais as únicas em suas residências e, apesar da irmandade, a convivência com outras mulheres, em condições materiais e espaciais precárias, também é passível de gerar conflitos e desavenças: ter de despertar às quatro ou cinco horas da manhã para dar continuidade ao trabalho realizado na noite anterior; ter de tomar banho e se alimentar, às pressas, para ter que sair e engatar as vendas.13 Junto ao trabalho extenuante do dia a dia, ainda são requeridas habilidades para lidar com os perigos das ruas (assaltos, assédios e o racismo), com a temperatura da nova cidade que pode ser quente ou fria, dependendo da altitude; enfim, tudo contrasta com a vivência em San Basilio de Palenque.

Levanté mis hijos; mi mamá me levantó

Enquanto as mulheres trabalham em cidades distantes por meses - geralmente, elas permanecem três meses ausentes de Palenque -, os cuidados com a rotina da casa na cidade natal são compartilhados entre os integrantes da família e por uma extensa rede de parentesco, sendo mais perceptível a partilha de funções entre mulheres, embora os homens possuam seu lugar nas práticas de cuidado. Como afirmou Catalina: “Se o homem vai para o roçado, se já tem uma filha crescida, ela é a dona da responsabilidade até que o pai chegue, mas se os filhos forem pequenos, são levados para a mãe da menina, a mulher da casa, para a avó das crianças”14.

Diante do trabalho feminino e da sua estratégia de deslocamento e de circulação por várias cidades, os laços parentais ganham reforço e a família desempenha um papel importante na vida diária. Para se tornarem nômades por ocasião de seus ofícios e, simultaneamente, continuarem cuidando de seu lar, especialmente das crianças e de situações pontuais de subsistência, as palenkeras recriam redes de relacionamento com outras mulheres para ajudá-las no zelo com os filhos e na sua alimentação, nas tarefas domésticas, no empréstimo de dinheiro em emergências e no apoio emocional. Mesmo com a participação dos maridos que ficam em San Basilio de Palenque, quando elas viajam, a rede de mulheres é sempre acionada para a manutenção da vida.15

Enquanto estão em Palenque e fazem o trabalho de vendas nos municípios vizinhos, como Turbaco, Arjona, Sincelín, os deslocamentos para o trabalho podem ocorrer diariamente e o retorno para Palenque é realizado ao final do dia de vendas. Já no trabalho com os doces em Palenque, as mulheres constituem verdadeiras indústrias caseiras nas quais a família inteira participa direta ou indiretamente: marido, filhos e filhas (dos maiores aos menores). No entanto, do começo ao fim, quem comanda o processo é a comerciante. Toda a família se compromete com esse empreendimento. Os homens que trabalham no roçado, por exemplo, retornam da roça com uma carga de lenha que se destinará à preparação de alimentos e doces. Os filhos têm, cada um, a sua responsabilidade no processo. Quando chegam as espigas de milho para a feitura da alegría, é necessário descascá-las e colocar os grãos para secar ao sol. As filhas costumam atiçar o fogo na lenha, tirar a pele do mamão e picá-lo, quebrar o coco, ralar a macaxeira, dependendo do tipo de doce a ser feito. É a senhora quem comanda. Fica atenta para monitorar e mexer a panela na hora da preparação dos alimentos. Em cada uma dessas atividades, a supervisão crítica e a participação direta das mulheres é fundamental, porque cada uma precisa cumprir bem e com responsabilidade a tarefa atribuída e qualquer erro na execução poderá comprometer a qualidade.

No livro Palenque: história libertária, cultura e tradicão (Hernández Cassiani et al. 2008), cuja pesquisa aglutinou um diverso grupo de pesquisadores (antropólogos, historiadores, linguistas, geógrafos), na seção “Las mujeres como columna vertebral y símbolo de la cultura”, encontramos uma breve e objetiva análise em referência à importância das palenkeras:

Em nossa cultura, a mulher palenquera preservou nossos costumes identitários (ritos fúnebres, penteados típicos etc.); contribuíram para a manutenção da língua Palenque, a prática e divulgação do nosso patrimônio identitário cultural, permitiu gerar um sentimento de pertença e de apropriação e não de negação dos nossos elementos culturais. Por outro lado, deram exemplo de contribuição para a economia das nossas casas, de força, de não depender da economia e da subsistência do homem. A mulher Palenquera constitui a espinha dorsal da sua cultura, pois desempenha um papel predominante nas suas diferentes manifestações, especialmente na esfera econômica onde, invocando a sua concepção libertária, rompe quaisquer laços que a tornem dependente dos homens, mas também no campo espiritual, as mulheres são as principais protagonistas do Lumbalú e de outras expressões da religiosidade palenquera; A riqueza musical conhecida por todos também dá conta do papel feminino predominante, assim como a organização social e os kuagros como sua expressão maior. Levando em conta estas considerações, alguns estudiosos e pesquisadores desta cultura ousam esboçar a tese de que a cultura Palenquera é feminina16. (Hernandéz Cassiani 2008:126-127).

Pensar a mulher como a coluna vertebral da cultura, na cosmopercepeção17 dos próprios palenqueros, como a citação acima indica, nos informa sobre a sua importância conceitual e relacional no contexto familiar, e na permanência e sobrevivência das pessoas e de San Basílio de Palenque. Poderíamos, assim, dialogar com o trabalho da antropóloga brasileira Paula Balduíno (2015), que tratou dos processos de formação da liderança de mulheres negras na região do Pacífico colombiano e equatoriano, utilizando a noção de “matronas”, mulheres que constroem redes de irmandade política e afetiva, e que são fundamentais na dinâmica das lutas antirracistas e no combate das violências nos territórios. No contexto do Pacífico colombiano, a matrona é aquela que se investe de um poder de cuidado e de provisão. Nesse sentido, ela se aproxima dos agenciamentos pessoais e coletivos da mulher negra palenkera, no Caribe colombiano, quando enfatizamos, por exemplo, as bases de atuação das palenkeras fundadas no seu papel de guardiã, por excelência, dos saberes, cânticos, cuidados e provimentos. Na dinâmica interna comunitária, elas assumem o agenciamento crucial de gerir, através de um poder criativo, as relações sociais, econômicas, culturais e políticas em Palenque. Se aqui não será possível descrever todas as frentes de atuação da mulher palenkera, dedico-me, por ora, neste artigo, à descrição do que venho compreendendo como gerir uma economia criativa baseada no comércio de doces, para então analisar a centralidade das minhas interlocutoras na cosmopercepção palenkera.

Na comunidade, há uma configuração familiar interna aos grupos que permite a vaporização, o respeito e o reconhecimento da mulher palenkera dada a centralidade de sua atuação. Percebi que a sua exaltação se dava na atuação familiar, na atividade laboral e nos processos de negociação política.18. Isso se evidenciou, ainda, a partir de leituras internas sobre a atuação, o protagonismo e o lugar referencial dessas mulheres no festival anual que ocorre sempre em outubro, em San Basílio de Palenque, realizado pela comunidade. Este evento reúne várias atividades culturais e formativas. No XXXIX Festival de Tambores e Expressões Culturais de Palenque, de 2024, a temática escolhida foi uma homenagem a mulher palenkera, com o tema Mujer Palenquera: Símbolo de Libertad y Resistencia.

A socióloga nigeriana Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (2021) faz uso do conceito “matripotência” para delinear o pensamento, a autonomia, o engajamento e o modo de vida das mulheres negras na cultura Yorùbá. Aproprio-me desse entendimento, tal como formulado pela autora, enquanto dispositivo analítico para dar conta da complexidade de ser uma mulher negra, palenkera, na maioria das vezes, mães-comerciantes, ou seja, como uma possibilidade para pensar o papel das mulheres palenkeras nas relações cotidianas internas e externas a San Basílio de Palenque. Oyěwùmí, em suas análises a respeito da Iyás yorùbás, abre um campo para a compreensão da pluralidade do que é ser uma mulher preta na África e na diáspora. Aciono suas considerações porque me apoio na desconstrução epistemológica oferecida pela autora, a qual coaduna com o trabalho de campo etnográfico que realizei com as mulheres comerciantes palenkeras. Compartilho a abordagem de que tanto as Iyás yorùbás quanto as palenkeras valorizam a sua autonomia e o seu empenho como protagonistas de suas histórias. Minhas interlocutoras de pesquisa se envolvem nas questões internas ao seu contexto familiar, atuando, sobretudo, como provedoras de comida, estudo, cuidado, criação e afeto, mas também nas questões que extrapolam essa esfera, como indica o protagonismo daquelas que se tornam lideranças políticas na esfera pública e na defesa do reconhecimento de Palenque enquanto um município especial; combinando todos esses engajamentos com a mediação da maternidade, tal como analisada por Oyěwùmí (2021). Argumento que a criação e a atualização contemporânea desses múltiplos legados, os quais constituíram e constituem as vidas das mulheres de Palenque, contribuíram criativamente para a reelaboração e transformação da sua organização social diante de realidades duras e discriminatórias.

Na pesquisa etnográfica com as palenkeras, como venho descrevendo, as viagens de longa distância são compatíveis com a maternidade, pois ser mãe não configura um impedimento ao trabalho de comerciante em deslocamento e circulação por diferentes cidades da Colômbia. Ao contrário, tornar-se mãe, muitas das vezes, institui uma condição decisiva para seu ingresso no universo do comércio. Articula-se a esse fator a estadia por longos períodos em outras localidades, o que se torna possível a partir da configuração familiar em Palenque, na qual ocorre o cuidado das crianças das mães-comerciantes pelos membros extensos da rede de parentes que se manteve na comunidade natal.

Podemos indicar que as mulheres palenkeras se dedicam ao ofício do comércio porque muitas das trajetórias familiares anteriores se cruzam com as possibilidades e estratégias desta atividade. Por exemplo, na linhagem materna de Flor Maria, a sua mãe foi comerciante, há irmãs que também entraram nesse ramo, e as filhas e os filhos de Flor Maria, em algum momento de suas vidas, também comercializaram doces. Entretanto, ainda que esse trabalho venha de um saber-fazer tradicional das famílias de San Basílio de Palenque, transmitido de geração em geração, nos últimos anos as filhas das mães-comerciantes imaginam outras perspectivas de vida para si mesmas, principalmente com a entrada dos filhos e das filhas das palenkeras no ensino superior.

Muitos começos têm a ver com as relações entre familiares e vizinhas. A preparação e a venda de doces são atividades que podem envolver mães, tias, primas, avós, vizinhas e melhores amigas. Quando uma mulher palenkera vai para determinada região, o seu retorno é aguardado pelas demais. Na volta, ela informará as companheiras sobre os percalços e sucessos de seu processo de venda, instigando ou desestimulando as possíveis rotas comerciais. Cada uma das narrativas sobre o começo do trabalho com os doces tece relatos de redes e ações solidárias entre elas, demonstra muitos afetos e responsabilidades, práticas em que mulheres se aconselham entre si, ensinam umas às outras e conduzem pela mão ainda outras, nos percursos conhecidos e desconhecidos da Colômbia, e na organização das estratégias comerciais.

As redes de relações entre elas conjugam solidariedade, cooperação e respeito. Elas vão ofertar conselhos aos seus filhos, sobrinhos, noras e amigas mais novas, demostrando sabedoria diante de assuntos diversos, sendo responsáveis pela educação dos filhos, netos e sobrinhos, pela formação de valores e vigilância social. Flor María, senhora que me hospedou em sua casa durante o trabalho de campo, ocupa o papel das grandes mães palenkeras. É cuidadora, protetora, disciplinadora, provedora de alimentos e de recursos materiais. Flor tem o hábito de aconselhar, arguindo como devem se comportar as crianças de sua rua, expressando que todos devem fazer mandado19 para os mais velhos, e argumentando sobre a necessidade de amarem muito as suas mães. Em razão das mulheres serem economicamente ativas, como havia indicado o antropólogo Aquiles Escalante Polo (1954), dentro da família palenquera, a educação formal dos filhos foi e continua sendo produto da comercialização realizada por elas.

Catalina Herazo é vizinha e amiga de Flor María. Mãe de seis filhos, Catalina começou a trabalhar com a venda de frutas após o nascimento de sua primeira filha. Sua experiência, como a de muitas outras, evidencia que é frequente as mulheres despontarem nas vendas quando já estão casadas ou têm o primeiro filho. A família, de fato, se apresenta como um motivo central para o ingresso no comércio. Catalina também vendia salada de frutas na praia de Bocagrande, em Cartagena, durante todo o mês de janeiro, propício para o comércio pela grande afluência de turistas, e momento muito aproveitado pelas palenkeras. Há 18 anos, Catalina deixou o trabalho com as frutas para se dedicar ao comércio de doces. O motivo da mudança, ela explica: “é bom para trabalhar [vender frutas], mas há épocas que se escassam as frutas e a fruta está mais cara e não se ganha muito”.20 As frutas eram compradas por Catalina no mercado de Cartagena e dali ela percorria distintos bairros para comercializar. Em determinado momento, uma de suas vizinhas decidiu vender doces na cidade de Bucaramanga, pois “já havia ido várias comadres a Bucaramanga”, como sua grande amiga, Flor María, que, quando retornou, encorajou Catalina a se juntar nas próximas idas: “Chegou uma vez e entusiasmei com os doces” comentou Catalina.

A renda mensal adquirida pelas mulheres palenqueras com as vendas pode variar muito. Com o trabalho de comerciantes é possível comprar bens domésticos para a casa, adquirir produtos alimentícios e vestuário, assim como quitar a mensalidade da faculdade dos filhos. As decisões econômicas resultam muitas vezes das avaliações monetárias e sociais em decorrência das condições ordinárias do grupo: considerando-se o pagamento do carnê da universidade, por exemplo, a “escolha” de investir monetariamente em uma e não em outra graduação, na universidade pública, passa pelo orçamento destinado a essa despesa educacional e se dá em decorrência dos valores monetários serem baixos ou altos em relação à renda. As despesas das comerciantes obedecem a um padrão regular com alimentação familiar e educação dos filhos, que constituem seus maiores gastos, o que, no segundo caso, buscar oferecer-lhes mecanismos de luta menos desiguais e mais prósperos, imaginando-se ainda que aqueles irão oferecer amparo às suas mães no tempo da velhice. As despesas consideráveis com a educação dos filhos demonstram o investimento das palenkeras nesta esfera como meio para o sucesso econômico e social. Por outro lado, os gastos com ajudas e empréstimos a familiares fazem com que a remuneração obtida nas atividades comerciais seja redistribuída no interior das redes de relações baseadas no parentesco, e, quando o rendimento aumenta, cresce o número de pessoas encarregadas das obrigações familiares.

Catalina, há cerca de três anos, não comercializa mais os doces na cidade de Buramanga. Atualmente, os filhos a ajudam monetariamente. Como costumam afirmar em Palenque: os filhos a acomodaram. “Acomodar” possibilita que a mãe fique em casa, já não se destine mais ao comércio de doces, uma vez que os filhos formados no ensino superior e, trabalhando, podem assumir a tarefa de cuidado e amparo que ao longo das suas vidas a mãe lhes dedicou. Apesar de não comercializar os doces em outra cidade, Catalina costuma vender sacos de gelo em sua casa. Palenque é um território onde a temperatura pode ultrapassar 40 graus, a umidade torna o ar ainda mais quente e o uso do gelo nas bebidas é frequente, o que permite à Catalina fazer com isso uma pequena renda extra.

No entanto, até que chegue o momento esperado de serem acomodadas pelos filhos, as palenkeras comerciantes atuam cotidianamente no sentido de levantar as crianças e sua família. Acompanhando a complexidade das relações de trabalho e os agenciamentos das palenkeras, escutando suas falas em relação às suas atividades laborais, foi possível notar algumas metáforas acionadas para se referir a essas atividades. Entre essas figuras de linguagem, uma elucidativa é a expressão levanté ou levantó. Como na afirmação da cantora e comerciante La Burgo, quando disse “minha mãe nos levantou fazendo cocadas e alegrias” ou da minha interlocutora Flor María: “levantei meus filhos, vendendo maçã, abacate e fazendo doces”. Acionado em referência ao trabalho com o comércio, levantar, inicialmente, traz a ideia de que algo estava caído, posicionado abaixo, em um nível que seria necessário subir. No contexto social e econômico das famílias palenqueras, reerguer, levantar, diz respeito às atividades de criar e de manter que, com os doces e outros produtos, se tornaram possíveis. O que aponta para uma relação entre levantar, criar, manter e gerir.

Como indiquei, a educação assume um peso extraordinário nas novas configurações familiares e ocupacionais em Palenque. Vários filhos das mulheres com as quais eu convivi são, atualmente, profissionais ou estão prestes a entrar na universidade, um resultado, fundamentalmente, do trabalho das mães palenkeras comerciantes. O uso que fazem do dinheiro produz uma mudança social mais ampla, pois as somas monetárias são investidas, frequentemente, na educação universitária dos filhos, vislumbrando-se para eles um futuro distinto e mais confortável do que o presente que vivem. Mas é importante destacar que, em suas considerações, as comerciantes afirmam que seus maridos também são relevantes no processo de levantar os filhos. Conforme disse Flor, a respeito de seu companheiro, ele “me ajudava, mas eu botava a força”21. Botar a força, para as palenkeras, se torna um diferencial no processo de levantar porque são elas que irão se jogar no espaço público das ruas e ali vivenciarão os logros e sobressaltos que o trabalho informal demanda; são elas que se lançarão por cidades e realidades distantes de Palenque.

Importante salientar que dentro de casa o trabalho dos homens é auxiliar: eles ajudam, mas não são diretamente responsáveis pelos afazeres. Os maridos das palenkeras comerciantes ajudam na renda familiar com seus ganhos provenientes do trabalho agrícola e do gado. Vários deles trabalham também na construção civil (pedreiros ou seus ajudantes). Aqueles que vivem em Cartagena, trabalham engraxando sapatos na Plaza del Reloj, ou ainda como motoristas ou cobradores de ônibus. Em Palenque, alguns atuam como guias turísticos locais ou como mototaxistas, e poucos deles possuem pequenas barracas onde comercializam produtos alimentícios e cervejas. Em decorrência das poucas opções, as atividades laborais dos homens de Palenque são flutuantes.

No Caribe colombiano e em outras regiões do país, o imaginário social estigmatiza o homem palenkero como preguiçoso por não se encaixar dentro dos padrões convencionais que definem os homens como os provedores principais do lar. As palenkeras escutam indagações (ou acusações) nesse sentido, geralmente acompanhadas de tom irônico e preconceituoso, como nas perguntas é verdade que seus maridos não trabalham e eles mandam vocês para trabalharem? ou você já falou para essa menina (referência a mim) que seu marido é quem manda você vender aqui? Eu estava na presença da comerciante Jobita Perez, em Bucaramanga, à época da última indagação. Jobita se mostrou irritada e replicou: meu marido não me manda para nenhum lado, eu venho porque eu quero. Segundo minhas interlocutoras, os homens trabalham, no roçado ou fazendo outra atividade, e elas evitam verbalizar a sua independência econômica em relação aos seus maridos, o que poderia desprestigiá-los socialmente.

O antropólogo afro-colombiano Aquiles Escalantes, na sua primeira pesquisa etnográfica realizada em Palenque, nos anos 1950, destacou a importância do trabalho das palenkeras e seu papel econômico fundamental no grupo doméstico: “Todo o peso da economia familiar recai sobre as mulheres, que nas cidades se dedicam à venda ambulante de pamonha, alegrías e amendoim torrado” (1979 [1954]:29)22. O autor descreve ainda uma possível liberdade desse grupo em relação à sujeição aos maridos, alcançada graças à comercialização:

A prodigiosa atividade desenvolvida pelas mulheres liberta-as da submissão total ao marido, e pode-se dizer que a estabilidade da família depende mais do que tudo delas.../a única contribuição do homem consiste em limpar e trazer para casa a colheita, mas a venda fica a cargo das mulheres, que garantem que não falta o pão de cada dia(...) (Escalante 1979 [1954]:58)23.

Nilson Salgado (2015), historiador de Palenque, argumenta que as reações das palenkeras frente aos estereótipos sobre os homens da comunidade se caracterizam por uma lealdade aos seus companheiros, esta não sendo necessariamente uma sujeição, uma submissão ou um sentimento de inferioridade, senão justamente uma lealdade, produto de uma ideologia cimarrón que insiste em criar laços de solidariedade para própria sobrevivência enquanto grupo. Nessa mesma linha, argumentaram os antropólogos Nina S. de Friedemann e Richard Cross (1979), no livro Ma ngombe: guerreiros y ganaderos en Palenque, ao realizarem uma análise das práticas sociais palenkeras desde o período colonial até o momento de seu trabalho de campo:

O fato de as mulheres de Palenquera desde muito cedo terem enfrentado o mundo fora da sua comunidade, no âmbito da venda de produtos, enquanto os homens produzem inhame, mandioca, preparam a roça e cuidam do gado nas montanhas, tem fomentado entre o mundo branco da região a imagem de uma comunidade negra sustentada principalmente pelo trabalho das mulheres. O escrutínio cuidadoso do trabalho de homens e mulheres em Palenque desfigura tal imagem que faz parte do estereótipo que as classes dominantes exerceram sobre os grupos negros no processo da sua discriminação sócio-racial (Friedemann e Cross 1979:63.)24.

Durante meu trabalho de campo, notei a existência de poucos trabalhos estáveis e bem remunerados em San Basilio de Palenque, o que leva palenkeros e palenkeras a viverem cotidianamente em uma situação de ter que ser virar para garantir seu sustento. Por outro lado, há uma exaltação do papel das mulheres, que faz com que elas sejam protagonistas nessa luta pela sobrevivência. Isso se soma a uma tradição histórica de busca por autonomia, que as leva a empreender trabalhos cansativos, entretanto, nos quais possam ser “donas” do que ganham. Elas, ao contribuírem e se destacarem economicamente em casa, interferem ativamente nas relações internas ao grupo, possuindo um poder de ordem nas relações familiares. No discurso levanté mis hijos se torna evidente seu engajamento e sua atuação na busca por melhores condições de existência própria, dos filhos, bem como os esforços agenciados nessa empreitada.

As mulheres com as quais convivi em Palenque se organizam em diversas configurações familiares: algumas são separadas e vivem com seus filhos ainda solteiros, há outras que moram sozinhas e seus filhos residem com suas avós, mas realizam as principais refeições na casa da mãe. É comum ver jovens solteiros que residem na casa das avós. Há também mulheres viúvas que vivem com um filho mais velho ainda solteiro. Existem aquelas que cuidam dos próprios filhos ou dos filhos e netos dos seus filhos. Há mulheres casadas cujos filhos residem com os pais, há homens que possuem mais de uma companheira, os quais residem com uma delas e sazonalmente visitam as demais mulheres.

Nota-se que essas configurações familiares não se reduzem ao núcleo pai, mãe e filhos, pois tios, primos e avós são estimados e se relacionam como parte de uma rede fluida e vasta. Quando as palenkeras comerciantes de doces migram para outras cidades, geralmente fixam moradia em um mesmo bairro, e assim algumas práticas sociais encontradas em Palenque vão sendo vivenciadas em outros lugares da Colômbia. Para as pessoas da comunidade, a família vai além do núcleo familiar, é comunitária, e os kuagros - os grupos de amizade constituídos ao longo da infância palenquera - se organizam com base na idade. Palenque se distingue por esse tipo de organização social específica com base nos grupos etários, compostos por uma metade feminina e outra metade masculina (Friedemann e Cross 1979).

Os kuagros são vivenciados ainda durante a infância, perdurando até a morte. Quando as crianças vão brincar nas ruas com outras da mesma geração, são formados os grupos de pares por amigos, e, no futuro, podem ocorrer matrimônios entre tais núcleos de amizade. Os kuagros serão também acionados para a colaborações nos ritos funerários de algum integrante, na arrecadação de fundos para um determinado evento social, na permuta de dias de trabalhos na atividade agrícola, nos agenciamentos das viagens das comerciantes.2510 Geralmente, a circulação para outras cidades se dá por meio dos kuagros, essenciais para que as mulheres possam se deslocar em função do trabalho. A minha permanência em Bucaramanga para fazer a pesquisa, por exemplo, só foi possível porque a comerciante Flor Maria acionou o seu kuagro, na figura da senhora comerciante Catalina Herazo, para que me deixasse acompanhar a sua rotina de trabalho e de outras sete mulheres que fazem parte da sua rede de amizade. Os kuagros funcionam, assim, como uma rede de apoio e de suporte para as mulheres comerciantes de Palenque. É a partir deles que vão se delineando as comunicações, interlocuções e agenciamentos das viagens, e o compartilhamento de casas em outra cidade. Em um grupo de amizade podem existir, ainda, pessoas que integram uma mesma família de Palenque.

Nesse sentido, os kuagros assumem uma importância interna pela dimensão política de afeto e solidariedade entre seus membros e entre os próprios grupos de amizade. Há dezenas deles, e cada um recebe um nome. Alguns dos mais conhecidos são: Orisha, Nailanga, Kuagro de Abajo e Kuagro de Arriba. Pertencer a um kuagro associa-se a uma participação que diz respeito à solidariedade e à reciprocidade com os outros kuagros. E essa solidariedade pode se manifestar nas atividades mais cotidianas ou extraordinárias.

Das alegrías ao “trabalhado duro”: sentidos do trabalho

O trabalho vivenciado nas ruas exige um repertório de estratégias e de recursos para a atração e a compra dos produtos pelos clientes. Algumas vezes, impõem-se a necessidade do uso de vestidos coloridos, do canto, da dança e das frases enunciativas que compõem o universo das vendas.26 As mulheres palenkeras caminham com uma pesada bacia de alumínio na cabeça, equilibrando-a. Precisam ter também uma boa voz para anunciar seu produto em um tom alto, quando enunciam “¡Aleegreen-se!”(Aleegreem-se!), termo que alude à especiaria das alegrías. Nas caminhadas, as vendedoras disputam o espaço das ruas com os carros, motos, caminhões, e animais na pista. Algumas ruas são pavimentadas, outras de barro e íngremes, o que gera um esforço a mais para quem carrega pesadas bacias com doces sustentados em cima da cabeça. Além disso, trabalhar nas ruas envolve os riscos da circulação nesses espaços: assédio, desaparecimento, assassinato e racismo.

Aqui, tomo emprestada a discussão de Sidney Mintz a respeito do trabalho enquanto uma categoria analítica que poderia nos informar acerca dos meios de conferir sentido à vida, como uma fonte de orgulho e autoestima para o indivíduo (Mintz 2010). Ao considerar a abordagem deste autor na pesquisa com as palenkeras comerciantes, gostaria de refletir sobre o sentido do trabalho para minhas interlocutoras, como elas o concebem e o articulam ao sentimento de liberdade e autonomia sem desconsiderarem o quão duro é realizá-lo, e os efeitos apreendidos em seus corpos e trajetórias pessoais. Busco também pensar em tais concepções e nos contornos que moldam a própria ação de trabalhar, entre eles os já mencionados sentimentos de liberdade e autonomia dessas mulheres, advindos do comércio dos doces. Minhas perguntas são: como as palenkeras se sentem a respeito de seu trabalho? Como é percebido e experimentado o seu comércio de doces?

A atividade laboral e a comercialização dos doces são extenuantes. Pude acompanhar o deslocamento dessas mulheres para o trabalho em outra cidade colombiana, e, nesta ocasião da pesquisa, foi possível perceber que o descanso do corpo físico só é realizado enquanto dormem. Mas ambas as atividades são também intensas para aquelas que trabalham em Palenque e circulam nos municípios vizinhos, desde a preparação dos doces até a realização do percurso exaustivo da venda. Caminhar longas distâncias por mais de sete horas, muitas vezes sob sol intenso, ou sob chuva e frio, sustentando sobre a cabeça um peso que pode chegar a dezenas de quilos, traz sofrimento ao corpo e exige disciplina para suportar diariamente essa maratona.

No decorrer deste artigo, foi indicado que o trabalho é uma tradição de Palenque transmitida pelas mulheres da família. Já há várias décadas essas mulheres trabalham com o preparo e a venda dos doces. Houve modificações na forma de prepará-los, em determinados locais, com o uso do forno a gás em vez do fogão à lenha. As palenkeras contam que, com o comércio dos doces, foi possível comprar equipamentos para suas residências, como fogões, geladeiras, televisões, roupas e sapatos para os filhos, produtos alimentícios, de higiene pessoal, fazer reformas e construir novos cômodos na casa. Para elas, o maior motivo de orgulho é que lhes foi possível, com esse trabalho, sostener la familia y los hijos. Yosaín, por sua vez, apontou para um outro lugar ocupado por esse trabalho no imaginário das palenkeras: “Bom, graças a isso pude conhecer uma boa parte da Colômbia, quer dizer, é muito bonita. Sou uma das palenqueras que o lugar onde trabalhei tirei fotos. Tudo era muito bonito”27.

Conforme explicou a comerciante Sor María, se a tradição desse trabalho é reconhecida pelas mulheres, isso não exclui as dificuldades extremas (e limitações) que elas vivenciam ao dar prosseguimento ao que vem sendo ensinado e transmitido para sustentar a família e os filhos: “Esse é um trabalho que mata, a venda ajuda para comprar materiais e comer, nada mais. Mas isso é feito porque é tradição e nada mais. A necessidade nos obriga a fazer esse trabalho, mas é um trabalho que mata. As mãos doem. É um trabalho árduo”28. Já, La Burgo dizia: “Esta é uma herança que também deixo aos meus filhos. Quando eles não tiverem trabalho de um nenhum lado que recorram a este29”. La Burgo, em certa medida, corrobora com Sor María, ao mencionar que o trabalho é decorrente de uma herança familiar, notadamente cultivada entre as mulheres de Palenque, uma que é mantida por gerações e poderá ser acionada como um saber-fazer quando não houver outro tipo de trabalho remunerado. A transmissão da tradição e o ensinamento do trabalho como estratégia de vida para o porvir, no entanto, combinam-se com a compreensão de que se trata de uma atividade que pode matar aquela que o realiza, como afirmou Sor María, ao verbalizar as afetações que são sentidas e experienciadas no seu corpo.

Lucia Helena, comerciante que atua em Bucaramanga, mencionou: “é um travalho independente, você é a dona do seu próprio negócio” 30. Josefa Hernández relatou algo próximo, no sentido de ser dona e condutora de seu labor, incluindo o controle sobre os dias de trabalho: “Aqui é super difícil, você é seu próprio patrão, se um dia você não quiser ir, você não vai. E eu fiz isso, no dia que eu não quis ir eu não fui”31.

Flor María, em relação ao seu empenho no trabalho, comentou:

O Nicolas [marido] me ajudou, mas eu coloquei mais força. Dei tudo pelos meus filhos: roupas, sabonete, creme, desodorante, sapatos. Nunca deixei faltar nada. Parei de comprar para mim e dei para eles, queria que eles tivessem tudo, que estudassem, para não ficarem como eu, graças a Deus meus filhos saíram agradecidos32. (Flor María, Palenque, outubro de 2015).

Nayelis Miranda, sua filha que trabalhou junto com ela, argumentou:

É um trabalho forte, forte! Quando cheguei de lá [Venezuela], falei para minha mãe: papel e lápis, mãe! Porque esse trabalho não é para mim, é muito forte. Trabalhei com isso enquanto estava me formando acadêmica e profissionalmente, mas é muito difícil ter esse trabalho como perspectiva de vida. Fui à Venezuela buscar minhas roupas, meu perfume e minhas coisas pessoais, mas já tive uma visão. Vou porque vou juntar minhas coisas, mas não que seja um trabalho para a vida toda33. (Nayelis, Palenque, janeiro de 2016).

As colocações da mãe e filha palenkeras evidenciam o caráter geracional do seu trabalho. Flor María, na sua generosidade, afirma que todo o esforço realizado foi para dar aos filhos aquilo que muitas vezes lhe faltava, e ao final se tornou grata por ter tido o reconhecimento destes pelo esforço ofertado. Nayelis, por sua vez, reconhece a labuta perpetrada pela mãe e visualiza no universo dos estudos um caminho para outra trajetória laboral, distinta da de Flor María, embora tenha precisado recorrer ao comércio dos doces enquanto estava na graduação, quando parte do dinheiro adquirido serviria, entre outras coisas, para o custeio da carreira universitária. Nayelis e Josefa, que já foi mencionada no artigo, são jovens mulheres negras palenkeras que concebem o trabalho com os doces como uma experiência pontual e transitória. Tal característica geracional foi discutida no trabalho de Orlando Santos (2010), que se debruçou sobre experiências de mulheres negras comerciantes da cidade de Luanda, capital de Angola. Em sua reflexão sobre a participação das mulheres no comércio de rua, o autor identificou rupturas e continuidades nas práticas rotineiras das antigas e novas gerações de comerciantes. Deste modo, as mulheres mais jovens e com menos responsabilidade familiar tinham maior oportunidade de investir em si mesmas, em relação às mais velhas e com maior exigência no grupo doméstico.

Entre as palenkeras, a senhora Catalina Herazo enfatizou a experiência da exaustão, e a conceituou como algo próximo da servidão e da dependência:

Com os doces nos tornamos escravas do trabalho, escravas dos doces. Tem que ficar o tempo todo ralando coco, cortando mamão... É um trabalho árduo, muito árduo porque você acorda com a mesma coisa e vai dormir todo dia com a mesma coisa, fazendo a mesma coisa. Não é como outros empregos que você consegue; você sai para ganhar um dia de trabalho, você vai, e quando chega em casa acabou. Um dia de passar roupa e pronto. Tu sabes, um doce que quando você vem tem que quebrar coco para avançar porque se não fizer, o tempo para amanhã é muito pouco e você chega muito atrasada; Você tem que começar à noite para terminar e acordar cedo.34 (Catalina Herazo, San Basilio de Palenque, 2016).

Há, portanto, compreensões distintas sobre o que o trabalho propicia ou proporcionou, como demonstram as palenkeras comerciantes com as quais me relacionei na pesquisa. Catalina associa, de modo enfático, o seu ofício à escravidão do trabalho, dos doces, uma vez que, para ela, as mulheres se encontram reféns dos seus produtos comercializados, da sua rotina de trabalho árdua, intensa e prolongada. Yosaín destacou no ofício a oportunidade de conhecer e admirar outras cidades colombianas, enquanto circulava e transitava em outros contextos geográficos, sociais e econômicos do país.

“Que a poncheira que me mate! Porque eu tenho mando!35 Essa frase exclamativa pronunciada pela senhora Ismenia - que comercializa doces em Bucaramanga - durante uma conversa com outra companheira na casa em que moravam, nos apresenta as metáforas, os sentidos e efeitos do trabalho nas mulheres de Palenque. Se, por um lado, ter mando é uma conquista e vitória para elas, justificada pela ideia perpetuada de ser dona do seu próprio ofício, sem ninguém dizer como devem fazer o seu trabalho, por outro, esse mesmo trabalho mata aos poucos, e o corpo é o canal que dará vazão, lentamente, a essa morte; é no corpo que se traduzem as consequências da expressão que la ponchera que me mate.

Destaco, ainda, que na reflexão aqui proposta, escrava dos doces se refere a um modo de trabalho autônomo que beira ao esgotamento físico, e, para além de uma metáfora, atualiza uma história de luta por uma autonomia e liberdade que tem como pano de fundo o processo político-histórico desencadeado desde a escravatura, e que foi reinventado à luz da diáspora. Apesar de ser uma atividade realizada na linha da exaustão, as mulheres palenkeras agenciam e encontram brechas de autonomia e liberdade pelo simples fato de não terem que trabalhar para outrem, e pela possibilidade de administrarem o próprio dinheiro: administram somas monetárias e decidem onde e como poderão ser aplicadas e investidas, o que lhes dá, pessoal e coletivamente, em Palenque, um estatuto e uma dignidade de serem donas do seu próprio destino. É por meio de suas mãos que advêm o alento e a fonte de renda familiar. A partir dessas mãos pretas que famílias inteiras são sustentadas, alimentadas e educadas.

O trabalho para as palenkeras comerciantes de doces é vivenciado como sinônimo de luta, autonomia, dor, resiliência, força, respeito, independência e legado familiar. É, pois, na esfera do comércio, na comercialização de alimentos, que essas mulheres negras de Palenque buscam obter dignidade. Se sentem valiosas e benfeitoras perante a família e a comunidade ao executarem o ofício, ainda que este seja exaustivo, física e mentalmente. O trabalho é, porém, uma forma de se sentirem ativas. Desde crianças, trabalhar se tornou determinante na organização das suas vidas, das suas próprias existências, e é o que lhes dá sentido, apesar das ambivalências que colocam em xeque sua saúde. Vemos que o corpo adoece: é um trabalho que pode, inclusive, matar, por ser uma atividade pesada, cansativa, árdua, que demanda força muscular e movimentos repetitivos, preponderantemente de esforço físico. Por conta disso, as mulheres se queixam de dores musculares, lesões, doenças osteoarticulares, problemas de coluna. O tempo dos doces decorre no tempo das doenças. Não é à toa que a volta para Palenque, após longas estadias fora da comunidade, é acompanhada pela visita ao único posto de saúde local, onde são medicadas e quase sempre recebem a indicação de fisioterapia. É um trabalho que faz adoecer, mas que é valorizado enquanto estratégia de autonomia social para elas, e de garantia de mobilidade social para os seus filhos. Conforme indicou a socióloga afro-americana Winnifred Brown-Glaude (2011), há um padrão internacional que se desenvolve na economia informal, e as mulheres pobres negras passam a ocupar essa seara, desenvolvendo formas criativas para “ganhar a vida” que lhes fornecem um meio de criar autonomia e de garantir um futuro para suas famílias. Deste modo, procurei discutir, nesta seção, alguns dos sentidos e efeitos do trabalho entre minhas interlocutoras de Palenque.

Considerações finais

Neste artigo, busquei elaborar alguns modos e sentidos do trabalho para as palenkeras comerciantes de doces. Contemporaneamente, suas atividades são vivenciadas como luta, autonomia, dor, confinamento, resiliência, força, respeito, independência e legado familiar. É no domínio do comércio de doces que essas mulheres negras de Palenque buscam obter dignidade: se sentem valiosas e benfeitoras perante a família e a comunidade ao executarem o ofício que aprenderam no espaço familiar, ainda que este seja física e mentalmente exaustivo. O trabalho é, para elas, uma forma de se sentirem ativas.

Desde crianças, o trabalho se tornou determinante na organização das suas vidas e existências, dando sentido a elas como mulheres mães, apesar de todas as ambivalências que as palenkeras percebem e reconhecem nele. Seus corpos adoecem: elas realizam um trabalho que pode matar, por ser uma atividade pesada, que demanda força muscular, movimentos repetitivos e muito esforço físico, seja nos espaços domésticos, quando estão preparando os doces, ou nas estradas e ruas, quando acionam o deslocamento e a circulação como alternativas para a geração da renda econômica. Por conta disso, minhas interlocutoras contam sobre dores musculares, lesões, doenças osteoarticulares, problemas de coluna. Seus modos de trabalho produzem e conformam corpos de trabalhadoras singulares, e, no decorrer dos anos, criam efeitos prejudiciais às suas condições de saúde. O tempo dos doces pode fabricar o tempo das doenças.

Como uma dimensão da vida plena de sentidos (Mintz 2010), inclusive afetivos, o trabalho, para as palenkeras, pode causar sofrimento. Catalina se considera uma escrava dos doces. O dispêndio da maior parte de seu tempo à produção caseira desses produtos - sem poder fazer outras atividades no seu dia a dia, o que ela define como dependência - poderá, no entanto, se transformar em prazer pela utilização de suas competências e criação de autonomia econômica. O trabalho é aquilo que pode transformar tanto ela quanto outras interlocutoras, em protagonistas no processo histórico de levantar os filhos e suas famílias negras palenkeras, e na manutenção histórica delas mesmas. Com ele, ampliam-se as possibilidades em termos educacionais e profissionais para as suas crianças, uma vez que o trabalho delas inclui imaginação e projeção sobre o que está por vir, para que assim alguns possíveis futuros possam existir. Por isso, valoriza-se, entre elas, a habilidade aprendida, compartilhada e transmitida de transformar a dor sentida e experienciada, de modo contínuo e prolongado em seus corpos, em possibilidade de autonomia e mobilidade social para as gerações mais jovens; valoriza-se, ainda, esse saber-fazer que ocorre em deslocamento e circulação, como atividade estratégica em situações econômicas desconhecidas, imprevistas.

Apropriando-me da pergunta de Anne McClintock (2010): “quais são as possibilidades de agência em contextos de extrema desigualdade social?”, seria possível indicar, a partir da pesquisa com as palenkeras mães-comerciantes, que as possibilidades destas mulheres se fazerem são criadas mapeando rotas, caminhos e trajetos já enfrentados e conhecidos por outras mulheres diante de um leque limitado de alternativas e oportunidades (Sharpe 2023). É na certeza de que as amigas e familiares conseguiram êxito nesta investida que elas se lançam diariamente no universo da rua onde comem, trabalham, dormem em exaustão e estabelecem relações que possibilitam a permanência em outra cidade -tanto com as pessoas na localidade pela qual circulam como entre elas, elos pautados em cuidado, solidariedade, afinidades, mas também em desavenças.

Procurei, ainda, indicar uma cosmopercepção do trabalho das mulheres de Palenque como pessoas imersas em um mundo baseado em distintivos de raça, gênero e relações familiares e de amizade (kuagros), no qual são elas que vão atuar nas ruas em diversas cidades. Através da venda de doces e frutas, as palenkeras passam a ser reconhecidas como comerciantes destemidas e desbravadoras que se capilarizam nos interiores da Colômbia e de países fronteiriços, fazendo emergir modos de vida em certo sentido nômades, como sugeriu Bernada, e personificando seus modos singulares de serem mulheres racializadas.

O agenciamento orientado por suas próprias experiências de buscar o deslocamento e a circulação, o que as torna, historicamente, pioneiras em seu trabalho, consolida um movimento de mulheres negras que gestam mobilidade, relações de parentesco e comerciais, práticas de cuidado, vínculos de amizade e de confiança. Ao mesmo tempo em que têm de lidar com situações que promovem o esgotamento físico e levam a danos prolongados à saúde, aprendem a identificar, por exemplo, as localidades que poderiam ser mais rentáveis financeiramente para as vendas (sejam bairros residenciais de classe média, centros comerciais ou áreas turísticas) e os horários mais propícios. O êxito das vendas também depende desses conhecimentos, assim como da personalidade de cada uma, da força e modulação sonora da voz para anunciar os produtos, das estratégias persuasivas de venda (como os recursos da linguagem em frases de duplo sentido ou não, a dança, o canto, as roupas).

Por fim, gostaria de destacar que a relação das mulheres negras com o trabalho vem se apresentando como importante marcador identitário feminino e herança histórico-cultural de resistência, em contextos distintos, seja como comerciantes de doces, quitutes, frutas e peixes ou trabalhando como empregadas domésticas. As mulheres negras se reconhecem socialmente como provedoras, como sujeitos que cuidam e que precisam dar conta de outrem, quando estes encontram-se em uma situação não produtiva - seja por incapacitação física, temporária ou não, seja por estarem fora do mercado de trabalho, seja porque se trata dos próprios filhos.

Ressaltei, além disso, que as mulheres palenkeras tiveram um papel econômico fundamental no processo de circulação e venda dos produtos agrícolas. Foram elas que passaram a comercializar o resultado da plantação de seus maridos. São elas que saem à rua para vender e que assumem papéis decisivos na organização socioeconômica das unidades domésticas. Não existe nem sol, nem chuva, nem sábado, nem domingo, quando se trata de ganhar o mundo das estradas, praias e cidades.

Escrava dos doces, como definiu Catalina, para além de uma metáfora, parece atualizar histórias pessoais e coletivas de luta pela autonomia e liberdade que vem sendo reinventadas “no vestígio” (Sharpe 2023) do processo político, sócio-histórico e econômico desencadeado desde a escravatura africana. Apesar de ser um trabalho feito na linha da exaustão, por meio dele as palenkeras comerciantes agenciam espaços de independência pelo fato de não ter de laborar para outrem e conseguirem administrar o seu próprio dinheiro. Decidem como e em que suas somas monetárias serão utilizadas (aplicadas e investidas), o que dá a essas mulheres um estatuto de emancipação e de condução de seu destino. As mulheres negras palenkeras sempre trabalharam, mas somente se sentiram livres quando decidiram que o trabalho com os doces poderia significar um caminho de criação da autonomia, de uma autodeterminação que se volta para o movimento, o deslocamento e a vida em circulação temporária, entre Palenque e outras cidades.

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Notas

  • 1
    Parte das minhas reflexões nesse artigo decorre do meu trabalho de campo de nove meses em San Basílio de Palenque, entre setembro de 2015 e junho de 2016, com curtas passagens nas cidades colombianas de Bogotá, Cartagena, Barranquilla e Bucaramanga, no intuito de obter o título de doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional/ Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2018, e do retorno ao campo oito anos depois, entre outubro de 2023 e janeiro de 2024, durante a realização do pós-doutorado no Consorcio de Estudios Afrolatinoamericanos, ALARI/Harvard; CEAF- Centro de Estudios Afrodiaspóricos/ICESI.
  • 2
    Ao longo deste artigo, utilizo a palavra palenkera, como grafado na língua palenquera.
  • 3
    Em 1713, por meio de um tratado de paz com a coroa espanhola e San Basilio de Palenque, esta tornou-se a primeira comunidade negra livre das Américas, após tentativas frustradas da coroa de atacar o esconderijo fortificado dos escravizados nas montanhas (Arrazola 1970).
  • 4
    Cf. Juana Camacho (2004) para um estudo do campo das artes sobre mulheres negras na Colômbia e Yésica Gonzalez (2022) para uma literatura sobre as mulheres negras na região do Caribe colombiano. Aurora Vergara (2013) para uma análise do desenraizamento das populações rurais afro-colombianas e suas estratégias de resistência na histórica luta pela terra, Castriela Hernádez Reys (2019) para uma análise das interseções entre raça, gênero e corpo no contexto da violência armada. Vicenta Moreno (2019) para uma análise da violência e resistência que permeiam a vida das mulheres negras na cidade de Cali. Marta Abello (2003) sobre as mulheres de Paimadó (Chocó) acerca do trabalho da migração. Teodora Hurtado (2008) acerca dos impactos das imagens sexualizadas das mulheres negras e migrantes, especialmente de Cali e Buenaventura, e sua participação em fluxos migratórios de trabalho na Europa.
  • 5
    No original: “mi marido tenía su roza y yo vendía lo que él me traía”.
  • 6
    No dia 26 de março de 2019, na cidade de Cartagena, na praça Benkos Biohó, que leva o nome do líder dos cimarrones, ocorreu um ato político em resposta à ação estatal de coerção policial que multou e confiscou a poncheira (bacia de alumínio) da palenquera Angélica Cassiani Cañate. Essa senhora ficou conhecida nacionalmente, em diversos meios de comunicação, por ter sido fotografada, para fins turísticos, com a miss beleza da Colômbia há cerca de três anos antes do ocorrido, em frente ao hotel Hilton. Angélica Cañate trabalha há mais de vinte anos no centro histórico de Cartagena vendendo seus produtos (frutas e doces). Esse ato político da marcha reuniu não somente as palenqueras que trabalham em Cartagena, mas também outros trabalhadores que dividem o espaço da rua para laborar (vendedores informais, artistas urbanos) e estudantes. As palavras de ordem, Con las palenqueras, no te metas, las palenqueras se respetan; no hay derecho de acabar con nuestras tradiciones, foram enunciadas durante toda a marcha.
  • 7
    No original: “Entonces allí empezaron a salir, algunos salían inclusive sin saber para donde iban porque no conocían el interior del país, por ejemplo, entonces, comenzaban a mirar en el mapa ¡Miraban en el mapa! La primera ciudad en la que empezaron a ir fue Bucaramanga”.
  • 8
    No original: “Nos quedamos nómadas, hoy estamos acá, mañana estamos en Palenque”.
  • 9
    No original: “Bueno, yo trabajé la primera vez que fui, estuve en Caucasia. La primera vez que salí, salí con una cuñada y una amiga, me llevó para Caucasia [Antioquia], bueno allá estuve un mes. Cuando comenzamos a salir para otras partes uno no se demoraba un mes, íbamos por 15 días, por 20 días, que la gente como no conocía el producto eso se vendía, bueno se cogía platica y ya. Enseguida se iba porque uno tenía platica pa’ esto, pa’ los niños, le compraba ropa, le comprábamos zapatos, le comprábamos un poco de comida y íbamos, pero ya después se dañó eso también por allá. Bueno fui a Caucasia, de Caucasia me vine para Sincelejo, de Sincelejo fui a Montería, de Montería fui a Tierra Alta que queda en el departamento de Córdoba, en Ibagué también estuve. Me tocó ir hasta Venezuela, en Venezuela aguanté como cuatro años pero no estabilizada así como aquí, iba y venía”.
  • 10
    No original: “Salimos muchas veces golpeando las casas de las personas para que nos alquilasen una casa. Algunos se asustaron porque éramos siete mujeres llegando juntas. Mucha gente se burlaba de la gente, nos discriminaban haciendo bromas”.
  • 11
    No original: “Pero siempre tiene uno, desde el primer momento en que llegas, tú estás pensando el día en que te regresas. Yo recuerdo que la primera vez que fui, yo hacía rayitas en la pared, contaba los días para volver”.
  • 12
    No original: “Súper duro, así que obviamente yo extrañaba la tranquilidad de Palenque”.
  • 13
    Essa rotina de trabalho é vivenciada, principalmente, quando as mulheres palenqueras estão circulando por outras cidades em função do comércio de doces.
  • 14
    Si el hombre va a el monte, si ya tiene una hija grande, ella es dueña de la responsabilidad hasta que el padre venga, pero si los hijos son pequeños, son llevados a donde la madre de la niña, de la mujer de la casa, a donde la abuela de los niños.
  • 15
    Nos últimos anos, os homens palenqueros têm acompanhado suas esposas e companheiras no trabalho em outras cidades. As interlocutoras com as quais convivi não se inseriam nesses casos.
  • 16
    No original: “En la cultura nuestra la mujer palenquera ha conservado nuestras costumbres identitarias (ritos fúnebres, peinados típicos etc.); han contribuido a mantener la lengua palenquera, la práctica y difusión de nuestro acervo cultural identitario, permiten generar sentido de pertenencia y apropiación y no negación de nuestros elementos culturales. Por otro lado han dado ejemplo de contribución y aporte a la economía de nuestros hogares, de fortaleza, de no ser dependientes de la economía y sustento del hombre. La mujer Palenquera constituye la columna vertebral de su cultura, toda vez que desempeña un papel preponderante en sus distintas manifestaciones, sobre todo en el ámbito económico donde invocando su concepción libertaria, rompe con cualquier atadura que la convierta en dependiente del hombre, pero igualmente en el terreno espiritual, la mujer es la principal protagonista del cabildo de Lumbalú y otras expresiones propias de la religiosidade Palenquera; la riqueza musical por todos conocidos también da cuenta del rol preponderante femenino, lo mismo que la organización social y los kuagros como su mayor expresión. Atendiendo a estas consideraciones algunos estudiosos e investigadores de esta cultura se atreven a esbozar la tesis de que la cultura Palenquera es femenina” (Hernandéz Cassiani 2008:126-127).
  • 17
    Oyeronke Oyewumi (2002) define cosmopercepção em oposição à cosmovisão, e indica que essa última é pautada no privilégio ocidental da visão e do visual, sendo, neste sentido, um conceito limitado. A autora sugere que cosmopercepção descreve outros modos de conhecimento para além da preponderância ocidental da observação visual.
  • 18
    Em anos recentes, se evidencia a participação de palenkeras no cenário político colombiano, a exemplo da liderança Dorina Hernandez, a primeira congressista da comunidade que teve participação ativa na formulação do projeto que transforma Palenque em um município especial.
  • 19
    Ordenar à pessoa a realização de alguma atividade.
  • 20
    No original: “es bueno para trabajar, pero hay épocas en que se escasean las frutas y que la fruta está escasa, está más cara y uno no gana mucho”.
  • 21
    No original: “Me ayudaba, pero yo botaba la fuerza”.
  • 22
    No original: “Todo el peso de la economía familiar recae sobre las mujeres, las que se dedican en las ciudades a la venta ambulante de bollos de maíz, alegrías y maní tostado”.
  • 23
    No original: “La prodigiosa actividad que realizan las mujeres las libera del sometimiento total al marido, pudiéndose decir que la estabilidad de la familia depende más que todo de ellas…/el único aporte del hombre consiste en hacer roza y traer a casa la cosecha, pero la venta de esta se halla a cargo de las mujeres, quienes velan por que no falte el pan de cada día”.
  • 24
    No original: “El hecho de que las mujeres palenqueras hayan encarado el mundo externo a su comunidad desde muy temprano, en el marco de la venta de productos, mientras que los hombres producen el ñame, la yuca, preparan la roza y cuidan los ganados en el monte, ha propiciado entre el mundo blanco y moreno de la región la imagen de una comunidad negra sustentada primordialmente por el trabajo de las mujeres. El escrutinio cuidadoso del trabajo de hombres y mujeres en Palenque desfigura tal imagen que hace parte del estereotipo que han esgrimido las clases dominantes sobre los grupos negros en el proceso de su discriminación socio racial”.
  • 25
    Jovens de um kuagro podem se reunir para coletar água do Arroyo (rio) e transportá-la à casa de cada um deles, ou para realizar a troca de mão de obra no roçado. Seja na doença ou na morte, como dito, os membros do kuagro respondem financeiramente, apoiando emocionalmente o paciente ou ritualmente o falecido. É comum os membros desses grupos realizarem festas na casa dos integrantes para congregar e celebrar, eventos que são sempre conduzidos por músicas, bebidas e comidas.
  • 26
    Para aos recursos de linguagem: Freire, M. S. 2020. “Uno nunca regresa como sale: a viagem das palenqueras com os doces”. Equatorial - Revista do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social.
  • 27
    No original: “Bueno, gracias a eso conocí buena parte de Colombia, o sea, es muy bonito. Yo soy una de las palenqueras que el lugar que he trabajado tomaba fotos. Todo era muy bonito”.
  • 28
    No original: “Esto es un trabajo que mata uno, la venta ayuda para comprar los materiales y comer, nada más. Pero eso se hace porque ya es tradición y nada más. La necesidad hace hacer ese trabajo, pero es un trabajo que mata. Las manos duelen. Es un trabajo duro”.
  • 29
    No original: “Esta es una herencia que también estoy dejando a mis hijos. Cuando ellos no tengan trabajo de ningún lado, que recurran a éste”.
  • 30
    No original: “Es un trabajo independiente, usted es dueño de su propio negocio”.
  • 31
    No original: “Igual acá es súper duro, tu eres tu propio jefe, si algún día tu no quieres ir no vas. Y yo hacía eso, el día que yo no quería ir no iba”.
  • 32
    No original: “Nicolas [esposo] me ayudaba, pero yo ponía más fuerza. Daba de todo para mis hijos: ropa, jabón, crema, desodorante, zapatos. Nunca dejé faltar nada. Dejaba de comprar para mí y daba para ellos, quería que ellos tuvieran todo, que estudiasen, para no quedarse como yo, gracias a dios mis hijos salieron agradecidos”.
  • 33
    No original: “¡Es un trabajo fuerte, fuerte! Cuando vine de allá [Venezuela], le dije a mi madre: ¡papel y lápiz, madre! Porque ese trabajo no es para mí, es muy fuerte. Yo trabajaba con eso mientras me formaba académicamente, profesionalmente, pero ese trabajo es muy duro para tener como perspectiva de vida. Yo fui a Venezuela para conseguir mi ropa, mi perfume y mis cosas personales, pero ya tenía una visión. Voy porque voy a reunir mis cosas, pero no que eso sea un trabajo para la vida”.
  • 34
    No original: “Con los dulces quedamos esclavos del trabajo, esclavas de los dulces. Tiene que quedarse todo el tiempo rallando coco, cortando papaya… Es un trabajo duro, muy duro porque uno se levanta con lo mismo y se acuesta todos los días con lo mismo, haciendo lo mismo. No es como otros trabajos que usted sale; usted sale a ganarse un día de batea, usted va, ya cuando llega a su casa, un día de plancha lo terminó y ya. Tú sabes un dulce que usted que cuando viene tiene que partir coco pa’ adelantar porque si usted no lo hace el tiempo pa’ mañana es muy poquito y se atrasa mucho; tiene uno que comenzar en la noche para terminar y hacer tu día temprano”.
  • 35
    No original: “¡Que la ponchera que me mate, porque yo tengo mando!”
  • Financiamento
    A autora agradece o Consórcio de Pós-doutoral de Estudos Afro-Latino-Americanos, através do apoio financeiro da Universidade ICESI/ CEAF-Centro de Estudios Afro-latino-americanos na Colômbia e da Universidade de Harvard/ALARI-Afro-Latin American Research Institute.

Editado por

  • Editora-Chefe:
    María Elvira Díaz Benítez
  • Editor Adjunto:
    John Comeford
  • Editor Associado:
    Luiz Costa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2025
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2023
  • Aceito
    18 Set 2024
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Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - PPGAS-Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Quinta da Boa Vista s/n - São Cristóvão, 20940-040 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.: +55 21 2568-9642, Fax: +55 21 2254-6695 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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