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PATES, Rebecca & LESER, Julia. 2021. The wolves are coming back: the politics of fear in Eastern Germany. Manchester: Manchester University Press. 232 pp.

PATES, Rebecca; LESER, Julia. . 2021. The wolves are coming back: the politics of fear in Eastern Germany. Manchester: Manchester University Press. 232 pp.

O medo é um motor do desenvolvimento político e social em muitas partes do mundo. O medo pode ser usado para fazer política e ele leva as pessoas a se expressarem politicamente. O medo hoje é uma categoria levada a sério pelas ciências sociais e resultou em uma série de pesquisas e publicações esclarecedoras nos últimos anos (Hobfoll 2018HOBFOLL, Stevan. 2018. Tribalism. New York: Springer.; Nussbaum 2012NUSSBAUM, Martha. 2012. The new religious intolerance: overcoming the politics of fear in an anxious age. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press.; Wodak 2015WODAK, Ruth. 2015. The politics of fear: what right-wing populist discourses mean. London: Sage.). As autoras do trabalho discutido aqui também pertencem a esse contexto. Em seu livro The Wolves are coming back, as duas pesquisadoras Rebecca Pates, professora de ciência política da Universidade de Leipzig, e Julia Leser, pós-doutoranda no Centro de Pesquisa Antropológica CARMAH da Universidade Humboldt de Berlim, lidam com alguns aspectos do medo na Alemanha Oriental contemporânea.

Desde que o Muro de Berlim desapareceu há pouco mais de trinta anos e a reunificação uniu a Alemanha dividida em dois países, muitas esperanças e sonhos, especialmente no leste da República Federal da Alemanha, têm sido desapontados. Para as pessoas da Alemanha Oriental, a mudança de uma economia planejada para uma economia de mercado significou um abandono total de suas vidas anteriores. As empresas estatais desapareceram e, com elas, os empregos seguros (:39). Ao mesmo tempo, surgiram novas empresas e estruturas, mas elas eram administradas por alemães ocidentais. Grandes partes da Alemanha Oriental, especialmente as regiões rurais, experimentaram uma depopulação (Dienel 2005DIENEL, Christiane (org.). 2005. Abwanderung, Geburtenrückgang und regionale Entwicklung: Ursachen und Folgen des Bevölkerungsrückgangs in Ostdeutschland. Wiesbaden: VS Verlag .) que continua até hoje.

Principalmente os jovens se mudaram para as cidades ou para o lado ocidental do país para escapar do alto desemprego ou dos baixos níveis salariais. Aqueles que ficaram para trás se encontraram em um país que não era mais o seu. Já no início dos anos 90, os partidos e os funcionários da extrema direita reconheceram que um novo potencial de pessoas insatisfeitas estaria interessado em suas políticas. E, assim mesmo, estruturas fundamentais de extrema direita surgiram no leste da Alemanha, preparando o terreno para o que está sendo usado pelos partidos populistas de direita como a Alternativa para a Alemanha (AfD) para se estabelecerem permanentemente como uma força política no leste do país (:32). É o medo na mente daqueles que não puderam enfrentar as convulsões e as perdas dos anos 90 e que até hoje querem culpar os outros. Onde os outros podem ser elites urbanas com projetos políticos progressistas ou imigrantes de outros países, conforme a necessidade. A história recente da extrema direita na Alemanha Oriental tem sido tratada com frequência na literatura. O que Pates e Leser fazem aqui, no entanto, é uma abordagem diferente: elas ligam a análise da política populista de direita e de extrema direita na Alemanha Oriental com o lobo, que reapareceu cada vez mais na Alemanha Oriental há alguns anos. As áreas abertas e abandonadas criadas pelo declínio econômico na Alemanha Oriental têm atraído um número crescente de lobos, especialmente nos últimos dez anos, que migraram da Polônia e de outros lugares para a Alemanha Oriental (:33). Em resposta ao aumento da população de lobos, desenvolveu-se no país um discurso que posiciona, por um lado, os adeptos do lobo associados à conservação da natureza e, por outro, os moradores de regiões principalmente rurais do leste da república, que associaram retoricamente o aparecimento do lobo com uma ameaça por imigrantes de espécies (animais) ou culturas (humanos) estrangeiras e apelaram para o abate do lobo (e assim, indiretamente, dos humanos). O discurso, retomado pelos partidos populistas de direita, como a AfD, foi rapidamente dirigido contra uma suposta elite verde urbana, retratada pela ignorância em relação às condições de vida locais como uma ameaça à população rural no leste do país.

Em seu livro, Leser e Pates retomam repetidamente o discurso e a imagem do lobo enquanto esboçam o desenvolvimento político dos populistas e da extrema direita na Alemanha Oriental. Em seu trabalho, que está dividido em cinco capítulos, elas analisam a situação inicial na Alemanha Oriental desde os anos 90, o desenvolvimento da nova direita no país, a importância das regiões rurais vazias para os novos movimentos de direita e as reações da política à propagação da extrema direita, que se tornou cada vez mais evidente nos homicídios e ataques terroristas, especialmente nos últimos anos. No decorrer de suas pesquisas, as autoras conduziram uma série de entrevistas com acadêmicos, residentes locais e membros de organizações políticas analisadas, e incorporaram os resultados em várias passagens do livro.

A afirmação de que o leste da Alemanha tem um problema com a intolerância e a extrema direita, que vem sendo discutido há anos, não pode mais ser questionada. Ao contrário do Ocidente, onde também há repetidos ataques e atividades da extrema direita, o lado oriental representa hoje um reduto da direita populista como a AfD e seus membros mais proeminentes e extremos. Ao contrário dos partidos de extrema direita anteriores, que tiveram que se contentar com alguns pontos percentuais nas eleições, a AfD é agora uma das forças políticas mais fortes do leste da Alemanha, com resultados eleitorais em torno de 30%. Ao mesmo tempo, ela está sendo vigiada pelas autoridades de segurança nacional devido às suas declarações extremistas. E aqui, também, a imagem do lobo é reconhecível, embora de forma diferente. Nos últimos anos, o político da extrema direita da AfD e ex-professor de história Björn Höcke usou a imagem do lobo na sua retórica (o que também era popular no Terceiro Reich) para mostrar a força de defesa da população contra seus supostos inimigos (:66).

As autoras também veem o sucesso da extrema direita na aproximação política dos grupos neonazistas com a AfD - que, como partido, atua também no meio da classe média - e com outras organizações da nova direita. Elas perceberam um momento decisivo a este respeito nas manifestações radicais de 2018, quando uma fusão de grupos de direita e de extrema direita ocorreu na cidade de Chemnitz após um homicídio cometido por imigrantes, o que mostrou abertamente o nível de racismo e extremismo mais recente (:58-60). Entretanto, estas atividades não são as únicas formas de articulações da extrema direita na Alemanha Oriental. Nos últimos anos têm havido assentamentos de grupos patrióticos ou esotéricos em regiões escassamente povoadas no lado oriental do país. As autoras mencionam aqui, entre outros, o movimento Anastasia, que estabelece discretamente ideias nacionalistas e racistas nas regiões rurais da Alemanha Oriental (:97-99). Uma tendência semelhante já era evidente nos anos 90 (e antes também no lado ocidental). Grupos extremistas de direita que encontraram rejeição nos centros urbanos e nas grandes cidades procuraram as regiões rurais onde pudessem desenvolver suas estruturas e atividades sem serem perturbados. Hoje, porém, não são apenas os neonazistas que dessa forma podem vestir seus uniformes sem serem observados, mas são precisamente essas forças inconspícuas da nova direita que, à primeira vista, nada têm a ver com organizações extremistas, mas na realidade assim podem viver e difundir suas ideologias de maneira descontraída.

Durante muito tempo, as organizações de extrema direita tiveram relativamente pouco a temer do Estado. Somente os ataques contra políticos, como o assassinato do deputado estadual Walter Lübcke em 2019 (Carbajosa 2019CARBAJOSA, Ana. 2019. “Neonazista alemão confessa assassinato de político que defendeu abrir as portas aos refugiados”. El País. 26/06/2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/26/internacional/1561539183_986687.html . Acesso em 14/11/2023.
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) e outras ameaças de morte contra titulares de cargos políticos, convenceram os representantes políticos da gravidade da ameaça que a extrema direita representa hoje na Alemanha. A maior catástrofe até o momento foi a série de assassinatos racistas cometidos pela organização terrorista de extrema direita NSU, que também pôde contar com uma grande rede secreta de apoio no leste do país (:125).

No final do livro, as autoras retornam à imagem do lobo, que foi usada repetidas vezes como elemento central no decorrer da obra. Elas associam o lobo ao medo, que, de acordo com sua análise, surgiu primeiro nos anos 90 devido à incerteza após a abolição da economia planejada e depois foi repetidamente utilizado e reforçado por atores políticos populistas e de extrema direita. A rejeição das forças políticas progressistas, identificadas principalmente nas grandes cidades e no lado ocidental do país, serve como um elo entre os descontentes e insatisfeitos e as forças políticas radicais que desde então se estabeleceram na Alemanha Oriental.

O livro oferece uma boa visão dos desenvolvimentos da nova direita na Alemanha, nomeando tanto os atores maiores quanto os menores que constituem funções importantes neste cenário político. Para ter uma impressão completa da situação atual na Alemanha, literatura adicional sobre os anos 90 e início dos anos 2000 deve ser consultada. As autoras também lidam com estes desenvolvimentos em algumas páginas. Entretanto, devido ao escopo temático deste livro, um estudo mais intensivo daquela época é recomendado. Os trabalhos mais detalhados sobre aquele período estão disponíveis apenas em alemão (por exemplo, Brauner-Orthen 2001BRAUNER-ORTHEN, Alice. 2001. Die Neue Rechte in Deutschland. Wiesbaden: VS Verlag. ). Uma das poucas exceções em inglês foi publicada por Gerard Braunthal (2009BRAUNTHAL, Gerard. 2009. Right-wing extremism in contemporary Germany. Basingstoke: Palgrave Macmillan.). Nos últimos anos, surgiram também outros trabalhos sobre o tema do extremismo de direita na Alemanha, mas estes tratam principalmente dos desenvolvimentos atuais a partir de 2010.

A apresentação do movimento antialemão no quarto capítulo não foi totalmente clara. Este grupo, que pertence à esquerda radical, foi brevemente introduzido aqui sem se encaixar de forma mais precisa no contexto do livro. Uma consideração publicada em separado, no entanto, seria muito recomendada. Partes proeminentes da primeira geração do movimento antialemão também estão hoje (contraditoriamente) na extrema direita. Entretanto, este detalhe não foi abordado no livro.

Referências

  • BRAUNER-ORTHEN, Alice. 2001. Die Neue Rechte in Deutschland Wiesbaden: VS Verlag.
  • BRAUNTHAL, Gerard. 2009. Right-wing extremism in contemporary Germany Basingstoke: Palgrave Macmillan.
  • CARBAJOSA, Ana. 2019. “Neonazista alemão confessa assassinato de político que defendeu abrir as portas aos refugiados”. El País 26/06/2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/26/internacional/1561539183_986687.html Acesso em 14/11/2023.
    » https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/26/internacional/1561539183_986687.html
  • DIENEL, Christiane (org.). 2005. Abwanderung, Geburtenrückgang und regionale Entwicklung: Ursachen und Folgen des Bevölkerungsrückgangs in Ostdeutschland Wiesbaden: VS Verlag .
  • HOBFOLL, Stevan. 2018. Tribalism New York: Springer.
  • NUSSBAUM, Martha. 2012. The new religious intolerance: overcoming the politics of fear in an anxious age Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press.
  • WODAK, Ruth. 2015. The politics of fear: what right-wing populist discourses mean London: Sage.

Editado por

Editora-Chefe:

María Elvira Díaz Benítez

Editor Associado:

John Comeford

Editora Associada:

Adriana Vianna

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Dez 2022
  • Aceito
    21 Fev 2024
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