Resumo:
Este ensaio desenterra a Guerra Mucker, o primeiro levante messiânico do Brasil moderno, ocorrido entre teuto-brasileiros em 1874 e deixado à impunidade, relegado à escória da história. O conflito fratricida teve como pano de fundo um expansionismo neocolonial que conectava a Europa à fronteira sul do país, refletindo também a dinâmica de racialização e a necropolítica das classes dominantes, assim como uma silenciada insurgência anticolonial de base: espaço-tempos e entrelaçamentos dos quais eu sou um descendente acidental. Embora amaldiçoado, um certo modo comunitário de cuidar de si mesmo e de seus entes queridos permaneceria vivo como um não-saber errante naquela paisagem sulina, manifestando o poder plástico da gente colonizada internamente. Ao dar atenção etnográfica a essa dimensão ahistórica, o ensaio delineia um outro lugar que desaloja o conhecido e possibilita capacidades distintas de sintonização e de contar histórias e, para os Mucker e seus descendentes, métodos alternativos de conceber o corpo e o mundo abertos ao Espírito da Natureza. O etnógrafo-contador-de-histórias é uma das muitas entidades que pulsam no palimpsesto poético-prismático de traços-daquilo-que-não-se-sabe, sempre prestes a se tornar outra coisa: um coletivo de copresenças que a práxis antropológica pode deixar apodrecer e continuar desaparecendo - como um modo de viver enxertado na natureza - ou que pode ser revivido por esses lampejos, mesmo sem linguagem.
Palavras-chave: Guerra Mucker; Insurgência anticolonial; Imigração alemã; Traços-daquilo-que-não-se-sabe; Sociopoética
Abstract:
This essay unearths the Mucker War, the first messianic uprising in modern Brazil, which took place among German-Brazilians in 1874 and was left to impunity and relegated to the dustbin of history. The fratricidal conflict unfolded against the backdrop of a neo-colonial expansionism that connected Europe to the country's southern frontier, also reflecting the dynamics of racialization and the necropolitics of the ruling classes, as well as a silenced grassroots anti-colonial insurgency: spaces-times and entanglements of which I am an accidental descendant. Though cursed, a certain communal way of caring for oneself and one's loved ones remained alive in this southern landscape as a wandering non-knowledge, manifesting the plastic power of internally colonized people. By paying ethnographic attention to this non-historical dimension, the essay delineates another place that dislodges the known and makes possible different capacities for tuning in and storytelling, and, for the Mucker and their descendants, alternative ways of conceiving the body and the world open to the spirit of nature. The ethnographer-storyteller is one of the many entities that pulsate in the poetic-prismatic palimpsest of traces-of-what-one-does-not-know, always on the verge of becoming something else: a collective of co-presences that anthropological praxis can let rot and continue to vanish - like a way of life grafted onto nature - or that can be revived by these flashes, even without language.
Keywords: Mucker War; Anticolonial insurgency; German immigration; Traces-of-what-one-does-not-know; Socio-poetics
Resumen:
Este ensayo desentierra la Guerra Mucker, el primer levantamiento mesiánico del Brasil moderno, que tuvo lugar entre germano-brasileños en 1874 y quedó impune y relegado al basurero de la historia. El conflicto fratricida se desarrolló en el contexto de un expansionismo neocolonial que conectaba Europa con la frontera sur del país, reflejando también las dinámicas de racialización y la necropolítica de las clases dominantes, así como una insurgencia popular anticolonial silenciada: espacios-tiempos y enredos de los que soy descendiente accidental. Aunque maldita, cierta forma comunitaria de cuidar de uno mismo y de sus seres queridos permaneció viva en este paisaje meridional como un no-saber errante, manifestando el poder plástico de la gente internamente colonizada. Al prestar atención etnográfica a esta dimensión no histórica, el ensayo delinea otro lugar que desaloja lo conocido y posibilita distintas capacidades de sintonía y narración y, para los Mucker y sus descendientes, formas alternativas de concebir el cuerpo y el mundo abiertas al espíritu de la naturaleza. El etnógrafo-narrador es una de las muchas entidades que palpitan en el palimpsesto poético-prismático de huellas-de-lo-que-no-se-sabe, siempre a punto de convertirse en otra cosa: un colectivo de copresencias que la praxis antropológica puede dejar pudrir y seguir desvaneciéndose - como una forma de vida injertada en la naturaleza - o que puede ser revivido por estos destellos, incluso sin lenguaje.
Palabras clave: Mucker War; Insurgencia anticolonial; Inmigración alemana; huellas-de-lo-que-no-se-sabe; Sociopoética
Guerra sem fim
Neste ensaio, compartilho elementos da Guerra Mucker que aconteceu na colônias teuto-brasileiras por volta de 1874. Este conflito fratricida teve como pano de fundo um expansionismo neocolonial que conectava a Europa à fronteira sul do Brasil, e refletiu intricadas políticas regionais, tessituras de desigualdade e focos de sedição: espaço-tempos e entrelaçamentos dos quais eu sou um descendente acidental.
Jammerthal, o Vale da Lamentação I, Torben Eskerod, 1991
Milhões de europeus emigraram durante o século XIX, fugindo de guerras, miséria e distúrbios políticos. A maioria dos emigrantes foi para os Estados Unidos, mas alguns se dirigiram ao Brasil. Em 1824, as autoridades imperiais fundaram a Colônia de São Leopoldo para receber milhares de imigrantes alemães na província do Rio Grande do Sul, como parte de um plano militar-agrícola que visava à ocupação e à defesa das fronteiras meridionais (Roche 1969; Witt 2015; Mugge 2022). Supunha-se também que os colonos iriam diversificar a economia e branquear a força de trabalho na região, na qual um terço da população era constituído de escravizados (Moreira; Mugge 2014). Aquele era o tradicional território do povo Kaingang, que fora ou dizimado ou deslocado no início do século XIX (Bringmann 2009), resultado de várias iniciativas governamentais e privadas, incluindo uma fracassada tentativa de plantation baseada em trabalho escravo na região do Leonerhof (Fazenda Leão, atualmente município de Sapiranga), palco da Guerra Mucker.
Milhares de camponeses, lumpenproletariado, ex-prisioneiros e mercenários, foram recrutados para ocupar o sul do Brasil durante a primeira metade do século XIX, com promessas de terra, cidadania e direitos religiosos como protestantes - nenhuma das quais jamais foi cumprida totalmente. Inicialmente, os imigrantes só cultivavam a terra para a sua própria subsistência, mas isso mudaria à medida que produtos agrícolas excedentes começaram a fluir para a capital Porto Alegre, então a quarta maior cidade do país.
Na década de 1860, as colônias prosperavam economicamente. Cada vez mais importante para a Província e para o Império, este celeiro passou a ser observado com olhos atentos também pela Alemanha. A emergente potência mundial queria expandir suas transações comerciais e fortalecer enclaves étnicos puros na América do Sul (Avé-Lallemant 1953; Conrad 2012). Enquanto isso, uma burguesia teuto-brasileira começava a desenvolver a ideia de um hiesiges Deutschtum (germanismo local), baseado em conceitos de superioridade racial e cultural, e a buscar representação política (Biehl 1996; Biehl 2008). Missionários protestantes e jesuítas alemães recém-chegados, por sua vez, denunciariam a arreligiosidade dos colonos, e se empenhariam por erradicar a prática - então comum - do sacerdócio leigo (Biehl; Mugge 2022).
A região sul estava longe de ser um lugar de paz e de bom governo. Forças paraguaias invadiram a província em 1865, e centenas de jovens alemães nascidos no Brasil foram recrutados para lutar no que se tornou a mais sangrenta guerra travada na América do Sul (Becker 1968; Izecksohn 2014). Enquanto isso, aquela gente simples teria de achar maneiras de, por conta própria, aprimorar infraestruturas precárias, criar terapêuticas para repelir males de todo tipo e lidar com uma altíssima mortalidade, como fizeram os - assim considerados - “falsos santos” Mucker (Biehl 1991; Biehl; Mugge 2022; Petry 1957; Amado 1978; Domingues 1977).
Jammerthal, o Vale da Lamentação II, Torben Eskerod, 1991
“Nem mesmo os mortos estarão protegidos do inimigo, se ele vencer”, nos lembra Walter Benjamin, referindo-se aos esmagadores efeitos de uma história contada pelas classes dominantes (Benjamin 1968:255). Mas o “silenciamento do passado” (Trouillot 1995) não é tudo que existe. Como irei compartilhar com vocês no que segue, um outro tipo de longevidade - Mucker - persiste naquela paisagem sulina. Nas histórias contadas pelos pobres e nos arquivamentos afetivos encontramos a força contínua e animadora de um outro lugar, a-histórico.
Jammerthal, o Vale da Lamentação III, Torben Eskerod, 1991
Violência ressurge na terra dos Mucker
Em maio de 1993, o corpo decapitado de uma mulher foi encontrado na mata em Sapiranga, um assentamento ao norte da antiga Colônia de São Leopoldo. Os relatos que circularam sobre esse grotesco assassinato eram por demais estranhos, sugerindo uma história de violência e de silenciamento naquela região. Os jornais relataram que a mulher tinha pele escura, a cicatriz de uma cesariana e aproximadamente 30 anos de idade. As impressões digitais não foram identificadas, e sua cabeça não foi encontrada. O chefe da polícia, numa providência incomum, ordenou que se vestisse um manequim com as roupas da vítima, “para estimular a memória das pessoas” (Jornal NH 1993).
Arquivo da Promotoria de Justiça de Sapiranga, RS
Essa história foi mencionada no Zero Hora, o principal jornal do estado, em um relato sobre o número cada vez maior de homicídios naquela região relativamente próspera. Segundo o jornal, a violência originava-se nas favelas, ocupadas por legiões de migrantes à procura de emprego nas fábricas de calçado. Os preocupados cidadãos de bem estavam construindo muros em torno de suas casas e se armando. O repórter chegou a ponto de rotular essa “violência migratória” como uma recorrência fantasmagórica: “Violência ressurge na terra dos Mucker” (ZH 1993; Serrano Pereira 1993).
O título era uma alusão à guerra Mucker, que fragmentara para sempre a comunidade teuto-brasileira. No final da década de 1860, surgiu entre os colonos um movimento terapêutico e piedoso; centrava-se nos transes de uma jovem mulher chamada Jacobina Mentz Maurer, e nos chás e emplastros medicinais preparados por seu marido, João Jorge Maurer (mais um entre tantos outros curandeiros do Brasil oitocentista).1 Filhos de imigrantes protestantes, o casal trabalhava a terra que Jacobina tinha herdado de seu pai, em Leonerhof, no sopé do imponente morro Ferrabraz. Ambos mal sabiam ler e escrever (Domingues 1977; Dreher 2017).
“Depois de três anos em perfeita ordem”, como diria mais tarde João Daniel Noé, um dos participantes de primeira hora dessas reuniões (Noé 1977:383), o grupo tornou-se conhecido, primeiro, entre vizinhos desgostosos, e depois, pela Igreja, pela imprensa e pelo governo como Mucker - literalmente, os que escavam Muck, isto é, estrume: os que são falsos beatos, santimoniais e hipócritas. No inverno de 1874, após um ano de intenso conflito intraétnico, cerca de cem colonos foram caçados e mortos pelo Exército brasileiro, em decisões influenciadas pelas elites germanistas (Dickie 2018), em decisões influenciadas pelas elites germanistas. Desde então, nessa parte do meu mundo a palavra Mucker ganhou o significado de fanatismo, sedição e loucura assassina, enquanto aqueles que fizeram da guerra uma realidade inevitável permanecem nas sombras de sua própria história.
João Jorge Maurer (1840-1874) & Jacobina Mentz Maurer (1842-1874) Fotografia do casamento, 1866, Museu Histórico Visconde de São Leopoldo
Colono grossos, socialmente nadas
Sou um descendente, de quinta geração, de imigrantes que vieram para o Sul nas décadas de 1840 e 1860. Nasci na colônia de Kaffeeschneiss, ou Picada Café, e cresci falando Hunsrückish, uma língua oral como o koiné, que resultou da hibridização de vários dialetos ancestrais alemães, com o acréscimo de socioletos contemporâneos e palavras do português (Altenhofen 1998). Longe do Hochdeutsch, ou alemão padrão, falado pelas elites urbanas e pelo clero, nossa família, como tantas outras, referia-se autodepreciativamente à língua que falávamos como hecke Deutsch (“alemão do mato”). Ou seja, a língua dos plantadores de batata (kartoffel Deutsch), uma impenetrável confusão de ramos linguísticos que parecia nos manter enclausurados em um campo existencial separado, como que excluídos da nação.
Colônia de Picada Café por Oscar Canstatt (ca. 1868), Brasilien: Land und Leute
Minha mãe, Noemia, foi tirada da escola na quarta série para ajudar nos trabalhos agrícolas, e meu pai, Fernando, acabou trabalhando em um curtume, depois de terminar a quinta série. Em meados da década de 1960, graças à audácia da minha mãe, o jovem casal decidiu migrar, com seus dois filhos pequenos, para a periferia de Novo Hamburgo, então o epicentro de uma indústria nacional de calçados em plena expansão. Meus pais queriam começar um açougue e salsicharia para conseguir pagar as dívidas que haviam herdado de seus pais - e para dar a minha irmã Marina e a mim uma oportunidade de estudo, um destino diferente da roça, ou da fábrica.
Apesar de vislumbrarmos um futuro na cidade, as colônias continuavam presentes em nós. Na língua e nas comidas caseiras, com certeza, já que meus avós acabaram migrando também, e minha avó materna, vó Minda, morava conosco, desde que seu marido, bêbado, ateou fogo na casa deles. Havia também as frequentes viagens de volta à zona rural com meu pai, a fim de arranjar carne de porco para a fabricação de linguiças, ou com toda a família para o Kerb anual, até hoje o mais importante festival nas comunidades teuto-brasileiras. Mas as colônias também permaneciam vivas em nós no bullying diário que experimentávamos por sermos “colono grossos”, ou “alemão batatas”, mesmo não tendo a menor percepção de nós mesmos como “alemães”, e sem noção alguma sobre aquele lugar chamado Alemanha. Durante esses anos, o mais incompreensível para mim era que minha família, encurralada e vilipendiada como era, parecia concordar que éramos nichts, pobres brancos, socialmente nadas.
Recordação escolar, arquivo da família Biehl
Nas idas e vindas entre nossa casa em Novo Hamburgo e as colônias, eu me encontrava distante de ambos os mundos. E, contudo, conquanto envolvido em meu próprio estranhamento e minhas fantasias de escape, ainda era tocado por elementos desse outro espaço-tempo. Como os unguentos que vó Minda costumava esfregar em nossos peitos no frio inverno, para nos livrar da bronquite, ou as preces e os chás da benzedeira que morava a alguns quarteirões de nós e que uma vez até deu um jeito na minha perna quebrada. Ou as histórias que os mais velhos contavam, de como früher, antigamente, o temido bando Mucker vinha à noite para roubar animais e bens da casa, e como os colonos, em resposta, dormiam junto de seus rifles. “Man muss sich aufpassen”, “É preciso cuidar de si mesmo”.
Já faz várias décadas que tenho voltado ao lugar onde tudo começou para mim, em busca de traços dos falsos santos Mucker: primeiro, como parte de minha tese de mestrado em filosofia e, mais recentemente, como parte de um livro sobre a Guerra Mucker que finalmente estou escrevendo (Biehl 1991; Biehl 2022; Biehl 2024). Inspirado no trabalho do antropólogo Michel Trouillot (1995) sobre o fato de o Ocidente não ter sido capaz de reconhecer a bem-sucedida insurreição antiescravista no Haiti, tenho explorado os violentos mecanismos do poder na produção da história Mucker e a “conspiração de silêncio”2 e narrativas míopes que ela propicia até hoje.
Contando histórias no salão comunitário, Torben Eskerod, 1991
Concordo com Trouillot (1995:xix) em que “a marca última do poder” é “sua invisibilidade” e pergunto: qual foi o elemento “invisível” que moldou a gente simples, aflita e anelante, reunida em torno dos transes de Jacobina, como falsos beatos e criminosos merecedores de extermínio? O que contribuiu para a longevidade da fabulação Mucker, como está evidente no relato de Zero Hora, e que diferença faz o que está na memória dos pobres?
Traços-daquilo-que-não-se-sabe
Enquanto eu me dirigia às colônias em busca de uma história para contar, falava com estranhos ao longo das estradas e parava para visitar parentes distantes.
Parentes colonos, Torben Eskerod, 2017
Coletei relatos de vida, participei de cultos, curti festivais, visitei cemitérios do século XIX, extasiado com cada antiga reminiscência que me aparecesse pelo caminho. Como as lápides que transmitem a dureza do dia a dia e a marginalizada identidade social daqueles colonos:
“Aqui não temos um lugar permanente. Estamos em busca do lugar futuro.”
“No céu não há mais sofrimento, perecimento e morte; lá nossos desejos se desvanecem num eterno reencontro.”
“Sou um hóspede na Terra e não tenho permanência aqui! O céu que me espere, lá é minha pátria.”
Pedra tumular I, Torben Eskerod, 1991
Fiquei muito impressionado com as imagens terrenas de sepulturas antigas: um sol, um galho folhoso, às vezes até um coração. Traços de uma espiritualidade ligada à natureza?
Também havia vestígios Mucker emergindo de encontros inesperados. Como aconteceu alguns anos atrás, quando eu quis achar o original de um retrato raro de uma família Mucker - os Fuchs - que chamou a minha atenção quando folheava um livro de genealogia da região. Depois de muitas tentativas, encontrei a imagem na própria casa que Fuchs tinha construído em 1862.
Existem na casa vários registros, inclusive uma caixa com negativos de vidro que retratam a vida ali no início do século 20, e uma pilha de anotações, recibos e certificados, demonstrando a longue durée de um sistema local de permutas.
Pedra tumular II, Torben Eskerod, 2017
Arquivo familiar I, Torben Eskerod, 2017
Na última página do livro de registros vitais dos Fuchs achei a receita, escrita em Hunsrückish, de um remédio digestivo caseiro, o que fez Lucinda me levar ao jardim, onde listou, uma por uma, as propriedades curativas e venenosas de um acervo botânico intergeracional do qual ela cresceu cuidando.
Arquivo familiar II, Torben Eskerod, 2017
Seu marido Sílvio nos guiou pela mata até um imponente algodoeiro e apontou para os entalhes de mais de cem anos: “A casca ajuda a acalmar a dor do corpo.”
Algodoeiro, Torben Eskerod, 2017
Enquanto eu fitava maravilhado essas inscrições humano-vegetais, Sílvio acrescentou que bem ali, à esquerda de onde estávamos, ficava a antiga trilha pela qual os Fuchs haviam cavalgado até a casa dos Maurer, um século e meio atrás.
Esses traços não falam apenas dos esforços para silenciar o passado. Eles também transmitem “o verso que é possível não fazer”, como diria João Cabral de Melo Neto (2005:29): aquilo que pode não ter deixado traços formais mas assim mesmo continua. Ou aquilo que Friedrich Nietzsche (1957:69), em seus esforços por desenterrar o que uma história universal vitoriosa não considera verdadeiro, chamou de o “ahistórico”. Pois, para poder fazer reparações, a vida exige uma dose de esquecimento - “a morte do conhecimento” (1957:70) - e horizontes são necessários quando se quer parar de ser levado à deriva para a infinitude, ou de ficar paralisado por um pensamento apocalíptico. A coexistência do atual com o ahistórico (seja por meio de expressões artísticas, da religião, ou das artes de cura) cria uma atmosfera na qual as pessoas não são reduzidas a criaturas taxonômicas ou “sombras da humanidade” (1957:72), e são, uma vez mais, abertas e maleáveis, aprendendo umas com as outras e com o meio ambiente a se adaptar e a continuar vivendo.
Instigado pelas histórias e pelos terrenos desconhecidos evocados por Lucinda e Sílvio e tantos outros, estou pois em busca das continuidades das assim chamadas comunidades pré-modernas e de suas imaginativas práticas de cuidado, que incluíam o Espírito da Natureza e relacionamentos com os mortos, expandindo assim o conceito de lar e de destino.
Espírito natural I, Torben Eskerod, 2017
Sinto que tenho uma relação com todas essas coisas - imagens, ervas, dizeres, experiências gravadas em árvores, trilhas - que achei (ou pelas quais fui tocado) em meus retornos às colônias, e continuo refletindo sobre sua misteriosa sobrevivência e sobre o sensório do qual uma vez foram parte - algo semelhante ao que George Bataille (2001:114) chama de um sistema inacabado de “não-saber em forma de morte”.
Enquanto esses traços-daquilo-que-não-se-sabe (como gosto de chamá-los) estilhaçaram ainda mais o que restava de minha objetividade histórica e meu realismo ralo, eles também inculcaram em mim uma sensibilidade menos convicta. Essa abertura ao inesperado aguçou minha capacidade de discernir o que está fora do lugar, a porosidade que existe entre a vida e o inanimado. Levou-me a dar atenção à diferença que interpela a história, os modos de existência e os futuros que uma gente considerada sem valor se sentiu compelida a implementar em suas casas e espaços comunitários. Vamos chamá-los de arquivamentos insurgentes (Biehl 2022), que podem transformar nossas narrativas do que de fato aconteceu e do que poderia ter sido e iluminar de onde a nossa humanidade pode emanar. No livro que estou escrevendo, quero resgatar a senciência dos vestígios Mucker com os quais me deparei ao longo dos anos. Para dar a eles um Lebenswelt, uma paisagem, um mundo de vida, uma narrativa heterodoxa. É também meu sincero esforço de voltar para casa, mais uma vez, de conhecê-la de forma diferente, um pouco mais livre.
Os Mucker eram colonos como a gente
À janela, Torben Eskerod, 1991
Eu frequentemente ficava perplexo com o que as pessoas recordavam. Como Edgar, sentado à janela, que, indiretamente, ficou do lado dos Mucker: “Os Mucker não eram gente ruim. Eles eram colonos como nós. Só que eles queriam podem. Meu avô dizia que a Jacobina era como Cristo. Mais do que isso, não sei.” Ou Rudolfo, o dono de uma venda à beira da estrada: “Meu avô me dizia que por aqui os Mucker nunca causaram problemas. Eles iam lá na Jacobina, celebravam e voltavam para as suas vidas”. Como nos lembra o iluminado W.G. Sebald (2006:24): “Os mortos estavam sempre, de certa forma, em casa, não eram condenados ao exílio e podiam continuar a vigiar os limites das propriedades”.
Visitando igrejas luteranas me deparei com registros paroquiais - Gemeindebücher -anteriores à chegada dos missionários alemães. Percorrendo suas páginas, fiquei impactado com o alto número de mortes de crianças nas antigas colônias, e pasmo quando dei com o registro, em 1855, do falecimento da pequena Elisabeth Dahmer, em Picada Café. Não foi o pastor leigo e mestre-escola August Sintz, e sim Frauen aus der Nachbarschaft (“mulheres da vizinhança”) que sepultaram a recém-nascida no cemitério junto à igreja.3 Vizinhas compassivas, com certeza. Mas seria também uma referência à parteira do lugar, ou talvez a uma benzedeira? Alguém como Jacobina?
Registro de falecimento da pequena Elisabeth Dahmer, Torben Eskerod, 2017
Em outros registros encontrei referências a Häuser (casas) em que o pastor colono realizava batismos e cultos;4 às causas (como convulsões e febres) que famílias enlutadas atribuíam a falecimentos prematuros; e referências a famílias, inclusive os Biehls, que sepultavam seus mortos em sua própria terra. Esses traços de uma espiritualidade doméstica e maneiras de conceber o corpo e o mundo abertas à Divindade Natural, compartilhadas com vizinhos e muito aquém dos domínios da igreja, ampliaram minha percepção dos ritmos da vida cotidiana enxertada na natureza, que encontraria expressão nos transes e interpretações bíblicas de Jacobina e nas ervas medicinais de João Jorge.
Outras inscrições surpreendentes ampliaram minha compreensão da dominação física e das desigualdades do oikos também: pastores registravam os batismos dos cativos de famílias abastadas, revelando como a escravidão estava disseminada nas colônias alemãs, apesar de uma lei provincial proibir aos imigrantes a posse de escravos. Eu ficava pensando em como o cativeiro estava normalizado e como a branquitude era purificada aos olhos desses crentes.
Registro de batismo de Hermine Schmidt, filha da escrava (Sklavin) Luisa, 11 de fevereiro de 1871, Livro de registros da Comunidade Evangélica de Hamburgo Velho. Torben Eskerod, 2017
O aparecimento do germanismo local
Visando descobrir quem realmente queria a guerra, procurei pela presença dos lendários Mucker nos arquivos do poder em São Leopoldo, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Berlim. Pouco a pouco, essa ocorrência fora do comum começou a se mostrar cada vez mais intricadamente multiescalar. E eu comecei a delinear como aquele povo simples foi, passo a passo, fabricado e eliminado como Mucker, sujeito que estava a uma série de distinções - primitivo/civilizado, brasileiro/alemão, rural/urbano, analfabeto/instruído, religioso/secular, antiquado/moderno - e suas efetivações.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Torben Eskerod, 2017
Visto desta perspectiva, o conflito Mucker não foi uma “guerra dentro de casa”, como Nicole Loraux (2002) teorizou a antiga stasis - ou guerra civil grega -, isto é, uma divisão doméstica original que adentraria a pólis e seria superada por um novo paradigma de reconciliação. Os Mucker eram, antes, um reagente que mediava o aparecimento do hiesiges Deutschum (germanismo local) como uma realidade política totalitária e um pensamento faccioso. Para pertencer a esse tipo de parapúblico idealizado e conquistar a garantia de alguma representação política e oportunidade econômica, os colonos teriam que abir mão de seus modos de vida autônomos e autogoverno e abandar sua própria capacidade de transcendência.
Em sua cobertura do assassinato em Sapiranga, em 1993, Zero Hora relatou que os Mucker eram liderados por “uma mulher que sofria de transtornos psicológicos”. O clero tinha proibido que paroquianos assistissem aos transes de Jacobina, pois dizia-se que ela interpretava a Bíblia num modo messiânico, induzindo as famílias à imoralidade e à desobediência civil. A historiadora Janaína Amado (1978:127-136) estimou que no clímax do conflito mais de mil pessoas estavam envolvidas com o movimento; isto é, perto de 10% da população teuto-brasileira de São Leopoldo. A grande maioria dos peregrinos era de luteranos e residia em colônias remotas.
Os malfadados Mucker, assim prossegue a narrativa no Zero Hora, se vingaram emboscando autoridades locais e incendiando as casas de seus vizinhos e entrepostos comerciais. O Exército nacional fora justificadamente chamado em resposta às ações violentas dos Mucker, e para restaurar a ordem. Registros militares mostram que a casa de Jacobina e João Jorge foi atacada e incendiada em 19 de julho de 1874.
Dezenas de homens, mulheres e crianças morreram no ataque, assim como o coronel Genuíno Sampaio, que comandava as tropas, com a ajuda de colonos enraivecidos. Vários sobreviventes foram levados à prisão em São Leopoldo. Alguns Mucker conseguiram escapar, inclusive Jacobina, então com 33 anos, e sua filha recém-nascida, e se esconderam na mata do Ferrabraz. Em duas semanas, o grupo foi encontrado e fuzilado. Soldados e colonos mutilaram os cadáveres - a boca de Jacobina foi retalhada - e os puseram numa vala comum no mato. Alguns meses depois foi encontrado um corpo putrefato, identificado como de João Jorge Maurer. Mucker tornou-se uma palavra maldita e uma heurística de loucura e crime (Schupp 1906) - uma lenda contínua do presente.
O que Zero Hora não disse foi que a ação militar contra os Mucker tinha sido patrocinada pela elite germanista que vivia em Porto Alegre e apoiada pela polícia de São Leopoldo e pelas autoridades luteranas e jesuítas, recém-chegadas na região. Carlos von Koseritz, um liberal livre-pensador e diretor do influente jornal Deutsche Zeitung (maior jornal de língua alemã do país naquela época), foi a ponta de lança da campanha anti-Mucker. Após as fracassadas revoluções de 1848 nos estados alemães, Koseritz veio para o Brasil juntamente com dois mil mercenários contratados para lutar contra a Argentina, que havia ocupado o Uruguai (Lemos 2017).
Assim como outros ilustrados da época, Koseritz se definia como “um darwinista convicto” em um país que, segundo ele, ainda era “teológico e metafísico” (Oberacker 1961:53). Era um defensor ferrenho da Realpolitik e da Kultukampf (literalmente, “luta cultural”) articulada por Otto von Bismarck, que liderou a Alemanha após a unificação de 1871. Abolicionista e ao mesmo tempo proprietário de escravos, Koseritz usou a imprensa para fustigar a igreja católica estatal e o protecionismo econômico. Koseritz e seus aliados estavam profundamente envolvidos no desenvolvimento de um coletivo étnico, “um germanismo fraternal”, purgado do suposto atraso que se tinha apossado dos descendentes da primeira onda imigratória, que eles alegavam representar e queriam regermanizar. A elite germanista tinha acabado de desencadear uma nova campanha que instava o governo a apoiar um influxo contínuo de imigrantes alemães, para manter a “pureza ao sul do Equador”, nas palavras do próprio Koseritz (1867).
Túmulo de Carlos von Koseritz no Memorial Martin Lutero em Porto Alegre, Torben Eskerod, 2017
Em 1º de agosto de 1874, o editorial do Deutsche Zeitung estampava, “Os Mucker têm de ser caçados como cães e mortos no fogo e na espada, de modo que não reste deles traço... Apesar de mal saberem ler e escrever seus nomes, esses fanáticos assassinos querem reformar o mundo atual de acordo com suas visões.”
Neocolonialimo alemão nos Trópicos
Essa destruidora elite germanista tem sido metodicamente omitida da historiografia Mucker. No entanto, em minha investigação, não consegui evitar a conclusão de que Koseritz e aliados tinham orquestrado ativamente o conflito, mediante relatos sensacionalistas, falsos testemunhos, apoio a incursões policiais e petições para deportação de famílias Mucker - “Weißer Neger” (negros brancos), “no nível de adoradores de feitiços africanos” e mesmo “abaixo de negros”, como Koseritz os escarnecia.5 A narrativa mestra germanista não só configurou o debate público na época, como também impregnou os principais relatos históricos da guerra, os quais, por sua vez, informaram o relato de Zero Hora sobre a mulher decapitada (ZH 1993).
Considere-se este relato de 10 de maio de 1873, publicado por Koseritz sob o pseudônimo Y.Z.: “Se a polícia não tomar providências, coisas terríveis podem acontecer no futuro. Dizem que a mulher do Doutor Milagreiro considera-se a Salvadora e que ela profetiza o fim do mundo e todo tipo de disparates que só mesmo Deus sabe... Seus seguidores matam gado e porcos e os salgam para que possam festejar quando a história chegar ao fim.”6
Dois meses antes, o pastor Frederico Boeber e o professor João Weiss tinham redigido um documento pedindo à polícia que investigasse as reuniões no Ferrabraz. O abaixo-assinado alegava que os encontros estavam levando a discórdias, e que vários Mucker não estavam mais pagando suas obrigações para com a Igreja e com a escola comunitária. A “segurança” dos residentes estava em risco.7
Arquivo Mucker, Torben Eskerod, 2017
Enquanto isso, para a Alemanha, os assentamentos alemães na América do Sul tornaram-se uma espécie de laboratório para um novo tipo de expansionismo cultural e econômico. Um relatório de 1874 da Sociedade Alemã para Protestantes no sul do Brasil deixou claro quais eram os objetivos da missão (Auftrag 1874:45):
Quão importante é ter no além-mar uma tribo que pensa e negocia em alemão, simpatiza conosco em termos de comércio e de política, e representa nossos interesses em todas as questões. Este senso comum precisa agora tornar-se óbvio para todos os esclarecidos.
Estas palavras são de Friedrich Fabri, encarregado das atividades missionárias nas Américas, e principal ideólogo do colonialismo territorial alemão. “Devemos continuar sentados em nossas salas de estudo e nos familiarizando com todos os quartéis do mundo, sem encontrar um segundo lar nacional no além-mar?”. A resposta de Fabri foi, obviamente, um sonoro “Não”. O recém-unificado Império Alemão “precisava” de colônias territoriais, ele escreveu em seu manifesto de 1879, no qual também defendia que a emigração alemã fosse redirecionada dos Estados Unidos para a América do Sul, onde uma pureza étnica seria possível e as colônias manteriam estreitos laços com a pátria alemã (Fabri 1998).
No final de 1873, Koseritz foi peremptório, “os impostores Mucker não merecem cidadania”:8
Eles adoram uma mulher como Cristo que (tiremos então seu papel da Bíblia) deveria ser denominada, com muito mais razão, de p... [puta] babilônica. Para este bando só resta asilo na penitenciária ou no manicômio. Eles são fiéis a todos os atos ruins; operam sobre a sociedade como veneno de morte que destrói o organismo humano.
Se o governo não libertar a sociedade deste monstro os moradores das colônias - para segurança pessoal - farão a justiça do linchamento; e mortes serão daí decorrentes.9
Em seu livro Sobre a utilidade e a desvantagem da história para a vida, publicado na época da Guerra Mucker, Nietzsche escreveu que “todos padecemos de uma febre histórica maligna” (1957:4). A devoção à história universal e à cultura clássica e a obsessão com a supremacia condenaram a Alemanha a ser uma “cultura decorativa” que tanto “é injusta com o passado” como “mutila a vida” e, no processo, aniquila as condições para a criatividade (Nietzsche 1957:73, 15, 12). Nos assentamentos da fronteira sul, uma forma local de Kultur alemã seria dolorosamente inscrita nos corpos dos Mucker, tidos como representantes de um modo de vida primitivo e sedicioso. Os Mucker seriam exterminados como se fossem uma excrescência de um inexorável projeto de evolução sociopolítica e de integração comercial. E com a violenta emergência de uma identidade alemã surgiu também uma percepção de que as coisas poderiam ser diferentes, de que um certo modo de conhecer-se a si mesmo e o mundo era agora uma moeda desvalorizada, uma coisa do passado.
Os Mucker não cortavam os rabos dos cavalos
Vó Minda, por volta de 1966, arquivo da família Biehl
No verão de 1991, visitei vó Minda em um lar de idosos em Ivoti, onde passava os últimos anos de sua vida. Ou, conforme ela, “prisão: aqui não tenho o que trabalhar”. Lutando contra Parkinson e Alzheimer, a minha avó era a primeira, em gerações, a estar na condição de uma vida assistida. Sentada numa cadeira de balanço, vó Minda estava sempre esperando uma visita, real ou imaginária. Eu lhe contei sobre minha pesquisa e perambulações pelas antigas colônias e lhe pedi que me ajudasse na pesquisa e perguntasse sobre os Mucker aos seus conhecidos ali. Quando voltei, vó Minda tinha algo a me dizer: “João, os Mucker não cortavam os rabos dos cavalos.”
“O que significa isso?”, perguntei espantado. Sua resposta revelou a factualidade de uma história que, para vó Minda, era um espelho de sua isolada existência: “Isso é natural”, disse. “Isso é coisa que não se faz com o que é da gente.”
Vó Minda estava, pensei, fazendo troça da minha fantasia de uma presença mágica dos Mucker. Na evocação dela, os Mucker eram, em vez disso, trazidos à cena em relação a um corte real, e isto suscitava um raciocínio moral, baseado num senso comum daquilo que o ser humano é capaz de sustentar como natural. Como eu ouvia na fala de vó Minda, a palavra Mucker transmitia solidão, um laço relembrado, e a presença de violência inenarrável - a voz de um corpo ao qual fora negado um lar e a possibilidade de viver com os seus, o que ela mais desejava. Ela subitamente transformara o Outro Mucker em “uma coisa que não se faz com o que é da gente.”
O antropólogo encara o circunstancial e expande as imagens de pensamento que vêm ao seu encontro. E, para minha surpresa, quando comecei a reunir correspondências, petições, e registros policiais da época em que o termo Mucker surgiu na nossa história, descobri um fato dos mais peculiares: as famílias que compareciam às reuniões na casa de Jacobina e João Jorge tinham na verdade reclamado junto às mais altas autoridades do país (sem sucesso) que, entre outras coisas, os rabos de seus cavalos tinham sido misteriosamente cortados. É o que dizem numa carta ao imperador Dom Pedro II, de 10 de dezembro de 1873:10
Os colonos abaixo-assinados... vêm declarar a Vossa Majestade quanto sofreram, não só de alguns moradores das mesmas colônias que são desordeiros e intrigantes, como também do próprio subdelegado e alguns inspetores de quarteirão... que têm protegido os malvados, consentindo e fazendo violência e perseguições... Ao Nicolau Barth estragaram uma porção de roupa branca que se achava estendida no quintal, cortando-a em pedaços. A cinco animais de montaria cortaram as colas e as crinas.
Cavalo duplo, Torben Eskerod, 1991
O que vó Minda disse sobre o corte dos rabos de cavalos é um remanescente do tempo em que esse povo simples foi banido da realidade. Não mais considerados Nebenmenschen (camaradas humanos), os colonos que buscavam cura e pertencimento em Leonerhof eram agora identificados como Mucker pelos animais mutilados que eles montavam. Mas sua reação a esse episódio macabro diz também da estratégia que conceberam para garantir a sobrevivência de sua comunidade autônoma, com sua própria reserva de imaginação, e para tentar escapar do extermínio.
Anos após o massacre Mucker, João Daniel Noé relembraria aqueles dias em um testemunho colhido por seu filho Miguel, que havia casado com Aurélia, a mais jovem dos cinco filhos sobreviventes de João Jorge e Jacobina (e aqui retratados): “O clero tentou inculcar uma forte aversão a Jacobina, dizendo: ‘Ela é uma feiticeira... uma mulher desregrada, uma embusteira’” (Noé 1977:383). No entanto, de acordo com o ancião Noé, os encontros na casa dos Maurer transcorreram durante anos “em perfeita ordem”, e pessoas enfermas para lá fluíam de todos os cantos das colônias:
Quando João Jorge Maurer e Jacobina Mentz, pessoas jovens e robustas, estavam casados, ela, logo depois de ter tido sua primeira criança... adoeceu de repente, de modo a ficar completamente muda e alheia a tudo. Por pouco tempo porém. Conseguiriam fazê-la voltar a si, chamando por ela e trabalhando nela.
Noé participava nesses primeiros encontros, juntamente com sua mulher e seus filhos. Seu relato oral, singularmente valioso, é o mais próximo que podemos ter de uma história que remonta à origem do movimento, por volta de 1868. Segundo Noé, Jacobina começou a apresentar episódios de inconsciência após o nascimento de seu primeiro filho Jacó. Ajudado por familiares, João Jorge cuidava da mulher. Quando “perdia os sentidos”, ela transmitia coisas que vinham do Espírito da Natureza para aliviar as muitas aflições que um número crescente de pessoas trazia para lá. “Assim, havia esclarecimento para todos os tipos de doença, independentemente de como se chamavam.” Com base nessas iluminações, João Jorge preparava infusões de ervas para os aflitos - “conforme a localização da doença... tanto para friccionar, quanto para serem ingeridas, sendo necessário muito cuidado com as correntes de ar” (Noé 1977:383).
Colônia do Padre Eterno, Torben Eskerod, 1991
O Espírito da Natureza
Cercado de matas fechadas e sem assistência médica formal, o dia a dia nas colônias era assolado por muitas doenças, acidentes e surtos epidêmicos. A violência da guerra era também visível nos corpos de veteranos que voltavam, mutilados, do front paraguaio. Um estudo minucioso de registros de batismo e sepultamento revela um ambiente de vida bem precário, impregnado de uma alta fertilidade e morte prematura. De 1850 a 1880, dois terços dos mortos na região em que viviam os Mucker eram bebês, crianças e jovens adultos (sete em cada dez mortes). Mais da metade de todas as mortes registradas era de bebês e crianças até 14 anos, e mais de um terço de mulheres em idade reprodutiva morreram nesse período de consequências da gravidez e do parto (Biehl; Mugge & Goldani 2018).
Fiquei me perguntando se seria concebível relacionar os primeiros episódios de perda de consciência de Jacobina e de sua abertura para o Espírito da Natureza à sina mortal da qual ela e o bebê tinham por sorte escapado, mas que agora novamente enfrentava em sua segunda gravidez... Como se o que a morte física tinha deixado de provocar, o pensamento da morte provocaria... Um delírio e um arrebatamento que Jacobina experimentaria por si mesma e por aqueles congregados em torno dela, com suas próprias agruras, seus desenganos e sua busca por saúde. Um meio de perceber e abordar o estado de emergência na vida e de sustentar o desejo.
Para Nietzsche (1957:69), as “ervas mágicas” ou antídotos para a eternamente orientada, cegante e entorpecente “doença da história” é o “ahistórico”, isto é, “a arte de esquecer e de traçar um horizonte em torno de si mesmo”. As visões de Jacobina e o “esclarecimento natural” na casa dos Maurer expandiam a noção de lar e destino, pensei. Um outro lugar, que desalojava o conhecido e habilitava distintas sintonias corporais e laços comunitários.
Mortalidade infantil, Torben Eskerod, 2017
Ela sentia que “estava perdendo as forças e a capacidade de pensar... Havia bastante risco para sua saúde” durante esses alheamentos, relatava Noé (1977:383). Nessa atmosfera de morte, o conhecimento histórico desaparecia momentaneamente e se abria um novo campo de percepção. “Ela dizia as coisas inconscientemente” e as pessoas tinham “de repetir-lhe quando voltava a si” (1977:383). Os sons que emanavam do corpo extático de Jacobina tornar-se-iam um não-saber, comunitariamente compartilhado. Nessa litania de emoções e expectativas, um espírito “forte e sábio” iria oferecer iluminação e alívio para todo tipo de enfermidades, e as pessoas se infundiriam, e a seus entes queridos, de ervas colhidas no quintal. Para alguns, esta botânica da mente seria uma experiência do sagrado. Para outros, uma reorientação afetiva: tocar o mundo com uma intensidade maior, desconhecida... “até que tudo voltasse ao normal”, como disse Noé (1977:383).
Nessa recordação, Noé retrata os Mucker como gente simples que discutia o que constituía o esclarecimento e o valor de suas simulações nos espaços cotidianos. As pessoas queriam “alcançar clareza e não continuar a tatear na escuridão... a liberdade de pensamento”, diz ele (Noé 1977:385). Ele também acusa a lei de ter sido criminosa, ao tomar parte na desumanização dos Mucker. “Por que as pessoas que tinham levantado as calúnias e mentiras - e não eram as pessoas de nossa casa - também não eram interrogadas judicialmente? Aí teria sido descoberto onde estavam as pessoas que tinham cortado os rabos dos cavalos e matado o gado”.
Enquanto as demandas dos Mucker por verdade e dignidade eram silenciadas pelas autoridades em todos os níveis, vó Minda e outros continuariam a socializar tais traços diante da morte. Tais reminiscências poéticas levam, assim, nosso pensar sobre os Mucker de volta a uma multiplicidade de estranhamentos envolvendo parentes, vizinhos, animais, coisas, saberes e autoridades - uma escalada de mal-entendidos, acusações, crimes e cortes - que transformou os simples colonos reunidos na casa dos Maurer em uma entidade supostamente orgânica - Mucker - como se abstraída de seu enraizamento social e ambiental. Pois no início não havia Mucker.
Ai dos escribas que fazem leis injustas e proferem sentenças iníquas
Mediante humilhação pública e ataques a seus animais e propriedades, os amigos de Jacobina e João Jorge viram suas honras manchadas e suas famílias se dividirem. O íntimo e o estranho tornaram-se cada vez mais confusos naqueles lares despedaçados, como expresso pela própria Jacobina numa carta ditada a seu irmão mais velho Francisco, que se aliara a pessoas que a vinham caluniando (Domingues 1977:86):
Deixaste-me como se fosse uma libertina... Ai dos escribas que fazem leis injustas e proferem sentenças iníquas... Com o pai celestial eu peço: Volta e deixa o tumulto do mundo, pois feriste-me no coração, que sangra gota a gota. E que dirá nossa boa mãe, quando o souber? Dirá então: como me dói o coração.
Abate, Torben Eskerod, 1991
Isto foi apenas o começo. Logo as vidas dos que participaram nos encontros na casa dos Maurer estariam envolvidas em alegações de sedição e crime. Em maio de 1873, depois de ter sido levada à força pela polícia a São Leopoldo para uma audiência pública, Jacobina seria hospitalizada (como doente mental) na Santa Casa de Misericórida,11 e João Jorge levado à prisão em Porto Alegre. A partir de então seriam tratados como delinquentes, e as reuniões no Ferrabraz, constantemente vigiadas. Em novembro do mesmo ano, os Mucker foram implicados em seu “primeiro crime”, uma tentativa de assassinato de um inspetor de quarteirão (Dickie 2018). Apesar de os perpetradores nunca terem sido identificados, o evento levou a uma escalada significativa do conflito. A polícia prendeu trinta e três colonos, incluindo o Doutor Milagreiro, e apreendeu armas de caça e cavalos.
Ao estudar os registros policiais desses eventos, descobri que Carlos von Koseritz testemunhou contra João Jorge Maurer, dizendo que tinha conhecimento de que o curandeiro e seus seguidores estavam disseminando falsas doutrinas e desordem, “minando a moral pública” e introduzindo “o comunismo, extensivo a suas próprias mulheres”.12
Cada vez mais encurralados na “fortaleza” dos Maurer (como descrita pela imprensa), os Mucker acabaram montando uma impressionante contraofensiva, causando danos significativos às tropas nacionais em seu primeiro ataque, de 28 de junho de 1874. A humilhante derrota exacerbou ainda mais a fúria entre os civis armados, que agora atacavam as propriedadesdos simpatizantes da falsa profetisa e do embusteiro. Enquanto as colônias ardiam em chamas e as tropas se reorganizavam, comandantes locais temiam que a revolta Mucker provocasse levantes de escravizados nas fazendas próximas à capital. Um despacho sigiloso de 6 de julho de 1874 registra o alarme:13
O subdelegado continua a mandar patrulhar de noite...[pois] está sabido que os negros tentam alguma coisa... pois é muito provável que os nossos escravos também sejam sabedores e estejam à espera da ocasião... pode ser plano de combinação com os dos da seita de Maurer, pois só mesmo nesta qualidade de gente eles achariam apoio.
Enquanto os Mucker obscureciam todas as categorias de diferença naquele mundo fronteiriço, seus inimigos consideravam que eles eram, perigosamente, da mesma espécie daqueles que tentavam escapar à brutalidade da escravidão.
A normalização do cativeiro e a purificação da branquitude
Àquela altura, membros da Sociedade de Ginásticos e Atiradores Alemães tinham assumido o comando da guarda-civil de Porto Alegre. Em carta ao presidente da Província, eles escreveram:14 “Queremos provar ao governo brasileiro assim como aos de outras nações que não compartilhamos de modo algum os sentimentos desses criminosos que se dizem nossos compatriotas. Ao contrário, desejamos contribuir para seu extermínio.” O crime: bestas colonas revoltando o mundo imaginativamente: uma vergonha para a “civilizada e religiosa raça alemã”.
Talvez a sua imaginação Mucker incluísse a ideia de serem uma espécie de quilombo, ou um abrigo para pessoas escravizadas e fugitivas. Como revela outro despacho militar descoberto recentemente, após a queda da casa dos Maurer, um certo capitão Salgado disse a seus superiores que um dos espólios da guerra era um “um crioulinho com 6 anos de idade de nome Francisco”.15 Em outras palavras, um menino, cujos pais podem ter participado da comunidade Mucker e morrido no ataque - uma criança que o capitão provavelmente planejava reescravizar.16
Este detalhe incidental sobre “o referido crioulo” órfão Mucker nos impele a considerar o absoluto senso de superioridade racial alemã que sustentava o projeto neocolonial das elites locais, buscando um maciço e novo influxo de imigrantes para a região e o estreitamento de laços comerciais com o Império Alemão unificado. Em retrospecto, a presença de negros livres ou escravos entre os Mucker (talvez até mesmo compartilhando alguns de seus conhecimentos terapêuticos e sugerindo a possibilidade de uma vida conjunta mais igualitária) poderia explicar por que os estancieiros e as autoridades de distritos vizinhos tanto temiam que, por imitação, seus escravos se rebelassem. Com o aparecimento inesperado de Francisco - solitário, sem palavras e sem proveniência familiar - neste resto de arquivo, podemos, pois, refletir sobre o papel crucial que a normalização do cativeiro, a punição da rebelião e a purificação da brancura podem ter tido no ímpeto germanista anti-Mucker e sua tração local.
Imediatamente depois da guerra, Koseritz (1875) publicou em seu almanaque anual o ensaio “A fraude Mucker na Colônia Alemã: Uma contribuição para a história da cultura da germanidade daqui”. Disse que, quando executada pelo exército nacional, Jacobina finalmente “exalou sua alma negra”. Também publicou partes deste ensaio em uma revista alemã, dizendo que os eventos Mucker certamente seriam de interesse para o iluminado público alemão: “Como pôde uma mulher iletrada e libertina como Jacobina... ter adquirido tanta influência sobre um grande número de homens honrados e trabalhadores... O pior de todos os horrores é o homem em sua ilusão” (in Hunsche 1974:255-262).
Um ano após a chacina, o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas publicou o relatório “Teses sobre a colonização do Brasil” (Souza 1875), vilificando os imigrantes chineses como “a encarnação da torpeza e da devassidão” e afirmando ser a Alemanha o “viveiro da imigração para o Brasil”. O relatório corroborava a fantasia do germanismo local e louvava São Leopoldo como “a mais feliz tentativa de colonização no Brasil”:
São os ramos da raça germânica os únicos que, bracejando pelo Império, conseguiram vingar no nosso solo, e desabrolhar, expandindo-se nalguns floridos rebentos... Nossos filhos colherão os frutos dessa benéfica revolução moral que lentamente se vai operando na sociedade brasileira.
Ao transplantar sua visão de iluminismo e pureza racial alemã nos trópicos, Koseritz e aliados se asseguraram de que os corpos e as lutas contemporâneas entrariam no seu enredo neocolonial. E como eu aprendi, crescendo no Sul e através desta etnografia histórica, quaisquer pessoas relacionadas com os Mucker e sua heterotopia - erigida sobre um “esclarecimento natural” e contracondutas que desafiavam os monopolizadores do divino, da ciência, do capital e da potência criativa - foram reduzidos a nichts, nadas sociais, dignos de desaparecimento, então e no século que se seguiu.
Espírito natural II, Torben Eskerod, 2017
Momentos beatíficos a serem ressuscitados do arquivo do horrífico
João Daniel Noé sobreviveu à guerra na qual seu irmão Conrado foi morto juntamente com muitos outros parentes e amigos. Após escapar do massacre, Noé viveu por vários anos escondendo-se no mato, até reunir-se à sua família em 1881, depois que todos os prisioneiros Mucker foram finalmente absolvidos, como se nada tivesse acontecido.
Mas não haveria uma boa vida à espera dos amaldiçoados Mucker. Em 1897, Noé sobreviveu a uma emboscada durante a qual dois de seus genros foram assassinados, em meio a um bizarro alarido sobre um renascimento da seita na Fazenda Pirajá, em Nova Petrópolis (Amado 1978). Alguns anos mais tarde, após ser forçado a emigrar com sua mutilada família para uma área remota no Vale do Taquari, Noé teve de suportar o horror de testemunhar seu filho mais velho Filipe e outro genro serem executados por milicianos por um crime que não tinham cometido.17
Cerca de cem anos atrás, Noé sentou-se com seu filho Miguel para contar, em detalhes, o que tinha efetivamente acontecido na casa de Jacobina e João Jorge, sabendo muito bem que nenhuma voz, nenhum pleito poderia vingar a grande injustiça feita àqueles que lá buscavam cuidados e uma eventual transcendência. Esta incrível fotografia foi tirada por volta de 1913. Notem o olhar penetrante, os olhos de águia de Noé (um registro do terror que presenciou) e suas grandes e calosas mãos (as unhas cheias de terra) protegendo a criança do que está por vir.
Ciente de sua transitoriedade (Noé morreria pouco tempo depois) e sempre carregando em seu olhar perplexo as mortes de incontáveis entes queridos, o ancião pensa no sentido oposto. Ele não está interessado no futuro, porque sabe os horrores que a história traz. Mas o passado, o tempo antes da guerra e da destruição do mundo como ele o conhecia, ainda encerra mistérios, e a gente (Noé, e agora também você e eu) pode permanecer aberta a seus chamarizes: toda uma antropologia sensorial - a inescrutabilidade e a reparação de corpos que são afetados e que afetam.
Momentos beatíficos a serem ressuscitados do arquivo do horrífico, ou seja, pensativos seres perdidos que Noé tinha visto em carne e osso, esgotados, enfrentando perdas, perigos, doenças, sintonizados numa temporalidade distinta, indo em direção ao incerto, cuidando uns dos outros, mantendo-se abertos ao misterioso, à terra, querendo contar uma história e buscando uma possível fruição: estados interiores e exteriores abençoadamente suturados em esforços para curar e refazer o mundo da casa e da vizinhança... enquanto os indomáveis ventos continuam a soprar à sua própria maneira.
Transcendência, Torben Eskerod, 1991
Epílogo
A alegoria Mucker continua a existir no presente. Outras guerras ao que é diferente, a necessidade de explicar e conter o excesso de violência diária e a extinção de laços familiares continuam a provocar o fantasmagórico retorno dos Mucker. E enquanto a mídia invoca os Mucker como um reservatório interpretativo de estranhos eventos da atualidade, questões viscerais sobre racismo estrutural e a cegueira moral, a persistência de modelos de exploração econômica e a patricarcal captura do corpo alheio permanecem publicamente sem resposta.
A mulher que abriu esta apresentação, sem cabeça, sem identidade, sem ninguém para reinvindicar seu corpo, foi finalmente sepultada em uma vala comum em Sapiranga como uma indigente anônima. Ao ligar seu destino aos dos Mucker, a imprensa apresentou esta mulher com a aura de uma libertina em fuga, uma vítima, mas também a potencial indutora de um crime passional, mais uma Jacobina.
Na terra dos Mucker, a violência está ligada a uma falsificação de perspectiva e a um corpo que não se pode exumar. Matar o Outro em público e com impunidade é parte integral da constituição desse cenário brasileiro moderno.
Enquanto isso, traços-daquilo-que-não-se-sabe, como na técnica dessa benzedeira de Picada Café, continuam convocando um outro lugar remanescente.
Benzendo, Torben Eskerod, 2017.
Agradecimentos:
Muito obrigado a Torben Eskerod por sua colaboração fotográfica e amizade de longa data e pelo direito de usar suas imagens nesta publicação. Sou profundamente grato a Miquéias Mügge por seu engajamento crítico com a pesquisa sobre a Guerra Mucker e por seu constante e generoso apoio. Também sou grato à assistência editorial de Naomi Zucker, Onur Günay, Nikhil Pandhi, Aaron Su, Darius Sadighi, Arbel Griner, Rodrigo Simon de Moraes e Cláudia Laitano. Beneficiei-me imensamente das discussões com Noemia K. Biehl, Adriana Petryna, Luís Augusto Fischer, Lilia M. Schwarcz, Federico Neiburg, Carlos Fausto e Aparecida Vilaça, e sou grato por todo o respaldo que me deram ao longo do caminho. Gostaria de agradecer ao PPGAS do Museu Nacional da UFRJ pelo convite para proferir a palestra que serviu de base a este ensaio no outono de 2021, bem como à Adriana Vianna pela conversa estimulante que se seguiu. Finalmente, sou grato a María Elvira Díaz-Benítez por seu incentivo editorial e à equipe da Revista Mana por seu excelente suporte.
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- WITT, Marcos. 2015. Em busca de um lugar ao sol: estratégias políticas - imigração alemã, Rio Grande do Sul, século XIX 2. ed. São Leopoldo: Oikos /Unisinos.
- ZERO HORA (ZH). 1993. “Violência Ressurge na Terra dos Muckers”. 12 de julho, p. 44.
Notas
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1
Nascidos Jakobine Mentz e Johann Georg Maurer.
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2
Expressão de W. G. Sebald, Simic 2007.
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3
Registro nº. 14, 10 de outubro de 1855. Livro de Registros 1A, Comunidade Evangélica de Picada Café.
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4
Ver, por exemplo: Batismo de Pauline Dietrich (em 7 de agosto de 1859, nascida em 28 de julho de 1859). Filha de Jacob Dietrich e Maria Gehm. Padrinhos: Jacob Jung, Peter Dietrich, Peter Gehm, Maria Elisabetha Kney, Philippina Dietrich e Madalena Gehm. “Na casa dos pais”, por Johann Georg Klein. Livro de Registros 1, Comunidade Evangélica de Picada 48 Baixa.
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5
Delfos-PUCRS. Acervo Benno Mentz. Deutsche Zeitung, 17 de maio de 1873.
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6
Delfos-PUCRS. Acervo Benno Mentz. Deutsche Zeitung, 10 de maio de 1873.
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7
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Fundo Polícia. Maço 37. Abaixo-assinado de 10 de maio de 1873.
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8
Delfos-PUCRS. Acervo Benno Mentz. Deutsche Zeitung, 10 de dezembro de 1873.
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9
Delfos-PUCRS. Acervo Benno Mentz. Deutsche Zeitung, 10 de dezembro de 1873.
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10
Arquivo Nacional. Códice 605. Abaixo-assinado de 10 de dezembro de 1873.
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11
O registro informa: “31 anos, casada, cor branca, natural desta Província, profissão nenhuma, enfermidade nenhuma, classe particular”. Arquivo Histórico da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Livro de Matrícula Geral de Enfermos n. 4, p. 8. Número de ordem 262.
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12
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Infração do Termo de Bem Viver. Processo contra João Jorge Maurer. Número 2.747. 1873.
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13
Arquivo Nacional. Códice 605, p. 247.
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14
Arquivo Nacional. Códice 605. Carta ao Governo da Província, 02 de julho de 1874.
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15
Carta de Luiz Alves d’Oliveira Salgado ao seu comandante, Sapiranga, 23 de julho de 1874. Princeton University Library Collection of Mucker Materials. Military Memoranda on the Mucker, Document nº. 204.
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16
Sobre as práticas criminosas de re-escravização no sul do Brasil, ver: Mamigonian e Grinberg, 2021.
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17
Arquivo Público do Rio Grande do Sul. Cartório do Cível e Crime de Lajeado. Processo n. 2639, 1898.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Jan 2025 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
24 Jul 2024 -
Aceito
16 Set 2024