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O racismo contra os povos indígenas: panorama dos casos nas cidades brasileiras entre 2003 e 2019

Racism against Indigenous peoples: an overview of cases in Brazilian cities between 2003 and 2019

El racismo contra los pueblos indígenas: panorama de casos en ciudades brasileñas entre 2003 y 2019

Resumo

Há muitas análises sobre o racismo na sociedade brasileira, embora poucas se consagrem aos efeitos desse fenômeno nos povos indígenas. Tendo isto em vista, o presente artigo apresenta um panorama dos episódios de racismo descritos nos Relatórios sobre a violência contra os povos indígenas, os quais compilam casos no Brasil inteiro desde 2003. Após a leitura e a sistematização dos quase trezentos episódios reportados, foi possível constatar como este fenômeno se espraia por todo o país, com casos ocorrendo em quase todos os estados e no Distrito Federal. A análise evidenciou a existência de diferentes padrões de manifestação do racismo, conforme revelam o perfil sociodemográfico das localidades com casos de racismo e o detalhamento de alguns episódios. No entanto, a despeito dos diferentes contextos, o racismo resulta na exclusão da presença indígena nas cidades brasileiras.

Palavras-chave:
Racismo; Povos indígenas; Violência; Cidades brasileiras.

Abstract

There are several analyses of racism in Brazilian society, only a few of which show how it affects the Indigenous peoples. This article provides an overview of the episodes described in theReports on violence against Indigenous peoples, which compiles cases in all of Brazil since 2003. After reading and systematizing almost three hundred reported events, it was possible to confirm that this phenomenon is widespread throughout the country, with cases in nearly every one of the States and the Federal District. Racism against indigenous peoples manifests in different patterns, as revealed by the sociodemographic profile of cities with cases of racism and the explanation for some episodes. Regardless of the different contexts, racism excludes the Indigenous presence in Brazilian cities.

Keywords:
racism; Indigenous peoples; violence; Brazilian cities

Resumen

Existen muchos análisis sobre el racismo en la sociedad brasileña, aunque pocos se dedican a los efectos de este fenómeno en los pueblos indígenas. Teniendo esto en cuenta, este artículo presenta un panorama de los episodios de racismo publicados en los Informes de violencia contra los pueblos indígenas, una serie que compila casos en todo Brasil desde 2003. Después de leer y sistematizar los casi trescientos episodios publicados, se pudo constatar cómo este fenómeno se extiende por todo el país, con casos que ocurren en casi todos los estados y en el Distrito Federal. El análisis mostró la existencia de diferentes modalidades de manifestación del racismo, como lo muestra el perfil sociodemográfico de las localidades con casos de racismo y los detalles de algunos episodios. Sin embargo, a pesar de los diferentes contextos, el racismo resulta en la exclusión de la presencia indígena en las ciudades brasileñas.

Palabras claves:
racismo; pueblos indígenas; violencia; ciudades brasileñas

A conquista e a colonização da América estabeleceram as balizas do mundo moderno, num processo marcado pelo uso da força para submeter os povos autóctones. A violência não se restringiu às guerras de conquista, ou à crueldade exacerbada de algum colonizador em particular. Ao contrário, as interações violentas estabeleceram um padrão, atravessando as relações cotidianas, inclusive as atividades econômicas, multiplicando os espaços da morte,1 1 As aspas duplas denotam a citação de um texto de terceiro, ou a ênfase em uma palavra/expressão, enquanto as aspas simples remetem a uma citação no interior da citação. Utilizei o negrito para destacar alguma ideia ou passagem, enquanto o itálico foi usado para identificar palavras de outra língua e para evidenciar nome de obra, conceito, evento, programa etc. como mostrou Michel Taussig (1993TAUSSIG, Michel. 1993. Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem: um estudo sobre o terror e a cura. Rio de Janeiro: Paz e Terra.).

De acordo com Aníbal Quijano (2014QUIJANO, Aníbal. 2014. “Raza”, “etnia” y “nación” en Mariátegui: cuestiones abiertas”. In: QUIJANO, Aníbal, Cuestiones y horizontes: de la dependencia histórico-estructural a la colonialidad/descolonialidad del poder. Buenos Aires: CLACSO.), essas novas modalidades de relacionamento produziram identidades étnicas vinculadas à “imposición del dominio de unos grupos sobre otros y en la distribución del poder entre ellos” (Quijano 2014:758QUIJANO, Aníbal. 2014. “Raza”, “etnia” y “nación” en Mariátegui: cuestiones abiertas”. In: QUIJANO, Aníbal, Cuestiones y horizontes: de la dependencia histórico-estructural a la colonialidad/descolonialidad del poder. Buenos Aires: CLACSO.). Ademais, Quijano mostra que “con la formación de América se establece una categoría mental nueva, la idea de ‘raza’”, a qual se torna um dos fundamentos das hierarquias coloniais. Deste modo, as vivências e as reflexões dos europeus ao longo do processo colonial lhes revelam a existência de um fundo comum, a despeito das origens e experiências específicas de cada colonizador. Em contrapartida, esse contexto engendrou a noção de que todos os colonizados seriam naturalmente inferiores. Deste modo, quando um grupo ou pessoa é etnificado/a e/ou racializado/a pelas relações coloniais, isso implica o estabelecimento de um lugar menor em relação aos europeus, tidos como o humano universal.

Nesse sentido, os grupos colonizados foram afetados de diversas maneiras, impactando até mesmo a forma como eles se relacionam entre si. De acordo com bell hooks (2019:268)HOOKS, Bell. 2019. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante., os africanos diaspóricos na América e os povos indígenas dispõem de vários elementos em comum, mesmo antes dos primeiros contatos diretos entre eles. Hooks postula que as relações entre esses grupos foram marcadas por “respeito mútuo e reciprocidade” (hooks 2019:269HOOKS, Bell. 2019. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante.) e “a sensibilidade em comum tornava outros laços mais pragmáticos possíveis: o casamento, a luta conjunta contra inimigos brancos, o compartilhamento de conhecimentos médicos etc.” (hooks 2019:270HOOKS, Bell. 2019. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante.). Embora as pesquisas em torno dessas interações sejam relativamente recentes, há evidências de que os vínculos entre os africanos diaspóricos e os povos indígenas não foram episódicos e assumiram diversas formas e contornos (Bastide 1973BASTIDE, Roger. 1973. Les Amériques noires. Paris: Payot.; Carvalho, Reesink & Cavignac 2011CARVALHO, Maria Rosário; REESINK, Edwin & CAVIGNAC, Julie (orgs.). 2011. Negros no mundo dos índios: imagens, reflexos, alteridades. Natal, RN: EDUFRN.; Miki 2018MIKI, Yuko. 2018. Frontiers of citizenship: a black and indigenous history of postcolonial Brazil. New York: Cambridge University Press.). Há, por exemplo, registros de alianças entre eles, como atesta o apoio militar prestado pelos Kayapó aos quilombolas, em episódio ocorrido no Triângulo Mineiro e oeste de Minas Gerais durante o século XVIII (Mano & Alves 2014MANO, Marcel & ALVES, Daniella Santos. 2014. “Nos bastidores da história: o contato entre índios e negros no século XVIII”. Cadernos de Pesquisa do CDHIS, Uberlândia, v. 27 n. 2, jul./dez. 2014 e v. 28, n. 1, jan./jun. 2015.). Em outros casos, houve o emprego de afrodescendentes e/ou povos indígenas na desintrusão de grupos indesejáveis ao projeto colonial, como apontado por Isabel Missaglia de Mattos (2019:64) MATTOS, Isabel Missaglia de. 2019. “Povos indígenas e negros nos Sertões do Leste: transição para a República e nacionalidade”. Tellus, Campo Grande, MS, ano 19, n. 38, p. 49-77, jan./abr. 2019. sobre os Sertões do Leste no século XIX.

No limite, a formulação atual do racismo decorre da tentativa de classificar a humanidade, cuja diversidade foi ampliada pela expansão colonial. De acordo com Kabengele Munanga (2004MUNANGA, Kabengele. 2004. “Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia”. In: André Augusto Brandão (org.), Cadernos Penesb, n. 5. Niterói: EdUFF.), no século XVIII a cor da pele foi adotada como critério fundante dessa classificação e, com isso, “a espécie humana ficou dividida em três raças estanques que resistem até hoje no imaginário coletivo e na terminologia científica: raça branca, negra e amarela” (Munanga 2004:3MUNANGA, Kabengele. 2004. “Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia”. In: André Augusto Brandão (org.), Cadernos Penesb, n. 5. Niterói: EdUFF.). O século XIX acrescentou outros critérios, dotando a racialização da humanidade de uma feição científica, além de reforçar a hierarquia entre as diferentes raças mediante o estabelecimento de “uma relação intrínseca entre o biológico (cor da pele, traços morfológicos) e as qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais” (Munanga 2004:4MUNANGA, Kabengele. 2004. “Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia”. In: André Augusto Brandão (org.), Cadernos Penesb, n. 5. Niterói: EdUFF.). Embora vários estudos científicos tenham refutado essa interpretação arbitrária (Comas et al. 1970COMAS, Juan, LITTLE, Kenneth L.; CHAPIRO, Harry L.; LEIRIS, Michel; LÉVI-STRAUSS, Claude. 1970. Raça e ciência I. São Paulo: Perspectiva;), ainda hoje o racismo (também o sexismo) permanece como um meio de hierarquizar grupos sociais tomando como ponto de partida uma característica da biologia humana. Tal processo atinge tanto afrodescendentes quanto os povos indígenas, a despeito de Lélia Gonzalez (2020GONZALEZ, Lélia. 2020. Por um feminismo Afro-Latino-Americano. Rio de Janeiro: Zahar.:132) indicar as amefricanas e as ameríndias como as mais afetadas, dado “o caráter duplo de sua condição biológica - racial e/ou sexual - [que] torna as mulheres mais oprimidas e exploradas em uma região de capitalismo patriarcal-racista dependente”.

O presente trabalho pretende contribuir para o debate em torno dos processos de racialização dos povos indígenas mediante a leitura, a sistematização e a análise dos episódios de racismo dos relatórios Violência contra os povos indígenas no Brasil. Estas publicações, a cargo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi),2 2 Órgão ligado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com ações de apoio à luta indígena. compilam episódios de violências cometidas contra os povos indígenas, havendo uma sessão dedicada ao racismo desde 2003. Como se poderá ver a seguir, o racismo é algo constante no cotidiano dos indígenas, independentemente da situação particular de um povo, ou do tamanho e do histórico das cidades onde eles vivem.

Lideranças e diferentes organizações indígenas têm enfatizado a necessidade de investigar o racismo contra eles. Tome-se o caso do projeto “Racismo e Antirracismo no Brasil: o caso dos povos indígenas”, uma inciativa que realizou encontros entre lideranças indígenas e pesquisadores sobre o racismo no Brasil (Milanez et al. 2019MILANEZ, Felipe; SÁ, Lucia; KRENAK, Ailton; CRUZ, Felipe Sotto Maior; URBANO, Elisa Urbano; JESUS, Genilson dos Santos de. 2019. “Existência e Diferença: O Racismo contra os Povos Indígenas”. Revista Direito e Práxis, 10 (03):2161-2181.). Com conversas registradas em audiovisual, transcritas e disponibilizadas no sítio eletrônico do projeto,3 3 http://projects.alc.manchester.ac.uk/racism-indigenous-brazil/pt/publicacoes-e-resultados/. Acesso em 11/08/2020. os encontros evidenciaram que,

se para muitos acadêmicos de instituições brasileiras a violência contra populações indígenas não deve, ou não precisa, ser descrita como racismo, para os participantes indígenas do encontro não havia a menor dúvida de que sofrem e vêm sofrendo racismo desde a chegada dos europeus ao continente (Milanez et al. 2019:2170MILANEZ, Felipe; SÁ, Lucia; KRENAK, Ailton; CRUZ, Felipe Sotto Maior; URBANO, Elisa Urbano; JESUS, Genilson dos Santos de. 2019. “Existência e Diferença: O Racismo contra os Povos Indígenas”. Revista Direito e Práxis, 10 (03):2161-2181.).

Para Ailton Krenak, pensador e ativista indígena que coordenou este projeto, as relações dos povos indígenas com o Estado brasileiro resultaram na segregação dos indígenas, estabelecida mediante uma “histórica relação de genocídio, de extermínio, e uma expectativa hipócrita de que os que sobrevivessem seriam mantidos em reservas cercadas por agronegócio” (Milanez et al. 2019:2171MILANEZ, Felipe; SÁ, Lucia; KRENAK, Ailton; CRUZ, Felipe Sotto Maior; URBANO, Elisa Urbano; JESUS, Genilson dos Santos de. 2019. “Existência e Diferença: O Racismo contra os Povos Indígenas”. Revista Direito e Práxis, 10 (03):2161-2181.). O combate a essas violências deveria partir da desconstrução desse estado de coisas, como indica Krenak:

a doença do racismo, essa espécie de epidemia global do racismo, se originou da nossa separação da natureza, quando nós nos separamos da natureza a ponto de não compartilharmos mais com a natureza a riqueza da diferença. Quando se disse que a diferença é o outro, é a impossibilidade de aceitar a diferença, de aceitar o outro como diferença - isso gerou o que nós reconhecemos historicamente como racismo (Milanez et al. 2019:2172MILANEZ, Felipe; SÁ, Lucia; KRENAK, Ailton; CRUZ, Felipe Sotto Maior; URBANO, Elisa Urbano; JESUS, Genilson dos Santos de. 2019. “Existência e Diferença: O Racismo contra os Povos Indígenas”. Revista Direito e Práxis, 10 (03):2161-2181.).

Já a liderança indígena Kum Tum Akroá Gamela apontou a negação da diferença como o princípio orientador do genocídio indígena. Para ele, o processo de colonização do Brasil se fundou na recusa do outro, na destruição da alteridade, na falta de reconhecimento da diferença. Com isso:

nós, indígenas, temos que conviver todo dia tendo que provar a existência, a vida, mas já com a morte decretada. É um negócio meio maluco a gente provar que está vivo, quando outros que estão no lugar do poder disseram que você não existe mais. [...] Isso é uma forma de racismo institucional porque é uma decisão de Estado, do governo, que diz assim: ‘você não existe, meu irmão’. E o meu povo viveu isso (Milanez et al. 2019:2172, 2173MILANEZ, Felipe; SÁ, Lucia; KRENAK, Ailton; CRUZ, Felipe Sotto Maior; URBANO, Elisa Urbano; JESUS, Genilson dos Santos de. 2019. “Existência e Diferença: O Racismo contra os Povos Indígenas”. Revista Direito e Práxis, 10 (03):2161-2181.).

Por sua vez, a artista e comunicadora Daiara Tukano enfatizou que há uma negação dos modos de existência próprios aos povos indígenas, resultando na tentativa de homogeneização das culturas (Milanez et al. 2019:2174MILANEZ, Felipe; SÁ, Lucia; KRENAK, Ailton; CRUZ, Felipe Sotto Maior; URBANO, Elisa Urbano; JESUS, Genilson dos Santos de. 2019. “Existência e Diferença: O Racismo contra os Povos Indígenas”. Revista Direito e Práxis, 10 (03):2161-2181.). Ora, tal situação seria duplamente perversa, pois a adoção compulsória das práticas culturais do colonizador tem impedido, igualmente, o reconhecimento da originalidade das formas de vida criadas pelos indígenas nesse processo. Segundo o escritor Guarani Olívio Jekupé: “a gente sofre preconceito porque a sociedade sempre vê o índio como aquele primitivo que não vai crescer, e quando o índio mostra o seu talento, aí vem o preconceito, o racismo. Então escrever é importante para mostrar para a sociedade que nós também podemos fazer a mesma coisa que o outro faz” (Milanez et al. 2019:2176).

Há, ainda, algumas ações do movimento indígena evidenciando o racismo vivido por eles. Na edição de 2020 do Acampamento Terra Livre (ATL)4 4 Mobilização nacional organizada anualmente pela Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib) visando dar visibilidade às demandas indígenas. houve um debate intitulado Estereótipos e racismos nas “representações” indígenas. A cargo dos militantes indígenas Luiz Paiva e Mauricio Serpa França, esta atividade mostrou as dificuldades criadas pelo imaginário estático sobre esses povos.5 5 Cf. https://www.youtube.com/watch?v=m3AShupqxjw&t=1852s. Acesso em 03/07/2020. Ademais, há iniciativas que destacam a invisibilidade do racismo dirigido aos povos indígenas, tomando essa feição como a principal dificuldade no enfrentamento desta questão. Como indica Kércia Priscilla Figueiredo Peixoto (2017:28-29)PEIXOTO, Kércia P. F. 2017. “Racismo contra indígenas: reconhecer é combater”. Revista AntHropológicas, 28 (2):27-56. em sua pesquisa sobre o racismo contra indígenas no ambiente urbano de Santarém-PA, “no contexto brasileiro, o racismo contra o indígena é explícito, mas raramente é identificado como tal. No entanto, ao longo da minha pesquisa, percebi que os indígenas começavam a nomear racismo para denunciar diversos tipos de ofensas, preconceitos e discriminações que sofriam”.

Todavia, muitos estudos sobre os efeitos do racismo na sociedade brasileira não indicam como os povos indígenas são afetados (Ipea 2004IPEA. 2004. Brasil: Retrato das desigualdades - gênero e raça. Brasília: Ipea/ Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher)., 2006IPEA. 2006. Retrato das desigualdades: gênero e raça. 2ª ed. Brasília: Ipea/ Unifem., 2008IPEA. 2008. Retrato das desigualdades de gênero e raça. 3ª ed. Brasília: Ipea/ Unifem ., 2011IPEA. 2008. Retrato das desigualdades de gênero e raça. 3ª ed. Brasília: Ipea/ Unifem .; IBGE 2019IBGE. 2019. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE .). Por certo, há motivos metodológicos para apoiar essa opção, pois, como aponta Eduardo Luiz G. Rios Neto, o diretor de pesquisas do IBGE:

devido às restrições impostas pela baixa representação das populações indígena e amarela no total da população, e uma vez que a maior parte das informações ora divulgadas provém da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua, as análises estão concentradas em apontar as desigualdades entre as pessoas de cor ou raça branca e preta ou parda (IBGE 2019:4IBGE. 2019. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE .).

Tal postura metodológica tem sido majoritária, mas eu procuro contribuir para modificar esse quadro ao analisar os relatórios A violência contra os povos indígenas no Brasil. Vejamos quais situações esses dados mostram.

Sobre os dados analisados

A primeira edição do relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil (Cimi) foi publicada em 1996CIMI. 1996. A Violência contra os povos indígenas no Brasil: 1994-1995. Brasília: CIMI., com informações sobre 1994 e 1995, enquanto os dados relacionados a 1996 vieram a público em CIMI. 1997. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 1996. Brasília: CIMI .1997. Após isso, uma nova edição surgiu em 2006, com informações relativas a 2003, 2004 e 2005, enquanto os dados sobre 2006 e 2007 foram publicados em 2008. Após 2009 a periodicidade passa a ser anual, com a edição abarcando dados do ano anterior. Os eventos reportados provêm de várias fontes, pois há

registros dos onze [escritórios] regionais do Cimi, denúncias de indígenas, boletins de ocorrência, notícias veiculadas pela imprensa e, ainda, informações oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), obtidas usualmente via Lei de Acesso à Informação (LAI) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), dentre outros órgãos públicos.6 6 Fonte https://cimi.org.br/observatorio-da-violencia/o-relatorio/. Acesso em 12/02/2021.

A edição relativa ao triênio 2003-2004-2005 inaugurou a seção dedicada aos casos de racismo e discriminações étnico-raciais, sendo mantida em todas as publicações posteriores. Como os editores sublinham em várias oportunidades,7 7 Conferir as notas introdutórias sobre os casos de racismo nos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2015, 2017 e 2019. os registros dos relatórios explicitam somente uma amostra deste fenômeno, estando longe de expressar a totalidade de episódios de racismo vividos pelos indígenas, pois, “por serem fenômenos corriqueiros, muitas expressões de racismo e discriminação sofridas diariamente por indígenas no Brasil não são denunciadas” (Cimi 2011:86CIMI. 2011. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2010. Brasília: CIMI .). Por conseguinte, os relatórios mencionam casos com relativa expressão, dando vulto a um conjunto de práticas cotidianas que costumam passar despercebidas.

Figura 1:
Exemplo de ficha com os casos de racismo

Nos relatórios, os casos foram agrupados segundo os estados, com cada episódio resumido em uma ficha (Figura 1), na qual constam: o nome do povo atingido, o local e/ou o município da ocorrência, o meio empregado, a fonte de informação utilizada e uma pequena descrição do episódio. Em alguns incluem o nome das vítimas do racismo e/ou de quem praticou o ato.

Os episódios relatados nas fichas causam impacto no leitor. Há professores de escolas públicas repetindo a inaptidão “natural” do indígena para o trabalho; ou o servidor público que endereça palavras racistas aos indígenas. Em suma, foi preciso sistematizar as informações, visando identificar as feições desse fenômeno.

Caracterização geral dos episódios de racismo

Como se vê na tabela 1,8 8 Tabela feita pelo autor a partir dos relatórios (Cimi 2006, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020). ao longo dos dezessete anos das publicações houve 290 episódios de racismo contra os povos indígenas,9 9 Os relatórios mencionam 288 episódios, mas eu desdobrei em três uma ocorrência de 2019. A ficha original reúne três falas do presidente Jair Bolsonaro, que se deram em momentos, locais e circunstâncias diferentes. Em duas falas, o povo Yanomami é mencionado, mas na terceira ele sequer aparece. Por conta disso, cada fala foi tomada como um caso singular. uma média de pouco mais de 18 casos por ano. O ano de 2007 foi aquele com o menor número de incidentes reportados, nove, enquanto 2004 contou com mais episódios, 30. Houve casos em 24 estados e no Distrito Federal, sendo que sete estados contavam com uma média superior a um episódio anual de racismo - são eles: Amazonas e Rondônia, na região Norte; Alagoas, na região Nordeste; Mato Grosso do Sul, na região Centro-Oeste; Minas Gerais e São Paulo, na região Sudeste; Santa Catarina, na região Sul. Outros seis entes federativos tiveram média superior a 0,5 caso por ano - são eles: Rio Grande do Sul, na região Sul; Pará e Roraima, na região Norte; o Distrito Federal e Mato Grosso, na região Centro-Oeste; Bahia e Maranhão, na região Nordeste.

Tabela 1
Número de episódios de racismo mencionados nos Relatórios de Violência contra os Povos Indígenas - por ano, Estado e Região

A região Norte conta com o maior número de ocorrências, com 80 casos de racismo. No entanto, o Centro-Oeste conta com a média mais alta de episódios por ente federativo, com 16,25 para cada. Muito disso se deve à situação em Mato Grosso do Sul, o estado brasileiro com mais episódios de racismo contra os povos indígenas, com 35 - média de 2,18 por ano. Rondônia é o segundo estado em número absoluto de casos, com 23 - uma média de 1,5 por ano. Dos sete estados da região Norte, quatro tiveram ao menos 10 episódios de racismo, fazendo desta a região com mais estados com ocorrências em dígito duplo. Já Santa Catarina é o terceiro estado em número de casos, com 22 e uma média de 1,37 por ano, concentrando mais da metade dos episódios da região Sul do país.

Ocorreram pouco mais de três episódios por ano no Nordeste, mas Bahia, Alagoas e Maranhão concentram a maioria dos episódios da região, tendo um número de casos similar à média nacional. Já o Piauí, que conta com a segunda menor população de indígenas do Brasil (2.944 pessoas), teve somente dois casos, assim como Ceará e Goiás. A Paraíba teve um único caso de racismo, algo singular, dados os 19.149 indígenas (0,5% da população do estado). Não houve episódios de racismo somente em dois estados, ambos da região Nordeste: no Rio Grande do Norte, com a menor população indígena do Brasil (2.597 pessoas), e em Sergipe, a com terceira menor população indígena do país (5.219 pessoas).10 10 Conferir IBGE (2012a).

Seria importante verificar como esses casos se relacionam com o cotidiano dos povos indígenas, em face das relações sociais estabelecidas nas cidades do Brasil. Segundo o antropólogo Darcy Ribeiro (1986RIBEIRO, Darcy. 1986. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. 5ª ed. Petrópolis: Vozes.:128-9), no momento da formação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), haveria “um abismo entre a mentalidade das cidades e a dos sertões”, dada a simpatia dos habitantes dos grandes centros urbanos em relação ao indígena, em contraste com a atitude hostil vigente nas pequenas cidades do interior, nas quais o indígena “era o inimigo imediato que o pioneiro precisava imaginar feroz e inumano, a fim de justificar, a seus próprios olhos, a própria ferocidade”.

Todavia, seria interessante colocar essa imagem à prova, contrastando-a com o perfil das cidades com casos de racismo contra os povos indígenas. Foram mencionados atos racistas em 137 cidades do país,11 11 Alguns episódios abarcaram mais de uma cidade, enquanto outros aconteceram sem uma localidade precisa - há um caso ocorrido fora do país, mas os dados da cidade não foram considerados. Deste modo, o número de episódios de racismo não coincide com a quantidade de municípios identificados nos relatórios. cuja população somada era de 46.637.900 pessoas, segundo o Censo de 2010.12 12 Utilizei somente dados demográficos do Censo de 2010, cujas informações são mais detalhadas sobre os povos indígenas em contraste com os levantamentos anuais da PNAD. Em meio a esse contingente, havia 259.681 indígenas, ou 0,56% da população desses municípios - um percentual próximo a 0,47% de indígenas do Censo de 2010. Essas 137 cidades concentram 28,95% dos indígenas do país, uma amostragem que permite generalizar algumas das conclusões obtidas. Dentre as cidades com casos de racismo, somente Palmeiras do Tocantins (TO), cuja população era de 5.740 pessoas em 2010, não tinha um indígena sequer entre seus residentes - sendo, portanto, a única cidade cujo caso de racismo aconteceu com um indígena não morador.

Gráfico 1
Proporção de indígenas e número de casos de racismo - por grupo de cidades

Como mostra o Gráfico 1, houve 142 episódios de racismo nos 86 municípios com até 50.000 habitantes. Esses municípios, que equivalem a 62,77% daqueles com casos de racismo, apresentam algumas características demográficas comuns, formando o grupo dos municípios menos populosos, em contraste com as cidades cuja população é maior do que 50.001, as quais formam o grupo das cidades mais populosas, com 146 casos. Ao se considerarem os dois grupos de municípios, percebe-se uma expressiva diferença no percentual de indígenas em relação ao total da população. Em 2010 havia 147.664 mil indígenas nos 86 municípios com até 50.000 habitantes, o que corresponde a pouco mais da metade do total das cidades com casos de racismo (56,86%) - uma média de 1.717,02 por município. Todavia, os indígenas compunham 8,77% do total dos residentes e 16,91% da população rural desse grupo de cidades. Por certo, eles permanecem como uma parcela minoritária da população, mas sua dimensão relativa é mais expressiva nestas cidades. Enquanto isso, os 112.017 indígenas do grupo de cidades mais populosas formam uma minoria proporcionalmente muito menor, ao comporem somente 0,25% do total de habitantes. Além disso, a população do grupo de municípios menos populosos é de 1.682.830 pessoas, somente 3,61% do total das cidades com casos de racismo. Com isso, este grupo apresenta uma densidade demográfica menor, com uma média de 19.567,79 habitantes por município, contra a média de 881.471,96 pessoas nas 51 cidades com mais de 50.001 moradores - um número 45 vezes mais elevado do que o primeiro.

No entanto, a existência desses dois grupos de municípios não permite identificar as características do racismo praticado contra os indígenas. Para dar conta dessa dimensão, será preciso analisar alguns dos casos reportados, de acordo com esses dois grandes grupos de cidades.13 13 Os episódios foram selecionados por permitirem abordar algumas das formas de manifestação do racismo. Não se trata, portanto, de uma enumeração exaustiva de todas as situações presentes nos relatórios. Com isso, talvez seja possível detectar como o racismo atua, ao conformar a dinâmica relacional entre os indígenas e os demais grupos étnico-raciais.

Cidades menos populosas: presença indígena e racismo ostensivo

Em 2004, jovens do povo Tumbalalá sofreram racismo ao frequentar a Escola Municipal de Pedra Branca, situada em Abaré-BA (17.064 de habitantes). Naquele caso, “durante a aula, a professora fez discurso dizendo que os índios da região da Bahia eram preguiçosos e que não eram índios de verdade” (Cimi 2006:122CIMI. 2006. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2003-2005. Brasília: CIMI .). Muitos dos atos racistas ocorridos em ambiente escolar se deram na zona urbana, por conta do modo como estão organizados os serviços escolares nas Terras Indígenas (TIs), cuja oferta pública se concentra nos anos iniciais do ensino fundamental.14 14 Segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), há 3.373 escolas em funcionamento das Terras Indígenas, sendo que 1.950 delas ofertam a educação infantil, 3.140 o ensino fundamental e 474 unidades oferecem o ensino médio; 702 escolas oferecem EJA (Educação para Jovens e Adultos), enquanto 26 ofertam educação profissional. Fonte: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/inep-data/catalogo-de-escolas, Acesso em 12/02/2021. Por conseguinte, uma parcela significativa dos estudantes indígenas que prossegue seus estudos frequenta unidades escolares fora das TIs, muitas delas situadas nas zonas urbanas. Esta presença indígena no ambiente escolar resulta em alguns testemunhos do ambiente enfrentado por eles. Tome-se o traumático ingresso de Daniel Munduruku no universo escolar urbano, como o escritor indígena nos relata em sua “quase autobiografia” intitulada Memórias de índio:

Cheguei à escola bem motivado. Adentrei no prédio disposto a aprender as coisas dos brancos. Logo de cara, me deparei com um grupo de colegas. Todos eram um pouco parecidos comigo, e senti que poderiam ser meus amigos. Fiquei feliz. No entanto, quando fui me aproximando do local, um deles apontou o dedo para mim e gritou: ‘Olha o índio que chegou na nossa escola!!! Olha o índio!’. Eu fiquei olhando para todas as partes, procurando o tal índio! Achei que era um passarinho que eu não conhecia! Quando eles viram que eu não sabia do que falavam, começaram a rir. Só depois é que me dei conta de que eles falavam de mim. […] Era uma palavra que não cabia em meu pequeno vocabulário português. Entendi, então, que meus colegas me deram um apelido. No começo, eu até achei que era legal ter um, mas depois fui compreendendo que por causa dele quase sempre eu era isolado nas brincadeiras. Percebi que meu apelido era motivo de piada e minha origem era motivo de chacota. Isso me deixava muito triste (Munduruku 2016:19-20MUNDURUKU, Daniel. 2016. Memórias de índio: uma quase autobiografia. Porto Alegre: Edelbra.).

A experiência narrada por Daniel Munduruku está longe de ser isolada15 15 Tome-se o depoimento da guarani Jaciara Para Mirim Augusto Martim: “o preconceito que enfrentei em sala de aula era muito grande, eu ficava isolada, não só pelo fato de eu ser tímida, mas principalmente por eu ser indígena. Ninguém queria ficar perto de mim” (Martim citada em Rangel & Vale 2008:255). Já o xavante Cristian Wari’u Tseremey’wa menciona como as outras crianças o temiam, por acreditarem que ele seria um “canibal agressivo” (Cf. https://www.youtube.com/watch?v=wbe-oy_lKh4). Por fim, Ariana Karipuna conta que, ao estudar na cidade, na adolescência, seus colegas “começaram a chamá-la de ‘índia brava, índia cobra, índia onça’, ela lembra: ‘me chamavam de burra porque eles achavam que eu não sabia nada, só que eu dava show neles com as minhas apresentações’. Ela diz que algumas vezes se sentia excluída, pois muitos colegas não queriam fazer trabalhos em grupo com ela” (Peixoto 2017:37). e, na verdade, ela expressa apenas um fragmento das violências enfrentadas pelos indígenas. Assim, será preciso atentar para outras manifestações racistas, como aquela vivida pelo povo Maxakali em episódio de 2004, havido na cidade de Itinga-MG. Naquela ocasião, “as vítimas caminhavam da Aldeia Pradinho até o município de Araçuaí e, como de costume, pararam para descansar em Itinga. Neste município, não se sabe em qual situação, o grupo foi agredido a pauladas, pedradas e água quente” (Cimi 2006:118CIMI. 2006. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2003-2005. Brasília: CIMI .). Os Maxakali costumam caminhar a pé pelos territórios de seus ancestrais, mesmo que atualmente não tenham a posse dessas localidades (Ribeiro 2008RIBEIRO, Rodrigo Barbosa. 2008. Guerra e Paz entre os Maxakali: devir histórico e violência como substrato da pertença. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.), as quais contam com vários municípios de dimensão similar à de Itinga (14.407 pessoas). Uma família indígena de passagem pelas ruas dessas cidades desperta a atenção dos moradores - ainda mais após trazer as marcas de vários dias de caminhada estrada afora. Tal imagem foi suficiente para os Maxakali sofrerem agressões de cunho racista.

Já o povo Terena sofreu outro tipo de ataque em 2013, na cidade de Miranda-MS - 25.595 habitantes. Naquela ocasião,

um grupo de indígenas, dos quais alguns trajavam roupas e adornos, entrou no restaurante para almoçar. Alguns funcionários do estabelecimento não queriam atendê-los. Eles pediram para falar com o gerente e este confirmou que a ordem era da chefia e que realmente eles iriam parar de atender os indígenas (Cimi 2014:74CIMI. 2014. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2013. Brasília: CIMI .).

Neste caso, a condição de indígena impediu o acesso a um serviço ofertado por um estabelecimento particular - algo que seria pago pelos consumidores indígenas, diga-se de passagem. Entretanto, os funcionários do restaurante não se constrangeram em praticar um ato que está em descordo com a Lei 7.716 de 5 de janeiro de 1989, que pune “os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Certamente, eles não temem a pena prevista: a reclusão de um a três anos, conforme prescrito no artigo 5º.

No entanto, mesmo que a direção do restaurante desconheça essa legislação, chama a atenção a irracionalidade econômica desta atitude, pois se trata de uma orientação consciente, emitida pela direção de um estabelecimento comercial, visando à não realização de sua atividade-fim. Tal quadro remete ao caráter “irracional” da economia do terror, uma situação estudada por Michael Taussig (1993TAUSSIG, Michel. 1993. Xamanismo, colonialismo e o homem selvagem: um estudo sobre o terror e a cura. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) ao tratar da exploração da borracha na região de Putumayo, na passagem do século XIX para o XX. Este autor sublinhou a escassez de mão de obra nessa região, algo que não impediu a existência de um mecanismo de tortura e destruição sistemática dos trabalhadores indígenas. Embora o presente caso não apresente os mesmos extremos de violência, ele enuncia a perpetuação de uma lógica (antieconômica) similar.

Do que se expôs até o momento, é possível começar a delinear um padrão de condutas, cujo resultado seria a criação de obstáculos à presença indígena nas áreas urbanas. Entretanto, quando há conflitos entre os indígenas e os colonizadores, esta interdição torna-se explícita, como atesta a violência contra Marcelo Cinta Larga, ocorrida em 2004 no município de Espigão D’Oeste-RO (28.729 moradores). Segundo a ficha,

a vítima foi sequestrada, espancada e amarrada por garimpeiros a uma árvore na praça central de Espigão D’Oeste. Marcelo permaneceu amarrado a uma árvore por cerca de 10 horas. Os garimpeiros só o soltaram após negociações com a Polícia Federal. O fato se deu após a morte de garimpeiros na terra indígena dos Cinta-Larga (Cimi 2006:119CIMI. 2006. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2003-2005. Brasília: CIMI .).

Em outras palavras, a presença de um único indígena na cidade levou-o a sofrer violência física e psicológica por horas a fio, atestando o quanto os indígenas eram indesejados naquele local àquela altura. Esta situação remete àquela vivenciada pelos Enwenê-Nawê em 2007, cuja presença na cidade de Juína, em Mato Grosso-MT (39.255 habitantes), resultou em:

ameaças e preconceito sofridos pelos índios quando vão à cidade. Indígenas ouvem os fazendeiros, vereadores e o próprio prefeito dizendo que a ‘cidade não é de índios, a cidade é dos brancos’. [...] Segundo [o chefe da Funai, em Juína, Antonio Carlos de Aquino], não há condições de os índios andarem na cidade em paz (Cimi 2008:110CIMI. 2008. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2006-2007. Brasília: CIMI .).

Aliás, mesmo atos corriqueiros, como ir à cidade para acessar serviços, levam à eclosão de ofensas racistas. Tome-se o ocorrido em 2019 com o povo Madiha/Kulina, na cidade de Ipixuna-AM (22.254 habitantes). A presença deles na cidade

incomoda parte da população, que costuma tratá-los com discriminação e preconceito. Nas redes sociais, são comuns os comentários hostilizando os indígenas e solicitando que a Funai os leve para as aldeias, porque eles são ‘porcos’, ‘fedorentos’, ‘enojam toda a cidade, fazendo das vias públicas, sanitário’ (Cimi, 2020:140CIMI. 2020. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2019. Brasília: CIMI .).

Em resumo, a circulação dos indígenas nas cidades menos populosas ocasiona uma série de episódios de racismo. Como a presença deles é evidente nesses espaços, parece haver uma tentativa de produzir uma disjunção entre os indígenas e o espaço urbano. Se essa separação não acontece de modo absoluto, isto decorre dos outros espaços relacionais com que os indígenas contam para viver. Com base nesse apoio, eles podem suportar o racismo vivido quando acorrem à zona urbana desses municípios.

Cidades mais populosas: anonimato cotidiano e violência

É tempo de indagar se a situação seria muito distinta nas cidades mais populosas, nas quais a presença indígena é menos notada. A despeito da grande diferença relativa, chama a atenção a proximidade entre o número absoluto de indígenas dos dois grupos de municípios: as cidades menos populosas contam com 147.664 indígenas, enquanto as mais populosas contam com 112.017, ou seja, são 35.647 pessoas a menos, mas que equivalem a 43,13% dos indígenas da amostra. Em média, este grupo de cidades conta com 2.196,41 indígenas em cada um dos 51 municípios, contra a média de 1.717,05 dos municípios menos populosos. Deste modo, parece existir um valor médio relativamente “fixo” para o número de indígenas nos municípios brasileiros.

Além disso, mesmo que a população indígena seja proporcionalmente muito menor nos municípios mais populosos, eles sofrem um número similar de casos de racismo, com 146 episódios. Na verdade, o número de casos em relação à população indígena é mais elevado nesse grupo de municípios, pois há, em média, um episódio de racismo a cada 767,23 indígenas, contra um caso a cada 1.039,88 nas cidades com até 50.000 habitantes. Como o grupo das cidades mais populosas conta com menos municípios, há uma concentração maior de episódios: em média, cada uma das 51 cidades mais populosas teve em torno de 2,86 casos de racismo, contra 1,65 nas cidades menos populosas. Há que se investigar a razão de duas situações sociais tão distintas resultarem em números tão similares. Como a condição de minoria com relativa visibilidade (8,77% da população, em média) resultou em 142 casos de racismo, enquanto a condição de minoria invisível16 16 Vale notar que essa invisibilidade já foi apontada por outras pesquisas, como a empreendida por Lucia Helena Rangel e Cláudia Netto do Vale: “no contexto urbano a população indígena tornou-se invisível, tanto aos olhos da sociedade, quanto aos olhos e cuidados do Estado. […] É no contexto urbano que o jovem indígena pode ‘usufruir’ de sua invisibilidade, ocultando sua origem, indiferenciando-se, por vergonha de pertencer a um povo indígena e para escapar ao racismo e à violência que são característicos das atitudes e comportamentos dos brasileiros em relação ao índio” (Rangel & Vale 2008:256, 257). produz outros 146 casos?

Tabela 2:
Cidades com o maior número de episódios de racismo

A tabela 2 17 17 Tabela feita pelo autor a partir dos relatórios (Cimi 2006, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020) e do Censo de 2010 (IBGE 2012a). mostra as 12 cidades do levantamento com ao menos cinco casos de racismo. Dentre elas, 10 tinham uma população com mais de 50.001 habitantes em 2010, nas quais ocorreram 82 episódios de racismo - o que corresponde a 56,16% dos 146 casos das cidades mais populosas e a 28,27% do total. Esta média de 8,2 casos para cada cidade está muito acima dos 2,86 casos por município do grupo das cidades mais populosas e mesmo dos 2,10 casos por cidade do levantamento. Ademais, há uma predominância de capitais entre essas cidades, que são oito das 12 localidades com pelo menos cinco casos e, ainda, quatro entre as seis cidades com oito casos ou mais - sendo que as três cidades com mais episódios de racismo são capitais, com 12 ocorrências cada: Brasília-DF (2.570.160 habitantes), Campo Grande-MS (786.797 habitantes) e São Paulo-SP (11.253.503 habitantes). Haveria algum padrão de manifestação do racismo peculiar a esse grupo de municípios? Acredito que a análise de alguns episódios ocorridos nestas cidades poderá ajudar a responder a esta questão.

Os municípios mais populosos também contam com episódios de racismo no ambiente escolar, como atesta um caso de 2011 envolvendo indígenas matriculados na rede municipal de Manaus-AM (1.802.014 habitantes). Segundo a ficha sobre o episódio, o Ministério Público Federal (MPF)

recomendou à Secretaria de Educação de Manaus a investigação de denúncias de maus-tratos contra crianças indígenas em uma escola municipal na zona Oeste da capital. As vítimas teriam de 4 a 10 anos de idade e seriam alunos da Escola Municipal Santo André. Segundo a Procuradoria, as crianças eram forçadas a carregar água e areia em baldes de cinco litros, durante o horário de aula. Há denúncias também de uso de palavrões e ofensas contra a origem indígena das crianças, feitas pela diretora da unidade de ensino (Cimi 2012:89CIMI. 2012. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2011. Brasília: CIMI .).

Este caso de racismo em ambiente escolar parece inverter alguns aspectos da situação mencionada pouco acima. Naquele episódio, os indígenas foram acusados de serem preguiçosos, enquanto neste caso, jovens indígenas foram submetidos a trabalho forçado, além de sofreram agressões verbais. Aliás, o preconceito relacionado à inaptidão indígena para o trabalho é recorrente, como ilustra o ocorrido em Belém-PA, em 2005: “em almoço com empresários paraenses, Presidente da Câmara Federal dos Deputados, Severino Cavalcante, afirmou que ‘as terras devem ser dadas para quem trabalha e não para os índios, que não pensam em trabalhar porque não aprenderam a trabalhar’” (Cimi 2006:121CIMI. 2006. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2003-2005. Brasília: CIMI .). Em resumo, esses episódios partem do mesmo preconceito étnico-racial, mas com resultados distintos, indicando como uma mesma prenoção racista pode levar a diferentes efetivações.

Outros casos indicam que a condição étnico-racial indígena representa um obstáculo suplementar na busca por trabalho remunerado. Veja-se a situação dos Guarani Kaiowá em 2009, na cidade de Dourados-MS (população de 196.035). Naquela ocasião, os indígenas participaram de evento no Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran) e

falaram sobre o preconceito de que são vítimas quando procuram um trabalho. Segundo eles, muitos têm qualificação profissional para competir em condição de igualdade com qualquer pessoa, porém dificilmente é oferecido trabalho a eles. As mulheres são aceitas apenas como domésticas e os homens, na maior parte, vão trabalhar nas usinas (Cimi 2010:90CIMI. 2010. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2009. Brasília: CIMI .).

Longe de ser um evento isolado, tais dificuldades de inserção no mercado laboral se repetem. Os mesmos Guarani Kaiowá afirmaram receber, em 2003, um salário menor em relação aos não indígenas que trabalhavam no corte de cana (Cimi 2006:116CIMI. 2006. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2003-2005. Brasília: CIMI .). Além desses, há outros episódios de dificuldades relacionadas ao trabalho, mas eles aconteceram em cidades com menos de 50.000 habitantes e não serão detalhados aqui.18 18 Por exemplo, em 2009, mais de 200 terena foram demitidos da usina canavieira Santa Olinda, em Sidrolândia-MS (42.132 habitantes) (Cimi 2010:90). Em 2013 o cacique dos Guarani em Terra Roxa-PR (16.759 habitantes) apontou a dificuldade que os jovens e os adolescentes têm para conseguir emprego, mesmo como boia-fria (Cimi 2014:75). No conjunto, estes casos ilustram a vulnerabilidade dos indígenas em sua inserção no mercado de trabalho.

Cabe acrescentar como nos municípios mais populosos as interações em espaços comuns resultam em atos racistas. Tome-se o caso de 2012, de uma guarani mbya que vivia em Salvador-BA (2.675.656 habitantes):

a vítima denunciou a acusada, que na ocasião era síndica de um prédio em Salvador, de tê-la ofendido quando a indígena passou a usar trajes típicos um ano após mudar-se para o novo local. A acusada tentou dissuadir a indígena de usar os trajes típicos de sua cultura, e a mudar do local. Além disso, a ofendeu comparando os índios a macacos e acusando a vítima do sumiço de móveis do condomínio (Cimi 2013:89CIMI. 2013. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2012. Brasília: CIMI .).

Aliás, a mera circulação pelo espaço urbano resulta em atos racistas, como indica o caso dos indígenas pataxó que utilizavam o metrô no Rio de Janeiro-RJ em 2008. “[Eles] foram barrados na estação de metrô Cantagalo, do Rio de Janeiro. O segurança do metrô alegou que ali ‘índio não entra’. Os índios estavam paramentados pois participavam de palestras na cidade” (Cimi 2009:91CIMI. 2009. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2008. Brasília: CIMI .).

Há também o caso de uma mãe e sua filha guarani, moradoras da TI Jaraguá, que acorreram à região da Lapa em 2019, no município de São Paulo, mas no ônibus “três homens as ameaçaram, dizendo que ali não era o lugar delas, que a cidade era lugar de brancos e que índio tinha um filho atrás do outro, além de xingá-las de macacas. A indígena desceu do ônibus com a criança e, chorando, elas voltaram para a aldeia” (Cimi 2020:141CIMI. 2020. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2019. Brasília: CIMI .). Por fim, cabe mencionar o caso de um guarani mbyá de 2010, que sofreu uma série de ameaças na estação Barra Funda do metrô de São Paulo-SP: “quando foi abordado de forma agressiva por um grupo de jovens punk. Diziam, ‘índios têm que morrer’ e outras grosserias. A vítima disse que o mesmo ocorrera com uma amiga dele uma semana antes” (Cimi 2011:92CIMI. 2011. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2010. Brasília: CIMI .).

Tais episódios mostram como o racismo dirigido aos povos indígenas não é algo episódico e/ou localizado em paragens específicas do país. Na verdade, estaríamos diante de uma forma estável de relacionamento, ainda que existam diferenças regionais expressivas nos números e nas formas dos casos. Portanto, faz-se necessário refletir sobre os fatores que fazem do racismo um componente estável na vida dos povos indígenas no Brasil.

Sobre os efeitos do racismo contra os povos indígenas

Há indicativos de que a maioria dos indígenas das cidades menos populosas vive em Terras Indígenas. Segundo o Censo de 2010, 572.083 indígenas residiam na zona rural, com 85,9% deles em TIs. Dentre os 147.664 indígenas dos municípios menos populosos, 119.370 moram no campo, o que equivale a 80,84% do total nestas cidades.19 19 Vale notar que somente 38,63% dos habitantes dessas cidades vivem na zona rural. Se supusermos que um percentual similar de moradores da zona rural vive em TIs, teremos que 102.180 desses indígenas estariam em TIs. Em suma, cerca de 69,20% dos indígenas dos municípios menos populosos estariam vinculados às dinâmicas de suas comunidades, vivendo em conformidade com suas formas tradicionais de vida. Com isso, a reprodução física e cultural desses indígenas estaria baseada nos circuitos relacionais vigentes em cada povo.

Por outro lado, o Censo de 2010 mostrou que 25.963 dos indígenas nas zonas urbanas viviam em TIs, o equivalente a 7,99% dessa população. Ora, dos 112.017 indígenas que vivem nas cidades mais populosas, 85.866 estão nas zonas urbanas, um índice de 76,85% que praticamente inverte a situação dos municípios menos populosos.20 20 Mas ainda é menor do que os 97,95% de moradores urbanos nesse grupo de municípios. Se os dados do Censo sobre moradores das TIs se repetirem nesse grupo de cidades, teremos aproximadamente 79.005 indígenas vivendo fora das TIs, ou 70,53% do total de indígenas das cidades mais populosas.

Ora, há vários desafios para a reprodução das formas tradicionais de existência para os indígenas na zona urbana. Tome-se o caso dos Guarani do Tekoa Pyau, uma das aldeias da TI Jaraguá,21 21 As outras aldeias dessa TI são: Tekoa Ytu e Tekoa Itakupe. situada em São Paulo-SP. Como aponta a antropóloga Aline Villela de Mello Motta (2007:25MOTTA, Aline V. de Mello. 2007. Tekoa Pyau: uma aldeia guarani na metrópole. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.), esta aldeia teria várias limitações para a reprodução integral do modo de ser Guarani, em especial, não haveria o ambiente natural necessário à realização dos circuitos relacionais desse povo (Ladeira 1997LADEIRA, Maria Inês. 1997. “A necessidade de Novas Políticas para o Reconhecimento do Território Guarani”. Anais do 49º Congresso Internacional de Americanistas, Quito.). A despeito disto, “a maior parte das famílias está lá por causa do Xeramoi José Fernandes” (Motta 2007:18MOTTA, Aline V. de Mello. 2007. Tekoa Pyau: uma aldeia guarani na metrópole. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.), isto é, acorreram àquela região por conta do prestígio religioso associado a um xamã, rearticulando um preceito tradicional aos Guarani para viabilizar a existência deles em uma TI urbana.

No entanto, os indígenas urbanos que vivem fora de TIs nem sempre podem lançar mão deste expediente. Às vezes, é preciso criar outros tipos de vínculos, como atesta a situação do povo Pankararu em São Paulo. Vivendo na “favela” do Real Parque, eles não contam com os terreiros sagrados nesta localidade (Albuquerque 2007:86ALBUQUERQUE, Marcos A. dos Santos. 2007. “Mobilização étnica na cidade de São Paulo: o caso dos índios Pankararu”. Espaço Ameríndio, 1 (1):73-101.), após terem migrado dos “municípios de Petrolândia, Itaparica e Tacaratu, [...] próximos ao rio São Francisco” (Arruti 1999ARRUTI, José Maurício A. 1999. “A árvore Pankararu: fluxos e metáforas da emergência étnica no sertão do São Francisco”. In: J. P. Oliveira (org.), A Viagem da Volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no Nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contra Capa. pp. 229-278.:229). Visando realizar as apresentações públicas dos torés e praiás em São Paulo,22 22 Segundo Marcos Albuquerque, “na área Pankararu em Pernambuco o toré é o nome tanto de um ritual quanto de um tipo de dança e música. Os torés (músicas) são entoados na parte final de um ritual, ocasião que também é chamada de toré ou ‘brincadeira’, espaço lúdico de participação coletiva. Já os praiás são as máscaras corporais que ‘vestem’ os Encantados (entidades sobrenaturais) durante um ritual, para eles são dirigidos toantes (cânticos) próprios” (Albuquerque 2007:83). eles contaram com o consentimento dos moradores do Brejo dos Padres, valendo-se de máscaras de praiás sem “sementes”, isto é, usando “cópias” sem ligação efetiva com os Encantados,23 23 Segundo Arruti, “os Encantados são ‘índios que se encantaram’, voluntária ou involuntariamente, e por isso o culto a eles, como insistem os Pankararu, não pode ser confundido com o culto aos mortos, identificado como a ‘religião de negros’” (Arruti 1999:269). cujo vínculo espiritual seria exclusivo com as máscaras originais, as quais permanecem no sertão nordestino. Deste modo, estas apresentações teriam mais o propósito de “exibição de identidade e força política, os praiás pelo seu caráter mais sagrado, ficam restritos às aldeias” (Albuquerque 2007:83-4ALBUQUERQUE, Marcos A. dos Santos. 2007. “Mobilização étnica na cidade de São Paulo: o caso dos índios Pankararu”. Espaço Ameríndio, 1 (1):73-101.). Mesmo com um “caráter mais lúdico e político, esses praiás servem de referência para as crianças do que é a tradição Pankararu” (Albuquerque 2007:86ALBUQUERQUE, Marcos A. dos Santos. 2007. “Mobilização étnica na cidade de São Paulo: o caso dos índios Pankararu”. Espaço Ameríndio, 1 (1):73-101.). E como essas apresentações são feitas por associações civis, não é exagero dizer que estas instituições concorrem para que os Pankararu afirmem sua condição de indígenas no ambiente urbano.

Todavia, nem todos os indígenas urbanos contam com os suportes relacionais supracitados. Tome-se o caso dos moradores da Aldeia Vertical, um prédio de habitação popular construído no programa “Minha Casa, Minha Vida” para abrigar indígenas deslocados da Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro-RJ (6.320.446 de habitantes). A pesquisadora Camila Bevilaqua conviveu de perto com três deles, cujo envolvimento em uma horta comunitária no Complexo do São Carlos buscava divulgar a cultura indígena “através do envolvimento com as plantas e a prática” (Bevilaqua 2017:86BEVILAQUA, Camila. 2017. “Se fantasiar de índio é fácil, ser índio é difícil, tem que estudar muito: vivências indígenas na cidade do Rio de Janeiro”. Revista Anthropológicas, 28(2):85-111.). Ao longo dessas atividades, cujo grau de formalização era bem pequeno, eles puderam formar os vínculos pelos quais sua condição de indígena era afirmada. Com isso,

a indianidade é, assim, elaborada mais como um movimento em uma certa direção do que uma qualidade inata, apesar da existência de um foco na ascendência indígena. O ‘sangue indígena’ é uma substância complexa, que por si só não garante uma identificação, sendo preciso ser acompanhado da incorporação de uma cultura que é entendida enquanto estudo (Bevilaqua 2017:86BEVILAQUA, Camila. 2017. “Se fantasiar de índio é fácil, ser índio é difícil, tem que estudar muito: vivências indígenas na cidade do Rio de Janeiro”. Revista Anthropológicas, 28(2):85-111.).

Esses exemplos mostram como a afirmação da condição indígena exige a elaboração de estratégias comuns, em especial nos contextos urbanos - o que explicaria o limite numérico baixo, e relativamente fixo, de indígenas nos municípios brasileiros. Nas cidades menos populosas, a maioria dos indígenas vive em terras oficiais, as quais permitem sua reprodução coletiva, mas estabelecem, igualmente, limites para o seu crescimento numérico - tendo em vista a dimensão da maior parte das TIs, os conflitos existentes com grupos de colonizadores e a degradação ambiental vigente em muitos desses territórios. Quanto aos indígenas dos municípios mais populosos, eles teriam de criar e/ou reelaborar meios que os vinculem entre si, em um arranjo trabalhoso que não tem logrado envolver uma parcela expressiva da população. Com isso, somente uma minoria tem firmado sua condição de indígena, mesmo havendo muitos mais em condições de fazê-lo. Segundo João Pacheco de Oliveira,

o que se registra em cada região como ‘pardo’ tem uma origem histórica e uma realidade étnica absolutamente distinta e singular. No Norte, para onde não existiu significativa transferência de escravos negros nem convergiram extensos fluxos de imigrantes, a categoria ‘pardo’ evoca predominantemente e necessariamente a ascendência indígena (Oliveira 1999:134OLIVEIRA, João Pacheco de. 1999. Ensaios de antropologia histórica. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ.).

Deste modo, talvez se possa relacionar o baixo contingente numérico de indígenas ao seu “inverso”, isto é, o expressivo crescimento dessa população que se deu no final do século XX (IBGE 2012bIBGE. 2012b. Os indígenas no Censo Demográfico 2010: primeiras considerações com base no quesito cor ou raça. Rio de Janeiro: IBGE .; Luciano 2006LUCIANO, Gersem dos Santos. 2006. O Índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/LACED/Museu Nacional.). Muitos fatores explicam esse aumento populacional, mas aqui eu gostaria de chamar a atenção para o processo de reclassificação étnica (Perz, Warren & Kennedy 2008PERZ, Stephen George; WARREN, Jonathan. & KENNEDY, David. 2008. “Contributions of Racial-Ethnic Reclassification and Demographic Processes to Indigenous Population Resurgence: The Case of Brazil”. Latin American Research Review, 43 (2):7-33.; IBGE 2005IBGE. 2005. Tendências demográficas: uma análise dos indígenas com base nos resultados da amostra dos Censos Demográficos 1991 e 2000. Rio de Janeiro: IBGE.). Conforme mostram Nilza Pereira, Marta Azevedo e Ricardo Santos,

os resultados do Censo Demográfico 2000 revelaram que o contingente “indígena” apresentou um crescimento significativo em relação ao Censo Demográfico de 1991, da ordem de 10,8% ao ano. O aumento foi mais significativo na área urbana (20,8% ao ano) que na rural (5,2% ao ano). [...] Isto talvez ocorra graças ao aumento de autodeclaração de índio-descendentes nas áreas urbanas das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, principalmente. Nas áreas rurais, os autodeclarados “indígenas” são pertencentes aos povos; logo, não deve ter havido um grande aumento na autodeclaração, mas sim um aumento populacional por causa do crescimento vegetativo destes povos (Pereira, Santos & Azevedo 2005:159-160PEREIRA, Nilza de O. M.; VENTURA SANTOS, Ricardo & AZEVEDO, Marta M. 2005. “Perfil Demográfico Socioeconômico das Pessoas que se Autodeclararam ‘Indígenas’ nos Censos Demográficos de 1991 e 2000”. In: H. Pagliaro, M. M. Azevedo, R. V. Santos (orgs.), Demografia dos povos indígenas no Brasil [on-line]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz., grifos meus).

Os anos 1990 foram singulares por possibilitarem aos indígenas o acesso a direitos consagrados na Constituição de 1988 - em especial, a posse das terras de ocupação tradicional, a legitimidade das formas de existência próprias aos diversos povos indígenas, bem como o acesso a serviços médicos e escolares atentos às especificidades dos diversos povos. Tal processo resultou da atuação do movimento indígena, cujas ações visibilizaram pautas de diferentes povos, levando à “superação do fantasma do desaparecimento gradual dos povos indígenas” (Luciano 2006LUCIANO, Gersem dos Santos. 2006. O Índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/LACED/Museu Nacional.:80). Estes fatores concorreram para o expressivo crescimento da população indígena, cujo aumento foi de 4% ao ano contra 1,6% da população brasileira, segundo Gersem Baniwa24 24 Seu nome em várias publicações é Gersem dos Santos Luciano e será esta a grafia utilizada nas referências bibliográficas. (Luciano 2006:20LUCIANO, Gersem dos Santos. 2006. O Índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/LACED/Museu Nacional.).

Todavia, a reclassificação étnica não produziu o mesmo efeito no ciclo censitário seguinte. Mas este fato não implica o esgotamento desse processo, por conta do expressivo contingente populacional passível de se declarar indígena, mas que prefere assumir a condição de pardo. Tendo isto em vista, há que refletir sobre os motivos da “preferência” em adotar a condição étnico-racial parda em detrimento da indígena. Ora, essa “escolha” não é fruto de uma decisão individual, ocorrida fora das relações sociais. Ao contrário, há de se considerarem as várias formas de pressão que inibem a autoafirmação indígena. Dito de outro modo, seria preciso considerar como as ações racistas “incentivam” as pessoas a se autodeclararem como “pardas”, em lugar de “indígenas” - ou mesmo “pretas”.

Os relatórios de violência contra os povos indígenas mostram muitos episódios que corroboram esta afirmação. Tome-se o episódio contra o povo Nambikwara, ocorrido em Comodoro-MT (18.178 habitantes) em 2003, quando “professores indígenas foram barrados na recepção do Hotel Comodoro sob a alegação do proprietário de não hospedar índios, pois estes afastam a clientela” (Cimi 2006:116CIMI. 2006. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2003-2005. Brasília: CIMI .). Já em 2009, um indígena awá-guaja usava um telefone público no povoado de Boa Vista, um distrito do município de Bom Jardim-MA (39.049 habitantes), “quando foi surpreendido pelo agressor com palavras preconceituosas e impedido de telefonar” (Cimi 2010:90CIMI. 2010. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2009. Brasília: CIMI .). Há, ainda, o episódio de 2009 vivido pela indígena terena Janaína Faustino em Campo Grande-MS, quando

a vítima denunciou ao delegado que teve seu cadastro negado na loja Meio Preço pelo fato de ser índia. Declarou, ainda, que a vendedora alegou que era a política da loja não dar cartões aos índios. O gerente da loja, ao ser questionado, disse que havia uma ordem negando crediário aos índios ‘porque índio não é responsável pelos seus atos’ (Cimi 2010:90CIMI. 2010. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2009. Brasília: CIMI .).

Já em 2010, a simples presença dos Guarani Mbyá em Balneário Barra do Sul-SC (8.430 habitantes) resultou em várias situações racistas, pois, “segundo o cacique Nilton, as mulheres e crianças, quando vão ao centro vender artesanato ou comprar alimentos, sofrem agressões verbais, realizadas por mulheres não indígenas” (Cimi 2011:88CIMI. 2011. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2010. Brasília: CIMI .).

Além disso, a pressão para inibir a autodeclaração indígena é mais aguda entre aqueles que não mantiveram todos os aspectos associados à condição de indígena - como a língua e/ou a religião -, em decorrência das pressões sofridas ao longo de sua história. Como apontado pela professora indígena Cristiane Takuá,

desde o início da colonização do Brasil, os Povos Indígenas vêm sofrendo transformações em seu modo de viver. Muitas dessas mudanças, refletidas na cultura, foram consequências de violentos atos, como, por exemplo, a imposição truculenta de uma religião baseada na culpa e no pecado, que julgava os povos indígenas como sem Deus. Impulsionados por essa missão de evangelizar os povos nativos, estupraram mulheres, queimaram casas de reza, extinguiram línguas, destruíram culturas milenares. Milhares de indígenas foram mortos durante os combates de resistência contra as imposições dos colonizadores (Takua 2019TAKUÁ, Cristine. 2019. “Resistência indígena: uma luta contra a violação dos direitos humanos”. In: E. F. Lima et al. (orgs.), Ensaios sobre racismos: pensamento de fronteira. São José do Rio Preto: Balão Editorial. pp. 79-82.:79).

Tal contexto se manifesta em vários episódios dos relatórios, como atesta o caso de racismo institucional sofrido pelo povo Gamela em 2016, na cidade de Matinha-MA (21.885 habitantes), quando “o juiz da comarca estadual questionou a identidade étnica dos Gamela, alegando não serem mais ‘silvícolas’, mas integrados à sociedade nacional, determinando o despejo das famílias indígenas do local conhecido como Sítio Chulanga” (Cimi 2017:101CIMI. 2017. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2016. Brasília: CIMI .). Já o relatório referente ao ano de 2005 apresenta o caso de Antônio José Sitine Nascimento Filho, pertencente ao povo Xukuru-Kariri que frequentava o Colégio Modelo Luiz Eduardo Magalhães, na cidade de Paulo Afonso-BA (108.396 habitantes). Ele sofria perseguição sistemática de um aluno, que afirmava que ele “não era indígena, pois este não fala o idioma de seu povo e nem tem características de índio” (Cimi 2006:124CIMI. 2006. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2003-2005. Brasília: CIMI .). Já Cecília Lopes Marinheiro, do povo Tumbalalá, sofreu racismo em 2003 ao participar de um encontro na cidade de Salvador-BA, pois “um participante, não identificado, discriminou a vítima dizendo que ela não era índia por não apresentar as características físicas de indígena” (Cimi 2006:121-2CIMI. 2006. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2003-2005. Brasília: CIMI .)

Todo esse contexto mostra como o pequeno número de indígenas nas cidades brasileiras não é um acidente, ou um dado residual do extermínio físico ocorrido num passado remoto. Na verdade, esta condição seria o resultado visado de uma modalidade estável de relações sociais, as quais permanecem ativas atualmente. Nesse sentido, a identificação dos indígenas com o passado se presta ao branqueamento da população, por supor que o destino deles seria a “diluição” na população mestiça. Como nos lembra João Pacheco de Oliveira,

para a população brasileira (em especial para a do interior, por conflito de interesses, mas também para os moradores das cidades…) os membros das sociedades indígenas são muito mais adequadamente classificados como ‘remanescentes’ ou ‘descendentes’ do que como ‘índios’. Quando esta designação é adotada, isto decorre de uma explícita autoatribuição pelo designado ou por se referir a um status jurídico, com o sistema de símbolos aí conexos (Oliveira 1999:198OLIVEIRA, João Pacheco de. 1999. Ensaios de antropologia histórica. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ.).

Este conjunto de fatores remete ao contexto do México no início dos anos 1970, estudado pelo antropólogo mexicano Guillermo Bonfil-Batalla. Este autor identificou a ação de um processo de desindianização, o qual

ocurre por la acción etnocida de diversos mecanismos de opresión: despojo de tierras, traslados forzosos, emigración obligada, acción indigenista, educación enajenante, racismo, penetración ideológica etc. […] La desindianización conduce, ante todo, a una mayor explotación, porque el individuo pierde la protección comunal india y es presa más fácil de los mecanismos expoliadores del mundo dominante. Las formas de resistencia secularmente probadas por los pueblos indios dejan de tener vigencia para el desindianizado. Su nueva identidad de “mestizo” no ofrece ninguna compensación real (Bonfil-Batalla 1979:46BONFIL-BATALLA, Guillermo. 1979. “El pensamiento político de los indios en America Latina”. Anuário Antropológico, 3:11-54.).

No contexto brasileiro esse processo resultaria no grande número de pessoas que se autodeclaram pardas, visando a se esquivar do racismo e de outras violências ligadas aos grupos racializados do país - pretos e indígenas, em especial. No entanto, se Bonfil-Batalla estiver correto, a condição mestiça os deixaria expostos a uma espoliação mais aguda, dada a perda da proteção coletiva. Ora, a pertença aos povos indígenas se baseia na construção de vínculos comuns, com isso, seria de se esperar que a condição étnico-racial indígena não expusesse tanto as pessoas aos mecanismos espoliadores, algo que poderá ser verificado pela análise dos rendimentos médios mensais recebidos pelos grupos étnico-raciais nas cidades com casos de racismo.

Tabela 3:
Rendimento médio mensal, pessoas com 10 anos ou mais de idade com rendimento (em Reais) - por dimensão da população das cidades

Conforme se vê na tabela 3,25 25 Tabela feita pelo autor a partir da Tabela 1381 do Censo de 2010 (IBGE 2012a), cujos dados mostram o valor médio mensal obtido pelas pessoas maiores de 10 anos que recebiam rendimentos. em 2010, os indígenas recebiam os menores rendimentos mensais dentre todos os grupos étnico-raciais das cidades do levantamento - uma média de R$ 678,55 por mês, contra R$ 970,95 dos moradores em geral, R$ 1.221,50 dos brancos, R$ 766,31 dos pretos e R$ 797,49 recebidos pelos pardos. Caso se considerem somente as cidades menos populosas, esse quadro se mantém: o rendimento médio mensal dos indígenas era de R$ 535,80 por mês, enquanto os moradores em geral recebiam R$ 805,43 por mês, os brancos, R$ 994,32, os pretos, R$ 682,92 e os pardos, R$ 696,02. Todavia, os baixos rendimentos dos indígenas nesse grupo de municípios não refletem, necessariamente, uma situação de maior espoliação. Como a maioria deles vive em TIs, os indígenas poderiam compensar os baixos rendimentos com formas comunais de produção e/ou cooperação econômica.

Já nas cidades mais populosas, o rendimento médio mensal dos indígenas era de R$ 1.021,16 por mês, enquanto as pessoas em geral recebiam R$ 1.372,33, os brancos, R$ 1.772,39, os pretos, R$ 970,97 e os pardos, R$ 1.043,55. Note-se que neste grupo de município os indígenas não tinham o rendimento mais baixo, pois os pretos recebiam em média 95% do valor recebido pelos indígenas. No entanto, caso se considere a situação nas cidades com mais de 300.001 habitantes, os indígenas contavam com rendimentos maiores do que os pretos e os pardos. Vale notar, a “vantagem” dos indígenas em relação a esses grupos étnico-raciais foi mínima e não é necessariamente motivo para celebração.26 26 A maior diferença em relação aos rendimentos médios mensais recebidos pelos pardos ocorreu nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo (cerca de 24%), enquanto a maior diferença favorável aos indígenas em relação aos pretos foi de 33,87%, o que se deu nas cinco cidades entre 1.500.001 e 3.000.000 habitantes. Além disso, não disponho de outros indicadores e sempre há que se considerar como o contingente de indígenas é reduzido. A despeito disso, esses dados indicam que as estratégias coletivas resultaram em uma condição social ligeiramente “menos ruim” para os indígenas, quando comparados aos demais grupos historicamente racializados no Brasil.

Observações finais

Os dados arrolados neste artigo mostram que o racismo praticado contra os povos indígenas é algo constante, estabelecendo-se como uma variável estável das relações coloniais vigentes. Assim, o racismo não deve ser tomado como algo residual, ou um fator menor para explicar a condição atual dos indígenas. Ao contrário, o caráter “propositivo” do racismo dá forma às relações estabelecidas entre os indígenas e demais segmentos étnico-raciais da sociedade ao favorecer a autoafirmação da condição parda - e inibir, por extensão a afirmação da condição indígena, ao associá-la a uma série de violências. Não se deve, no entanto, descuidar dos efeitos ligados a pertencer a uma coletividade, algo apontado por Ailton Krenak:

são poucas as comunidades que apresentam uma demanda para o estado que é coletiva, que reivindica um território. À exceção dos quilombolas, quem mais reivindica territórios? Somente os índios e os quilombolas. Territórios são espaços de desconstruir essa brasilidade que nos foi imposta, que ainda é uma coisa mais reflexiva do que propriamente entendida, mas que vai continuar sendo uma pedra dura para a gente seguir opinando; essa violência difusa e incrivelmente dispersa em diferentes cosmos que é movida pela impossibilidade de aceitar nossa diferença (Milanez et al. 2019:2172MILANEZ, Felipe; SÁ, Lucia; KRENAK, Ailton; CRUZ, Felipe Sotto Maior; URBANO, Elisa Urbano; JESUS, Genilson dos Santos de. 2019. “Existência e Diferença: O Racismo contra os Povos Indígenas”. Revista Direito e Práxis, 10 (03):2161-2181.).

Deste modo, as ações do movimento indígena para combater o processo de desindianização têm um significado político ampliado, ao atestarem a possibilidade de abertura para a diferença. Como mostra a ativista indígena Ariana Karipuna,

os indígenas sofrem muito preconceito e por isso junto com outras lideranças organizaram várias palestras para que os indígenas passassem a sentir orgulho, no lugar de se envergonharem por serem indígenas (Karipuna citada em Peixoto 2017:37PEIXOTO, Kércia P. F. 2017. “Racismo contra indígenas: reconhecer é combater”. Revista AntHropológicas, 28 (2):27-56.).

Essas e outras iniciativas deveriam incutir nas pessoas a vergonha pela existência do racismo, da hierarquização do grupos étnico-raciais que leva à naturalização das violências dirigidas às pessoas colocadas nas posições “inferiores”. Um primeiro passo para superar essa condição é o reconhecimento do racismo, para que um dia ninguém se envergonhe de sua cor e/ou condição étnico-racial no Brasil e possamos ser, de fato, um povo mais plural e diverso.

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Notas

  • 1
    As aspas duplas denotam a citação de um texto de terceiro, ou a ênfase em uma palavra/expressão, enquanto as aspas simples remetem a uma citação no interior da citação. Utilizei o negrito para destacar alguma ideia ou passagem, enquanto o itálico foi usado para identificar palavras de outra língua e para evidenciar nome de obra, conceito, evento, programa etc.
  • 2
    Órgão ligado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com ações de apoio à luta indígena.
  • 3
    http://projects.alc.manchester.ac.uk/racism-indigenous-brazil/pt/publicacoes-e-resultados/. Acesso em 11/08/2020.
  • 4
    Mobilização nacional organizada anualmente pela Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib) visando dar visibilidade às demandas indígenas.
  • 5
    Cf. https://www.youtube.com/watch?v=m3AShupqxjw&t=1852s. Acesso em 03/07/2020.
  • 6
    Fonte https://cimi.org.br/observatorio-da-violencia/o-relatorio/. Acesso em 12/02/2021.
  • 7
    Conferir as notas introdutórias sobre os casos de racismo nos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2015, 2017 e 2019.
  • 8
    Tabela feita pelo autor a partir dos relatórios (Cimi 2006CIMI. 2006. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2003-2005. Brasília: CIMI ., 2008CIMI. 2008. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2006-2007. Brasília: CIMI ., 2009CIMI. 2009. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2008. Brasília: CIMI ., 2010CIMI. 2010. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2009. Brasília: CIMI ., 2011CIMI. 2011. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2010. Brasília: CIMI ., 2012CIMI. 2012. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2011. Brasília: CIMI ., 2013CIMI. 2013. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2012. Brasília: CIMI ., 2014CIMI. 2014. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2013. Brasília: CIMI ., 2015CIMI. 2015. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2014. Brasília: CIMI ., 2016CIMI. 2016. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2015. Brasília: CIMI ., 2017CIMI. 2017. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2016. Brasília: CIMI ., 2018CIMI.. 2018. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2017. Brasília: CIMI ., 2019CIMI. 2019. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2018. Brasília: CIMI ., 2020CIMI. 2020. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2019. Brasília: CIMI .).
  • 9
    Os relatórios mencionam 288 episódios, mas eu desdobrei em três uma ocorrência de 2019. A ficha original reúne três falas do presidente Jair Bolsonaro, que se deram em momentos, locais e circunstâncias diferentes. Em duas falas, o povo Yanomami é mencionado, mas na terceira ele sequer aparece. Por conta disso, cada fala foi tomada como um caso singular.
  • 10
    Conferir IBGE (2012a)IBGE. 2012a. Censo demográfico, 2010. Rio de Janeiro: IBGE ..
  • 11
    Alguns episódios abarcaram mais de uma cidade, enquanto outros aconteceram sem uma localidade precisa - há um caso ocorrido fora do país, mas os dados da cidade não foram considerados. Deste modo, o número de episódios de racismo não coincide com a quantidade de municípios identificados nos relatórios.
  • 12
    Utilizei somente dados demográficos do Censo de 2010, cujas informações são mais detalhadas sobre os povos indígenas em contraste com os levantamentos anuais da PNAD.
  • 13
    Os episódios foram selecionados por permitirem abordar algumas das formas de manifestação do racismo. Não se trata, portanto, de uma enumeração exaustiva de todas as situações presentes nos relatórios.
  • 14
    Segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), há 3.373 escolas em funcionamento das Terras Indígenas, sendo que 1.950 delas ofertam a educação infantil, 3.140 o ensino fundamental e 474 unidades oferecem o ensino médio; 702 escolas oferecem EJA (Educação para Jovens e Adultos), enquanto 26 ofertam educação profissional. Fonte: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/inep-data/catalogo-de-escolas, Acesso em 12/02/2021.
  • 15
    Tome-se o depoimento da guarani Jaciara Para Mirim Augusto Martim: “o preconceito que enfrentei em sala de aula era muito grande, eu ficava isolada, não só pelo fato de eu ser tímida, mas principalmente por eu ser indígena. Ninguém queria ficar perto de mim” (Martim citada em Rangel & Vale 2008:255RANGEL, Lucia Helena & VALE, Cláudia Netto do. 2008. “Jovens indígenas na metrópole”. Ponto-e-vírgula, 4:254-260.). Já o xavante Cristian Wari’u Tseremey’wa menciona como as outras crianças o temiam, por acreditarem que ele seria um “canibal agressivo” (Cf. https://www.youtube.com/watch?v=wbe-oy_lKh4). Por fim, Ariana Karipuna conta que, ao estudar na cidade, na adolescência, seus colegas “começaram a chamá-la de ‘índia brava, índia cobra, índia onça’, ela lembra: ‘me chamavam de burra porque eles achavam que eu não sabia nada, só que eu dava show neles com as minhas apresentações’. Ela diz que algumas vezes se sentia excluída, pois muitos colegas não queriam fazer trabalhos em grupo com ela” (Peixoto 2017:37).
  • 16
    Vale notar que essa invisibilidade já foi apontada por outras pesquisas, como a empreendida por Lucia Helena Rangel e Cláudia Netto do Vale: “no contexto urbano a população indígena tornou-se invisível, tanto aos olhos da sociedade, quanto aos olhos e cuidados do Estado. […] É no contexto urbano que o jovem indígena pode ‘usufruir’ de sua invisibilidade, ocultando sua origem, indiferenciando-se, por vergonha de pertencer a um povo indígena e para escapar ao racismo e à violência que são característicos das atitudes e comportamentos dos brasileiros em relação ao índio” (Rangel & Vale 2008:256, 257RANGEL, Lucia Helena & VALE, Cláudia Netto do. 2008. “Jovens indígenas na metrópole”. Ponto-e-vírgula, 4:254-260.).
  • 17
    Tabela feita pelo autor a partir dos relatórios (Cimi 2006CIMI. 2006. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2003-2005. Brasília: CIMI ., 2008CIMI. 2008. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2006-2007. Brasília: CIMI ., 2009CIMI. 2009. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2008. Brasília: CIMI ., 2010CIMI. 2010. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2009. Brasília: CIMI ., 2011CIMI. 2011. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2010. Brasília: CIMI ., 2012CIMI. 2012. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2011. Brasília: CIMI ., 2013CIMI. 2013. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2012. Brasília: CIMI ., 2014CIMI. 2014. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2013. Brasília: CIMI ., 2015CIMI. 2015. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2014. Brasília: CIMI ., 2016CIMI. 2016. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2015. Brasília: CIMI ., 2017CIMI. 2017. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2016. Brasília: CIMI ., 2018CIMI.. 2018. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2017. Brasília: CIMI ., 2019CIMI. 2019. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2018. Brasília: CIMI ., 2020CIMI. 2020. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2019. Brasília: CIMI .) e do Censo de 2010 (IBGE 2012aIBGE. 2012a. Censo demográfico, 2010. Rio de Janeiro: IBGE .).
  • 18
    Por exemplo, em 2009, mais de 200 terena foram demitidos da usina canavieira Santa Olinda, em Sidrolândia-MS (42.132 habitantes) (Cimi 2010:90CIMI. 2010. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2009. Brasília: CIMI .). Em 2013 o cacique dos Guarani em Terra Roxa-PR (16.759 habitantes) apontou a dificuldade que os jovens e os adolescentes têm para conseguir emprego, mesmo como boia-fria (Cimi 2014:75CIMI. 2014. A violência contra os povos indígenas no Brasil: 2013. Brasília: CIMI .).
  • 19
    Vale notar que somente 38,63% dos habitantes dessas cidades vivem na zona rural.
  • 20
    Mas ainda é menor do que os 97,95% de moradores urbanos nesse grupo de municípios.
  • 21
    As outras aldeias dessa TI são: Tekoa Ytu e Tekoa Itakupe.
  • 22
    Segundo Marcos Albuquerque, “na área Pankararu em Pernambuco o toré é o nome tanto de um ritual quanto de um tipo de dança e música. Os torés (músicas) são entoados na parte final de um ritual, ocasião que também é chamada de toré ou ‘brincadeira’, espaço lúdico de participação coletiva. Já os praiás são as máscaras corporais que ‘vestem’ os Encantados (entidades sobrenaturais) durante um ritual, para eles são dirigidos toantes (cânticos) próprios” (Albuquerque 2007:83ALBUQUERQUE, Marcos A. dos Santos. 2007. “Mobilização étnica na cidade de São Paulo: o caso dos índios Pankararu”. Espaço Ameríndio, 1 (1):73-101.).
  • 23
    Segundo Arruti, “os Encantados são ‘índios que se encantaram’, voluntária ou involuntariamente, e por isso o culto a eles, como insistem os Pankararu, não pode ser confundido com o culto aos mortos, identificado como a ‘religião de negros’” (Arruti 1999:269ARRUTI, José Maurício A. 1999. “A árvore Pankararu: fluxos e metáforas da emergência étnica no sertão do São Francisco”. In: J. P. Oliveira (org.), A Viagem da Volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no Nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contra Capa. pp. 229-278.).
  • 24
    Seu nome em várias publicações é Gersem dos Santos Luciano e será esta a grafia utilizada nas referências bibliográficas.
  • 25
    Tabela feita pelo autor a partir da Tabela 1381 do Censo de 2010 (IBGE 2012aIBGE. 2012a. Censo demográfico, 2010. Rio de Janeiro: IBGE .), cujos dados mostram o valor médio mensal obtido pelas pessoas maiores de 10 anos que recebiam rendimentos.
  • 26
    A maior diferença em relação aos rendimentos médios mensais recebidos pelos pardos ocorreu nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo (cerca de 24%), enquanto a maior diferença favorável aos indígenas em relação aos pretos foi de 33,87%, o que se deu nas cinco cidades entre 1.500.001 e 3.000.000 habitantes.

Notas

  • *
    Gostaria de agradecer a Lúcia Helena Vitalli Rangel pela interlocução ao longo dos anos e que moldou muito o recorte analítico. Além disso, agradeço às sugestões feitas pelos pareceristas que avaliaram o manuscrito, cujas contribuições aprimoraram o enfoque original.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2021
  • Aceito
    18 Maio 2022
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