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JAMES, Allison. 2013. Socialising children. Basingstoke: Palgrave Macmillan. 204pp.

JAMES, Allison. 2013. Socialising children. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 204

Um ano antes de aposentar-se, Allison James, respeitada professora e pesquisadora, pioneira da área dos Estudos da Infância (inicialmente chamada de Novos Estudos da Infância), lança o livro Socialising children. A ideia central é a confirmação de que as crianças socializam-se a si mesmas.Trata-se de um longo debate na área dos Estudos da Infância que, como paradigma dos anos 80, enfatiza a agência das crianças na sua própria socialização. Ao fazê-lo entra em rota de colisão com os sociólogos clássicos, como Durkheim, a partir do seu entendimento do que seja a "socialização", largamente focado na geração que socializa a geração mais nova; e com a psicologia com viés universalizante e evolucionista, a exemplo de Piaget e seu conceito de "desenvolvimento infantil".

Mas nada disso é novo. O que o livro traz de novo é uma revisão ampla e madura do processo de socialização infantil (afinal, a socialização não cessa ao fim da infância), em que pesa, em primeiro lugar, a ação das crianças mesmas, mas também entram em cena instâncias que poderíamos chamar societais e culturais que, através dos sistemas econômicos, legais, políticos e sociais, têm papel importante na vida das crianças. A extensão da influência da sociedade na vida das crianças é o que James vem chamando, nesta e em outras publicações, de "políticas culturais da infância". É nesse sentido que lemos a ambiguidade proposital no título: as crianças também "são" socializadas.

Pensar como as crianças são socializadas pode parecer um retrocesso e quiçá um movimento contrário à trajetória de pesquisa da autora. Mas não se trata disso. Trata-se de reconhecer a necessidade de aprofundar o debate teórico a partir de um ponto de vista de uma área de pesquisa já consolidada, sem receio de reconhecer a complexidade da vida cotidiana das crianças. Em momento algum a autora exclui as crianças dos processos sociais. Em todo o livro é do ponto de vista das crianças que se parte. Este é o desafio, fazer ciência social que inclua as crianças como sujeitos de pesquisa que, como os adultos, reproduzem, recriam e inventam formas de estar em sociedade.

O livro pontua a necessidade de estudos com crianças como crucial para o entendimento da vida social, mas sem cair no que ela chama de "voluntarismo radical" (:126), que não reconhece os constrangimentos à ação das crianças. Embora possamos considerá-la a mãe do conceito de "agência das crianças", Allison James não reduz a vida cotidiana de meninos e meninas à ação social livre e voluntária, mas arremata citando Marx: "[a]s crianças "[f]azem a sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado" (:126).

Além disso, gostaria de esclarecer que o conceito de agência das crianças não implica, necessarimente, o individualismo. Talvez aí resida a chave da resistência ao uso do conceito pelos antropólogos: um engano de leitura. O conceito de agência das crianças não se aplica apenas às sociedades modernas e individualizadas, como a própria Inglaterra, mas pode ser pensado também em contextos societais englobantes, como as sociedades que os antropológos estão mais acostumados a estudar. Notadamente é nesses contextos que a produtividade do conceito pode ser mais bem testada.

Assim, o livro é um tentativa de repensar o conceito de socialização infantil a partir de duas direções: o socializar-se e o ser socializado, mas sempre do ponto de vista da criança que passa da infância para as outras fases do ciclo da vida. Para compreender esse processo, James não se centra nos chamados agentes básicos da socialização, largamente definidos como família, escola e grupo de pares, mas leva em conta alguns pressupostos: 1. que as crianças têm vidas pessoais; 2. que essas vidas interagem com outras vidas; 3. que as experiências de vida das crianças passam pelo corpo (são embodied) e são emocionais; 4. que as crianças experimentam as instituições e as estruturas da sociedade através de suas relações com elas; 5. que as vidas pessoais das crianças são biográficas, vividas em determinado momento histórico e englobam as mudanças sociais e materiais (:17).

São oito capítulos densamente escritos, ricamente detalhados com exemplos etnográficos da própria professora e de outros pesquisadores. O primeiro capítulo, "Personal lives", fala da necessidade de partir do ponto de vista da criança individual. Devemos levar em conta "as experiências das próprias crianças com a passagem do tempo, o que acontece com seus corpos e as oportunidades crescentes de participar do mundo social (:151). O segundo capítulo, "Key concepts, new understandings?", teórico, elicita os autores que serão trabalhados, reafirmando a interdisciplinaridade como fundamental no campo dos Estudos da Infância. "Family life" traz à tona o papel da família no processo de socialização, "não é a família que socializa as crianças, mas [...] é através do seu envolvimento nas práticas da família que as crianças se tornam socializadas" (:53). "Interacting lives" discorre sobre o papel das interações sociais (o que Simmel chamou de "sociação") que acontecem ao longo da infância, com os pares e com as diferentes gerações, incluindo o mundo virtual. Mas o foco aqui são as relações entre pares. O quinto capítulo, "Embodied, emotional lives", sem negligenciar o aspecto biológico do crescimento da criança, foca em como a socialização se faz através de experiências sensoriais e emocionais.

Em "Institutional lives", longe do "voluntarismo radical" comumente associado às análises baseadas na agência das crianças (:126), a ideia é mostrar que as instituições sociais não moldam "diretamente e inevitavelmente como as crianças se comportam e nem o que elas se tornam" (:126), mas "proveem o contexto no qual as crianças aprendem e escolhem fazer o que elas fazem" (:126). O capítulo 7, "Biographical lives", enfatiza o papel da família e do grupo de pares no modo como as crianças aprendem sobre o mundo; o processo de crescer, envelhecer e a mudança do corpo como um veículo para a identidade e o self; a importância de eventos históricos e do contexto estrutural para o entendimento mutável que as crianças têm do mundo. Nesse sentido, é importante compreender o passado da criança a partir da sua própria perspectiva. Assim, presente e futuro, ser e tornar-se combinam-se com o passado: o que a criança foi. A "socialização na infância [...] [é] também a culminação temporária de quem a criança foi no passado" (:171).

O livro termina com um "Afterword", intitulado "Towards a child-centred perspective on socialisation", em que fica clara a opção pelo ponto de vista da criança quando se trata de compreender os processos de reprodução e mudanças sociais, que são descortinados quando analisamos a socialização infantil. Felizmente, a autora não lança mão de ideias como "cultura de criança", que acabam por isolar as crianças como grupo a ser pensado em si mesmo, sem as interações sociais que fazem o seu cotidiano, muitas vezes, fundamentalmente permeadas por relações intergeracionais (:182).

Na verdade, se levarmos a sério o pequeno mas poderoso texto de Mauss sobre a infância, teremos que concordar que é na questão das gerações que se coloca "o problema fundamental [...] de toda sociologia possível". É nesse sentido que pensar e estudar as crianças, com crianças e a partir de crianças, não nos põe em um gueto, mas nos lança aos debates mais cruciais da sociologia e da antropologia, como a reprodução e as mudanças sociais. Allison James chama a atenção para isso. Leitura importante para sociológos e antropólogos de todas as subáreas, uma vez que falar de crianças não é apenas falar delas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2015
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