Abstract in Portuguese:
Resumo Neste artigo, proponho definir a antropologia da cidade como a exploração etnográfica e a compreensão reflexiva das situações, dos lugares e dos movimentos que "fazem cidade". Fazer-cidade é o meio para a instauração do "direito à cidade", aqui e agora. De acordo com esta concepção, algumas práticas polêmicas ou eventualmente minoritárias (invasões, ocupações) ganham um sentido radical de um ponto de vista teórico, pois fazem nascer - a partir das margens, das fronteiras, do precário, do vazio e da desordem - um desejo e um apelo em direção a um horizonte de cidade sonhada, virtual ou ideal. O movimento do fazer-cidade é incitado por uma ausência (ao se afirmar que "a cidade está morta") e impulsionado por uma imagem, um mito perdido, um horizonte ainda que inatingíveis. Neste contexto e segundo um princípio geral de relatividade, a antropologia da cidade não produz nem se refere a nenhuma definição normativa da cidade em si, mas a concebe como o movimento contínuo de sua construção e desconstrução.Abstract in English:
Abstract In this article, I define the anthropology of the city as an ethnographic exploration and reflexive understanding of the situations, places and movements that " make the city ". City-making is the means for the instauration of the " right to the city " in the here and now. According to this view, certain polemical or, perhaps, minority practices (invasions, occupations) attain a radical sense from a theoretical point of view, since they give birth - from the edges, the frontiers, the precarious, the empty and the disorder - to a desire and a demand for a dream city, whether virtual or real. The movement of city-making is incited by an absence (in the claim that "the city is dead") and driven by an intangible image, a lost myth, a horizon. In this context, and according to a general principle of relativity, the anthropology of the city neither produces nor refers to any normative definition of the city per se, but conceives it as the continuous movement of its own construction and deconstruction.Abstract in Portuguese:
Resumo Grupos falantes de línguas da família Tupi-Guarani estavam espalhados por vastas regiões da América do Sul na época da chegada dos europeus. Durante décadas, especulou-se sobre o processo de dispersão desses grupos por um território tão grande. Neste artigo indica-se que o estudo da história dos grupos falantes de línguas tupi-guarani da Amazônia Oriental, produtores de cerâmica da Subtradição Tupinambá da Amazônia, é uma peça fundamental para a compreensão de fenômenos de mobilidade e da complexidade interna dos Tupi-Guarani.Abstract in English:
Abstract Tupi-Guarani speaking groups were spread over vast regions of South America when the Europeans arrived. Speculation about the process of dispersion of these groups has been ongoing for decades. In this paper we point out that studying the history of the Tupi-Guarani groups from Eastern Amazonia, producers of pottery related to the Amazonian Tupinambá Subtradition, is fundamental to the comprehension of the mobility and internal complexity of the Tupi-Guarani.Abstract in Portuguese:
Resumo A partir de trabalho de campo realizado entre os Mbyá-guarani, este artigo procura compreender os sentidos que toma a embriaguez proporcionada pelo consumo de cachaça, focando na descrição dos Mbyá sobre a alteração e os "bailes", bem como na relação entre a cachaça e os espectros ãgue. Lanço mão da expressão "outras alegrias" que descreve a alegria proporcionada pelos bailes e pela embriaguez, principalmente em oposição à alegria experienciada na "casa cerimonial" (opy). Mostro, por outro lado, que as "outras alegrias" precisam ser pensadas também como "alegrias-Outras", pois quando a embriaguez se torna raiva contra os próprios parentes, os mortos aparecem como o sujeito primordial dessa alteração que a cachaça proporciona. Por fim, associo a embriaguez de cachaça a etnografias sobre cauinagens de outros povos ameríndios, sugerindo aproximações e diferenças com esses contextos. Para os Mbyá, a embriaguez é uma forma de alegria e também de alteração, na qual a pessoa se aproxima dos espíritos dos mortos e pode, no limite, tomar os seus parentes por contrários.Abstract in English:
Abstract This article describes how the Mbyá-guarani understand the drunkenness caused by sugar-cane spirit (cachaça). I focus on the Mbyá description of drinking behaviour in their bailes (feasts) as well as in the relationship of cachaça to the spirits of the dead (ãgue). I use the expression "other joys" in order to describe the happiness of the Mbyá during their feasts in opposition to the happiness that is experienced in the ceremonial house (opy). However, the idea of "other joys" has an immediate counterpart in that of "joyous-otherness", for when drinking leads to excessive and violent behaviour towards kinspeople, the dead emerge as primordial figures in the alteration that cachaça enables. The relationship of the Mbyá-guarani experience with cachaça is then compared to other Amerindian ethnographies where maize beer (cauim) is drunk, revealing both similarities and differences. For the Mbyá-guarani, drinking cachaça is a joyous experience that can result in alteration, bringing the spirits of the dead closer to the living, who thereby risk seeing their kinspeople as foes.Abstract in Portuguese:
Resumo O artigo explora a comparação feita por um jovem mamaindê (um grupo Nambiquara situado no noroeste do estado do Mato Grosso) entre os seus enfeites corporais e a carteira de identidade. A importância atribuída a tais objetos, neste caso, remete aos perigos relacionados à possibilidade de perdê-los em situações específicas. Quando se trata dos enfeites corporais, enfatizam-se os riscos e as consequências de tê-los roubados pelos espíritos da floresta. Quando se trata da carteira de identidade, enfatiza-se o perigo envolvido nas relações estabelecidas com a polícia. A comparação feita pelo jovem mamaindê não foi, portanto, apenas entre os seus enfeites corporais e a carteira de identidade, mas também entre os espíritos da floresta e a polícia. Meu objetivo é refletir sobre essas duas comparações contidas na explicação do meu informante, a partir da descrição etnográfica dos Mamaindê. Pretendo demonstrar que esta comparação indica que a carteira de identidade é vista como um enfeite corporal, tal como os Mamaindê o concebem, e não o contrário. Deste modo, argumento que para este grupo Nambiquara a carteira de identidade remete, sobretudo, às noções de alteridade e de transformação, mais do que à ideia de identidade ou de representação.Abstract in English:
Abstract This article investigates the comparison made by a young mamaindê man (a Nambikwara group from northwestern Mato Grosso) between his body ornaments and the identity card. The importance that the Mamaindê attribute to these objects is linked to the dangers that stem from the possibility of losing them in certain situations. Where body ornaments are concerned, it is the consequences of having them stolen by the spirits of the forest that is emphasised. Where the identity card is concerned, it is the danger of relating to the police that is emphasized. The comparison is thus drawn not only between body ornaments and identity cards, but also between the spirits of the forest and the police. My aim is to consider these two comparisons established by my informant in light of Mamaindê ethnography. I will demonstrate that these comparisons indicate that the identity card is like a body ornament, as the latter are conceived by the Mamaindê, rather than the other way around. I argue that, for this Nambikwara group, the identity card is related to notions of alterity and transformation and not identity and representation.Abstract in Portuguese:
Resumo Este artigo analisa como os sobrenomes estabelecem e afetam a relacionalidade do ponto de vista daqueles que nomeiam, no caso, gestantes de camadas médias do Rio de Janeiro. Explora, de forma específica, os processos decisórios das mulheres em torno da escolha dos sobrenomes para a criança esperada, na medida em que na sociedade brasileira uma pessoa tem geralmente sobrenomes das famílias materna e paterna. A escolha do sobrenome revela não apenas o estado afetivo dos laços de parentesco, mas também sua relação com identidades étnicas e posições sociais particulares. Cria, além disso, continuidade e descontinuidade entre gerações, uma vez que estes vínculos são avaliados em termos do desejo de expô-los ou torná-los obscuros. Assim, a inserção social da criança já começa a ser feita antes do seu nascimento, revelando também uma condição de pessoa já em processo de construção e de articulação com a socialidade.Abstract in English:
Abstract This paper analyses the role of surnames in creating and affecting relatedness, seen from the perspective of namers, in this case middle-class pregnant women in Rio de Janeiro, Brazil. In particular, it explores women's decision-making process regarding which surnames to pass on to the expected child, given that in Brazilian society a person usually has surnames from both maternal and paternal families. Choosing surnames reveals not only the affective state of kinship ties, but also their relation to particular ethnic identities and social positions, and creates both continuity and differentiation between generations. In the selection process, connections are evaluated to be maintained and displayed or made obscure in the consciously constructed social insertion of the unborn child, whose personhood is already in creation and articulated to sociality.Abstract in Portuguese:
Resumo Este artigo trata da relação entre o desenho das grades curriculares em programas de pós-graduação em antropologia (PPGA), a seleção de conteúdos de disciplinas obrigatórias e a compreensão que, nestes programas, professores têm sobre as obras e os autores tidos como clássicos e seu lugar no ensino. Parte da ideia de que as características das grades e certas tendências a respeito de autores, textos e temas propostos nas disciplinas obrigatórias exprimem uma hierarquização do conhecimento antropológico destinado ao ensino neste nível. Essa hierarquização remete a um cânone para a formação dos novos antropólogos no Brasil, mas também a traços idiossincráticos das relações sociais nos cursos de antropologia. Com base na análise qualitativa de grades e programas de disciplinas em seis PPGAs no Brasil e a revisão de arquivos e entrevistas com professores e coordenadores dos cursos em quatro dos seis PPGAs iniciais, temas como relações interinstitucionais e intergeracionais, divisão do trabalho e reprodução social surgem no âmago da reflexão sobre o ensino, à luz de noções como "clássicos" e "história".Abstract in English:
Abstract This article analyses the relationships between curricula, the content of compulsory disciplines, and lecturers' understanding of the role of "classical" authors and works in six Brazilian postgraduate programmes in Anthropology. The article starts from the premise that the selection of authors, works and subjects in anthropology courses conveys a hierarchy of anthropological knowledge for teaching purposes. This hierarchy defines a canon for training new anthropologists in Brazil, but it also reflects idiosyncratic features of social relation in Anthropology postgraduate programmes. Based on a qualitative analysis of curricula and syllabuses in six programmes, as well as archival research and interviews with lecturers in four of the six programmes under analysis, topics such as inter-institutional and intergenerational relationships, division of labour, and social reproduction emerge as main questions in the light of notions as "classic" and "history".