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MODELO DE INOVAÇÃO TERRITORIAL EM ARRANJO PRODUTIVO LOCAL DA AGROINDÚSTRIA FAMILIAR

MODELO DE INNOVACIÓN TERRITORIAL EN ORGANIZACIÓN PRODUCTIVA LOCAL DE AGROINDUSTRIA FAMILIAR

Resumo

Este estudo objetiva analisar o movimento caracterizado como Arranjo Produtivo Local (APL) da Agroindústria Familiar e Diversidade do Médio Alto Uruguai e Rio da Várzea, localizado no Estado do Rio Grande do Sul, com vistas a identificar a tipologia de modelo de inovação territorial que este representa. Trata-se de um estudo de caso e para o seu desenvolvimento realizou-se entrevistas com membros da governança deste arranjo produtivo, além de observação participante e análise documental. Entendeu-se que a constituição deste APL se deu como uma alternativa de desenvolvimento econômico e social para famílias rurais e suas agroindústrias, sendo que suas características o assemelham em parte aos distritos industriais e em outra parte aos clusters. Quanto a semelhança aos distritos industriais, identificou-se atributos de especialização em determinado setor, aproximação geográfica, entendimento da inovação como determinante de diferenciação de mercado, apoio do ente público, vantagens competitivas e redução de custos de produção. Em termos de aproximação aos clusters, se identificou a presença decisiva do ente público para sua implementação, tendência competitiva entre as agroindústrias, demanda para os produtos, mão de obra e infraestrutura para a produção, além do envolvimento de diversas entidades, dentre essas, as universidades.

Palavras-chave:
Arranjo Produtivo Local; Agroindústria Familiar; Cluster; Distrito Industrial

Resumen

Este estudio tiene como objetivo analizar el movimiento caracterizado como Arreglo Productivo Local (APL) de Agroindustria Familiar y Diversidad en el Medio Alto Uruguay y Rio da Várzea, ubicado en el Estado de Rio Grande do Sul, con el fin de identificar el tipo de modelo de innovación territorial que esto representa. Este es un estudio de caso y para su desarrollo se realizaron entrevistas a miembros de la gobernanza de este productivo arreglo, además de la observación participante y el análisis documental. Se entendió que la constitución de este APL se dio como una alternativa de desarrollo económico y social para las familias rurales y sus agroindustrias, y sus características lo asemejan en parte a distritos industriales y en parte a conglomerados. En cuanto a la similitud con los distritos industriales, se identificaron atributos de especialización en un determinado sector, aproximación geográfica, comprensión de la innovación como determinante de la diferenciación del mercado, apoyo público, ventajas competitivas y reducción de costos de producción. En cuanto al acercamiento a los clusters, se identificó la presencia decisiva de la entidad pública para su implementación, una tendencia competitiva entre agroindustrias, demanda de productos, mano de obra e infraestructura para la producción, además de la participación de varias entidades, entre ellas, universidades.

Palabras-clave:
Arreglo Productivo Local; Agronegocios familiares; Cluster; Distrito industrial

Abstract

This study aims to analyze the movement characterized as Local Productive Arrangement (LPA) by Family Agro-industry and Diversity in the Médio Alto Uruguai and Rio da Várzea, located in the State of Rio Grande do Sul, in order to identify the type of territorial innovation model it represents. It is a case study and for its development, interviews were conducted with members of the governance of this productive arrangement, in addition to participant observation and documentary analysis. It was understood that the constitution of this APL took place as an alternative for economic and social development for rural families and their agro-industries, and its characteristics resemble it partly to industrial districts and partly to clusters. As for the similarity to industrial districts, specialization attributes were identified in a given sector, geographical approximation, understanding of innovation as a determinant of market differentiation, public support, competitive advantages and reduction of production costs. In terms of approaching the clusters, the decisive presence of the public entity for its implementation was identified, a competitive trend among agro-industries, demand for products, labor and infrastructure for production, in addition to the involvement of several entities, among them, universities.

Keywords:
Local Productive Arrangement; Family Agro-industry; Cluster; Industrial District

INTRODUÇÃO

A evolução das formas de organização dos sistemas produtivos acompanha toda a história da humanidade, desde a era da pedra com a confecção dos primeiros artefatos que possibilitaram uma nova forma de trabalho, perpassando pelas revoluções industriais, até recentemente com a era da informação e do conhecimento, cada momento com as suas características peculiares. Dentre as inúmeras formas de organização produtiva, têm-se os arranjos produtivos locais (APL's), os quais atuam em torno de uma atividade produtiva em um determinado território e englobam diferentes atores de forma articulada (BÜTTENBENDER, 2010BÜTTENBENDER, P. L. Arranjos institucionais, cooperação e desenvolvimento: redes econômicas, tecnológicas e sociais: sementes do desenvolvimento agregando valor. Ijuí: Ed. Unijuí, 2010.; GARONE et al., 2015GARONE, L. F.; MAFFIOLI, A.; DE NEGRI, J. A.; RODRIGUEZ, C. M. VÁZQUEZ-BARE, G. Cluster development policy, SME's performance, and spillovers: evidence from Brazil. Small Business Economics, v. 44, n. 4, p. 925-948, 2015.).

Além de ser uma alternativa para as empresas e os demais atores locais e regionais, a formação de um APL pode ser fator determinante para o desenvolvimento econômico e social local e da região na qual está inserido. Com a atuação combinada entre instituições públicas e privadas nestas organizações, com foco na criação de sinergia em torno de projetos inovadores, está se consolidando o desenvolvimento sustentável de territórios com base na produção de conhecimento e compartilhamento de processos e com isso conquistando um status competitivo necessário, embasados em capital social, trabalho em rede e confiança (AYARI; ZAIBET, 2019AYARI, D.; ZAIBET, L. Modelling trust and contractual arrangements in a local economy. Development in Practice, v. 29, n. 4, p. 525-533, 2019.).

Os APLs de Agroindústrias Familiares alinham-se a este contexto, na medida em que são reconhecidos como instrumentos para o desenvolvimento, promovendo a autonomia econômica e social de uma parcela da sociedade (COSTA; PATIAS; DE MARCO, 2014COSTA, A. M.; PATIAS, T. Z.; DE MARCO, D. Arranjos produtivos locais e o desenvolvimento ousando mudar as estruturas estabelecidas: uma análise seniana do APL do leite e dos assentamentos em Santana do Livramento/RS. In: PINHEIRO, V. F.; PAIVA, M. J. G.; MORAIS, J. M. L. (Org.) Gestão do território, políticas locais e desenvolvimento sustentável. Crato-CE: URCA, 2014. p. 225-245.). Esse modo de organização fortalece-se com o fato de que no Brasil, a atividade agropecuária possui um importante papel no desenvolvimento da sociedade, constituindo-se como um setor estratégico no estímulo à economia brasileira, promovendo o desenvolvimento econômico e a geração de emprego e renda, além de contribuir para a segurança alimentar, a redução da pobreza e da desigualdade no país e cooperar de maneira significativa para elevar a qualidade ambiental dos ecossistemas (GARCIA; VIEIRA FILHO, 2014GARCIA, J. R.; VIEIRA FILHO, J. E. R. Reflexões sobre o papel da política agrícola brasileira para o desenvolvimento sustentável. Texto para discussão 1936. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 2014.). Desse modo, os APL's constituem-se uma alternativa para que as micro, pequenas e médias empresas ou pequenos produtores rurais possam ampliar o domínio e gerenciamento de determinado segmento, considerando que a institucionalização da figura do APL direciona a governança das ações de cada elo da cadeia produtiva, na qual cada um desempenha uma função com foco em sua competência.

Diante desta contextualização, este estudo tem por objetivo identificar a tipologia de modelo de inovação territorial que caracteriza o APL da Agroindústria Familiar e Diversidade do Médio Alto Uruguai e Rio da Várzea, localizado ao norte do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil), sendo uma região que congrega 42 municípios, tem uma população de 289.024 habitantes em uma área total de 9.108,1 km2. O estudo leva em consideração os pressupostos teóricos relacionados aos distritos industriais (MARSHALL, 1920MARSHALL, A. Principles of economics. London: MacMillan, 1920. 319p.; CAPELLO, 2007CAPELLO, R. Regional economics. New York: Routledge Advanced Texts in Economics and Finance, 2007. 378p.) e clusters (PORTER, 1993PORTER, M. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1993. 897p.; 1998_____ Competitive advantage: creating and sustaining superior performance. New York, NY: Free Press, 1998. 668p.), os quais apresentam características que se aproximam aos arranjos produtivos locais, explicando sua essência, estrutura, atuação e resultados.

A pesquisa desenvolveu-se por meio da estratégia de estudo de caso, considerada como “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo (o caso) em profundidade e em seu contexto de mundo real” (YIN, 2015, p. 17YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2015. 212p.), além de ser caracterizada como descritiva e interpretativa por apresentar um relato detalhado de um fenômeno social, ilustrando a complexidade da situação e dos aspectos nele envolvidos (GODOY, 2010GODOY, A. S. Estudo de caso qualitativo. In: GODOI, C. K.; BANDEIRA-DE-MELLO, R.; SILVA, A. B. (Org.). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 115-146.). Diante disso, a intenção desta pesquisa foi desenvolver um estudo com abordagem predominantemente qualitativa, em profundidade e contextualista do processo (PETTIGREW, 1985PETTIGREW, A. M. Contextualist research: a natural way to link theory and practice. In: LAWLER III, E. E. Doing research that is useful in theory and practice. San Francisco: Jossey-Bass, 1985. p. 53-72.).

Quanto aos procedimentos para realização do estudo, utilizou-se documentação, entrevistas e observação direta. Os registros se deram por meio de roteiro de observação, realizados no local das entrevistas e em feiras da agricultura familiar realizadas nos municípios da região do APL. Em relação aos documentos, as atas das reuniões da governança do APL constituíram-se em uma rica fonte de informação. Quanto às entrevistas, foram realizadas sete de caráter semiestruturado com informantes-chave da governança do APL, sendo estes selecionados pela sua qualificação, diversidade, tempo de participação e representatividade junto ao APL.

Para a análise dos dados coletados, utilizou-se da técnica de análise de conteúdo, que segundo Bardin (2009, p. 40)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009. 288p. é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. As evidências depois de transcritas e organizadas, foram analisadas com o auxílio do software Nvivo versão 11, considerado uma importante ferramenta para a construção de argumentos derivados da literatura ou dados primários (KAEFER; ROPER; SINHA, 2015KAEFER, F.; ROPER, J.; SINHA, P. A Software-assisted qualitative content analysis of news articles: example and reflections. Forum: Qualitative Social Research, v. 16, n 2, art. 8, p. 1-20, 2015.).

Após esta contextualização inicial, faz-se a exposição das características essenciais dos arranjos produtivos locais a partir dos pressupostos teóricos que embasam esse tipo de aglomeração. Posteriormente, desenvolve-se a análise empírica do APL objeto deste estudo.

A PERSPECTIVA TEÓRICA DOS DISTRITOS INDUSTRIAIS

Os primeiros estudos que apontam para algo próximo aos APL's sãos aqueles que abordam os distritos industriais descritos por Marshall (1920)MARSHALL, A. Principles of economics. London: MacMillan, 1920. 319p.. Segundo este autor, a “profissão especializada” e a “vizinhança próxima” eram fatores para o aumento da qualidade do produto, da produtividade das empresas, da diminuição de custos, acessibilidade por parte dos compradores e recrutamento de profissionais. Destacou ainda, que a divisão do trabalho influenciava em aumentos da qualidade do produto e da produtividade das empresas, e isso não dependia necessariamente do seu tamanho, ou seja, um dos modos de eficiência produtiva seria este atrelado às pequenas unidades produtivas, especializadas nas diferentes fases de um único processo produtivo em uma localidade (MARSHALL, 1920MARSHALL, A. Principles of economics. London: MacMillan, 1920. 319p.; BECATTINI, 1994BECATTINI, G. O distrito marshalliano. In.: BENKO, G.; LIPIETZ, A. (Org.) As regiões ganhadoras. Celta: Oeiras, 1994. p. 19-32.).

Marshall (1920)MARSHALL, A. Principles of economics. London: MacMillan, 1920. 319p. dividiu em internas e externas as economias advindas do aumento da escala produtiva e denotou que as economias externas surgiriam do crescimento geral do setor industrial, não estando diretamente ligadas ao tamanho das empresas. Além disso, mais três fatores oriundos da concentração espacial de empresas foram destacados pelo autor, os quais permitiriam melhores resultados econômicos e permanência no mercado: o aproveitamento de maquinário especializado, que de forma isolada seria inacessível; a criação de um mercado de trabalho diverso, robusto e especializado, o que agiliza tanto a sua seleção quanto a sua contratação; e, a atração maior de consumidores dos produtos, o que gera economia de tempo e deslocamento para a realização das compras (MARSHALL, 1920MARSHALL, A. Principles of economics. London: MacMillan, 1920. 319p.; BECATTINI, 1994BECATTINI, G. O distrito marshalliano. In.: BENKO, G.; LIPIETZ, A. (Org.) As regiões ganhadoras. Celta: Oeiras, 1994. p. 19-32.).

Sob este viés teórico, o distrito industrial é “uma entidade socioterritorial caracterizada pela presença ativa de uma comunidade de pessoas e de uma população de empresas num determinado espaço geográfico e histórico” (BECATTINI, 1994, p. 20BECATTINI, G. O distrito marshalliano. In.: BENKO, G.; LIPIETZ, A. (Org.) As regiões ganhadoras. Celta: Oeiras, 1994. p. 19-32.). É o local onde a especialização do trabalho atinge níveis elevados e há uma produção de excedente, o qual necessita de mercado para além do local, prescindindo de uma rede externa de comércio.

A comunidade local é elemento determinante, pois possui um sistema de valores e de pensamento relativamente homogêneo, com uma certa ética do trabalho, da família, da reciprocidade e da mudança, alinhados aos preceitos empresariais e à introdução de inovações tecnológicas. Os distritos podem hospedar uma comunidade de vida, composta por um emaranhado de redes informais de conhecimento sobre métodos de produção, condições de negócios e práticas de emprego que são um elemento intrínseco da consciência da comunidade e ajudam a manter a harmonia em todo o sistema (GIULIANI, 2007GIULIANI, E. The selective nature of knowledge networks in clusters: evidence from the wine industry. Journal of Economic Geography, v. 7, n. 2, p. 139-168, 2007.). Além disso, normalmente se especializam em um determinado ramo industrial e para se diferenciarem, buscam desenvolver uma mercadoria representativa e com características particulares (BECATTINI, 1994BECATTINI, G. O distrito marshalliano. In.: BENKO, G.; LIPIETZ, A. (Org.) As regiões ganhadoras. Celta: Oeiras, 1994. p. 19-32.).

A literatura dos distritos industriais postula que as economias do distrito estão intimamente ligadas à presença de características espaciais, relacionais e produtivas específicas externas à empresa. Resultam da combinação de vários componentes endógenos, tais como fornecedores e força de trabalho especializados, conhecimento local e competências técnicas que formam a escala global da atividade em uma área, afetando assim, a produtividade de todas as empresas (BRANZANTI, 2015BRANZANTI, C. Creative clusters and district economies: towards a taxonomy to interpret the phenomenon. European Planning Studies, v. 23, n. 7, p. 1401-1418, 2015.).

Capello (2007)CAPELLO, R. Regional economics. New York: Routledge Advanced Texts in Economics and Finance, 2007. 378p. sintetiza os principais drivers das economias do distrito. Em relação às externalidades geradas pela economia do distrito, o primeiro benefício criado é a redução dos custos de produção. Este é resultado da interação de pelo menos quatro variáveis específicas: redução dos custos de transporte, força de trabalho móvel dentro do cluster, subcontratação de atividades específicas e a disponibilidade de uma força de trabalho especializada (CAPELLO, 2007CAPELLO, R. Regional economics. New York: Routledge Advanced Texts in Economics and Finance, 2007. 378p.; BRANZANTI, 2015BRANZANTI, C. Creative clusters and district economies: towards a taxonomy to interpret the phenomenon. European Planning Studies, v. 23, n. 7, p. 1401-1418, 2015.).

Um outro benefício que aumenta a tendência das empresas à aglomeração é a necessidade de diminuir os custos de transação, que surgem nas relações contratuais. Custos de transação derivam da escolha das empresas de terceirizar algumas atividades específicas, na tentativa de gerar uma economia de escala por meio da compra de um produto ou um serviço mais barato de um fornecedor especializado (WILLIAMSON, 2000WILLIAMSON, O. E. The new institutional economics: taking stock, looking ahead. Journal of Economics Literature, v. 38, n. 3, p. 595-613, 2000.).

O impacto positivo das economias do distrito reflete em um aumento da eficiência dos fatores de produção. Em termos gerais, a aglomeração permite um grau significativo de eficiência que raramente seria obtido pela empresa individual (SCHMITZ, 1997SCHMITZ, H. Collective efficiency and increasing returns. IDS Working Paper, n. 50. Bringhton: Institute of Development Studies, 1997.), graças a presença concomitante de pelo menos três variáveis principais: a proximidade de insumos especializados, infraestrutura e instalações; uma atmosfera industrial que valorize a dimensão empresarial da região; e a transferência de conhecimento tácito, que fornece um aparato de informações e apoio que auxilia as empresas na gestão de questões emergentes (CAPELLO, 2007CAPELLO, R. Regional economics. New York: Routledge Advanced Texts in Economics and Finance, 2007. 378p.; BRANZANTI, 2015BRANZANTI, C. Creative clusters and district economies: towards a taxonomy to interpret the phenomenon. European Planning Studies, v. 23, n. 7, p. 1401-1418, 2015.).

A PERSPECTIVA TEÓRICA DE CLUSTER

O termo cluster se origina em Porter (1993PORTER, M. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1993. 897p., 1998_____ Competitive advantage: creating and sustaining superior performance. New York, NY: Free Press, 1998. 668p.), sendo definido como “concentrações geográficas de empresas interligadas e instituições em um determinado campo, ligadas por semelhanças e complementaridades” (PORTER, 1998_____ Competitive advantage: creating and sustaining superior performance. New York, NY: Free Press, 1998. 668p., p. 78). Este autor esboçou a “Teoria do Diamante” fundamentada em quatro vetores, que ao se associarem constroem um sistema autorreforçado, uma vez que o efeito de um dos vetores se reflete nos demais: 1) as condições de fatores, que referem-se à disponibilidade na região dos fatores de produção, como trabalho especializado ou infraestrutura necessários à competição em determinada indústria; 2) as condições de demanda, que tratam da natureza da demanda interna para os produtos ou serviços da indústria; 3) as indústrias correlatas e de apoio, as quais referem-se a análise da presença ou ausência de indústrias abastecedoras e indústrias correlatas que sejam internacionalmente competitivas na região; 4) a estratégia, estrutura e rivalidade das empresas, referindo-se às condições que regem e orientam a maneira pela qual as empresas da região são criadas, organizadas e dirigidas, mais a natureza da rivalidade interna (PORTER, 1993PORTER, M. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1993. 897p.).

Além dos quatro vetores, incluiu-se duas variáveis que podem influenciar a vantagem competitiva. A primeira delas é o “acaso” que são os acontecimentos fora do controle das empresas (invenções puras, descobertas em tecnologias básicas, guerras, acontecimentos políticos externos, grandes mudanças na demanda do mercado externo, etc.). A segunda envolve o “governo” que por meio de políticas pode estimular ambientes competitivos que fortaleçam os aglomerados, com foco no aumento da produtividade, criando um ambiente competitivo com a remoção de obstáculos e restrições ao crescimento (PORTER, 1993PORTER, M. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1993. 897p.; 1998).

As publicações de Porter desencadearam muitas pesquisas sobre esta temática. O próprio conceito de cluster foi se aperfeiçoando, destacando-se o que combina três elementos: 1) os clusters são concentrações geográficas de empresas especializadas, habilidades e competências da força de trabalho e instituições de apoio que aumentam os fluxos de conhecimento; 2) os aglomerados têm uma finalidade funcional de fornecer uma gama de serviços especializados e personalizados; 3) a definição padrão enfatiza uma dinâmica social e organizacional dos clusters (AHLQVIST, 2014AHLQVIST, T. Building innovation excellence of world class: the cluster as an instrument of spatial governance in the European Union. International Journal of Urban and Regional Research, v. 38, n. 5, p. 1712-1731, 2014.).

Por sua vez, Gordon e McCann (2000)GORDON, I. R.; MCCANN, P. Industrial clusters: complexes, agglomeration and/or social networks? Urban Studies, v. 37, n. 3, p. 513-532, 2000. alertam para no mínimo três modelos de cluster. O primeiro é o modelo de “economias de aglomeração pura” que enfatiza as economias externas de concentração geográfica. O segundo é o que eles chamam do modelo de “complexo industrial”, em que conjuntos são vistos principalmente como as contrapartes espaciais dos modelos de entrada – saída da economia regional, como concentrações geográficas forjadas por ligações comerciais entre empresas e a minimização das operações de custos. E o terceiro, é o modelo de “rede social” que como o termo sugere interpreta aglomerados principalmente em termos de fortes redes locais de relações interpessoais, confiança e práticas institucionalizadas.

Uma série de outros elementos são debatidos ao longo dos estudos sobre clusters, entre os quais a aprendizagem, organizações de aprendizagem e aprendizagem em regiões (RUTTEN; BOEKEMA, 2007RUTTEN, R.; BOEKEMA, F. The learning region: foundations, state of the art, future. Cheltenham: Edward Elgar, 2007. 320p.), sendo fundamental para o processo de inovação (DELGADO; PORTER; STERN, 2014DELGADO, M.; PORTER, M. E.; STERN, S. Clusters, convergence, and economic performance. Research Policy, v. 43, n. 10, p. 1785-1799, 2014.; FANG, 2015FANG, L. Do clusters encourage innovation? A meta-analysis. Journal of Planning Literature, v. 30, n. 3, p. 239-260, 2015.) que se caracteriza pela aprendizagem interativa entre os atores do cluster (FREEMAN, 1995FREEMAN, C. The national system of innovation in historical perspective. Cambridge Journal of Economics, v. 19, n. 1, p. 5-24, 1995.; BAPTISTA; SWANN, 1998BAPTISTA, R.; SWANN, P. Do firms in clusters innovate more? Research Policy, v. 27, n. 5, p. 525-540, 1998.). Já o estudo de Wolfe e Gertler (2004)WOLFE, D. A.; GERTLER, M. S. Clusters from the inside and out: local dynamics and global linkages. Urban Studies, v. 41, n. 5-6, p. 1071-1093, 2004. relata algumas particularidades de cada região, como por exemplo, leis, regulamentos e convenções específicas que influenciam para o desenvolvimento dos clusters, destacando cinco elementos determinantes para o seu desenvolvimento: a aprendizagem, o trabalho, a liderança, os atores públicos e privados e a localização.

Tratando-se de extensão, os clusters mais frequentes são aqueles de micro e pequenas empresas, os quais caracterizam-se pela busca da sobrevivência e pela produção de bens de consumo de baixa qualidade para os mercados locais, principalmente nas atividades onde as barreiras à entrada são baixas. Empresas nestes clusters exibem muitas características do setor informal, com produtividade e salários muito inferiores das empresas de média e grande escala. O grau de especialização entre as empresas e a cooperação é baixa, refletindo a falta de especialização na força de trabalho local, bem como um frágil tecido social (falta de confiança, comportamento oportunista), além de os mecanismos de aprendizagem serem muitas vezes ausentes e a imitação fazer parte da cultura do negócio (ALTENBURG; MEYER-STAMER, 1999ALTENBURG, T.; MEYER-STAMER, J. How to promote clusters: policy experiences from Latin America. World Development, v. 27, n. 9, p. 1693-1713, 1999.).

Estudos relatam a dificuldade de padronizar os clusters em um único conceito, mas de maneira geral entendem que este é constituído de empresas em uma determinada região produtora de produtos similares ou relacionados. Nesta região também estão atores e entidades, tais como os fornecedores, clientes, mão de obra especializada, órgãos públicos e instituições (por exemplo, universidades, faculdades comunitárias, associações industriais e comerciais, organizações públicas e privadas), o que possibilita produzir economia de custos para as empresas, bem como, transbordamentos de conhecimento que geram produtos ou processos inovadores (WOLMAN; HINCAPIE, 2015WOLMAN, H.; HINCAPIE, D. Clusters and cluster-based development policy. Economic Development Quarterly, v. 29, n. 2, p. 135-149, 2015.).

A partir da sustentação teórica apresentada, parte-se para a análise do APL objeto de estudo. Inicialmente se apresenta as características básicas deste arranjo produtivo, e após, o compara com os postulados sobre distrito industrial e cluster.

CARACTERIZAÇÃO DO APL DA AGROINDÚSTRIA FAMILIAR E DIVERSIDADE DO MÉDIO ALTO URUGUAI E DO RIO DA VÁRZEA

O processo de construção da proposta deste APL teve início com a apresentação da ideia pelo Governo Estadual ao Corede do Médio Alto Uruguai (CODEMAU) por meio do Programa de Combate às Desigualdades Regionais, que entre várias ações previa o apoio aos APLs. Em função da diversidade de atividades desenvolvidas na região entendeu-se que um arranjo que mais se aproximava da dinâmica regional deveria abarcar diferentes segmentos, com foco na agregação de valor, por meio da agroindustrialização com geração de emprego e renda, que abrigaria de maneira transversal as cadeias produtivas do leite, carnes, cana, frutas, porongo, uva e vinho, pedras preciosas, metalúrgicas e grãos.

No final de 2012 reconheceu-se oficialmente este APL, sendo que a Universidade Regional Integrada de Frederico Westphalen ficou com o papel de entidade gestora inicial. A partir disso, se desenvolveu o processo de articulação para consolidação do projeto, o qual culminou com a criação da Agência de Desenvolvimento do Médio Alto Uruguai para ser a entidade gestora definitiva e coordenadora da governança do arranjo. Atualmente, a governança do APL é composta por diversos atores de diferentes segmentos.

Importa destacar que com o reconhecimento do APL, foi possível buscar recursos junto ao ente público para que o projeto pudesse ter êxito. Isso permitiu a aquisição de bens imobilizados e a contratação de mão de obra técnica qualificada, facilitando a elaboração do Plano de Desenvolvimento para o APL, contemplando uma agenda de ações de curto, médio e longo prazo.

Um dos grandes desafios do APL foi a necessidade de implantação por parte dos municípios do Sistema de Inspeção Municipal, que permite a legalização das agroindústrias e venda de seus produtos nos municípios, além de adequação para atender as exigências estaduais e federais para venda em todo território nacional. Outra frente de atuação do APL é o apoio às agroindústrias na comercialização da produção, sendo que está se implantando a identificação dos produtos das agroindústrias familiares com um selo de qualidade, identidade visual esta, que deverá certificar a origem do que é produzido pelos pequenos agricultores dos 42 municípios que integram o APL.

Além disso, estimula-se a participação em feiras e eventos, permitindo maior visibilidade e consequente aumento das vendas pelas agroindústrias. Na mesma linha de apoio à comercialização, o APL captou via projeto junto ao governo do estado, veículos para o auxílio na formalização e comercialização das agroindústrias, visto que pelas estimativas existem muitas agroindústrias que atuam na informalidade.

APL DA AGROINDÚSTRIA FAMILIAR E DIVERSIDADE DO MÉDIO ALTO URUGUAI E DO RIO DA VÁRZEA NA PERSPECTIVA DOS DISTRITOS INDUSTRIAIS

As discussões acerca dos APL's surgiram com mais ênfase a partir dos anos 1990 no Brasil. No caso do APL da Agroindústria Familiar e Diversidade do Médio Alto Uruguai e do Rio da Várzea esse processo acontece bem mais tarde, formalmente somente em 2012, a partir de uma política pública que tinha como foco o combate às desigualdades regionais, ou seja, a região deste APL foi considerada carente a ponto de ser contemplada com o apoio governamental. Outro aspecto importante é que as lideranças regionais que elaboraram os primeiros documentos imaginavam que o APL poderia ajudar, ou seja, melhorar o ordenamento e a qualificação, com agregação de valor por meio da agroindustrialização com geração de emprego e renda, abrigando de maneira transversal as cadeias produtivas do leite, carnes, agroindústrias familiares, cana, frutas, porongo, uva e vinho, pedras preciosas, metalúrgicas e grãos.

Ao contrário do que o quadro teórico apresenta em relação à forte institucionalidade intra-aglomerado, cooperação e competição, flexibilização, tecnologias de informação e comunicação, qualificação, polivalência, mobilidade geográfica, aprendizagem e inovação (PIORE; SABEL, 1984PIORE, M. J.; SABEL, C. F. The second industrial divide: possibilities for prosperity. New York: Basic Books, 1984. 368p.), no APL em questão há uma carência da maioria destes elementos. Desse modo, há a necessidade que o Estado intervenha com a proposição de uma política pública, que faça despertar alguns destes elementos e com isso possa melhorar seus índices de desenvolvimento e alcançar o título de região ganhadora e não periférica (BENKO; LIPIETZ, 1992BENKO, G.; LIPIETZ, A. Les régions qui gagnent. Paris: PUF, 1992. 420p.; ALTENBURG; MEYER-STAMER, 1999ALTENBURG, T.; MEYER-STAMER, J. How to promote clusters: policy experiences from Latin America. World Development, v. 27, n. 9, p. 1693-1713, 1999.).

Embora o exposto, em termos conceituais o APL em estudo apresenta aquelas características descritas por Lastres, Cassiolato e Maciel (2003)LASTRES, H. M. M.; CASSIOLATO, J. E.; MACIEL, M. L. Pequena empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.: a) proximidade geográfica: o APL está localizado em uma região com grande incidência de agroindústrias familiares ou com tradição de agroindustrialização da produção, constituindo-se como potencial; b) especialização setorial: a região é predominantemente agrícola e com cidades polos que dependem, em boa parte, dos resultados da agricultura e da produção animal, o que leva a especialização das empresas e pessoas; c) participação de pequenas e médias empresas: apesar de haver discussões conceituais sobre se o pequeno produtor rural deve ou não ser considerado como um pequeno empresário, aqui se entende que sim, e portanto, há a participação de pequenas e médias empresas no APL; d) colaboração intensiva: este é um elemento que se mostra frágil, mas que com o apoio da política pública e a constituição da governança, está se fortalecendo; e) processo competitivo baseado em inovação: como já destacado anteriormente, a inovação ainda é incipiente, mas há o entendimento da necessidade de inovar, principalmente para diferenciar-se no mercado; f) confiança como fator social e cultural: esta é uma característica de difícil mensuração, mas buscou-se identificar elementos que pudessem ajudar neste entendimento; g) apoio de organizações para serviços comuns: percebe-se a forte presença de universidades e associações em todo o processo de discussão do APL; h) apoio financeiro e de capital de agências locais e regionais: além do apoio direto do governo do estado, há as políticas de PRONAF desenvolvidas pelos bancos oficiais.

Além das características elencadas, a aprendizagem e inovação resultantes de um APL é objeto de diversos estudos (MALMBERG; MASKELL, 2002MALMBERG, A.; MASKELL, P. The elusive concept of localization economies: towards a knowledge-based theory of spatial clustering. Environment and Planning A, v. 34, n. 3, p. 429-449, 2002.; MARTÍNEZ-DEL-RÍO; LORENTE, 2014MARTÍNEZ-DEL-RÍO, J.; LORENTE, J. C. Competitiveness and legitimation: the logic of companies going green in geographical clusters. Journal of Business Ethics, v. 120, n. 1, p. 131-146, 2014.). No APL em questão já se percebe avanços nestes quesitos, citando-se o desenvolvimento de alguns produtos inovadores pelos produtores. Em relação a aprendizagem, os seminários e cursos realizados ao longo do tempo são evidências que está se buscando desenvolver principalmente os pequenos produtores rurais, demonstrando as possibilidades de agregação de valor à sua produção.

Outro elemento que merece atenção ao se estudar um APL, são as economias internas e externas advindas da aglomeração (MARSHALL, 1920MARSHALL, A. Principles of economics. London: MacMillan, 1920. 319p.; BECATTINI, 1994BECATTINI, G. O distrito marshalliano. In.: BENKO, G.; LIPIETZ, A. (Org.) As regiões ganhadoras. Celta: Oeiras, 1994. p. 19-32.). Uma ação neste APL e que se caracteriza como uma economia externa é a Central de Comercialização, onde todas agroindústrias podem usufruir de máquinas específicas que isoladamente seriam, como por exemplo, empacotadeira, rotuladora e câmara fria. Isso permitirá atender ao mercado consumidor com maior eficiência, bem como garantir a produção de forma regular e otimizar as entregas aos consumidores, permitindo melhores resultados econômicos e a manutenção de renda para as agroindústrias.

Na Tabela 1 apresentam-se as externalidades, os fatores desencadeadores e as evidências que indicam a aglomeração (CAPELLO, 2007CAPELLO, R. Regional economics. New York: Routledge Advanced Texts in Economics and Finance, 2007. 378p.). Conforme as observações, percebe-se que há evidências para que o APL se configure como uma aglomeração, muito embora ainda esteja em fase inicial de constituição formal. Essa limitação é minimizada pela forte tradição cultural presente na região, tanto na produção, como na comercialização, aproximando-se das características presentes nos distritos industriais. Desta forma, há evidente redução de custos de produção, aumento na eficiência produtiva, troca de conhecimento e aprendizagem, conquista de vantagens competitivas (SCHMITZ, 1997SCHMITZ, H. Collective efficiency and increasing returns. IDS Working Paper, n. 50. Bringhton: Institute of Development Studies, 1997.; WILLIAMSON, 2000WILLIAMSON, O. E. The new institutional economics: taking stock, looking ahead. Journal of Economics Literature, v. 38, n. 3, p. 595-613, 2000.) e maior renda para os produtores, o que pode resultar em melhor qualidade de vida.

Tabela 1
Economia do distrito: externalidades e fatores desencadeadores.

Nos estudos dos distritos industriais e que perpassa os APLs, a comunidade local é determinante na medida em que um conjunto de valores são partilhados, sendo que na região do APL observou-se algumas evidências neste sentido, como por exemplo, a busca pelo bom relacionamento entre as agroindústrias, participação nos eventos da comunidade e nas entidades sociais locais. Outra evidência de que o APL possui características para tal, é o anúncio da criação de uma marca para os produtos do APL, ação que busca a diferenciação, e aliando-se com a qualidade e cumprimento dos contratos pode resultar em fortalecimento no mercado e conquistas competitivas.

APL DA AGROINDÚSTRIA FAMILIAR E DIVERSIDADE DO MÉDIO ALTO URUGUAI E DO RIO DA VÁRZEA NA PERSPECTIVA DOS CLUSTERS

As características deste APL também o aproximam de um cluster descrito por Porter (1993PORTER, M. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1993. 897p.; 1998)_____ Competitive advantage: creating and sustaining superior performance. New York, NY: Free Press, 1998. 668p.. Isso é possível constatar a partir da definição de cluster, que é uma concentração geográfica de empresas e instituições – que aqui pode-se entender como as pequenas agroindústrias familiares e todas as entidades que estão envolvidas com o APL. O campo de atuação do APL é a agroindustrialização, sem desconsiderar outras formas de agregação de valor, expressos na diversidade.

A partir da “teoria do diamante” apresentada por Porter (1993PORTER, M. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1993. 897p.; 1998)_____ Competitive advantage: creating and sustaining superior performance. New York, NY: Free Press, 1998. 668p. é possível fazer uma análise do APL. As condições de fatores que dizem respeito à disponibilidade de trabalho especializado e infraestrutura estão presentes. A especialização da mão de obra é resultado de um processo histórico de aprendizagem com a produção de matéria prima, como suínos (para a fabricação de embutidos em geral), no milho (farinhas e seus derivados), frutas e verduras (vinhos, sucos e compotas) e na tradicional erva mate, que hoje além do seu produto característico serve de complemento para outras receitas como massas e pães. Essa especialização da mão de obra pode ter sido um elemento determinante para que grandes empresas frigoríficas e do segmento lácteo se instalassem na região.

Também em relação a geração de emprego, foi possível observar que grande parte das agroindústrias do APL envolve a mão de obra de até quatro pessoas, salientando-se que essa força de trabalho normalmente envolve os próprios membros da família. Em termos de infraestrutura, pode-se destacar que a região possui acesso as principais rodovias estaduais e federais, todas em condições razoáveis de trafegabilidade, permitindo o escoamento da produção, tendo em vista os grandes centros de consumo estarem localizados distantes da região. Além disso, possui infraestrutura de educação, com escolas e universidades públicas e privadas, o que permite que a população tenha acesso à educação e aperfeiçoamento profissional, e com isso, possa inserir-se no mercado de trabalho de forma qualificada.

Em relação as condições de demanda para os produtos das agroindústrias, há relato que demonstra o trabalho que vem sendo desenvolvido:

[...] pra começar a fazer uma espécie de aproximação entre demanda e oferta. [...] O fato de nós ter conseguido já dialogar com as coordenadorias regionais de educação pra começar a fazer as compras em bloco e não por escola, então por exemplo, a CRE aqui tem quase 100 escolas na área de atuação dela, cada escola faz a sua compra, então tamo discutindo, já tem nas direções das escolas e na CRE tá meio materializado a ideia de fazer as compras em bloco [..] (E3).

Quando se fala em “trinta por cento”, refere-se a Lei nº 11.947/2009 que determina que no mínimo 30% do valor repassado a estados, municípios e Distrito Federal pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para o Programa Nacional de Alimentação Escolar deve ser utilizado na compra de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações. A aquisição dos produtos da agricultura familiar poderá ser realizada por meio da Chamada Pública, dispensando-se nesse caso, o procedimento licitatório.

Já as indústrias correlatas e de apoio referem-se as indústrias abastecedoras e indústrias correlatas que sejam internacionalmente competitivas. No caso deste APL, as agroindústrias familiares dependem quase que exclusivamente do seu trabalho diário, do seu grupo familiar, produzindo e comercializando seus produtos, quase que exclusivamente na esfera local. Porém, este arranjo produtivo está inserido em um contexto diferenciado, conforme destacado por um dos entrevistados:

Agora é uma questão de criar essas políticas, aí começa a fazer sombra pros produtos da Sadia, pros produtos de não sei do que [...] Aí é uma disputa de mercado, começa a entender porque a legislação ela demora a passar, muitas vezes os próprios governos, muitas vezes não tem esse interesse, muitas vezes os próprios profissionais não tem esse interesse, porque vem uma questão também de você acreditar ou não nessa proposta (E4).

A competitividade está presente em qualquer ramo comercial, seja ele familiar ou empresarial, portanto, há que se atentar ao mercado e buscar diferenciais. Há na região grandes agroindústrias e isso influencia mesmo que indiretamente todo o segmento, pois compram matéria prima, bem como comercializam seus produtos com competitividade de nível internacional, ou seja, o preço dos produtos é determinado pela demanda, o que afeta os pequenos produtores rurais e suas agroindústrias.

A última extremidade do diamante de Porter trata da estratégia, estrutura e rivalidade das empresas. Neste quesito, as agroindústrias familiares por estarem inseridas em um ambiente competitivo, também tendem a agir, em sua maioria, pela lógica de mercado que nem sempre é ética e por vez individualista:

[...] até mobilizar os empresários, porque assim ó, é um ramo que ainda há muito individualismo [...] os principais obstáculos é aquilo que eu falo, é quebrar essa barreira do individualismo, é difícil, porque se você vai olhar cooperativas, associações, são poucas, e pra piorar temos muitos maus exemplos de cooperativas, pelo Brasil inteiro, né, então todo mundo fica assim meio que desconfiado [...] o maior problema é a desconfiança que o povo tem né, o pessoal acaba, como que vou dizer, preferindo um individualismo, que ele tem mais controle né, sobre o negócio, ai você tem lá uma associação que você é sócio e os outros administram né, ela leva um tempo até você adquirir confiança (E6).

Percebe-se claramente nas falas dos entrevistados que o individualismo, a concorrência e a rivalidade está presente no ambiente das agroindústrias familiares deste APL. Pela perspectiva de Porter, essa rivalidade motiva as empresas a reduzir a imitação e a competição por preço, que é nociva para todos, e buscar por diferenças estratégicas por meio da identificação de segmentos atraentes de mercado e estimulando a melhoria contínua (PORTER, 1998_____ Competitive advantage: creating and sustaining superior performance. New York, NY: Free Press, 1998. 668p.).

Além destas variáveis apresentadas inicialmente por Porter, o autor inclui duas que entende serem importantes na análise de cluster: o acaso e o governo. O acaso são as eventualidades e acontecimentos fora do controle das empresas que podem surgir durante o processo, sendo que no contexto deste APL não se identificou algo marcante que possa se configurar como o acaso. Já no aspecto do governo, há várias evidências que confirmam o papel central deste, impulsionando com políticas públicas as agroindústrias e o APL. A primeira evidência e talvez a principal é a política de apoio aos APLs por parte do governo do Estado do RS, que já investiu diretamente em torno de R$ 400 mil para que o APL da Agroindústria Familiar e Diversidade do Médio Alto Uruguai e do Rio da Várzea obtenha resultados positivos. Há também políticas públicas de apoio às agroindústrias familiares, como por exemplo, o Programa de Apoio à Agricultura Familiar e Camponesa que tem como objetivo fomentar projetos integrados na estruturação de unidades agroindustriais, agregar valor aos produtos agropecuários e incluir os agricultores familiares e camponeses nas cadeias produtivas regionais.

Ademais, os clusters melhoram o posicionamento estratégico de uma economia local por meio da promoção de práticas competitivas, criando um ambiente de ajuste local que reduz a imitação e a competição por preço. Este fator promove a busca por diferenças estratégicas, facilitando a identificação de segmentos atraentes de mercado e estimulando uma cultura de melhoria contínua (PORTER, 1998_____ Competitive advantage: creating and sustaining superior performance. New York, NY: Free Press, 1998. 668p.). Esta constatação foi evidenciada durante a pesquisa, conforme o seguinte relato:

[...] questão do supermercado também, já é uma atividade de conflito né, e em função de nós chamar os supermercados pra debater isso aqui, a gente minimizou, eles tinham muito conflito com o município e com as feiras livres e no entendimento deles era uma disputa de mercado e tal, então se hoje nós levar os produtos da agroindústria e que tenham minimamente a formalização que tem, eles já começam a discutir de forma diferente, não enxergam mais como um concorrente ou alguém que tem que colocar isso fora, e eles entenderam lá na reunião, que nós dissemos que era necessário a feira livre, porque era ali que o primeiro processo onde aquela agroindústria ou aquele produto começa a ser enxergado, e ali ele vai ser lapidado, e ali ele pode ser transforma em formalizado e num processo, e na hora que ele se transforma em formalizado ele vai procura os canais de venda que tem maior público que tem mais consumidor (E5).

O APL da Agroindústria Familiar e Diversidade do Médio Alto Uruguai e do Rio da Várzea possui evidências consistentes para ser reconhecido como um cluster, contudo, talvez não no formato tradicional e mais comumente estudado. Aproxima-se do debate em torno dos clusters de micro e pequenas empresas que possuem características distintas daqueles onde grandes empresas estão presentes. A informalidade é uma característica presente neste tipo de cluster (ALTENBURG; MEYER-STAMER, 1999ALTENBURG, T.; MEYER-STAMER, J. How to promote clusters: policy experiences from Latin America. World Development, v. 27, n. 9, p. 1693-1713, 1999.) e no APL em estudo não é diferente. Um número considerável de agroindústrias familiares ainda está atuando na informalidade ou comercializando produtos que não possuem autorização sanitária, sendo que se observou a preocupação e ação por parte dos membros da governança para a regularização desta situação, a partir de ações de assessoramento para eliminar as barreiras para a formalização.

CONCLUSÃO

Este estudo de caso objetivou analisar o movimento caracterizado como Arranjo Produtivo Local (APL) da Agroindústria Familiar e Diversidade do Médio Alto Uruguai e Rio da Várzea, identificando a tipologia de modelo de inovação territorial que este representa. A análise contextual realizou-se a partir dos pressupostos teóricos relacionados aos distritos industriais e clusters. Quanto ao objeto em estudo, evidencia-se que ainda está em formação, tendo em vista sua formalização datar de meados de 2012. Portanto, trata-se de um processo em construção dado a sua precocidade, mas com resultados positivos. Observou-se ainda, o APL como sendo caracterizado pela diversidade, portanto, todos aqueles atores com objetivos comuns buscaram a construção de alternativas para a solução de problemas sociais locais. O poder público, por sua vez, teve papel central neste projeto por ser detentor de recursos que possibilitaram induzir políticas públicas em benefício das ações propostas para o referido arranjo produtivo.

Em se tratando das ações desenvolvidas, vê-se uma experiência que busca construir mecanismos de sustentação econômica com foco nas famílias rurais e suas pequenas agroindústrias, as quais possuem um importante papel social de manutenção dos espaços rurais, evitando o êxodo e a consequente migração para os espaços urbanos. Dessa forma, este arranjo produtivo configura-se como uma nova organização do espaço social assim como novas relações de produção, articulando ações em torno de objetivos comuns, não somente comerciais, mas de transformação das relações sociais, com inclusão social, geração de trabalho, renda e melhorias nas condições de vida. Ainda com relação aos pressupostos teóricos deste estudo, viu-se que o APL possui características que o assemelham, em parte, aos distritos industriais e, também em outra parte, aos clusters, num arranjo sobreposto. Quanto à aproximação dos distritos industriais, identificou-se características do tipo: localização geográfica próxima; especialização em um determinado setor; participação de pequenos produtores/agroindústrias; entendimento de que a inovação é determinante para diferenciação no mercado; apoio financeiro do ente público; aprendizagem e troca de conhecimentos; redução de custos de produção; vantagens competitivas. Com relação aos pressupostos teóricos de clusters, observou-se características como: concentração geográfica de agroindústrias; envolvimento de diversas entidades e instituições, à exemplo dos órgãos públicos, universidades, cooperativas e conselhos; presença de condições de fatores, especialmente mão de obra e infraestrutura; condições de demanda para os produtos desenvolvidos; tendência competitiva dentre as agroindústrias. A presença do governo também é reconhecida como relevante e decisiva para a implantação do APL e posterior fomento das suas atividades.

Devido a este estudo se dedicar na busca de características deste APL que se aproximem aos modelos de inovação territorial, vê-se a possibilidade de novas pesquisas serem desenvolvidas neste mesmo objeto. Um exemplo disso seria a análise desse arranjo produtivo como estratégia de manutenção das famílias rurais em suas propriedades, minimizando os reflexos do êxodo rural e qualificando a vida dessa parcela da sociedade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2021
  • Aceito
    09 Abr 2021
  • Publicado
    15 Maio 2021
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