Resumo
O Ecoturismo enfrenta o desafio de equilibrar a preservação ambiental e cultural com o desenvolvimento sustentável e a geração de renda local. Desde a Conferência de Estocolmo em 1972, a conservação ambiental tem ganhado relevância nas agendas governamentais. A criação de Unidades de Conservação (UCs) levou à implementação de mecanismos administrativos e políticos para resguardar ecossistemas específicos. Esses espaços não apenas protegem o ambiente, mas também viabilizam um uso indireto por meio do turismo, com ênfase no ecoturismo. Este estudo busca avaliar se as práticas ecoturísticas adotadas no Parque Nacional da Serra da Capivara (PNSC), localizado no Piauí, estão em consonância com o arcabouço teórico que fundamenta esse segmento turístico. Utilizando a metodologia de Estudo de Caso, combinando visitas ao PNSC, levantamento bibliográfico e registro fotográfico, verificou-se que essa Unidade de Conservação Integral está alinhada com as diretrizes preconizadas pelo ecoturismo.
Palavras-chave: Unidade de Conservação; Parque Nacional da Serra da Capivara; Ecoturismo
Resumen
El ecoturismo enfrenta el desafío de equilibrar la preservación ambiental y cultural con el desarrollo sostenible y la generación de ingresos locales. Desde la Conferencia de Estocolmo en 1972, la conservación del medio ambiente ha ganado relevancia en las agendas gubernamentales. La creación de Unidades de Conservación (UC) llevó a la implementación de mecanismos administrativos y políticos para proteger ecosistemas específicos. Estos espacios no solo protegen el medio ambiente, sino que también permiten el uso indirecto a través del turismo, con énfasis en el ecoturismo. Este estudio busca evaluar si las prácticas de ecoturismo adoptadas en el Parque Nacional Serra da Capivara (PNSC), ubicado en Piauí, están en línea con el marco teórico que subyace a este segmento turístico. Utilizando la metodología de Estudio de Caso, combinando visitas al PNSC, levantamiento bibliográfico y registro fotográfico, se encontró que esta Unidad de Conservación Integral se encuentra en línea con los lineamientos recomendados por el ecoturismo.
Palabras-clave: Unidad de Conservación; Parque Nacional Serra da Capivara; Ecoturismo
Abstract
Ecotourism faces the challenge of balancing environmental and cultural preservation with sustainable development and local income generation. Since the Stockholm Conference in 1972, environmental conservation has gained relevance on government schedule. The establishment of Conservation Units (CUs) has led to the implementation of administrative and political mechanisms to safeguard specific ecosystems. These spaces not only protect the environment but also enable indirect use through tourism, with an emphasis on ecotourism. This study aims to evaluate whether the ecotourism practices adopted in the Serra da Capivara National Park (PNSC), located in Piauí, align with the theoretical framework that underpins this tourism segment. Using a Case Study methodology, which includes visits to PNSC, literature review, and photographic documentation, it was found that this Integral Conservation Unit is in line with the guidelines advocated by ecotourism.
Keywords: Conservation Unit; Serra da Capivara National Park; Ecotourism
INTRODUÇÃO
O turismo, como o conhecemos atualmente, teve sua origem na Revolução Industrial, embora já fosse praticado antes desse período. Foi a partir da industrialização que os avanços tecnológicos permitiram o desenvolvimento do turismo em massa, além da criação de uma classe média, como apontado por Barretto (2003) e Santos (2014), e da noção de lazer que temos (DUMAZEDIER, 2008). As transformações espaciais também são resultado de transformações político-econômicas que impactam diretamente a atividade turística. O turismo, seguindo uma lógica de mercado, se segmenta para atender a diversos nichos, como turismo cultural, turismo hedonista, turismo rural, turismo de natureza, turismo de massa, ecoturismo, entre outros.
No Brasil, o segmento que mais se desenvolveu foi o turismo de Sol e Praia, em razão do extenso litoral do País, que possui praias de beleza cênica incomparável. No entanto, a exploração inadequada desse segmento resultou em problemas como a exploração sexual, conforme discutido por Kajihara (2010), que aponta a maneira como os cartões-postais, principalmente da década de 1990, objetificavam o corpo da mulher brasileira.
Apesar disso, o Brasil, como um país continental com várias paisagens distintas, tem condições de diversificar o produto turístico, atendendo a interesses além do turismo de massa, no qual o turismo de sol e praia se enquadra. Nesse sentido, e atendendo a uma demanda crescente por uma exploração mais diversificada do turismo brasileiro, bem como para desvincular a imagem do País do turismo sexual, o turismo de natureza, em especial o ecoturismo, começa a adquirir relevância.
O ecoturismo tem como base a conservação ambiental e cultural, a geração de renda e a educação ambiental, conforme apontado por Neil e Wearing (2001), Rodrigues (2003) e Furlan (2003). Beni (2001) faz uma distinção entre turismo de natureza e ecoturismo, concentrando-se o primeiro na observação e interação com a natureza, enquanto o segundo possui uma proposição que vai além da observação, com regras a serem seguidas e infraestrutura distinta, além de oportunidades para a educação ambiental. Nesse contexto, as Unidades de Conservação (UC) adquirem ainda mais relevância, pois oferecem proteção ambiental e geração de renda para as populações locais por meio da utilização do ecoturismo.
Para a elaboração deste estudo, adotou-se a metodologia do estudo de caso, a fim de analisar a complexidade do fenômeno em questão, que é a atividade ecoturística na Unidade de Conservação de Proteção Integral Parque Nacional da Serra da Capivara, localizada no estado do Piauí. Além disso, realizou-se um levantamento bibliográfico e estatístico para descrever e analisar a atividade ecoturística na região, tendo sido coletados dados primários por meio de pesquisa de campo e registros fotográficos, além de levantamento de dados nos sites oficiais. O objetivo do estudo foi avaliar se o Parque Nacional da Serra da Capivara oferece condições favoráveis para o desenvolvimento da atividade ecoturística, conforme a literatura aponta, e se pode ser indutor de crescimento econômico nos municípios próximos.
ECOTURISMO: UM CAMINHO PARA UMA UTILIZAÇÃO SUSTENTÁVEL DOS ELEMENTOS NATURAIS
O ecoturismo é um segmento do turismo de baixo impacto ambiental, que “se orienta para áreas de significado valor natural e cultural, que através das atividades recreacionais e educativas contribui para a conservação da biodiversidade” (RODRIGUES, 2003, p. 29). Além das contribuições para salvaguardar os elementos naturais e culturais, esse segmento também contribui economicamente para o sustento da população local, por meio do seu envolvimento. Wearing e Neil (2001) estabelecem elementos fundamentais para que a atividade turística possa ter a chancela eco: primeiramente, a viagem deve ser a áreas naturais relativamente protegidas; segundo a experiência do ambiente natural da área visitada; depois, a atividade necessita ser indutora de proteção ambiental; e, por último, precisa ter um papel educativo.
Na obra Ecoturismo: orientações básicas, conceitua-se ecoturismo como
[...] um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista por meio da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações. (BRASIL, 2010, p. 17).
Por mais que a definição de ecoturismo seja complexa, por adotar as ideias de ética ambiental, análise de comportamento, educação ambiental e geração de renda, há uma convergência de elementos entre autores como Furlan (2000), Rodrigues (2003), Rodrigues (2003), Wearing e Neil (2001), Aranha e Guerra (2014), entre outros, que são a proteção ambiental e cultural, a educação ambiental e a geração de renda para a população local.
Vale ressaltar que o interesse em desenvolver a atividade ecoturística surge a partir de uma narrativa global de conservação ambiental, que vem se consolidando desde a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e Meio Ambiente Humano, sediada em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972. A partir desse movimento, tantos outros aconteceram com o objetivo de chamar a atenção para as ações antrópicas sobre os elementos naturais, como foi o caso da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro, conhecida como Eco-92 ou Rio-92, e de várias outras que se seguiram.
Na crescente demanda por proteção natural, o turismo utilizou-se desse subterfúgio para diversificar seus segmentos, criando alguns deles ligados à natureza, dentre eles: Turismo de Natureza, Turismo Rural e Ecoturismo, sendo este último de maior complexidade, conforme expõem Martins e Silva (2018). Beni (2001) aponta que o ecoturismo possui uma envergadura maior do que outros turismos ligados ao segmento da natureza.
O ecoturismo é visto e vinculado ao turismo de Baixo Impacto, promovendo danos menores à natureza e à cultura local, além de ser visto como um veículo que pode aumentar a percepção e a compreensão em relação aos valores ambientais (WEARING; NEIL, 2001). A atividade ecoturística, de Baixo Impacto, é um segmento que se contrapõe ao turismo de massa, apontado por Barretto (2003) como aquele no qual o turista não deseja vivenciar as experiências locais e deseja, ainda, que os elementos do local visitado lembrem seu local de origem. Krippendorf (2001, p. 50) também traça algumas características acerca desse turismo, que coadunam com as apresentadas por outros autores: “a viagem é motivada muito mais pelo desejo de deixar alguma coisa do que pelo de ir para alguma coisa; o fato de escapar da vida cotidiana desempenha um papel mais importante do que o interesse pelas regiões e populações visitadas”. O turista de massa é visto, com frequência, como alguém que deseja
[...] abandonar-se, divertir-se, ser mimado e, talvez, até mesmo assumir o papel de um personagem que não pode representar no dia-a-dia, comportar-se como um “hóspede-rei” durante um curto instante e ser tratado como tal; enfim, ter a sensação de ser alguém. (KRIPPENDORF, 2001, p. 51).
Logo, tem-se, no ecoturismo, uma tentativa, muitas vezes exagerada, de promover uma mudança na percepção do olhar em relação ao meio natural, tentando atribuir a esse olhar uma criticidade que, para Debord (1997), se torna difícil, visto que cada vez mais vivemos em uma sociedade do espetáculo, onde não há mais espaço para o ‘ser’ e, tampouco, para o ‘ter’, e sim para o ‘parecer ser’. Trata-se de uma sociedade ancorada na fluidez de experimentações, onde a noção de lazer se distingue da de Dumazedier (2008 p. 95), segundo o qual
[...] não está fundamentalmente submetido a fim lucrativo algum, como o trabalho profissional, a fim utilitário algum, como as obrigações domésticas, a fim ideológico ou proselitístico algum, como os deveres políticos ou espirituais. No lazer, o jogo, a atividade física, artística, intelectual ou social não se acham a serviço de fim material ou social.
Tanto Debord (1997) quanto Dumazedier (2008), ao problematizarem elementos que permeiam a atividade ecoturística, tornam mais difícil a materialização do que se espera do ecoturismo em relação ao ecoturista, ainda mais que o turismo e seus segmentos são vivenciados de forma diferente por parte dos indivíduos (PANOSSO NETTO, 2005). Dessa forma, uma análise sobre o ecoturismo do ponto de vista do (eco) turista se torna difícil e, portanto, as bases para se observar a prática do ecoturismo deve ser o espaço onde este se desenvolve, e não o sujeito que vivencia esse espaço.
UNIDADE DE CONSERVAÇÃO E A PRÁXIS DO ECOTURISMO
Com o crescente aumento da sensibilização em relação às questões ambientais, principalmente a partir da década de 1970 (CASTRO JÚNIOR; COUTINHO; FREITAS, 2012; PUREZA; PELLIN; PADUA, 2015), impulsionada por conferências internacionais – como a Eco-92 e a Rio+10 –, ideias e medidas para a conservação ambiental ganharam mais relevância. Nesse contexto, áreas demarcadas com o objetivo de preservar elementos naturais passaram a receber mais destaque e um respaldo jurídico-administrativo mais robusto.
É nesse contexto que surge um instrumento jurídico fundamental, complementar a outros existentes, para o trabalho de conservação de determinadas áreas: o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), regulamentado pela Lei n.º 9.985/2000, que estabelece critérios e diretrizes para a criação, a implantação e a gestão de unidades de conservação em âmbito nacional.
A concepção dos primeiros Parques Nacionais nos Estados Unidos, sendo o Parque Nacional de Yellowstone o primeiro a ser criado, em 1872,i exerceu influência na criação de áreas protegidas no Brasil. A partir do movimento preservacionista e conservacionista para a criação de áreas de proteção do ambiente natural, surgem, mais tarde, posicionamentos distintos na forma de pensar as áreas de proteção ambiental.
O processo de criação do Snuc, conforme apontado por Castro Júnior, Coutinho e Freitas (2012, p. 45), foi “marcado por oito anos de embates entre proprietários de terras, setores produtivos e ambientalistas, além de debates intensos entre preservacionistas e conservacionistas”. Essas divergências surgiram principalmente em relação à demarcação e à utilização das áreas de proteção. Um dos pontos centrais desses embates diz respeito à diferença entre as abordagens conhecidas como deep ecology (ecologia profunda) e shallow ecology (ecologia rasa). Conforme observado por Lourenço (2019), as discordâncias entre ambas as posições estão ancoradas na visão de que um grupo shallow ecology estaria preocupado, principalmente, com um aspecto específico dos problemas ambientais, enquanto o deep ecology argumentava existirem questões mais complexas e profundas a serem debatidas.
O grupo da shallow ecology tende a enfatizar soluções pontuais, muitas vezes relacionadas a problemas imediatos e de curto prazo, sem abordar as raízes mais profundas dos desafios ambientais. Por outro lado, o grupo da deep ecology busca uma compreensão mais abrangente e integrada dos problemas ambientais, considerando as interconexões entre os sistemas naturais e as questões sociais e econômicas relacionadas.
É importante ressaltar que ambas as perspectivas contribuem significativamente para a conservação ambiental. Enquanto a shallow ecology pode oferecer soluções práticas e de rápida implementação, a deep ecology chama a atenção para a necessidade de abordar as causas subjacentes dos problemas ambientais, levando em consideração questões como justiça social, sustentabilidade e respeito aos limites ecológicos. Entretanto, as divergências conceituais acabam por diminuir o ritmo das mudanças em relação à proteção ambiental.
Para além das questões conceituais, no campo econômico houve uma parceria entre o “governo brasileiro e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)” (PUREZA; PELLIN; PADUA,2015, p. 50), por meio da qual as áreas protegidas começaram a receber mais destaque, sendo o principal objetivo fortalecer as instituições públicas e os órgãos de meio ambiente que visavam implantar e manejar as áreas de proteção ambiental. É importante apontar que as questões ambientais, principalmente no tocante à formação de território, passam a ser uma questão política. Nesse sentido, Castro Júnior, Coutinho e Freitas (2012, p. 47-48) afirmam que
[a] discussão sobre proteção da natureza é eminentemente política e, como tal, envolve disputa por interesses específicos e, muitas vezes, conflitantes, sobretudo no que diz respeito ao uso da terra. No caso brasileiro, esse aspecto político torna-se fortemente presente.
Souza (2019, p. 198) também apontam para aspectos políticos quando se referem às questões ambientais, inclusive explicando que
[...] aspecto adicional a ser levado em conta na análise de conflitos e impactos ambientais são as práticas espaciais dos agentes envolvidos. Uma prática espacial é uma prática social cuja espacialidade é forte e direta; uma “política de escalas” é um exemplo de prática espacial.
Diante das interferências político-econômicas, faz-se necessário criar mecanismos jurídico-administrativo para conter tais interferência, que veem a conservação ambiental como o pensamento antagônico ao crescimento econômico. Esses mecanismo auxiliam e amplia a capacidade do Snuc de “potencializar o papel das UCs, de modo que sejam planejadas e administradas de maneira integrada, e que amostras significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações de espécies, habitats e ecossistemas estejam adequadamente representados no território nacional e nas águas jurisdicionais” (BRASIL, 2022). Entre os mecanismos pode-se citar o Decreto n.º 5.758/2006 (institui o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – Pnap), o Decreto n.º 9.334/2018 (institui o Plano Nacional de Fortalecimento das Comunidades Extrativistas e Ribeirinhas – Planafe) e o Decreto n.º 6.040/2007 (institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais).
Todo o aparato jurídico-administrativo criado para reforçar o SNUC faz com que as Unidades de Conservação consigam, se bem geridas, serem essenciais para o desenvolvimento do ecoturismo, sendo as UC divididas conforme se aponta no Quadro 1:
Pode-se perceber que, na Unidade de Conservação de Proteção Integral (PI), mesmo havendo um uso, mais restrito, ainda assim permite-se a utilização dos recursos naturais de forma indireta. É nesse ponto que o ecoturismo agrega valor à UC, pois pode, ao mesmo tempo, gerar renda para população local e prover a conservação ambiental e cultural (AGUIAR JUNIOR; BARROS, 2023).
Ao passo que a gestão territorial das Unidades de Conservação equaliza as tensões, principalmente as fundiárias, as UC possuem condições de materializar o arcabouço teórico do ecoturismo, mesmo diante dos paradoxos existentes nessa práxis. Isso, contudo, não obscurece a importância desse segmento para o desenvolvimento sustentável, sendo este o apregoado por Sachs (2004), ou seja, um desenvolvimento includente e que possa prover trabalho decente para todos.
ÁREA DE PROTEÇÃO INTEGRAL: PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA E ATIVIDADE ECOTURÍSTICA
O Parque Nacional da Serra da Capivara (PNSC) (Figura 1), criado pelo Decreto n.º 8.548/1979, localiza-se no sudeste do estado do Piauí, no bioma da caatinga, tendo em seu território os municípios de João Costa, Coronel José Dias, São Raimundo Nonato e Brejo do Piauí. A superfície do PNSC é de 129.140 ha e seu perímetro, de 214 km (BUCO, 2013). O parque está no grupo de Proteção Integral e possui a maior concentração de pinturas rupestres do mundo (BUCO, 2013), motivo pelo qual foi tombado, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco), como patrimônio da humanidade em 1991, e também pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1993.
É importante destacar que o PNSC está inserido no bioma caatinga, pois este “é considerado, entre os principais biomas do Brasil, o único exclusivamente brasileiro, o que significa que grande parte do patrimônio biológico dessa região não é encontrado em outro lugar” (BUCO, 2013, p. 1). O bioma é conhecido por possuir um clima semiárido, de acordo com a classificação de Köppen,
[...] apresenta muitas características extremas, dentre as quais estão: a mais alta radiação solar, baixa nebulosidade, a mais alta temperatura média anual, as mais baixas taxas de umidade relativa, elevados índices de evapotranspiração potencial e, sobretudo, baixos níveis de precipitação pluviométrica e escassez de oferta de água. (MOURA, 2021).
De modo geral, as escassas precipitações na região do semiárido ocorrem no período de setembro a março, com totais que não costumam ultrapassar os 800 mm. Associado a essa irregularidade do regime pluviométrico, a grande quantidade de radiação solar resulta no aumento das taxas de evaporação, que, por sua vez, repercutem no desenvolvimento das espécies locais (MOURA, 2021).
As características climáticas e os atributos resultantes do clima tornam essa região um dos lugares mais difíceis de se habitar, como aponta Ab’Saber (2003), além de ocorrerem, ali, práticas tradicionais dos autóctones, como queimadas, invasão de novas terras e caças ilegais. Soma-se a isso o descaso histórico que a região Nordeste sofre por parte do poder público desde a formação do território brasileiro.
O PNSC situa-se no encontro da bacia sedimentar Maranhão-Piauí com a depressão do Rio São Francisco, o que “criou a chapada recortada formando cânions profundos, padrões ruiniformes, aglomerados de seixos e afloramentos rochosos que serviram de abrigo para o homem pré-histórico e para a fauna” (ICMBio, 2019). Os padrões ruiniformes chamaram a atenção do geógrafo Aziz Ab’Saber (2003), segundo o qual sítios de paisagens ruiniformes do País já foram descobertas pelo turismo, dando o exemplo do Parque Nacional de Sete Cidades, também localizado no Piauí.
De acordo com a complexidade de ambientes, o PNSC protege uma alta biodiversidade, constituída por espécies ameaçadas de extinção, tais como “o gato-do-mato-pequeno (Leopardus tigrinus), o tamanduá bandeira (Myrmecophaga trydactyla), o tatu bola (Tolypeutes tricinctus), a onça pintada (Panthera onca)” (ICMBio, 2019, p. 15) entre outros. Logo, o parque possui uma função imprescindível não somente em relação aos registros rupestres, mas também em relação à fauna, cumprindo o objetivo das UC de proteger o patrimônio ecológico e cultural.
DISCUSSÕES E RESULTADOS
As Unidades de Conservação estão sobre forte pressão, principalmente pelo avanço da atividade da agropecuária e mineral o que promove desmatamento mesmo em áreas protegidas legalmente como aponta o Relatório Ambiental de Desmatamento (RAD, 2021), ao afirmar que, “do total de 2.181 Unidades de Conservação (UCs) federais e estaduais terrestres registradas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), 252 UCs (11,6%) tiveram pelo menos um evento de desmatamento” (RAD, 2021, p. 58). Tais eventos distribuem-se como apontado na Tabela 1:
Os avanços relativos à discussão sobre Unidades de Conservação apontam que, mesmo possuindo um arcabouço jurídico-administrativo robusto, as UC sofrem com a degradação ambiental. Para além dos problemas dos avanços da monocultura e da mineração, há também o problema das verbas destinadas a esses parques. Abujamra (2023, p. 223) assinala que o PNSC “chegou a contar com 28 guaritas, tendo duas mulheres em cada posto. Com a constante falta de verba, a maior parte foi fechada”. Afirma, ainda, que, “em 2017, caçadores invadiram uma das áreas fechadas para visitação e atiraram em três vigias. Um deles morreu” (ABUJAMRA, 2023, p. 223). A falta de repasses de recursos por parte dos governos federal e estadual faz com que muitos dos atrativos, como o apresentado na Figura 02, corram o risco de ficar sem manutenção e sem monitoramento, podendo vir a sofrer degradação.
Como apontado por Carvalho (2015), o Estado desempenha um papel fundamental como incentivador do turismo no Brasil. No entanto, no que diz respeito à criação do Parque Nacional Serra da Capivara (PNSC), o crédito pode ser atribuído a Niède Guidon, uma figura proeminente nesse contexto. Além de ser a idealizadora do parque, é também fundadora da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM) e uma renomada pesquisadora, que revolucionou o mundo da arqueologia ao questionar o modelo de ocupação conhecido como “Clovis First”, que até então explicava a ocupação do continente americano.
As investigações e descobertas de Guidon colocaram em xeque a referida teoria, levando a uma nova compreensão sobre a idade da presença humana nas Américas. Em 2008, Niède chegou a afirmar que existiam evidências de que havia ocupação humana no Piauí há 100 mil anos, um marco significativo na história arqueológica do país (ABUJAMRA, 2023).
O desenvolvimento do turismo na região recebeu apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que, após realizar diversos estudos, reconheceu que o investimento no turismo seria a melhor opção para o crescimento e o desenvolvimento da área. Nesse contexto, a criação do Parque Nacional Serra da Capivara (PNSC), mesmo ocorrendo antes da instituição das Unidades de Conservação (UC), está alinhada com os objetivos do ecoturismo e da conservação ambiental.
A preservação do PNSC é de extrema importância para a conservação da fauna e da flora da região, assim como para a preservação dos registros rupestres encontrados no local. O parque abriga uma ampla diversidade de registros arqueológicos, que retratam atividades como caça, celebrações, vida social, danças e outros aspectos culturais, conforme ilustrado na Figura 3:
Além da importância de salvaguardar o patrimônio cultural e ecológico, há também, no parque, uma estrutura que atende aos visitantes e converge com outro elemento do ecoturismo, que “são as placas, os painéis de informações dos sítios”, informações que ajudam no desenvolvimento da turismo no PNSC (OLIVEIRA et al.,2022, p. 71). Dessa forma, percebe-se que o Parque Nacional da Serra da Capivara converge todos os elementos que estão presentes no entendimento do que seja atividade ecoturística.
No livro Niède Guidon, uma arqueóloga no sertão, a pesquisadora e idealizadora do Parque expressa sua preocupação em relação ao número insuficiente de visitantes recebido pelo Parque Nacional Serra da Capivara (PNSC) anualmente, quando comparado a outros parques no Brasil e no mundo. Determinada a solucionar esse desafio, Guidon propôs a construção de um aeroporto, mas a ideia foi inicialmente recebida com críticas e, depois de aceita, a construção demorou décadas para ser concluída. Durante um longo período, o aeroporto ficou sem receber voos devido à baixa de demanda por parte das companhias aéreas.
Os aeroportos mais próximos do Parque, que possuem voos para grandes cidades brasileiras, estão situados em Petrolina-PE, a 302 km de São Raimundo Nonato, e em Teresina, a 526 km de distância. Isso parece desmotivar os turistas de outros países e mesmo de outros estados do Brasil a visitarem o PNSC, visto que, segundo Oliveira Filho e Monteiro (2009), 50,82% dos turistas que visitam o Parque são piauienses. Cabe lembrar, contudo, que a distância não pode ser o único fator a ser considerado, uma vez que os Parques Nacionais da região Nordeste ligados ao turismo de Sol e Praia – como Jericoacoara, Lençóis Maranhenses e Fernando de Noronha – também se encontram distantes dos grandes centros indutores das regiões Sul e Sudeste e possuem difícil acesso, mas recebem elevado contingente de turistas.
Recentemente, no entanto, houve uma mudança que pode ser positiva nesse cenário. A companhia aérea Azul passou a oferecer voos que conectam São Raimundo Nonato a Petrolina e Recife, em Pernambuco (GLOBO, 2022). Os novos voos são um marco significativo para a região, facilitando o acesso de turistas e entusiastas da arqueologia ao PNSC. Ademais, a iniciativa da companhia aérea representa um reconhecimento do potencial turístico e histórico do parque, que abriga importantes sítios arqueológicos e pinturas rupestres de valor inestimável.
O pensamento de Niède coincide com as descobertas do estudo intitulado “Contribuições do turismo em Unidades de Conservação para a economia brasileira: efeitos dos gastos dos visitantes em 2018”, realizado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Esse estudo apresenta as contribuições econômicas do turismo por Unidade de Conservação, e o PNSC ocupa a 34ª posição nessa lista. Por fim, das 33 UC que estão à frente do PNSC, 32% delas estão localizadas na região Sudeste, como mostrado no gráfico da Figura 4.
É importante ressaltar que a região Nordeste conquistou o segundo lugar (29%) nesse ranking, graças às Unidades de Conservação associadas ao turismo de Sol e Praia, tais como o Parque Nacional de Jericoacoara, a Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha, o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e a Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba.
Essas informações reforçam a importância de valorizar e promover o turismo em áreas de conservação como o PNSC. Com estratégias adequadas de divulgação, infraestrutura e transporte, é possível atrair mais visitantes e estimular o desenvolvimento econômico sustentável da região, alavancando as riquezas naturais e culturais oferecidas pelo parque.
O Turismo de Sol e Praia continua sendo o principal impulsionador do turismo na região nordeste, especialmente quando se trata de áreas protegidas, como as Unidades de Conservação (UCs). No entanto, em meio à narrativa global em torno de áreas naturais e à possibilidade de diversificação dos investimentos, é essencial priorizar outras áreas destinadas ao turismo ligado à natureza. Isso envolve investimentos em marketing, bem como a alocação de recursos federais e estaduais.
Os ganhos econômicos provenientes do turismo em Unidades de Conservação são notáveis, como indicado na tabela 02. Portanto, é crucial explorar o potencial dessas áreas e promover seu turismo de forma sustentável. Diversificar as opções turísticas em UCs além do Turismo de Sol e Praia pode atrair visitantes com diferentes interesses, aumentando assim o fluxo de turistas e proporcionando benefícios econômicos para a região.
Os desafios enfrentados pelo Parque Nacional Serra da Capivara (PNSC), em seus estágios iniciais, como a remoção da população local, geraram grande revolta e até ameaças a Niède Guidon, como relatado por Abujamra (2023). No entanto, aparentemente, esses problemas foram superados pelos benefícios resultantes da atividade turística promovida pelo PNSC.
Um estudo quantitativo realizado por Oliveira Filho e Monteiro (2009) revelou que a maioria da população local, residente em São Raimundo Nonato e Coronel José Dias, reconhece o PNSC como uma fonte geradora de renda, além de ser um espaço de preservação da natureza e difusão da cultura. Essa percepção positiva da comunidade local em relação ao parque é uma indicação importante dos benefícios socioeconômicos e culturais proporcionados pelo turismo no PNSC. Além de impulsionar a economia da região, a atividade turística também contribui para a preservação da natureza e para a divulgação da rica cultura presente no parque.
O trabalho de proteção e conservação do patrimônio arqueológico encontrado na região em questão demanda mão de obra para as mais diversas atividades, desde as mais elementares até as mais especializadas, e muito desse trabalho é realizado pela população local. Ademais, o Parque necessita de fiscais, condutores, atendentes e outros funcionários, cuja mão de obra também é proveniente da própria região.
A criação de Unidades de Conservação tem sido objeto de intensos debates e pesquisas, como evidenciado por estudos como os de Pureza, Pellin e Padua (2015), Castro Júnior, Coutinho e Freitas (2012), Coelho, Cunha e Monteiro (2012), Diegues (2008) e Almeida (2014). Essas pesquisas destacam as disputas acirradas em torno do direito à terra, que surgem com a implantação dessas unidades.
No entanto, à medida que as Unidades de Conservação são estabelecidas e o Estado oferece suporte para sua estruturação, a população local começa a compreender a importância dessas áreas protegidas. Além disso, elas passam a ser beneficiadas tanto direta quanto indiretamente por essas iniciativas.
Consequentemente, a percepção das Unidades de Conservação pela população local melhora consideravelmente. Essa mudança de perspectiva resulta em uma percepção positiva, que pode estimular a geração de renda e a conservação ambiental e cultural.
Dados apresentados por Souza e Simões (2019) mostram haver um retorno financeiro das Unidades de Conservação, bem como de proteção à fauna e à flora, principalmente em relação aos animais ameaçados de extinção, como apresentam Aguiar Junior e Barros (2023). Como já explicado, as UCs possuem um grande potencial para salvaguardar patrimônios biológicos e culturais, juntamente com o impulsionar do crescimento local. Pode-se materializar essa teoria no município de São Raimundo Nonato/PI.
A população de São Raimundo Nonato, segundo dados do IBGE de 2010, era de 32.327 pessoas, o que a colocava em 14º lugar no ranking dos municípios mais populosos do estado do Piauí. Essa posição evidencia sua relevância entre as cidades do seu entorno. No entanto, de acordo com dados mais recentes do IBGE, em 2021, estima-se que a população da cidade ultrapasse 35 mil habitantes. Embora essa quantidade possa ser considerada de “pequeno porte”, de acordo com Maia (2010), Ribeiro (2015) argumenta que poucos municípios no País possuem uma população entre 30 e 35 mil habitantes, o que caracteriza São Raimundo Nonato como um município de “médio porte”. Essa caracterização é respaldada pela presença de uma quantidade adequada de equipamentos públicos em relação ao tamanho do município.
A existência desses equipamentos públicos em São Raimundo Nonato é fundamental para a organização, o suporte e a subsistência das cidades circunvizinhas, o que coloca a cidade como um centro polarizador dos serviços na região (RIBEIRO, 2015, p. 87). Essa infraestrutura pública disponível contribui para a garantia de um ambiente propício para o desenvolvimento das atividades e para a oferta de serviços essenciais à população não apenas de São Raimundo Nonato, mas também das localidades vizinhas.
O crescimento do município de São Raimundo Nonato/PI pode ser creditado, principalmente, à criação do Parque Nacional da Serra da Capivara e aos projetos vinculados à existência do patrimônio arqueológico, visto que as atividades de turismo e de pesquisa que ocorrem em função da UC acabam fomentando várias ações que repercutem na geração de renda e em qualificação para a população, tais como o surgimento de pousadas, hotéis, bares e restaurantes, além da implementação de instituições públicas de ensino técnico e superior.
A criação da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), em 1986, ajudou a fomentar uma série de projetos na região, a exemplo do Museu do Homem Americano, localizado na sede da FUMDHAM, em São Raimundo Nonato, e, mais recentemente, em 2019, do Museu da Natureza, localizado na zona rural de Coronel José Dias (Figura 5).
Além de turistas, os museus recebem grupos de estudantes, tanto de escolas quanto de universidades, e, assim, empregam, de forma direta, instrutores, atendentes, pesquisadores e equipes de manutenção; ressalta-se que o Museu da Natureza possui uma estrutura maior e conta até com lanchonete. Em ambos é possível adquirir livros e souvenires que fazem referência ao Parque. Nos arredores do Museu da Natureza, há um restaurante, uma pousada, uma fábrica de camisetas e a fábrica da Cerâmica Serra da Capivara.
A Cerâmica Serra da Capivara foi fundada em 1992, por Niéde Guidon, e atualmente encontra-se sob a gestão da Rede Artesol – Rede Nacional do Artesanato Solidário. O Grupo Cerâmica Artesanal Serra da Capivara emprega cerca de 30 artesãos, que vivem no entorno do Parque. O projeto busca aliar geração de renda, inclusão social e preservação ambiental, prezando pela qualificação dos artesãos e pela passagem do conhecimento às gerações futuras, assim como por práticas de manejo consciente (a retirada da argila é feita em barreiros assoreados, auxiliando no desassoreamento, e a queima das peças é realizada em forno a gás, ao invés de a lenha). É possível encontrar e adquirir as peças de cerâmica da Serra da Capivara em vários lugares do Brasil e até no exterior.
Para que seja garantida a sustentabilidade das ações desenvolvidas no PNSC e no seu entorno, a FUMDHAM também desenvolve projetos socioculturais nas comunidades ali existentes, tais como horticultura, educação patrimonial, educação ambiental, oficinas de artesanato e cerâmica, o projeto Pequeno Arqueólogo e oficinas de dança e artes em geral.
Desde 2017, com exceção de 2020 e 2021, ocorre, no anfiteatro da Pedra Furada, localizado no interior do Parque (Figura 6), o evento Ópera da Serra da Capivara. Trata-se de uma grande apresentação, com a presença de artistas piauienses e de outras regiões, que busca valorizar o patrimônio da Serra da Capivara e a cultura ancestral local.
O espetáculo, que tem atraído público de todo o Brasil e do exterior, ajuda a apontar ainda mais a importância social e econômica do rico patrimônio natural e cultural ali presente, pois, além de divulgar o Parque e a cultura da região, em sua execução prioriza-se a contratação de mão de obra local, “da marcenaria, ao serralheiro; no transporte, na alimentação das equipes; no receptivo, o balé, os artistas e mais”, conforme explica a diretora-geral da ópera Sadia Castro (G1, 2023).
Tais projetos ajudam a fixar a comunidade na região, trazendo perspectivas para as crianças e os jovens que ali vivem, que já crescem entendendo a importância da conservação desse patrimônio e sabendo que é possível ter renda sem que haja necessidade de degradar.
Além disso, destaca-se a instauração, também em São Raimundo Nonato, dos campi da Universidade Estadual do Piauí (Uespi), do Instituto Federal do Piauí (IFPI) e da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), onde funcionam os cursos de Antropologia, Licenciatura em Química, Ciências da Natureza e o mais antigo curso de Arqueologia em andamento no Brasil em universidade pública (UNIVERSIDADE..., 2016). Inicialmente, a partir de 2004, as atividades do curso de Arqueologia e Preservação Patrimonial eram realizadas em instalações provisórias cedidas pela Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM) e somente em 2008, quando foram concluídas as obras do Campus Serra da Capivara, passaram a funcionar em local próprio.
Na Uespi, são ofertados cursos de licenciatura e no Instituto Federal, além das licenciaturas, há cursos técnicos e tecnológicos, destacando-se os de Administração, Gastronomia, Restaurante e Bar, Informática, Cozinha e Guia de Turismo, que, claramente, visam atender à demanda por esse tipo de mão de obra na região.
Diante do exposto, torna-se evidente ser o ecoturismo uma atividade que tem elevado potencial para aliar a conversação ambiental e patrimonial à geração de renda das populações que podem ser beneficiadas dessa atividade.
CONCLUSÃO
A atividade ecoturística é amplamente reconhecida como uma forma de turismo de baixo impacto ambiental e cultural, trazendo benefícios significativos para a geração de renda e contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento de comunidades locais. O ecoturismo, fundamentado em princípios de sustentabilidade ecológica e cultural, encontra nas Unidades de Conservação, sejam elas de Proteção Integral ou de Uso Sustentável, um ambiente propício para sua prática. Diversos estudos comprovam os benefícios diretos e indiretos do ecoturismo desenvolvido em Unidades de Conservação (UC) não apenas para as comunidades locais, mas também para os municípios vizinhos.
O bioma Caatinga é caracterizado por baixos índices de precipitação pluviométrica e escassez de água, o que torna muitas atividades econômicas inviáveis nessa região. No entanto, é nesse bioma que se encontra um dos maiores sítios arqueológicos do mundo, localizado no Parque Nacional da Serra da Capivara, uma Unidade de Conservação de Proteção Integral. A Profa. Dra. Niède Guidon, nos anos 1960, reconheceu a importância desse espaço e a necessidade de conservá-lo, além de buscar formas de gerar renda para a população local por meio da exploração do parque com atividade ecoturística, de baixo impacto ambiental e cultural.
Enfrentando desafios semelhantes à criação de UC pelo Brasil, como a necessidade de desapropriação das terras da população local e as correspondentes indenizações, Niède percebeu que, sem uma infraestrutura adequada, seria difícil atrair turistas para a região. Nesse sentido, ela idealizou a construção de um hotel dentro do parque, bem como a instalação de um aeroporto. Além disso, em parceria com instituições como o Instituto Chico Mendes (ICMBio), ela promoveu cursos para qualificar a mão de obra local, reconhecendo que o turismo não se desenvolveria na região sem uma equipe capacitada.
Apesar dos esforços para promover o ecoturismo no Parque Nacional da Serra da Capivara, que continua enfrentando dificuldades financeiras que advém da falta de recursos de âmbito Nacional e estadual, bem como o baixo número de turistas que recebe em relação a outras UCs, o PNSC consegue atender na prática as idealizações acerca da atividade ecoturística. Durante o percurso da sua consolidação como Unidade de Proteção Integral, Parque Nacional Serra da Capivara, percebe-se uma evolução na infraestrutura como construção de hotel no parque, a construção do Museu do Homem Americano e Museu da Natureza, a consolidação do Grupo Cerâmica Artesanal Serra da Capivara emprega cerca de 30 artesãos. Além das placas informativas ao longo do PNSC, bem como continua formação dos guias do parque.
Em conclusão, estudos e fatos demonstram que o ecoturismo é uma atividade econômica importante que está alinhada com a conservação ambiental e a geração de renda. Isso se aplica diretamente às Unidades de Conservação, e mesmo diante de muitas dificuldades, percebe-se que há, de fato, a realização da prática ecoturística. O tripé de sustentação da atividade ecoturística: geração de renda local, conservação ambiental e cultura e educação ambiental é realizada e oportunizada pelo PNSC. O Parque Nacional da Serra da Capivara proporcionou a municípios, como São Raimundo Nonato (PI), a terem crescimentos econômicos que por sua vez repercutiu de forma direta na população local que pode implicar em menor taxa de migração para outros municípios ou até regiões por vislumbrarem possibilidades de ganhos econômicos. Alinhado a perspectiva de renda, ainda possuem possibilidades de obterem uma formação acadêmica pela Universidade Estadual do Piauí (Uespi), do Instituto Federal do Piauí (IFPI) e da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf), onde funcionam os cursos de Antropologia, Arqueologia e Preservação Patrimonial, Licenciatura em Química e Ciências da Natureza.
Dessa forma, é incontestável afirmar que a teoria subjacente ao conceito de ecoturismo encontra sua materialização no Parque Nacional da Serra da Capivara (PNSC). Entretanto, para solidificar ainda mais o setor ecoturístico, especialmente dentro das Unidades de Conservação (UCs), é imperativo intensificar os esforços no sentido de atrair um fluxo crescente de visitantes. Somente por meio desse incremento nas visitações é que o setor turístico voltado para a apreciação da natureza poderá plenamente afirmar-se no âmbito nacional, apresentando-se como uma alternativa sólida e atrativa em comparação aos segmentos convencionais, como o turismo de praia e sol.
NOTAS
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i
“Some sources list Hot Springs in Arkansas as the first national park. Set aside in 1832, forty years before Yellowstone was established in 1872, it was actually the nation’s oldest national reservation, set aside to preserve and distribute a utilitarian resource (hot water), much like our present national forests. In 1921, an act of Congress established Hot Springs as a national park.” Disponível em https://www.nps.gov/yell/learn/historyculture/yellowstoneestablishment.htm. Acesso em: 2 jun. 2023.
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Editado por
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Editores ResponsáveisAlexandra Maria OliveiraAlexandre Queiroz Pereira
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Jan 2024 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
13 Ago 2023 -
Aceito
14 Out 2023 -
Publicado
01 Dez 2023