Acessibilidade / Reportar erro

ENCLAVE DE CERRADO E A ATUALIZAÇÃO DO MAPEAMENTO DAS UNIDADES DE PAISAGEM DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

ENCLAVE DE CERRADO Y LA ACTUALIZACIÓN DEL MAPEO DE UNIDADES DE PAISAJE EN EL ESTADO DE RIO GRANDE DO NORTE

Resumo

O mapeamento de unidades de paisagem é um processo dinâmico e necessitado de constantes modificações. Partindo dessa premissa, este artigo buscou atualizar o mapeamento de unidades de paisagens do estado do Rio Grande do Norte. Isso foi possível a partir da combinação entre atividades de campo e novos procedimentos metodológicos, com análises e refinamentos de mapeamentos anteriores efetuados por Silva (2018)SILVA, S. D. R. Delimitação de unidades da paisagem do litoral setentrional potiguar e adjacências. 2018. 131 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2018., Bernardino (2019)BERNARDINO, D. S. M. Mapeamento e análise integrada das unidades de paisagem (geofácies) do Seridó Potiguar. 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019. e Souza (2020)SOUZA, A. C. D. Compartimentação das Unidades de Paisagem do Litoral Oriental e Agreste do Rio Grande do Norte, Brasil. 2020. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2020.. Como principal resultado apresenta-se a atualização de um mapeamento que contempla a (re-)delimitação e (re-)classificação dos Domínios Morfoclimáticos, Regiões Naturais e Geocomplexos do território do estado do Rio Grande do Norte. Foi identificada e inserida uma nova unidade: um enclave de cerrado, que, até então, não havia sido descrito e analisado como tal na literatura consagrada; a reboque, mais uma região natural e dois geocomplexos puderam ser mapeados e delimitados. Mapeou-se, também, novas ocorrências territoriais de unidades já identificadas/classificadas no trabalho original e, por conseguinte, ocorreu um redimensionamento de paisagens de diferentes táxons, também como resultado, propriamente, dessas modificações, bem como do refinamento dos limites das unidades, em função do detalhamento escalar maior, com o aprofundamento da pesquisa.

Palavras-chave:
Geossistema; Técnicas de Geoprocessamento; Análise da Paisagem

Resumen

El mapeo de unidades de paisaje es un proceso dinámico y necesita modificaciones constantes. Con base en esta premisa, este artículo buscó actualizar el mapeo de unidades de paisaje en el estado de Rio Grande do Norte. Esto fue posible a través de la combinación de actividades de campo y nuevos procedimientos metodológicos, con análisis y refinamientos de mapeos previos realizados por Silva (2018)SILVA, S. D. R. Delimitação de unidades da paisagem do litoral setentrional potiguar e adjacências. 2018. 131 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2018., Bernardino (2019)BERNARDINO, D. S. M. Mapeamento e análise integrada das unidades de paisagem (geofácies) do Seridó Potiguar. 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019. y Souza (2020)SOUZA, A. C. D. Compartimentação das Unidades de Paisagem do Litoral Oriental e Agreste do Rio Grande do Norte, Brasil. 2020. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2020.. El principal resultado es la actualización de un mapeo que contempla la (re) delimitación y (re) clasificación de Dominios Morfoclimáticos, Regiones Naturales y Geocomplejos en el estado de Rio Grande do Norte. Se identificó e insertó una nueva unidad: un enclave cerrado, que hasta entonces no había sido descrito y analizado como tal en la literatura consagrada; a continuación, se podría cartografiar y delimitar otra región natural y dos geocomplejos. También se mapearon nuevas ocurrencias territoriales de unidades ya identificadas / clasificadas en el trabajo original y, por lo tanto, hubo un redimensionamiento de paisajes de diferentes taxones, también como resultado, propiamente, de estas modificaciones, así como del refinamiento de los límites de las unidades, debido al mayor detalle escalar, con la profundización de la investigación.

Palabras-clave:
Geosistema; Técnicas de Geoprocesamiento; Análisis del Paisaje

Abstract

The mapping of landscape units is a dynamic process in which constant modifications are needed. Based on this, this article sought to update the mapping of landscape units in the state of Rio Grande do Norte. This was possible due to the combination of field activities and new methodological procedures, with analyzes and refinements of previous mappings conducted by Silva (2018)SILVA, S. D. R. Delimitação de unidades da paisagem do litoral setentrional potiguar e adjacências. 2018. 131 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2018., Bernardino (2019)BERNARDINO, D. S. M. Mapeamento e análise integrada das unidades de paisagem (geofácies) do Seridó Potiguar. 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019., and Souza (2020)SOUZA, A. C. D. Compartimentação das Unidades de Paisagem do Litoral Oriental e Agreste do Rio Grande do Norte, Brasil. 2020. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2020.. The main result is the update of a mapping that includes the (re-) delimitation and (re-) classification of Morphoclimatic Domains, Natural Regions, and Geocomplexes in the territory of this state. A new unit was identified and inserted: a cerrado enclave, which, until then, had not been described and analyzed as such in the established literature; consequently, one more natural region and two geocomplexes were mapped and delimited. New territorial occurrences of units already identified/classified in the original work were also mapped and, therefore, there was a resizing of landscapes of different taxa, which resulted from these modifications and of the refinement of their limits, due to the greater scalar detail, with the deepening of the research.

Keywords:
Geosystem; Geoprocessing Techniques; Landscape Analysis

INTRODUÇÃO

A concepção sistêmica nos estudos das paisagens ofereceu um importante suporte teórico para delimitação de unidades de paisagens. Nela, cada unidade é caracterizada por uma certa homogeneidade fisionômica e funcional e pode ser identificada pela análise sistêmica dos atributos interativos que a compõem. Nesse sentido, essas unidades, hierarquicamente organizadas, formam um mosaico de um sistema maior e podem ser estudadas em um único ou nesses vários complexos distintos.

De forma prática, as paisagens divididas hierarquicamente em unidades integrativas se configuram em instrumento de planejamento e ordenamento do território, dotado de técnicas e suporte teórico que revelam características próprias dos níveis taxonômicos analisados, expondo suas suscetibilidades e potencialidades frente às intervenções humanas.

Nessa perspectiva, Diniz e Oliveira (2018)DINIZ, M. T. M.; OLIVEIRA, A. V. L. C. Mapeamento das unidades de paisagem do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Boletim Goiano de Geografia (Online), Goiânia, v. 38, n. 2, p. 342-364, maio/ago. 2018, tomando como referência o geossistema como categoria de análise e o geocomplexo como unidade taxonômica, conforme apontado por Beroutchachvili e Bertrand (1978)BEROUTCHACHVILI, N. L.; BERTRAND, G. Le geosysteme ou systeme territorial naturel. Revue Géographique des Pyrénés et du Sud-ouest, Toulose, v. 49, n. 2, p. 167-180, 1978., publicaram um mapeamento das unidades de paisagem do estado do Rio Grande do Norte (RN) em três níveis taxonômicos, a saber: Domínios Morfoclimáticos, Regiões Naturais e Geocomplexos.

O artigo publicado por Diniz e Oliveira (2018)DINIZ, M. T. M.; OLIVEIRA, A. V. L. C. Mapeamento das unidades de paisagem do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Boletim Goiano de Geografia (Online), Goiânia, v. 38, n. 2, p. 342-364, maio/ago. 2018 faz parte de uma série de mapeamentos temáticos realizados pelo grupo de pesquisa Geoprocessamento e Geografia Física (LAGGEF/CNPq). A série conta ainda com os trabalhos de Diniz e Pereira (2015)DINIZ, M. T. M.; PEREIRA, V. H. C. Climatologia do estado do Rio Grande Do Norte, Brasil: Sistemas atmosféricos atuantes e mapeamento de tipos de clima. Boletim Goiano de Geografia, Goiânia, v. 35, n. 3, p. 488-506, set./dez. 2015.1 1 Trabalho mais citado do Boletim Goiano de Geografia, na plataforma Google Scholar, em pesquisa realizada em 07 de outubro de 2020. Disponível em: e Diniz et. al. (2017)DINIZ, M. T. M.; OLIVEIRA, G. P.; MAIA, R. P.; FERREIRA, B. Mapeamento geomorfológico do estado do Rio Grande Do Norte. Revista Brasileira de Geomorfologia (Online), São Paulo, v. 18, n. 4, p. 689-701, 2017.2 2 Trabalho mais citado da Revista Brasileira de Geomorfologia, na plataforma Google Scholar, em pesquisa realizada em 07 de outubro de 2020. Disponível em: , que foram base para esse estudo.

No trabalho original (DINIZ; OLIVEIRA, 2018DINIZ, M. T. M.; OLIVEIRA, A. V. L. C. Mapeamento das unidades de paisagem do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Boletim Goiano de Geografia (Online), Goiânia, v. 38, n. 2, p. 342-364, maio/ago. 2018), foram mapeados, para o estado do RN, dois domínios morfoclimáticos e uma área de transição, oito regiões naturais e vinte geocomplexos em escala de 1:250.000. Este artigo, apesar de recente, já se tornou base para estudos de grande vulto, como o Projeto do Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Bacia do Piranhas-Açu (COBRAPE, 2020COBRAPE. Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos. Proposta final do MZPAS e minuta da norma de implantação da bacia do Piranhas-Açu. São Paulo, 2020. Disponível em: < https://www.macrozeepiranhas-acu.com/download >. Acesso em 07 out. 2020.
https://www.macrozeepiranhas-acu.com/dow...
), contratado pelo governo do estado do RN.

Com o decorrer do aprofundamento das pesquisas, especialmente com os avanços de trabalhos de campo necessários às pesquisas de Silva (2018)SILVA, S. D. R. Delimitação de unidades da paisagem do litoral setentrional potiguar e adjacências. 2018. 131 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2018., Bernardino (2019)BERNARDINO, D. S. M. Mapeamento e análise integrada das unidades de paisagem (geofácies) do Seridó Potiguar. 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019. e Souza (2020)SOUZA, A. C. D. Compartimentação das Unidades de Paisagem do Litoral Oriental e Agreste do Rio Grande do Norte, Brasil. 2020. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2020., que realizaram mapeamentos de geofácies em diferentes regiões do estado do RN, em escala de 1:50.000, observou-se: primeiro, a existência de uma nova unidade de paisagem não identificada no mapeamento anterior, um enclave de cerrado, até então não relatado na literatura como tal, e, a reboque, mais uma região natural e dois geocomplexos; segundo, novas ocorrências territoriais de unidades já identificadas no trabalho original; terceiro, novos fatos empíricos que indicaram a carência de um redimensionamento das unidades dos domínios, e, com isso, a supressão/reclassificação de regiões naturais e geocomplexos quanto ao seu táxon imediatamente superior; quarto, a necessidade de refinamento nos limites dos demais geocomplexos, em função do detalhamento escalar; e, por último, a premência de adaptações nas convenções de representação cartográfica.

Desse modo, objetivou-se, neste novo escrito, mapear e analisar o enclave de cerrado presente no território do estado do RN, Brasil, bem como atualizar/refinar o mapa das unidades de paisagem do RN em escala de representação de 1:250.000.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estado do Rio Grande do Norte está localizado no extremo nordeste do Brasil (Figura 1), aproximadamente entre as coordenadas 4°50’S e 6°59’S e 34°58’O e 38°34’O; é um dos nove estados da região Nordeste e limita-se a oeste com o Ceará, ao sul com a Paraíba e a norte e a leste com o Oceano Atlântico. Em 2020, a população estimada para o estado era de 3.534.165 habitantes (IBGE, 2020IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estados@. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/rn.html >. Acesso em: 07 out. 2020.
https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estado...
).

Figura 1
Mapa de localização do estado do Rio Grande do Norte.

Nesta atualização, foi utilizado o mesmo sistema taxonômico do trabalho de Diniz e Oliveira (2018)DINIZ, M. T. M.; OLIVEIRA, A. V. L. C. Mapeamento das unidades de paisagem do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Boletim Goiano de Geografia (Online), Goiânia, v. 38, n. 2, p. 342-364, maio/ago. 2018, ora atualizado, que é o proposto por Bertrand (1972)BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global: esboço metodológico. Tradução Olga Cruz. Caderno de Ciências da Terra. Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo, n. 13, 1972., o qual apresenta, em ordem hierárquica da maior para menor unidade de paisagem: Zona, Domínio, Região Natural, Geocomplexos, Geofácies e Geótopos. Considerando a escala do trabalho e existência de uma única zona climática na área, foram atualizados os mapas de Domínios Morfoclimáticos, Regiões Naturais e Geocomplexos, de acordo com os refinamentos apresentados por Silva (2018)SILVA, S. D. R. Delimitação de unidades da paisagem do litoral setentrional potiguar e adjacências. 2018. 131 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2018., Bernardino (2019)BERNARDINO, D. S. M. Mapeamento e análise integrada das unidades de paisagem (geofácies) do Seridó Potiguar. 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019. e Souza (2020)SOUZA, A. C. D. Compartimentação das Unidades de Paisagem do Litoral Oriental e Agreste do Rio Grande do Norte, Brasil. 2020. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2020., ao realizarem seus mapeamentos de geofácies para diferentes regiões do estado, na escala de 1:50.000.

Foi utilizada a compartimentação dos domínios morfoclimáticos do Brasil por Ab’Saber (2003), com recorte no estado do RN, e os níveis taxonômicos da região natural e os geocomplexos por Diniz e Oliveira (2018)DINIZ, M. T. M.; OLIVEIRA, A. V. L. C. Mapeamento das unidades de paisagem do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Boletim Goiano de Geografia (Online), Goiânia, v. 38, n. 2, p. 342-364, maio/ago. 2018 em escala de 1:250.000. Ademais, foram utilizadas as análises concomitantes dos mapas temáticos do estado de Geologia (ANGELIM; MEDEIROS; NESI, 2006ANGELIM, L. A. A.; MEDEIROS, V. C.; NESI, J. R. Mapa Geológico do Estado do Rio Grande do Norte: Programa Geologia do Brasil - PGB. Projeto Mapa Geológico e de Recursos Minerais do Estado do Rio Grande do Norte. Recife: CPRM/FAPERN, 2006.) em escala 1:500.000, Geomorfologia (DINIZ et al., 2017DINIZ, M. T. M.; OLIVEIRA, G. P.; MAIA, R. P.; FERREIRA, B. Mapeamento geomorfológico do estado do Rio Grande Do Norte. Revista Brasileira de Geomorfologia (Online), São Paulo, v. 18, n. 4, p. 689-701, 2017.) mapeado em escala de 1:250.000, Solos do projeto RADAMBRASIL, folha Jaguaribe Natal, na escala de 1:500.000 (BRASIL, 1981BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Secretaria-Geral, Projeto RADAMBRASIL. Folhas SB. 24/25 Jaguaribe/Natal: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro, 1981.), e Climatologia em 1:500.000 (DINIZ; PEREIRA, 2015DINIZ, M. T. M.; PEREIRA, V. H. C. Climatologia do estado do Rio Grande Do Norte, Brasil: Sistemas atmosféricos atuantes e mapeamento de tipos de clima. Boletim Goiano de Geografia, Goiânia, v. 35, n. 3, p. 488-506, set./dez. 2015.), o qual utilizou-se dados de isoietas da pluviosidade (SUDENE, 1990) para a mudança/decréscimo dos limites dos domínios morfoclimáticos da Mata Atlântica e Agreste, considerando valores acima de 1.200mm/ano.

Na determinação da existência de um “Enclave de Cerrado” na porção NE do estado, utilizou-se, como base, o aporte teórico desenvolvido por Oliveira (2011)OLIVEIRA, A. C. P.; PENHA, A. D. S.; SOUZA, R. F. D.; LOIOLA, M. I. B. Composição florística de uma comunidade savânica no Rio Grande do Norte, Nordeste do Brasil. Acta Botanica Brasilica, v. 26, n. 3, p. 559-569, 2012., o qual realizou uma identificação florística de espécies de cerrado no município de Rio do Fogo (RN), sem, no entanto, propor a delimitação da ocorrência da referida unidade; foram 94 espécies vegetais amostrais, das quais, segundo a bibliografia levantada, 73 estão associadas ao cerrado. Dessas, 69 das espécies registradas encontram-se também na caatinga, 60 no bioma da mata atlântica, 47 na floresta amazônica, 14 no pantanal e 11 nos pampas.

Para a atualização do mapeamento da área, foram utilizadas imagens dos satélites Sentinel-2A e 2B, órbita 52 e 09, respectivamente, Sensor Multispectral Instrument (MSI), adquiridas gratuitamente pelo site do Serviço Geológico dos Estados Unidos da América (USGS), através do site https://earthexplorer.usgs.gov/.

Este satélite dispõe de 13 bandas espectrais que variam de 10 a 60 metros de resolução espacial (Quadro 1), das quais foram utilizadas nesta pesquisa a composição de três bandas espectrais do visível 04, 03 e 02 (R4G3B2), todas com resolução de 10 metros. Após a seleção e aquisição desses produtos orbitais, realizou-se o mosaico de cinco imagens das datas: 30/06/2018 e 31/08/2018, para o Litoral Oriental e Agreste; e quatro imagens para o Seridó Potiguar, de 27/12/2018, consideradas adequadas em função de estarem entre o fim da estação seca e início da estação chuvosa no Seridó (BERNARDINO, 2019BERNARDINO, D. S. M. Mapeamento e análise integrada das unidades de paisagem (geofácies) do Seridó Potiguar. 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.; SOUZA, 2020SOUZA, A. C. D. Compartimentação das Unidades de Paisagem do Litoral Oriental e Agreste do Rio Grande do Norte, Brasil. 2020. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2020.).

Tabela 1
Satélite Sentinel-2: resolução espacial e faixas espectrais.

Essas imagens vêm sendo popularizadas pela comunidade científica nos mapeamentos, principalmente, de análise ambiental e uso e cobertura do solo, por serem disponibilizadas gratuitamente. Além disso, os dois satélites apresentam imagens de monitoramento da área com frequente recorrência.

Segundo a USGS (2019)USGS - United States Geological Survey. USGS EROS Archive - Sentinel-2. Disponível em: < https://www.usgs.gov/centers/eros/science/usgs-eros-archive-sentinel-2?qt-science_center_objects=0#qt-science_center_objects >. Acesso em: 15 de mar de 2019.
https://www.usgs.gov/centers/eros/scienc...
, a missão Sentinel-2 que tem dois satélites em operação, o Sentinel-2A e o Sentinel-2B, tem um ciclo de repetição de 10 dias, com órbita sincronizada com o sol, e fazem a cobertura de todo o território terrestre, com o objetivo de captar aspectos como a vegetação, a cobertura da terra e realizar o monitoramento ambiental devido sua periodicidade.

As imagens de satélite foram processadas em ambiente virtual de Sistemas de Informações Geográficas (SIG), no software ArcGIS (versão acadêmica), realizando o mosaico e os seus tratamentos, como equalização, contraste e brilho, para se evitar transições abruptas entre os quadros. Em seguida, foram criados polígonos para cada feição, os quais foram vetorizados manualmente3 3 Em fase de testes das metodologias, aplicou-se a classificação de Máxima Verossimilhança – MaxVer. No entanto, devido a área de estudos ser bastante diversificada, alguns pixels se mostraram semelhantes e o software foi induzido a classificar algumas classes erroneamente, como, por exemplo, os pixels da área urbanizada e os pixels das diferentes fases da plantação da cana-de-açúcar. Assim, depois de alguns testes, analisou-se que a melhor técnica empregada seria a vetorização manual. .

Além dos mapas temáticos utilizados como base para subsidiar as hipóteses de classificação de cada unidade da paisagem, foi utilizado, como ferramenta de apoio auxiliar, o Google Earth Pro, versão 7.3.3.2776, com vias a identificar as paisagens em uma melhor resolução, visto que este software oferece imagens de satélites multitemporais com resolução espacial de até 50 centímetros, além de outro essencial recurso que a empresa Google dispõe: o street view, permitindo a navegação em grande parte da área, percorrendo rodovias federais, estaduais e algumas estradas. Essa etapa pode ser tratada como uma validação preliminar.

Nas atividades de reconhecimento de campo para cumprir o objetivo de identificar e caracterizar as diferentes unidades de paisagem, primeiramente houve um reconhecimento exploratório do ambiente que seria mapeado, e, posteriormente, utilizou-se o tablet Samsung Galaxy Note 10.1 com o mapa prévio para validação dos resultados, onde foram inseridos os arquivos vetoriais no software Google Earth.

Contou-se, ainda, em campo, com o auxílio de um aparelho Global Navigation Satellite System (GNSS), modelo 79CSX, da marca Garmim, e um Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT), de modelo Phantom 3 Advanced, para registro fotográfico e resolução de dúvidas em locais de difícil acesso.

Após isso, houve o processo de finalização, em gabinete, da revisão dos mapas e a construção de uma discussão teórica e empírica dos resultados da pesquisa.

ATUALIZAÇÃO DO MAPEAMENTO DAS UNIDADES DE PAISAGEM DO RIO GRANDE DO NORTE

Com o refinamento dos estudos apresentados, para alcançar os objetivos da classificação e mapeamento dos geofácies do litoral oriental e agreste do RN, Souza (2020)SOUZA, A. C. D. Compartimentação das Unidades de Paisagem do Litoral Oriental e Agreste do Rio Grande do Norte, Brasil. 2020. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2020. identificou subsídios para a alteração dos limites dos domínios morfoclimáticos, havendo assim uma nova definição da área, onde reduziu-se a abrangência territorial do “Domínio dos Mares de Morros Florestados” ou “Domínio da Mata Atlântica”.

Observou-se, em campo, que as características predominantes nas paisagens como a vegetação, são respostas de ações do clima e seus elementos (ex. pluviosidade), e uma parte do território classificado anteriormente como Domínio da Mata Atlântica não corresponde a vegetação predominante deste domínio, sendo parte, na realidade da “área de transição (Agreste)”. Assim, o Agreste na delimitação ora apresentada tem um mapeamento com áreas mais extensas do que o mapeado anteriormente.

No novo mapeamento, foi definido um recorte, considerando valores acima de 1.200 mm/ano, para o “Domínio da Mata Atlântica”, pois apenas nas áreas com chuvas acima dessa média anual que pôde-se encontrar a floresta ombrófila, chamada Mata Atlântica. No estudo anterior, o limite do “Domínio da Mata Atlântica” estava mapeado em áreas com precipitação superior aos 1.000 mm/ano. Desse modo, após esta atualização, a área de transição onde ocorrem espécies do domínio das caatingas e do domínio da mata atlântica, este ecótono, encontra-se delimitado entre as isoietas de 800 e 1.200 mm/ano, no setor oriental do RN.

De modo relevante, foi identificado um enclave fitogeográfico. Assim, uma área que anteriormente esteve mapeada, em parte, no “Domínio das Caatingas”, parte no “Domínio da Mata Atlântica” e parte no “Agreste”, foi identificada como Enclave de Cerrado.

O cerrado é um domínio morfoclimático típico do Brasil Central, que domina especialmente terrenos de solos bastante lixiviados, especialmente latossolos, no Planalto Central, colocando, assim, sua ocorrência no RN sob o caráter de enclave. Portanto, o Rio Grande do Norte apresenta dois domínios morfoclimáticos, uma área de transição e um enclave (Figura 2). Logo, ressalta-se que estas duas últimas unidades não são domínios (AB’SABER, 2003AB’SÁBER, A. N. Os Domínios de Natureza do Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.), mas implicam ser representadas no mapa dos domínios pela compatibilidade escalar.

Figura 2
Mapa dos Domínios Morfoclimáticos do estado do Rio Grande do Norte.

O estado do RN continua tendo em seu território a classificação de oito regiões naturais, mesmo com a atualização do mapeamento. Ocorreu que, com a mudança na isoieta que delimita “Agreste” e “Domínio da Mata Atlântica”, houve, a um só tempo, um decréscimo, no somatório de regiões naturais, com a reclassificação da unidade “Depressões úmidas”, que teve sua área territorial incorporada às “Depressões do Agreste”, e um acréscimo, com a individualização da região natural “Planícies e Tabuleiros do Enclave de Cerrado”, devido ao reconhecimento deste enclave, cuja única região natural é justamente essa (Figura 3). Essa mesma modificação nos limites dos domínios provocou, também, uma alteração na área total da região natural “Planícies e tabuleiros sedimentares úmidos e subúmidos”, uma vez que uma parcela passou, agora, a pertencer à circunscrição das “Planícies e tabuleiros do Agreste”.

Figura 3
Mapa das Regiões Naturais do estado do Rio Grande do Norte

O mapeamento do Enclave de Cerrado também fez essa unidade incorporar um pequeno trecho, antes pertencente ao “Domínio das Caatingas”, que, no táxon da região natural, consistia em parte da unidade “Planaltos sedimentares”, e, no táxon dos geocomplexos, compreendia uma parcela dos “Tabuleiros Interiores”; agora, estão abarcados pela região natural “Planícies e Tabuleiros do Enclave de Cerrado”.

Acerca dos geocomplexos, no mapeamento inicial, foram identificadas vinte unidades de paisagem. Com os últimos avanços nas pesquisas, excluiu-se a “Depressão úmida”, que passou a fazer parte da “Depressão do Agreste Potiguar”, e inseriu-se “Planícies Fluviais do Enclave de Cerrado” e “Tabuleiro no Enclave de Cerrado” que, no mapeamento de 2018, estavam mapeados como “Tabuleiros do agreste potiguar”. Desse modo, foram classificados vinte e um geocomplexos para o estado do RN.

A tabela 2 apresenta essa atualização das compartimentações e suas respectivas áreas territoriais de abrangência.

Tabela 2
Unidades de paisagem atualizadas e suas respectivas áreas de abrangência.

Em seguida, apresenta-se o novo material cartográfico da delimitação das unidades de paisagem (geocomplexos) do Rio Grande do Norte (Figura 4).

Figura 4
Mapa dos Geocomplexos do estado do Rio Grande do Norte.

As atualizações das circunscrições, novos dimensionamentos, criação e exclusão de unidades estão revisados, a seguir, na Tabela 3, assim como questões relacionadas à representação cartográfica. As alterações de dimensão resultantes do refino dos limites das unidades foram desconsideradas nesse quadro, por representarem contabilizações ínfimas (de ordem inferior a 100km2), ainda que estejam atualizadas nos dados dos arquivos shapefiles mais recentes e na plotagem cartográfica ora apresentada. O mesmo ocorreu para a perda de área, nas unidades, ocasionada pelo mapeamento mais detalhado de corpos hídricos.

Tabela 3
Síntese das modificações e atualizações propostas no novo mapeamento de Unidades de Paisagem do Rio Grande do Norte, em relação ao original de Diniz e Oliveira (2018)DINIZ, M. T. M.; OLIVEIRA, A. V. L. C. Mapeamento das unidades de paisagem do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Boletim Goiano de Geografia (Online), Goiânia, v. 38, n. 2, p. 342-364, maio/ago. 2018.

É importante ressaltar, do mesmo modo, que alterações em unidades inferiores causam modificação nas unidades superiores, assim como o inverso, por se tratar de um sistema de classificação hierárquica e taxonômica, no qual as unidades formam-se da junção ou ramificação delas próprias, isto é, ou por agrupamento (Upscaling ou bottom-up) ou por subdivisão lógica (Downscaling ou top-down) (Cf. CORRÊA, 1986CORRÊA, R. L. Região: um conceito complexo. In: ____. Região e Organização Espacial. São Paulo: Editora Ática, 1986. 1. ed. p. 22-50.; CAVALCANTI; CORRÊA, 2013CAVALCANTI, L. C. S.; CORRÊA, A. C. B. Problemas de hierarquização espacial e funcional na ecologia da paisagem: uma avaliação a partir da abordagem geossistêmica. Geosul, Florianópolis, v. 28, n. 55, p 143-162, jan./jun. 2013.) — a metodologia aplicada neste mapeamento fez uso, inicialmente, de uma trajetória descendente (divisão lógica)4 4 Segundo Corrêa (1986, p. 11), “A divisão lógica, na medida em que é um procedimento de trajetória descendente, procura diferenciações entre os lugares, enquanto o agrupamento, ascendente, procura regularidades. E diferenciações e regularidades são meios complementares de se conhecer a realidade”. , a partir das diferenciações de áreas, e aprimorada, na atualização, ascendentemente. Assim, nas menções da tabela abaixo, procurou-se não pontuar as implicações ocasionadas em mais de uma escala que estivessem relacionadas a uma só atualização/modificação, para não incorrer em redundâncias.

A Tabela 3 pontuou que foi identificada uma nova área do geocomplexo dos “Tabuleiros Interiores” na parte centro-sul do estado. Esta ocorrência se dá na região popularmente conhecida por Seridó, não em arenitos da Série Barreiras, como no resto do estado, mas em um depósito colúvio-eluvial neogênico de sedimentos arenosos inconsolidados com idade pouco mais recente que o Barreiras (BERNARDINO, 2019BERNARDINO, D. S. M. Mapeamento e análise integrada das unidades de paisagem (geofácies) do Seridó Potiguar. 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.). Estes sedimentos têm boa drenagem, o que dificulta o escoamento superficial e atenua os processos erosivos na área. A erosão diferencial entre estes tabuleiros e as áreas cristalinas circundantes provocou o aparecimento de pequenas escarpas entre o tabuleiro, de relevo de plano a suave ondulado, e os Sertões do Piranhas que o bordejam.

Por último, houve alterações na paleta de cores utilizada para representar as diferentes unidades, nos diferentes táxons. Em suma, convencionou-se, com o trabalho anterior (DINIZ; OLIVEIRA, 2018DINIZ, M. T. M.; OLIVEIRA, A. V. L. C. Mapeamento das unidades de paisagem do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Boletim Goiano de Geografia (Online), Goiânia, v. 38, n. 2, p. 342-364, maio/ago. 2018), que a escala corocromática das regiões naturais traz uma primeira base de matizes a serem usadas para a representação das subdivisões internas provocadas pela individualização dos geocomplexos. Nestas convenções, os geofácies, por sua vez, seriam representados estritamente pelas variações no valor tonal (também conhecido por luminosidade ou brilho) de cada cor (“tom” ou “tonalidade”) que simboliza o seu respectivo geocomplexo. Assim, ao invés de adotar uma simbologia com hachuras, por exemplo, fez-se uso de uma escala cromática (gradiente), com base na paleta corocromática dos geocomplexos.

No entanto, nos trabalhos de Bernardino (2019)BERNARDINO, D. S. M. Mapeamento e análise integrada das unidades de paisagem (geofácies) do Seridó Potiguar. 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019. e Souza (2020)SOUZA, A. C. D. Compartimentação das Unidades de Paisagem do Litoral Oriental e Agreste do Rio Grande do Norte, Brasil. 2020. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2020., percebeu-se que havia tons/cores muito próximos utilizados para representar mais de um geocomplexo, e, assim, ao variar a luminosidade, especialmente nas unidades que possuíam muitos geofácies, se chegava a cores similarmente já aplicadas para simbolizar fácies de outros geocomplexos, o que prejudicava a leitura e interpretação do mapa. Com isso, nesses próprios trabalhos, foram propostas alterações na coloração dos geocomplexos Tabuleiros Costeiros Úmidos e Planaltos Cristalinos Residuais e Estruturais, sintetizados na tabela anterior.

Para além destes, como surgiu uma nova unidade no táxon domínio (Enclave de Cerrado), e, assim, por conseguinte, nas regiões naturais e geocomplexos, ocorreram acréscimos nas suas paletas de cores, como apontado igualmente na tabela 3.

O ENCLAVE DE CERRADO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

O conceito de enclave, definido por Ab’Saber (2003), consiste em “manchas de ecossistemas típicos de outras províncias, porém encravadas no interior de um domínio de natureza totalmente diferente” (AB’SÁBER, 2003, p. 145AB’SÁBER, A. N. Os Domínios de Natureza do Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.). Ou seja, trata-se de uma área com características de ecossistemas de outros domínios de natureza, como por exemplo o enclave de caatingas nos Mares e Morros do Sudeste e o cerrado na Floresta Amazônica. E, agora, identificada a mancha de cerrado no RN, entre os ecossistemas de Restinga (no Domínio dos “Mares de Morros” Florestados) e caatingas do estado, esta delimitação se deu graças aos avanços da pesquisa de Souza (2020)SOUZA, A. C. D. Compartimentação das Unidades de Paisagem do Litoral Oriental e Agreste do Rio Grande do Norte, Brasil. 2020. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2020..

No RN, o cerrado se apresenta como enclave com aspectos na fisionomia visivelmente diferenciados quanto à vegetação típica das caatingas e da mata atlântica (que caracterizam os dois domínios morfoclimáticos presentes no estado). O enclave circunscreve solos arenosos e bastante pobres de nutrientes, nos terrenos de paleodunas presentes no extremo nordeste do estado. Além disso, tem vegetação herbácea e esparsa (Figura 5).

Figura 5
Área de fisionomia de cerrado nos geocomplexos “Planícies Fluviais no Enclave de Cerrado” (A) “Tabuleiros do Enclave de Cerrado” (B e C).

Baseando-se na teoria de Ab’Sáber (2003)AB’SÁBER, A. N. Os Domínios de Natureza do Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003., é possível inferir que o enclave de cerrado no estado do RN é resultante de variações climáticas durante o Quaternário. Em um momento de clima mais seco, as áreas de cerrado teriam avançado pelo litoral oriental do Brasil em terras que hoje são ocupadas por mata atlântica ou restingas. Após o retorno ao clima atual, os cerrados recuaram, mas, nesse setor de solos lixiviados de paleodunas no nordeste do RN, eles permaneceram como enclave.

Este enclave abrange cinco municípios norte-rio-grandenses: Ceará-mirim, Maxaranguape, Rio do Fogo, Pureza e Touros, e comporta uma única região natural, denominada “Planícies e Tabuleiros do Enclave de Cerrado” e mais dois geocomplexos: “Tabuleiros do Enclave de Cerrado” e “Planícies Fluviais do Enclave de Cerrado”.

Os “Tabuleiros do Enclave de Cerrado” têm área total de 671,55 km² e fisionomia consistindo de árvores de galhos retorcidos, tendo indivíduos de porte arbustivo, espaçados, além de gramíneas (Figura 6). Estão presentes em uma menor área desta região natural atividades econômicas de agricultura permanente e temporária.

Figura 6
Fisionomia de Cerrado nos Tabuleiros.

Nos tabuleiros, há um parque eólico com 54 aerogeradores no município de Ceará-Mirim. Mas, em geral, estes tabuleiros estão em terrenos de paleodunas, com Neossolos Quartzarênicos bastante lixiviados e pobres em nutrientes, o que dificulta culturas agrícolas, razão pela qual estes cerrados do RN têm extensas áreas preservadas.

As planícies fluviais do Enclave de Cerrado têm área de 63,39 km² e apresentam, como principais características, os canais que perpassam este enclave pelos municípios de Touros, Pureza, Rio do Fogo, Maxaranguape e Ceará-mirim. Tratam-se de rios de pequeno porte (Punaú e Maxaranguape) que cortam o enclave de cerrado. As paisagens recorrentes em suas margens têm atividades de agricultura temporária: feijão, mandioca, milho e melancia; e, agricultura permanente: côco, banana, abacate, caju, goiaba e manga.

CONCLUSÃO

A atualização da classificação de unidades de paisagens do Rio Grande do Norte ora apresentada ocorreu baseada em trabalhos de campo, reflexão dos dados em gabinete advindas de um detalhamento maior na escala de análise, a partir de pesquisas realizadas no âmbito das dissertações de mestrado de Silva (2018)SILVA, S. D. R. Delimitação de unidades da paisagem do litoral setentrional potiguar e adjacências. 2018. 131 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2018., Bernardino (2019)BERNARDINO, D. S. M. Mapeamento e análise integrada das unidades de paisagem (geofácies) do Seridó Potiguar. 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019. e Souza (2020)SOUZA, A. C. D. Compartimentação das Unidades de Paisagem do Litoral Oriental e Agreste do Rio Grande do Norte, Brasil. 2020. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2020., permitindo, assim, avançar cientificamente ao apresentar novos dados na identificação e delimitação de importantes áreas antes desconhecidas no âmbito dos estudos da paisagem integrada.

Destacam-se onze pontos modificando os resultados obtidos anteriormente com a atualização da classificação dessas unidades de paisagem para o estado do RN; ressalta-se: a nova delimitação para os táxons dos domínios morfoclimáticos, regiões naturais e geocomplexos, devido à reclassificação utilizando como critério isoietas de pluviosidade diferentes do mapeamento anterior (de 1.000 mm para 1.200 mm) e refinamento do mapeamento; a inserção de um enclave (de cerrado); nas regiões naturais, houve a incorporação da área anteriormente tratada por “Depressões úmidas” à unidade “Depressão do Agreste Potiguar” e acréscimo de uma nova unidade, as “Planícies e tabuleiros do Enclave de Cerrado”; nos geocomplexos, houve a exclusão da unidade “Depressão úmida” e inserção das unidades “Planícies fluviais do Enclave de Cerrado” e “Tabuleiros no Enclave de Cerrado”, sendo, assim, reclassificados para o estado 21 geocomplexos; também ocorreram mudanças de cores utilizadas em dois geocomplexos (Tabuleiros Costeiros Úmidos e Planaltos Cristalinos Residuais e Estruturais).

Espera-se, com isso, que este mapeamento seja incorporado às pesquisas acadêmicas realizadas no estado, servindo como base para o estudo de pesquisas em diversas áreas, não se restringindo ao campo da Geografia. Também se expecta que, nos próximos anos, surjam avanços de pesquisas mais específicas direcionadas ao Enclave de Cerrado, sendo esta área ainda pouco conhecida pela comunidade científica, a qual trata a “inovação” que a ciência reclama há séculos.

NOTAS

  • 1
    Trabalho mais citado do Boletim Goiano de Geografia, na plataforma Google Scholar, em pesquisa realizada em 07 de outubro de 2020. Disponível em:
  • 2
    Trabalho mais citado da Revista Brasileira de Geomorfologia, na plataforma Google Scholar, em pesquisa realizada em 07 de outubro de 2020. Disponível em:
  • 3
    Em fase de testes das metodologias, aplicou-se a classificação de Máxima Verossimilhança – MaxVer. No entanto, devido a área de estudos ser bastante diversificada, alguns pixels se mostraram semelhantes e o software foi induzido a classificar algumas classes erroneamente, como, por exemplo, os pixels da área urbanizada e os pixels das diferentes fases da plantação da cana-de-açúcar. Assim, depois de alguns testes, analisou-se que a melhor técnica empregada seria a vetorização manual.
  • 4
    Segundo Corrêa (1986, p. 11)CORRÊA, R. L. Região: um conceito complexo. In: ____. Região e Organização Espacial. São Paulo: Editora Ática, 1986. 1. ed. p. 22-50., “A divisão lógica, na medida em que é um procedimento de trajetória descendente, procura diferenciações entre os lugares, enquanto o agrupamento, ascendente, procura regularidades. E diferenciações e regularidades são meios complementares de se conhecer a realidade”.

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa foi realizada com apoio do Laboratório de Geoprocessamento e Geografia Física do Centro de Ensino Superior do Seridó – CERES, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LAGGEF/UFRN). Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade em pesquisa do primeiro autor; agradecem à Coordenação para Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) – Código de Financiamento 001 pelas bolsas de mestrado concedidas à segunda autora e terceiro e quinto autores; agradecem à CAPES também pelas bolsas de doutorado concedidas à segunda e quarta autoras e ao quinto autor.

REFERÊNCIAS

  • AB’SÁBER, A. N. Os Domínios de Natureza do Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
  • ANGELIM, L. A. A.; MEDEIROS, V. C.; NESI, J. R. Mapa Geológico do Estado do Rio Grande do Norte: Programa Geologia do Brasil - PGB. Projeto Mapa Geológico e de Recursos Minerais do Estado do Rio Grande do Norte. Recife: CPRM/FAPERN, 2006.
  • BERNARDINO, D. S. M. Mapeamento e análise integrada das unidades de paisagem (geofácies) do Seridó Potiguar. 2019. 201 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.
  • BEROUTCHACHVILI, N. L.; BERTRAND, G. Le geosysteme ou systeme territorial naturel. Revue Géographique des Pyrénés et du Sud-ouest, Toulose, v. 49, n. 2, p. 167-180, 1978.
  • BERTRAND, G. Paisagem e geografia física global: esboço metodológico. Tradução Olga Cruz. Caderno de Ciências da Terra. Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo, n. 13, 1972.
  • BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Secretaria-Geral, Projeto RADAMBRASIL. Folhas SB. 24/25 Jaguaribe/Natal: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro, 1981.
  • CAVALCANTI, L. C. S.; CORRÊA, A. C. B. Problemas de hierarquização espacial e funcional na ecologia da paisagem: uma avaliação a partir da abordagem geossistêmica. Geosul, Florianópolis, v. 28, n. 55, p 143-162, jan./jun. 2013.
  • COBRAPE. Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos. Proposta final do MZPAS e minuta da norma de implantação da bacia do Piranhas-Açu. São Paulo, 2020. Disponível em: < https://www.macrozeepiranhas-acu.com/download >. Acesso em 07 out. 2020.
    » https://www.macrozeepiranhas-acu.com/download
  • CORRÊA, R. L. Região: um conceito complexo. In: ____. Região e Organização Espacial. São Paulo: Editora Ática, 1986. 1. ed. p. 22-50.
  • DINIZ, M. T. M.; OLIVEIRA, A. V. L. C. Mapeamento das unidades de paisagem do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Boletim Goiano de Geografia (Online), Goiânia, v. 38, n. 2, p. 342-364, maio/ago. 2018
  • DINIZ, M. T. M.; OLIVEIRA, G. P.; MAIA, R. P.; FERREIRA, B. Mapeamento geomorfológico do estado do Rio Grande Do Norte. Revista Brasileira de Geomorfologia (Online), São Paulo, v. 18, n. 4, p. 689-701, 2017.
  • DINIZ, M. T. M.; PEREIRA, V. H. C. Climatologia do estado do Rio Grande Do Norte, Brasil: Sistemas atmosféricos atuantes e mapeamento de tipos de clima. Boletim Goiano de Geografia, Goiânia, v. 35, n. 3, p. 488-506, set./dez. 2015.
  • IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estados@. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/rn.html >. Acesso em: 07 out. 2020.
    » https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/rn.html
  • OLIVEIRA, A. C. P.; PENHA, A. D. S.; SOUZA, R. F. D.; LOIOLA, M. I. B. Composição florística de uma comunidade savânica no Rio Grande do Norte, Nordeste do Brasil. Acta Botanica Brasilica, v. 26, n. 3, p. 559-569, 2012.
  • SILVA, S. D. R. Delimitação de unidades da paisagem do litoral setentrional potiguar e adjacências. 2018. 131 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2018.
  • SOUZA, A. C. D. Compartimentação das Unidades de Paisagem do Litoral Oriental e Agreste do Rio Grande do Norte, Brasil. 2020. 183 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, Natal, 2020.
  • USGS - United States Geological Survey. USGS EROS Archive - Sentinel-2. Disponível em: < https://www.usgs.gov/centers/eros/science/usgs-eros-archive-sentinel-2?qt-science_center_objects=0#qt-science_center_objects >. Acesso em: 15 de mar de 2019.
    » https://www.usgs.gov/centers/eros/science/usgs-eros-archive-sentinel-2?qt-science_center_objects=0#qt-science_center_objects

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2022
  • Aceito
    08 Maio 2022
  • Publicado
    15 Ago 2022
Universidade Federal do Ceará UFC - Campi do Pici, Bloco 911, 60440-900 Fortaleza, Ceará, Brasil, Tel.: (55 85) 3366 9855, Fax: (55 85) 3366 9864 - Fortaleza - CE - Brazil
E-mail: edantas@ufc.br