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A dança circular na resolução de situações-problema em aulas de Educação Física

The circular dance in the resolution of problem situations in Physical Education classes

Resumos

Entender como o ser humano se organiza é tão complexo quanto entender como a Natureza interage com essa organização. A dança compreende uma das mais antigas atividades humanas cujas origens se confundem com a origem da própria humanidade, o que remete à época em que o homem vivia em estreita relação com a natureza. Nosso trabalho consistiu em realizar inferências sobre o processo de auto-organização do comportamento de crianças quando colocadas para solucionar situações-problema no contexto das danças circulares. Realizamos atividades que contassem com situações da dança circular utilizando materiais como: elástico, tecido, jornal, papel pardo, giz de cera. Através das danças circulares percebemos como a organização aparece e desaparece de forma muito dinâmica. É importante assinalar que o processo de constituição de um grupo dançante não é linear. Tal qual a roda, que vai e vem, requer tempo para girar num ritmo compassado, sintonizado, centrado.

Educação Física Escolar; Dança Circular; Auto-organização


Understanding how the human being is organized is as complex as understanding how nature interacts with that organization. The dance comprises one of the oldest human activities whose origins are intertwined with the origin of humanity itself, which refers to the time when man lived in close relationship with nature. Our job was to make inferences about the process of self-organization of the behavior of children when asked to solve problem situations in the context of circle dances. We count on activities that situations dance move using materials such as rubber, cloth, paper, brown paper, crayons. Through the circular dances we see how the organization appears and disappears very dynamic. It is important to note that the process of forming a group dance is not linear. Like the wheel, which comes and goes, requires time to turn in a paced rhythm, tune, centered.

Physical Education; Circular Dance; Self-organization


RELATO DE EXPERIÊNCIA

A dança circular na resolução de situações-problema em aulas de Educação Física

The circular dance in the resolution of problem situations in Physical Education classes

Sammia Smirna Freitas Teixeira; Maurício Teodoro de Souza

Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Endereço Endereço: Sammia Smirna Freitas Teixeira Universidade da Cidade de São Paulo Rua Loreto, 254 São Paulo SP Brasil 04152-130 Telefone: (11) 9756-6933 e-mail: sammia_smirna@hotmail.com

RESUMO

Entender como o ser humano se organiza é tão complexo quanto entender como a Natureza interage com essa organização. A dança compreende uma das mais antigas atividades humanas cujas origens se confundem com a origem da própria humanidade, o que remete à época em que o homem vivia em estreita relação com a natureza. Nosso trabalho consistiu em realizar inferências sobre o processo de auto-organização do comportamento de crianças quando colocadas para solucionar situações-problema no contexto das danças circulares. Realizamos atividades que contassem com situações da dança circular utilizando materiais como: elástico, tecido, jornal, papel pardo, giz de cera. Através das danças circulares percebemos como a organização aparece e desaparece de forma muito dinâmica. É importante assinalar que o processo de constituição de um grupo dançante não é linear. Tal qual a roda, que vai e vem, requer tempo para girar num ritmo compassado, sintonizado, centrado.

Palavras-chave: Educação Física Escolar; Dança Circular; Auto-organização.

ABSTRACT

Understanding how the human being is organized is as complex as understanding how nature interacts with that organization. The dance comprises one of the oldest human activities whose origins are intertwined with the origin of humanity itself, which refers to the time when man lived in close relationship with nature. Our job was to make inferences about the process of self-organization of the behavior of children when asked to solve problem situations in the context of circle dances. We count on activities that situations dance move using materials such as rubber, cloth, paper, brown paper, crayons. Through the circular dances we see how the organization appears and disappears very dynamic. It is important to note that the process of forming a group dance is not linear. Like the wheel, which comes and goes, requires time to turn in a paced rhythm, tune, centered.

Key Words: Physical Education, Circular Dance, Self-organization.

Introdução

Na busca de compreensão sobre a Cultura do Movimento e sua manifestação na Educação Física, temos verificado que não é possível estabelecermos um raciocínio apenas a partir do humano, mas sim, a partir de uma organização maior, a qual poderá estar estabelecendo uma relação dinâmica entre os fenômenos da natureza. Nesta perspectiva, somos parte da expressão de um movimento muito maior e que estamos ligados a essa energia que se move em alguma direção que desconhecemos.

Assim, entender como o ser humano se organiza é tão complexo quanto entender como a Natureza interage com essa organização, que está sempre em movimento, assim como o ser humano. Essa ligação é um fenômeno que contraria a ciência que fragmentou os conhecimentos, separando as partes, o homem da Natureza, como se um não interagisse com o outro. Visualizando como uma nova abordagem da ciência, este modo de pensar traz discussões sobre a desordem, o caos, a complexidade, caracterizando-se pelo pensamento não linear e irreversível tendo como ponto de partida a desorganização gerada por estruturas dissipativas, microscópicas, que geram entropia nos sistemas levando-os a um estado de desordem.

Pensar nesse padrão significa pensar um processo estabelecendo uma relação que gera um desequilíbrio ou desorganização na Natureza que, constantemente, está sendo pressionada a se auto-organizar. Olhar a natureza sob este paradigma significa buscar compreender a complexidade da organização da vida, e tentar entender que o que possivelmente conseguiremos será perceber, cada vez mais, o entrelaçamento da rede que é estabelecida no universo. Esta visão permite entender o comportamento corporal como manifestação do processo de inter-relação e interdependência entre o ser humano e o meio, revelando a capacidade humana de auto-organização.

A dança compreende uma das mais antigas atividades humanas, cujas origens se confundem com a origem da própria humanidade, estando presente, desde tempos imemoriais, na tradição de diversos povos e culturas, o que remete à época em que o homem vivia em estreita relação com a natureza (OLIVEIRA et. al, 2002). Ainda segundo Ostetto (2005), mais do que expressão e celebração da íntima relação entre homem e natureza, a dança evoca nas suas origens um caráter comunitário, ligado a todos os aspectos da sobrevivência do grupo.

As Danças Circulares relembram o tempo em que dançar era celebração, participação, encontro e reafirmação da vida. Elas proporcionam recuperar a dança como comunhão e transcendência, quando o homem, por meio do movimento do seu próprio corpo, da música e da repetição de passos comunga com a essência, o indivisível, o espiritual, o sagrado, reafirmando a vida (OSTETTO, 2005). Com isso podem estabelecer ligação com o universo, religando-se a origem de todas as coisas.

As danças circulares, em sua organização, permite que seja eliminada a hierarquia, de modo que os participantes se reconheçam enquanto partes igualmente necessárias para a constituição harmoniosa do todo, contribuindo enquanto instrumento de ampliação da consciência individual e grupal. (OLIVEIRA et. al, 2002). No círculo se trabalha o equilíbrio entre o indivíduo e o coletivo.

Ehrenberg e Gallardo (2005) defendem que as danças a serem trabalhadas nas aulas de Educação Física devem possibilitar interpretações e (re) criações do que já se tem constituído. Entendendo a dança como manifestação do movimento humano, podemos compreendê-la como uma manifestação da capacidade do organismo humano em demonstrar sua auto-organização, ou seja, uma resposta humana aos diversos contextos com que mantêm contato durante a vida. Isto pode significar que a ordem universal manifesta-se por meio da entropia, o que causa mudanças de estado no universo, ordem e desordem, provocando situações que podem ser denominadas de situações-problema e requerem dos seres vivos uma capacidade de solucionar tais problemas (SOUZA, 2001,2002).

É preciso experimentar a desordem do corpo. Cria-se uma ordem e, a cada descoberta, um outro sentido foi estabelecido, mudando todas as outras coisas. Seguindo o pensamento de Assmann (1998), se não ocorre a mudança de atitude, não ocorre o aprendizado.

Para Almeida (2005), a dança nos leva a uma integração entre o corpo, o físico e a emoção. Por meio das danças podemos nos sintonizar com o outro e com o ritmo da vida; podemos perceber um pulsar universal e observar o que nos conecta com este todo. Podemos observar, ainda, que tudo na vida envolve o ritmo, que é um dos grandes fenômenos e que tudo na natureza expressa um ritmo perfeito: os planetas com seus giros e suas órbitas, os dias e as noites, as fases da lua, as marés, as estações do ano, os batimentos cardíacos, o fluxo da nossa respiração, o nosso andar regular, os nossos comportamentos alternados – tensão e distensão, atenção e dispersão, atividade e passividade. "Tudo na matéria vibra ritmicamente, e quanto mais aprofundamos para o interior das moléculas, descobrimos partículas "dançantes e menores" que são os prótons, pósitrons, elétrons, nêutrons, quarks." (FREGTMAN apud ALMEIDA, 2005, p.37).

Ao pensarmos em uma educação crítica na área de dança, que nos permita ver/sentir/perceber, claramente, amplamente e profundamente, não podemos deixar de analisar suas múltiplas relações com a sociedade em que vivemos. Ao contrario de uma visão histórica ingênua de que a dança não passa de "passinhos", hoje não podemos mais ignorar o papel social, cultural e político do corpo em nossa sociedade, portanto, da dança (MARQUES, 1997).

Nosso trabalho consiste em realizar inferências sobre o processo de auto-organização do comportamento de crianças quando colocadas para solucionar situações-problema no contexto das danças circulares.

Metodologia

Os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa caracterizaram-se quanto ao tipo, como combinação de pesquisa bibliográfica e exploratória, supondo o estabelecimento do referencial teórico e a observação do pesquisador em instituição de ensino (LAKATOS, 1987). O método de abordagem é realizado com base nos princípios da Teoria dos Sistemas Complexos. O paradigma da Teoria da Complexidade tem suas raízes na compreensão dos fenômenos não lineares, que geram um processo de desordem, que em sistemas abertos podem ser geradores de auto-organização (MORIN, 1997; PRIGOGINE, 1996).

a) Tipo de Pesquisa: descritiva-qualitativa, para melhor compreender as semelhanças e diferenças das situações-problema, desse modo, possibilitando melhor interpretação.

b) Amostra: crianças da 1ª série do ensino básico da Escola Estadual Carlos Escobar, Zona Leste de São Paulo, no período de 13 de abril a 18 de maio de 2009, em dois encontros semanais com uma hora de duração. O número de crianças não foi determinado a priori, mas sim, a decorrência da repetição das ações descritas durante a busca de uma interpretação profunda do fenômeno. Durante a pesquisa não houve variação dos sujeitos, porém, quanto número de participantes, ocorreu variação em cada encontro.

c) Técnica: participante observador, onde, segundo Negrine (in NETO e TRIVINOS, 1999), o pesquisador participa dos acontecimentos, registrando as informações depois dos acontecimentos. Observação direta, sistemática das aulas de educação física escolar, com o registro escrito e com o auxílio da filmagem da atividade motora.

d) Atividades: situações da dança circular utilizando materiais como: elástico, tecido, jornal, papel pardo, giz de cera. Buscando uma simbologia para a realização dessas danças.

e) Análise: interpretação das informações coletadas

Descrição e Interpretação das Vivências

O maior desafio deste trabalho era ensinar uma dança circular sem fazer a demonstração da sua coreografia. Para isso, buscamos aproximá-los, por meio de brincadeiras infantis, do vocabulário corporal para que a dança acontecesse. Utilizamos somente músicas do repertório das danças circulares, as vezes como fundo musical, e outras como atividade principal.

A turma foi escolhida pela direção da escola, sendo a primeira série "A", com cerca de 30 crianças, porém, durante os encontros muitos faltavam, e outros preferiam ficar no pátio brincando, uma vez que sua participação não era obrigatória. Portanto, houve variação no número de participantes durante toda a pesquisa.

Nossa primeira atividade foi uma brincadeira infantil "escravos de Jó", feita em roda, onde passamos objetos, fazendo um ciclo. Todos voltados para o centro da roda. Mas, nesse primeiro dia, ela não aconteceu. A desordem e problemas de comportamento interferiram diretamente na atividade, impedindo que ela acontecesse. Além disso, algumas crianças não estavam à vontade com a roda, uma das crianças ficou a maior parte do tempo fora dela e, por diversas vezes, fizeram grupos isolados, virando de costas para algum colega que estava ao seu lado e modificando a roda.

Percebemos que, para realizar o trabalho, precisaríamos antes: construir a roda; descobrir a cultura corporal das crianças; experimentar a dança circular.

a) Construindo a Roda:

Estar em roda é mais do que uma forma de organização, em que os professores insistem em colocar as crianças, é estar à mostra, é saber que está sendo visto, observado, e observando a todos que estão nela. Para Ostetto (2005), como no espaço circular, todos aparecem, torna-se um exercício de alteridade.

Segundo Julien (1993), o simbolismo do círculo exprimiu a tripla noção da vida em evolução perpétua, do tempo e da divindade. Se o centro é o ponto de onde parte o movimento e, por extensão, a vida, o círculo é o desenvolvimento do ponto central, o qual é a extensão em todos os sentidos, o retorno constante do tempo, das estações, da vida, da morte, do dia, da noite... Implica a idéia de movimento e representa o ciclo do tempo, o movimento perpétuo de tudo o que se move, os planetas em torno do sol (círculo do zodíaco) que se projeta nos templos circulares, a arena, o circo, a dança circular. Complementando, conforme Jaffé, (s/d, apud OSTETTO, 2005), na geometria sagrada o quadrado representa a matéria, o fenômeno, a estabilidade e a solidez, enquanto o círculo representa o espírito, a essência, a transcendência.

Comportando um ponto central, o círculo é a representação do "ser manifestado", evocando o conceito de ordem, de cosmo, de harmonia, parecendo-se com a roda. Para tentar tornar essa experiência um pouco mais confortável, nossas atividades tinham como forma principal a roda. Usamos a roda para iniciar a aula, nas brincadeiras, nas atividades, nas danças.

As mãos dadas também foram um exercício de respeito e confiança entre eles. Como nos explica Ostetto (2005), a posição das mãos e dos braços carregam simbologias distintas. Antes de qualquer movimento, no ato de juntar as mãos entre si, os dançarinos formam um campo de energia que circula no grupo pela posição das mãos: uma com a palma para baixo – simbolizando o dar, e outra para cima – simbolizando o receber. Essa é também a posição das mãos dos dervixes na sua dança do giro, à direita em direção ao alto, com a palma para cima e a esquerda direcionada ao chão, com a palma para baixo, sendo o corpo o eixo da ligação de céu e terra.

Pensar circularmente significa não pensar em linha reta. Significa abrir-se ao diálogo, ao acolhimento da dúvida e da diversidade, à construção de múltiplos enredos afirmados no encontro das singularidades de crianças e adultos, de alunos e professores. Como expressão de movimento e mudança, o círculo estaria desalojando a certeza e a rigidez da unilateralidade que vimos presente na educação. Tomá-lo como símbolo é dirigir-se para as raias do desconhecido que pode nos conduzir à invenção de outros percursos, senão seguros, mais intensos e inteiros (OSTETTO, 2009).

Roda e círculo evocam equilíbrio, totalidade, diferenças, interdependência. Eu, tu, ele, o conhecimento em relação, lado a lado, possibilitado pelo desenho que não tem ângulos. Na forma circular, a imagem de um coletivo composto de individualidades que não desaparecem no contorno do grupo.

b) Descobrindo a cultura corporal:

Nada melhor que brincadeiras infantis para descobrir a cultura corporal das crianças. Segundo Freire (1989) existe um rico e vasto mundo de cultura infantil repleto de movimentos, de jogos, da fantasia, quase sempre ignorado pelas instituições de ensino. O fundamental é que todas as situações de ensino sejam interessantes para a criança. Uma coisa é certa: negar a cultura infantil é, no mínimo, mais uma das cegueiras do sistema escolar.

Ao observá-los brincando podemos perceber qual vocabulário é o mais adequado, e o que precisamos trabalhar para tentar ampliar essa cultura. Por isso, trouxemos brincadeiras como: "pular elástico", "escravos de Jó", "dança da cadeira", "corre cotia", e alguns materiais que estimulassem e nos auxiliasse a criar uma simbologia, importante para as danças circulares.

Para Ehrenberg e Gallardo (2005) cada indivíduo traz uma bagagem repleta de sentidos e significados que não deve ser desconsiderada e que os conhecimentos abordados nas aulas de educação física são manifestações culturais explicitadas por intermédio do corpo. Devem ser trabalhados a partir de elementos da cultura corporal, com a idéia de diversificá-la e ampliá-la, com o intuito de aumentar e possibilitar novas experiências, além de transferi-los para situações mais complexas.

Uma das atividades propostas foi com o uso de elásticos, com cerca de 3m de comprimento, que ocorreram em dois momentos do estudo. A primeira buscando uma compreensão sobre "dentro" e "fora". As crianças ficaram dentro do elástico e o abriram. Formaram dois grupos; um deles, que tinham meninos e meninas, abria e fechava o elástico, indo em direção ao outro. O segundo grupo, só de meninos, corria, trocava de lugar e escorregava para fora dele, retornando para dentro, logo em seguida.

A segunda vez que utilizamos o elástico foi no sexto encontro, procurando criar formas e novas possibilidades de realizar uma brincadeira conhecida de "pular elástico". Isso aconteceu, pois, quando entregava o material para as meninas elas já o abriam e começavam a brincadeira. Tentando nos aproveitar dessa cultura, criamos novas formas, fizemos um "X" e observamos no centro um quadrado, e dessa forma conseguimos que cinco crianças pulassem ao mesmo tempo. Neste dia também diminuímos o espaço interno, cabendo apenas um dos pés, onde utilizaram as mãos para auxiliar. Fizemos a formação em "L", que possibilitou seis crianças pularem ao mesmo tempo. A resolução da situação-problema ficou clara, ao ver uma das meninas buscando uma cadeira para servir de base para a sua brincadeira, já que não convenceu nenhuma de suas colegas a fazer isso por ela.

Usamos folhas de jornais e revistas para realizar uma atividade que trabalha espaço e ritmo. Eles deveriam pisar apenas em cima das folhas que estavam espalhadas pelo chão da sala. O interessante foi que a maior parte do tempo eles andavam em circulo, deixando o centro vazio. Paravam em cima de uma folha fazendo uma pose. Depois, fizemos outra brincadeira "corre cotia" feita em roda, uma das folhas de jornal foi usada a brincadeira. Como castigo, quem era pego ficava no centro da roda e, assim que se completaram três, fizemos mais uma dança circular "La Bella Lavanderina", outra brincadeira infantil, onde o círculo menor (dentro da roda) gira para um lado e o círculo maior, gira para outro. Os integrantes do círculo menor trocam de lugar com outros participantes reiniciando a roda. Porém, todas as vezes que essa troca aconteceu, a roda se desfez, sendo que precisavam parar, se organizarem, para depois prosseguirem. Apenas a roda menor, com três crianças, prosseguia sem precisar parar.

A atividade do "espelho" teve como fundo musical uma música do repertório das danças circulares. As meninas abusavam da flexibilidade e de movimentos com os braços, tronco e cabeça. Já os meninos, preferiam dar estrelinhas, escorregavam pelo chão e saltitavam utilizando um maior espaço da sala. Mesmo quando trocaram de comandante dos movimentos, mantiveram essas mesmas características.

Mudamos o significado da "dança da cadeira", onde o objetivo da brincadeira é se sentar para não ficar de pé, mas, quem sobrava ficava comandando um movimento que as outras crianças deveriam fazer enquanto giravam pelas cadeiras, as crianças ficavam em pé quando a música parava, mesmo com uma cadeira vazia bem na sua frente. Giravam pelas cadeiras, engatinhando, saltitando em um pé só, pulando. Até que as crianças emburradas por não serem os mestres começaram a sair da brincadeira. Então, deixamos apenas uma cadeira no centro e fizemos a coreografia "An Dro Retourné", onde, ao invés das mãos, damos os dedos mindinhos, indo para o centro e retornando, girando para o lado direito. No começo, as crianças reclamaram que os dedos estavam doendo, por isso, demos as mãos. A roda foi para o centro e para fora, mas não girou para lado algum. Quando a roda se desfez e as crianças dançaram livres pela sala, uma menina se sentou na cadeira que ficou no centro da sala, e um menino correu em volta dela.

O tecido de material elástico, com cerca de 3m x 2,5m, na cor laranja, foi utilizado para trabalhar em conjunto e os planos baixo e alto. Primeiro, todas as crianças seguraram as pontas do tecido e o agitavam, algumas crianças iam para debaixo dele e retornavam para o tecido em seguida. Depois, passamos por debaixo dele. Enquanto apenas duas crianças balançavam o tecido para cima, passaram em duplas e em trios. Arrastaram um grupo que se sentou no tecido e fizeram formas dentro dele, enquanto outro grupo segurava o tecido no chão. O tecido se abria e se fechava, enquanto eles entravam e saiam debaixo dele.

Com o auxílio do desenho com giz de cera, tentamos explicar que as coisas sempre se modificam. Cada criança recebeu um papel no tamanho A³ e apenas uma cor de giz de cera. Começaram a fazer um desenho e, quando a música terminava, passávamos o desenho para quem estivesse ao lado e este continuava a desenhar na folha que recebia. Olhavam desconfiados, observando o que seus colegas faziam em seus desenhos originais. E, com o tempo, começaram a rabiscar os desenhos que paravam em suas mãos. No final da volta, quando o desenho original voltou para as mãos de cada criança, percebemos que apenas dois não estavam rabiscados e conversamos sobre a contribuição que cada um teve em cada desenho. No final, todos escreveram seus nomes atrás de todos os desenhos, assinando as obras.

No nosso último encontro, tentamos fazer a primeira brincadeira "escravos de Jó", dessa vez com bolinhas de papel. A roda, dessa vez, estava bem organizada, todas as crianças estavam no círculo, mas as bolinhas voavam de um lado para o outro e, mais uma vez, a brincadeira não aconteceu.

Porém, para Assmann (1998, p.40) "o aprender não se resume em aprender coisas, se isto fosse entendido como ir acrescentando umas coisas aprendidas em outras, numa espécie de processo acumulativo semelhante a juntar coisas num montão". Ao contrário, trata-se de uma rede ou teia de interações neuronais extremamente complexas e dinâmicas, que vão criando estados gerais qualitativamente novos no cérebro humano.

A aprendizagem não modifica apenas uma coisa, ela modifica todo o sistema. Quando alguém aprende algo novo, não é apenas esse elemento novo – motórico, lingüístico, conceitual, etc – que se acrescenta ao que supostamente já foi adquirido, mas ocorre uma reconfiguração do seu cérebro/mente inteiro enquanto sistema dinâmico.

c) Experimentando a Dança Circular:

As danças circulares permitem que as pessoas integrem-se como partes de uma totalidade que se une em roda, a dança pode revelar um momento de vivência unificada. Desse modo, desenvolvemos suave e gradativamente o respeito e a valorização das diferenças, além de podermos vivenciar a realidade da interdependência das relações humanas.

Segundo Ostetto (2010), a dança no círculo é um momento especial, um instante profundo de recriação da pessoa, na coragem de encarar a roda e a aventura que cada dança poderá ativar. Para apresentá-los às músicas circulares, usamos a música "Alef Beit", que trata do alfabeto hebreu, cantada por crianças. Primeiro, apenas escutaram a música e ao final disseram não ter gostado muito. Quando informados de que se tratava do alfabeto hebreu e que as crianças brincavam com ela em roda, foi feita a proposta de experimentar. Sete meninas e um menino fizeram a roda e giravam sempre para o lado direito, enquanto saltitavam e, conforme a música aumentava o ritmo, eles giravam mais rápido. Quando alguma criança caia ou soltava as mãos, a roda parava e prosseguia depois de retomada as posições. Usamos os sapatos que pediram para tirar, para ser o nosso centro, isso atraiu a atenção de mais crianças, que também quiseram participar da roda. Com um número maior de crianças, a roda se deformou e se desfez um maior número de vezes, chegaram a girar de costas para o centro e foi se desfazendo aos poucos.

Incluímos a música circular em outra brincadeira, a da "estátua", onde, ao parar a música, eles deveriam parar e ficar imóveis. Fomos interferindo, apontando as formas como deveriam parar, com um pé só, em duplas.

A proposta era criar uma coreografia para a música "Soldier's Joy", dançada em duplas. Para isso, primeiro, todas ouviram a música e dançaram um pouco, cada uma do seu jeito, depois que formamos os pares, cada dupla apresentou sua dança. Todas elas espelhavam os movimentos, onde, em cada dupla, sempre tinha uma líder que criava a seqüência coreográfica e a outra a seguia. Isso aconteceu também entre as duplas, em que faziam movimentos bem parecidos com a dupla anterior. Apenas uma dupla não fez nenhuma coreografia e ficou parada esperando quem começaria.

Na música "Hoe Ana", a proposta foi interpretar a sua estória, que é a de um pescador retornando para casa em uma pequena embarcação. As crianças abusaram da imaginação e da tentativa de construir um barco com colchonetes que havia na sala. As meninas optaram pela roda, simulando a remada do barco e o balanço das águas.

Finalmente, voltamos à música "Alef Beit", que considerava ser a mais simples de explicar, sem precisar fazer nenhuma demonstração e, também, por já conhecerem a sua melodia. Apenas 8 passos para a direita, 8 passos para a esquerda, 8 passos para frente e 8 passos para trás. Quando fizeram sozinhos, sem dar as mãos, todos obedeceram a ordem coreográfica, mas, quando deram as mãos formando a roda, o que acontecia era algumas crianças andarem para frente, enquanto outras andavam para trás, movendo a roda toda para o lado direito e esquerdo. Eles contavam alto para não perderem os passos, mas não conseguiam fazer a roda girar. O que mais se ouvia era "você não sabe", "é pra cá", "ai, você não sabe", e sempre que isso acontecia a roda parava. As crianças espelhavam sempre o que o outro fazia. Uma delas se zangou e perguntou "como que é?", foi falado mais uma vez e a mesma respondeu "ta bom", e enquanto um grupo tentava puxar a roda para um lado, outras tentavam puxar para o outro e a roda permaneceu no mesmo lugar. Em outra tentativa, a roda dos meninos começou a discutir, uns com os outros, enquanto um deles fazia toda a coreografia, tentando levar seus colegas junto com ele, mas, como a roda não estava feita, não conseguimos ver a coreografia.

Muito mais do que auto-expressar-se, tal qual defendem muitos dançarinos e professores de dança, que a associam às emoções, o conhecimento direto da dança, a vivência prática, permite em tipo diferenciado de percepção, discriminação e crítica, tanto da dança, quanto de suas relações conosco mesmos e com o mundo (MARQUES, 1997).

Considerações Finais

Entender os comportamentos corporais como manifestação do funcionamento mental é compreender o movimento em sua relação dinâmica com as situações-problema, a qual, observada pelo pesquisador, pode declarar indiretamente a rede de interações do organismo humano. Nesta abordagem do movimento, compreendido como um sistema aberto de alta complexidade, os estímulos motores solicitam uma elaboração integrada de todos os centros responsáveis pela resolução das situações-problema, demonstrando que, na medida em que uma estrutura é estimulada ela interage com as outras. A pessoa em movimento possui uma memória motora distribuída. (SOUZA, 2001,2002).

Segundo Assmann (1998), a aprendizagem, é antes de qualquer coisa, um processo corporal e todo conhecimento tem uma inscrição corporal. Na manifestação do movimento, a auto-organização do sistema é demonstrada, tornando visível a totalidade da relação invisível ocorrida na dinâmica intrínseca, pois esta integra as diferentes dimensões do humano em sua relação com a cultura.

Por intermédio das danças circulares, percebemos como a organização aparece e desaparece de forma muito dinâmica. Em um piscar de olhos a organização que se formava na roda desaparecia, desfazendo a roda. Porém, o movimento circular, mesmo sem a união das mãos, manteve-se presente durante a execução das danças. Quando uma das crianças que participavam da dança soltava as mãos, a roda parava de girar e elas esperavam a reorganização para darem continuidade, assim, quando trocavam os participantes da roda ou recebiam novos integrantes à roda, aparecia uma nova organização, que, em geral, ocorria de forma mais lenta.

Quanto maior o número de participantes da dança mais lenta era a sua organização e mais rapidamente se desorganizava. Fenômeno parecido ocorria em relação ao gênero dos participantes, só as meninas, a roda era mais organizada e mantinha sua forma por mais tempo; e só os meninos, a roda perdia a forma rapidamente. Porém, as meninas foram participantes com mais freqüência que os meninos, o que pode ter interferido para que esse fenômeno ocorresse.

Para Ostetto (2005) é importante assinalar que o processo de constituição de um grupo dançante não é linear. Tal qual a roda, que vai e vem, requer tempo para girar num ritmo compassado, sintonizado, centrado.

Nesse sentido, as danças circulares sagradas não ensinam um programa, uma técnica, um modo de fazer com as crianças. Ensinam possibilidades de encontro com conteúdos que falam em particular a cada criança, trazem e fazem sentidos articulados ao viver de cada um. Essa é a essencialidade das danças circulares: sinalizar e abrir passagem para acessar conteúdos negados, reprimidos ou desqualificados no mundo da racionalidade científica. É, enfim, a possibilidade de encontro com conteúdos inconscientes, ativando outras funções da consciência, além do pensamento (OSTETTO, 2010).

Precisamos proporcionar às crianças experiências para construir a simbologia das danças circulares. A roda da dança não permite o auto-engano: revela a pessoa por inteiro no decorrer dos passos, volta após volta. Se há busca: há entrega, há encontro. Se há resistência: há entrave, há desencontro (OSTETTO, 2005).

Recebido em: 11 de novembro de 2009.

Aceito em: 8 de setembro de 2010.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      11 Nov 2009
    • Aceito
      08 Set 2010
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