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Festa, lazer e religião: o caso da "Festa de São João" em Tupi, Piracicaba-SP

Festival, leisure and religion: The case of the "St. John Festival" in Tupi, Piracicaba, SP

Resumos

Essa pesquisa analisa duas das possibilidades inter-relacionadas da festa: lazer e religião. Tem por objetivos identificar os aspectos significativos da participação popular oportunizados pela "Festa de São João" em Tupi (distrito da cidade de Piracicaba, no interior do estado de São Paulo) e verificar a dimensão de lazer experimentado e proporcionado pelos que organizam e/ou participam ativamente desta festa. Trata-se de um estudo de caso, e a escolha da cidade se deu de forma não probabilística, seguindo critérios de representatividade e acessibilidade. Utilizou-se uma combinação das pesquisas bibliográfica, documental e de campo. As técnicas utilizadas foram: análise bibliográfica, análise de conteúdo, observação participante, com anotações em diário de campo, e entrevistas estruturadas. O estudo confirma que a festa é uma atividade de lazer e as análises indicam que há relações entre lazer e religião e que estas assumem várias formas.

Festa; Lazer; Religião


The present research analyzes two inter-related possibilities involving the St. John Festival: leisure and religion. It aims at identifying the significant aspects of the popular participation provided by the "St. John Festival", which takes place in Tupi (a district of the city of Piracicaba, in the countryside of São Paulo) and also at checking the dimension of leisure experienced and provided by those who organize or take active part in the festival. This is a case study and the city was chosen in a non-probabilistic way, following criteria of representativeness and accessibility. The work made use of a combination of literature review, documentary and field research. The techniques used were: literature analysis, content analysis, participant observation with the use of a field journal, and structured interviews. The study confirms that the festival is a leisure activity and analyses show that there are relations between leisure and religion and these can take over several forms.

Festival; Leisure; Religion


ARTIGO ORIGINAL

Festa, lazer e religião: o caso da "Festa de São João" em Tupi, Piracicaba-SP

Festival, leisure and religion:The case of the "St. John Festival" in Tupi, Piracicaba, SP

Marcela de Oliveira; Liana Romera; Nelson Marcellino

Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Nelson Carvalho Marcellino Instituição: UNIMEP Rodovia do Açúcar, km156 Piracicaba SP Brasil 13400911 Telefone: (19) 9795.3565 e-mail: ncmarcel@unimep.br

RESUMO

Essa pesquisa analisa duas das possibilidades inter-relacionadas da festa: lazer e religião. Tem por objetivos identificar os aspectos significativos da participação popular oportunizados pela "Festa de São João" em Tupi (distrito da cidade de Piracicaba, no interior do estado de São Paulo) e verificar a dimensão de lazer experimentado e proporcionado pelos que organizam e/ou participam ativamente desta festa. Trata-se de um estudo de caso, e a escolha da cidade se deu de forma não probabilística, seguindo critérios de representatividade e acessibilidade. Utilizou-se uma combinação das pesquisas bibliográfica, documental e de campo. As técnicas utilizadas foram: análise bibliográfica, análise de conteúdo, observação participante, com anotações em diário de campo, e entrevistas estruturadas. O estudo confirma que a festa é uma atividade de lazer e as análises indicam que há relações entre lazer e religião e que estas assumem várias formas.

Palavras-chave: Festa. Lazer. Religião.

ABSTRACT

The present research analyzes two inter-related possibilities involving the St. John Festival: leisure and religion. It aims at identifying the significant aspects of the popular participation provided by the "St. John Festival", which takes place in Tupi (a district of the city of Piracicaba, in the countryside of São Paulo) and also at checking the dimension of leisure experienced and provided by those who organize or take active part in the festival. This is a case study and the city was chosen in a non-probabilistic way, following criteria of representativeness and accessibility. The work made use of a combination of literature review, documentary and field research. The techniques used were: literature analysis, content analysis, participant observation with the use of a field journal, and structured interviews. The study confirms that the festival is a leisure activity and analyses show that there are relations between leisure and religion and these can take over several forms.

Key Words: Festival. Leisure. Religion.

Introdução

Essa pesquisa analisa duas das possibilidades inter-relacionadas da festa: lazer e religião. Tem por objetivos identificar os aspectos significativos da participação popular oportunizados pela "Festa de São João" de Tupi (distrito da cidade de Piracicaba, no interior do estado de São Paulo) e verificar a dimensão de lazer experimentado e proporcionado pelos que organizam e/ou participam ativamente dela.

A escolha dessa festa amparou-se também em um levantamento dos eventos religiosos e populares realizados na região de Piracicaba e Campinas, presente no livro de Barbosa et al. (2007). Sendo assim, a "Festa de São João", no distrito de Tupi, Piracicaba-SP, foi escolhida por apresentar os dois principais elementos que compõem este trabalho: lazer e religião.

Segundo Barbosa et al. (2007), pode-se afirmar que a Festa de São João, no distrito de Tupi, é uma:

[…] tradicional festa realizada na noite de São João, com shows musicais e sertanejos, fogueira e folguedos tradicionais. [A] frequência [é] superior a 40 mil pessoas, tendo como ponto de atração maior os pratos e bebidas típicos, e a passagem de populares descalços sobre o braseiro. (BARBOSA et al., 2007, p. 139-140).

E ainda que se saiba da realização de várias dessas festas em louvor aos santos por todo o Brasil, pode-se perceber, segundo as informações acima citadas, que esta festa apresenta muitas diferenças em relação às outras. Uma dessas peculiaridades é o grande número de participantes que ela recebe, superior a 40 mil. Este não é um número esperado para uma festa cujo principal intuito é o de louvar um santo, pois grande parte dessas celebrações festivas dá-se em pequenas comunidades e, na maioria das vezes, com a participação de devotos. Mas esta provavelmente não seja a realidade assistida em Tupi. São essas as questões que a presente pesquisa pretende explorar.

Sobre as festas em louvor a São João, tão cultuado na crença católica, Côrtes salienta que:

[…] em junho comemoram-se os festejos em homenagem a três santos do mês. São as chamadas "festas juninas", que têm início em 13 de junho, dia de santo Antonio. […] Dia de São João é 24 de junho, o ápice das festas juninas. As fogueiras, símbolo máximo da comemoração, estão relacionadas às tradicionais festas pagãs existentes na Europa antes da chegada do cristianismo, realizadas em homenagem aos deuses da fertilidade, em que se comemoravam as boas colheitas e o fim do inverno. […] A adoração a são João era tradicional na Península Ibérica e foi, portanto, trazida ao Brasil pelos jesuítas. […] A festa chegou ao Brasil já carregada de elementos sacros e pagãos. A fogueira foi, então, relacionada ao lendário fogo de são João […] São Pedro é o último a ser comemorado, no dia 29 de junho. (CÔRTES, 2000, p. 22-23).

Logo após a chegada do ciclo junino ao Brasil, essas festas foram se disseminando por todo o país, agregando em si caracteres regionais, variáveis conforme sua influência e realidade. E com a festa escolhida, a de louvor a São João no distrito de Tupi, também não foi diferente, pois ela agrega em si caracteres específicos e várias peculiaridades.

Uma das inquietações que devem aqui ser levantadas, e que justificam, em parte, a escolha dessa festa, refere-se ao abandono das tradições ao longo do tempo. É possível perceber que em muitas cidades ou vilarejos, os eventos ou festividades tradicionais simples, transmitidos de geração em geração pelas famílias, vão-se perdendo, diluindo-se, e isso ocorre muitas vezes por conta do "[…] crescente processo de urbanização [que] vem contribuindo para o desaparecimento de manifestações culturais autênticas, notadamente das festas, tanto lúdico-religiosas como lúdico-folclóricas […]" (MARCELLINO, 2002, p. 21).

A realidade do distrito de Tupi, no entanto, é outra: ainda que haja algumas alterações, a tradição do festejo em louvor a São João mantém-se ao longo dos anos. Para que se pudesse compreender melhor a origem dessa festa e como ela ainda prossegue no calendário dessa população, fez-se necessário buscar um breve histórico deste distrito e do evento. Nos web sites podem-se encontrar informações bastante sintetizadas, porém úteis, sobre o distrito, mas sobre a festa só foram identificados registros superficiais e que não contribuiriam de maneira satisfatória para realização da pesquisa. Assim, deparou-se com outro problema: em virtude da regionalidade da festa, também não há materiais acadêmicos que tratem dela.

A solução encontrada, portanto, foi o recurso às pesquisas documental e de campo com observação participante, utilizando-se como instrumento o diário de campo.

Foram conduzidas entrevistas estruturadas com dois dos organizadores da Festa e, foi mantido contato, via telefone e e-mail, com um historiador que morava no distrito, Antonio Carlos Angolini, o qual escreve esporadicamente para web sites e jornais locais, sobre o distrito de Tupi e região, sobre a Festa de São João e outros eventos dessa área. Angolini disponibilizou grande parte destes textos e de outros materiais por ele reunidos a fim de auxiliar o andamento desta pesquisa. Vale ainda destacar que todos os entrevistados tinham ciência e concordaram em participar, assinando "termos de consentimento livre e esclarecido".

Sendo assim, por meio do material disponibilizado, identificou-se que:

[…] Tupi teve seu início em 29 de julho de 1922, quando da inauguração da Estação Ferroviária, embora o terreno tenha sido adquirido pela Câmara Municipal de Piracicaba, no ano anterior, já com a intenção de loteá-lo. […] Em 1934, mais ou menos, um grupo de moradores, coordenado por Chiquinho Batista, Carlos Desordi e João Francisco Basso, organiza, no pátio da capela, a primeira festa de São João, agora voltada a arrecadar recursos, para manutenção da nova capela de São José. […] (ANGOLINI, 2009).

Após esta primeira, a festa vem sendo organizada, há 75 anos, com o auxílio das famílias pertencentes à comunidade religiosa citada acima, sejam elas tradicionalmente oriundas do distrito ou não. O caso de Wilson José Scaraficci e sua família - um dos organizadores da festa, participante da comunidade religiosa de São José e moradores do distrito há cerca de 15 anos - demonstra que para esses devotos o importante é manter o elo com essa manifestação de fé, mesmo não tendo nascido no local. Todos visam manter a tradição do festejo de geração em geração.

Destacamos que aqui a festa será analisada enquanto manifestação de lazer. Com relação a esse termo, há várias definições, e os estudiosos no Brasil vêm se dedicando ao aprofundamento do tema há aproximadamente 50 anos. Pode-se afirmar que uma das mais claras conceituações deste termo, ainda que não pretenda ser a única, é a seguinte:

[…] o lazer [pode ser entendido] como a cultura - compreendida em seu sentido mais amplo - vivenciada (praticada ou fruída) no "tempo disponível". O importante, como traço definidor, é o caráter "desinteressado" dessa vivência. Não se busca, pelo menos fundamentalmente, outra recompensa além da satisfação provocada pela própria situação. A "disponibilidade de tempo" significa possibilidade de opção pela atividade prática ou pela contemplativa. (MARCELLINO, 2004, p. 31).

Assim, entendemos que as festas representam uma das possibilidades de lazer, além de possuírem outros componentes, como o religioso, também aqui estudado, ou o pedagógico, este último destacado por Ribeiro Júnior (1982):

A festa é uma forma de celebração. A celebração tem como ponto de partida e de referência um evento histórico, passado ou possível, cujo significado é vivenciado ritualmente por um grupo. Celebrar é fazer a afirmação da vida e da alegria, a despeito do fracasso e da morte. […] (RIBEIRO JÚNIOR, 1982, p. 50).

Deixar de lado as rotinas de trabalho, os estudos ou quaisquer outras atividades exercidas pelo indivíduo é algo que sempre se ouve no cotidiano. É possível pensar que esse desejo surja, muito provavelmente - ainda que muitos não tenham consciência disso -, por conta do sistema capitalista, que rege a sociedade de forma a deixar todos reféns de ações mecânicas, com a finalidade de produzir e contribuir com a lógica do mercado. Este sistema não tem a preocupação de garantir outras vivências que não o trabalho ou atividades por ele aprovadas, e essa experiência de mudança de rotina muitas vezes é provida pelas festas (DUMAZEDIER, 1994, p. 56-57).

Quando se examina a literatura disponível sobre a temática Festa, encontramos alguns autores brasileiros que estudaram o assunto, como RIBEIRO JÚNIOR (1982), na sua conceituação, ou MAGNANI (1984) e DA MATTA (1979), nas relações entre ela e a cultura. Preferimos utilizar neste estudo autores com publicações mais recentes (ROSA, 2002 e 2007; GABRIEL, 2008), que focam as relações entre festa, lazer e religiosidade.

Na contemporaneidade, como já mencionado, sempre há uma associação direta entre festa e lazer. Isso ocorre, muitas vezes, por conta da idéia que se tem de que as festas, independente de sua natureza, são uma das várias opções de lazer existentes na sociedade. Sobre isso Rosa enfatiza que:

Compreendendo a festa como um tempo/espaço de encontros, contradições, entretenimentos, reivindicações, disputas e mediações, ressalto a possibilidade que ela abre para a vivência do lazer. Isso ocorre não só porque nela evidenciam-se elementos diretamente associados ao lazer, como o lúdico, o divertimento, a gratuidade e o prazer, mas também devido à pluralidade e diversidade de manifestações, bem como de experiências que propicia, estando muitas delas vinculadas a atividades e valores experienciados no tempo disponível, como a possibilidade de vivenciar ações criativas e críticas, podendo gerar contestação, mudança e transformação. Além disso, a festa é uma prática que se faz muito presente entre as atividades de lazer de pessoas de idades e classes sociais diversas. […] a festa é um elemento constituinte de políticas de lazer e um produto muito explorado pelo mercado do entretenimento. (ROSA, 2007, p. 197).

Mas há que se saber que a festa é vivenciada desde muito antes de se pensar nessa associação contemporânea lazer/festa. Ao longo da história é possível encontrar diversos relatos que demonstram sua importância e suas implicações. Dumazedier acrescenta que:

Na sociedade tradicional francesa, a festa é produzida por uma civilização dominada inteiramente pelos valores coletivos e religiosos, apesar da persistência de valores pagãos e anti-religiosos. Tais valores se encarnam nas instituições, igrejas, corporações, famílias e comunidades que vêem na festa uma fonte sagrada de coesão social e de celebração espiritual, que inclui o controle da expansividade, das diversões, jogos e espetáculos. […] (DUMAZEDIER, 1994, p. 53-54).

Pode-se concluir, portanto, que anteriormente ao ritmo de vida regido pela sociedade capitalista dos últimos séculos, que gera várias discussões quanto à sua ação sobre o indivíduo e os direitos que ele tem a um tempo disponível para exercer as atividades que considere pertinentes, as festas já estavam presentes na vida em sociedade. Mesmo que saibamos que a intenção de realizá-las não tinha a ver com a relação que fazemos hoje com o lazer, elas proporcionavam a seus participantes vivências diferenciadas de seu cotidiano (DUMAZEDIER, 1994, p. 56-57).

E ao escrever sobre as festas públicas coloniais, Rosa salienta que, apesar de elas serem consideradas espaços de representação e afirmação do poder, em que mecanismos de ordenação reforçavam a organização e a hierarquia social (2007, p. 196), elas eram:

Realizadas essencialmente pela Igreja e pelo Estado, principais instituições de poder, essas festas eram também momentos de grande circulação de pessoas e oportunidades de encontro para aqueles que viviam em áreas afastadas das vilas ou cidades […] (ROSA, 2007, p. 196).

Ao se refletir sobre a relação dos temas lazer e religião, deve-se saber que esta não é uma tarefa simples, pois ambos são temas polêmicos e carregam em si diversos preconceitos e análises. GABRIEL argumenta que:

[…] a análise da relação entre lazer e religião fica evidente sob vários aspectos. Destaco que as discussões entre a teoria do lazer e a teologia, principalmente no que diz respeito ao cristianismo, são preponderantes para superar ranços de dogmatismos tradicionais que acabam por impedir uma relação possível entre essas temáticas. Vale destacar a importância que a teoria do lazer e a teologia possuem no afã de encontrar uma nova síntese comprometida com a vida e a serviço da dignidade humana. A religião, entendida tanto em suas práticas formais, quanto em práticas e dinâmicas que venham a caracterizar um movimento religioso (sem necessariamente estarem formalizadas ou institucionalizadas), age de maneira determinante na forma como o lazer se concretiza. Um arcabouço ético de determinada religião demonstra a capacidade de agir sobre várias esferas da vida humana. Entretanto o inverso é verdadeiro. Se o lazer é influenciado pela religião, uma educação para o lazer, por exemplo, que busque superar a dimensão alienada na qual se encontra na sociedade capitalista, de forma crítica e criativa, pode exercer um papel de questionamentos dos dogmatismos religiosos incoerentes com um padrão de justiça e dignidade. O lazer pode ser, portanto, brecha para uma resistência às teologias que possivelmente tenham como base a manutenção do panorama desolador que caracteriza o modo de produção capitalista. (GABRIEL, 2008, p. 80).

É possível perceber, portanto, que lazer e religião são espaços de vivências pessoais, apresentando, cada um a seu modo, maneiras diversas de explorá-las. O lazer exerce sobre o ser humano um desejo de experiência diferente da religião. Ao exercer sua função na sociedade de maneira rotineira, o indivíduo pretende romper esta constante a partir do lazer. E isso pode ser alcançado, à maneira de cada um, seja participando de uma festa ou simplesmente por meio do ócio. Já a experiência com a religião se dá de outra forma, pois o indivíduo tem a clara noção de que o acesso a esta vivência depende quase exclusivamente dele próprio (ROSA, 2007, p. 196. GABRIEL, 2008, p. 80).

Sendo assim, pode-se afirmar que a relação existente entre lazer e religião dá-se em esferas específicas, como no caso dessa pesquisa. Ambos os temas estão bastante presentes na realidade social brasileira; eles regem, em parte, a vida cotidiana dos indivíduos, propiciando diversas opiniões e olhares sobre um e outro. Portanto, uma relação entre estes temas é claramente possível, pois quando se pensa em uma festa religiosa - e a relaciona com lazer - verifica-se que essas temáticas podem se relacionar de modo concreto.

Metodologia

Este estudo foi construído a partir de pesquisas bibliográfica, documental e de campo. A pesquisa bibliográfica foi conduzida no acervo das bibliotecas da UNIMEP, UNICAMP e USP, em sites acadêmicos da Rede Mundial de Computadores e no portal da CAPES. Priorizou-se um amplo levantamento sobre a temática "Festa, Lazer e Religião". A seguir, procedeu-se à análise dos textos com fichamentos. Foram efetuadas as análises textual, temática e interpretativa (SEVERINO, 1993).

Posteriormente, optou-se pela busca de outras fontes que nos levassem a compreender melhor a realidade vivida na festa escolhida como foco da pesquisa: a Festa de São João, em Tupi, distrito de Piracicaba. Em virtude de esta festa ser um evento de repercussão regional, o número de materiais acadêmicos, sejam eles livros ou periódicos, é praticamente nulo. Sendo assim, a melhor opção encontrada foi estabelecer contato com moradores do distrito de Tupi e com os prováveis organizadores da festa, para que pudessem ser nossas principais fontes de informações sobre o evento.

Antonio Carlos Angolini, historiador e morador do distrito, foi um desses contatos estabelecidos. Ele disponibilizou documentos importantes, que foram submetidos a análise de conteúdo (GIL, 1991).

É importante ressaltar que o comparecimento ao festejo e ao distrito, por meio da observação participante, com diário de campo, foi de grande valia para a pesquisa, possibilitando vivenciar a experiência de um frequentador da festa e entrar em contato com alguns organizadores para posteriores conversas sobre o evento. Tendo entrado em contato com os organizadores, foi agendada uma conversa com Wilson Scaraficci e Eliseu Santos, membros da comissão organizadora da festa há mais de dez anos.

As entrevistas foram gravadas com o consentimento de ambos, que assinaram "termos de consentimento livre e esclarecido".

Resultados e Discussão

Ao olhar para os trabalhos realizados por teóricos do lazer no Brasil, percebe-se que não há uma grande produção relativa às festas. Rosa é uma autora que possui trabalhos bastante significativos sobre esta temática, e uma de suas obras a ser ressaltada é Festa, lazer e cultura (2002). Sobre este livro por ela organizado e que contém artigos seus, ela escreve:

A obra, elaborada por estudiosos do lazer, é inédita, na medida em que aborda a festa em sua relação com a dinâmica do lazer, ao mesmo tempo em que trata de questões como interdependência lazer e trabalho, transição festa/competição, política pública de lazer e relações entre o lazer rural e urbano. (ROSA, 2002, p. 9).

Diferentemente do que acontece em muitas localidades, o distrito de Tupi mantém sua tradição, ainda que com algumas alterações, de prosseguir com o festejo em louvor a São João. Esta tradição, mantida ininterruptamente há 75 anos e realizada com auxílio das famílias pertencentes à comunidade religiosa de São José, principal instituição católica do distrito, é passada de geração em geração, para que nunca se perca o elo com essa manifestação de fé.

Para melhor entender sua origem e permanência ao longo dos anos e a relação estabelecida entre lazer e religião nesta festa, pode-se citar Gabriel:

[…] o que é de fundamental importância a ser percebido relaciona-se ao aspecto da relação religiosa, festa e controle social. […] Nessas festas promovidas pela igreja o senso de coletividade ficava mais evidente, pois, por mais que as pessoas quisessem se isolar, a festividade possuía a capacidade de congregar e fortalecer a comunidade. […] o lazer poderia atuar como resistência, como meio de mudar a ordem social vigente. Os indivíduos que vivenciam valores diferentes ao mundo do trabalho, no tempo do lazer, percebem, assimilam e criticam a forma como a sociedade tende a reprimir certas atitudes e privá-las de certas vivências. (GABRIEL, 2008, p. 66).

Quanto aos elementos que compuseram e que ainda estão presentes nesta festividade, como a celebração e as manifestações de fé, os gêneros alimentícios, as bebidas e os shows musicais, sabe-se que a festa de São João em Tupi apresenta algumas peculiaridades. Ainda de acordo com Angolini, o festejo tem como principais atrações

[…] a venda de frangos fritos, leitoa e o cuscuz. […] No passado, antes da passagem sobre o braseiro, os fiéis iam até o Ribeirão Tijuco Preto lavar a imagem de são João, uma tradição que perdurou por mais de 70 anos, hoje, esquecida. O levantamento do Mastro e os Votos de Boa Colheita, com a queima de fogos, continua, sendo a atração inicial. […] (ANGOLINI, 2009).

Sabe-se que há variados elementos que compõem uma festa, e que ela pode proporcionar um contato antes nunca estabelecido com outras culturas. Rosa enfatiza que:

Crendices, gestualidades, costumes, valores, corpos, religiosidades, tradições, danças, cores, adornos, divertimentos, ritos, celebrações, músicas. Permeada por renúncias, coexistências e conflitos, a fronteira, ou melhor, a festa possibilita interpenetrações de culturas, provocando permanências, alterações e inovações (ROSA, 2007, p. 209).

E com esta festa não é diferente. Foi somente a partir desta pesquisa que se pôde chegar especificamente àquelas atrações que possibilitam que, mesmo ao longo dos anos, esse festejo continue a ter um grande público, e de forma tão grandiosa. Os dados apresentados abaixo foram coletados a partir da participação no evento do ano de 2009, e também de contato estabelecido com alguns dos organizadores do festejo.

A festa de São João em Tupi realiza-se todos os anos no dia 23 de junho, véspera do dia do santo. A celebração e as manifestações de fé a que se fez referência dizem respeito ao levantamento do mastro, com a bênção do padre responsável pela capela, como forma de homenagear os três santos do mês de junho, aqueles que compõem o ciclo junino: Santo Antonio, São João e São Pedro. Concomitantemente ao levantamento do mastro, há uma queima de fogos, que acontece às 18 horas, como forma de agradecimento ao padroeiro pela boa colheita do ano que passou. Logo depois, os devotos acendem uma grande fogueira também como forma de prestigiar São João.

O festejo é realizado, desde sua origem, na praça principal do distrito, onde fica a capela de São José. No local há um barracão pertencente a essa igreja, no qual funciona a cozinha, que prepara pratos típicos, como cuscuz, frango frito e quarto da leitoa assada. Neste mesmo lugar há dezenas de mesas e cadeiras onde os frequentadores sentam-se para apreciar os pratos preparados e vendidos pelos participantes da comunidade religiosa. A Prefeitura Municipal de Piracicaba, por meio da sua Secretaria de Cultura, é responsável pela infraestrutura de segurança e limpeza da festa, assegurando, assim, sua melhor manutenção.

A praça é circundada por um grande número de barracas de ambulantes, e cada um dos espaços onde elas se localizam é vendido pela organização da festa, com a finalidade de controlar melhor os que irão comercializar alimentos e bebidas típicas das festas juninas, como o vinho quente, quentão, doces, milho-verde cozido, churrasquinho, entre outros, além de arrecadar mais verba para as obras amparadas pela capela. Há ainda um palco montado em lugar privilegiado da praça, onde é possível acompanhar os shows musicais de duplas sertanejas da região de Piracicaba. A responsabilidade de montar o palco e organizar o show fica por conta de uma emissora de rádio da cidade de Piracicaba, a Difusora FM. Ainda de acordo com Wilson Scaraficci, um dos organizadores deste festejo, essa parceria existe há cerca de dez anos, pois com a amplitude da festa é inviável que a comissão da comunidade religiosa organize essa parte do evento, que geralmente conta com um público rotativo de cerca de 15 mil pessoas. (Entrevista concedida em 21/07/2009.)

Outro ponto importante neste festejo, que não pode deixar de ser citado, é a passagem pelo braseiro da fogueira. Angolini afirma que:

O pessoal acreditava que passando pelo braseiro, nas primeiras horas do dia 24, dia de São João, eles não queimariam o pé. Era uma forma de pagar promessas feitas durante o ano anterior. […] (OLIVEIRA, [20—?]).

Durante todos os anos em que a festa aconteceu, esse sempre foi um costume presente. Somente no ano da pesquisa (2009), segundo Scaraficci, a pedido do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar de Piracicaba, este hábito foi suspenso, com a finalidade de evitar acidentes. Ainda segundo um dos organizadores da festa, Eliseu Santos, a decisão das autoridades de defesa pública foi acatada por se saber que há uma grande diferença no rito de passagem pelo braseiro de hoje se comparado ao dos primórdios da festa até alguns anos atrás. No início da tradição em Tupi, as pessoas que passavam o faziam pela fé e para cumprirem promessas feitas ao santo no ano anterior. Hoje, no entanto, a passagem pelo braseiro é uma forma de demonstrar coragem perante os observadores. Muitos sequer são participantes da comunidade religiosa, como antigamente, ou devotos do santo.

Quanto às manifestações religiosas deste evento, foi observado que hoje elas se restringem somente ao levantamento do mastro com a bênção do padre responsável pela capela, marco este que dá início ao festejo. Segundo Santos, desde sua origem até alguns anos atrás, a missa era celebrada em três horários ao longo do dia, porém hoje já não são mais rezadas por decisão da comissão organizadora. Essa decisão foi tomada porque alguns dos devotos de São João que contribuem para a organização e realização da festa não teriam tempo de participar dela. Assim, decidiu-se por celebrar a missa um dia depois do festejo, como forma de agradecimento por sua realização e para que tanto o corpo auxiliar da festa quanto seus devotos possam participar tranquilamente.

Numa reflexão sobre a questão das modificações operadas ao longo dos anos de realização de um festejo e que até podem ser classificadas como adaptações à realidade dos organizadores e participantes, Rosa afirma que

[…] o importante é, ao analisar a dinâmica festiva, perguntar se as mudanças e inovações que se estabelecem são para satisfazer o mercado ou para realizar necessidades de um grupo ou comunidade, respeitando a "flexibilidade implícita e comprometimento formal com o passado"; […] (ROSA, 2007, p. 208).

Quanto às mudanças ocorridas na festa analisada por essa pesquisa, pode-se observar que há uma preocupação bastante grande com a manutenção das tradições do evento desde sua origem. Apesar de não celebrarem mais a missa no dia do santo, conforme justificado acima, os organizadores realizam a festa sempre no dia 23 de junho, independentemente do dia da semana em que cair. Isso acontece desde os primórdios da festa. Essa é uma questão bastante importante a ser observada, pois manter a tradição de não modificar o dia da realização dessa festa é algo de bastante relevância. Ao pensar nos interesses do mercado capitalista, que tem como objetivo somente o lucro e não dá a devida importância à vivência nos espaços de lazer oportunizados, os organizadores da festa poderiam pensar no quanto rentável financeiramente ela poderia ser. Mas como eles mesmos justificam, o festejo tem a finalidade de louvar a São João e arrecadar fundos para a capela principal do distrito, e isso sem explorar seu caráter mercadológico, como uma das formas de manter a tradição.

Não menos importantes são as informações obtidas sobre a dança da quadrilha. Segundo Santos e Scaraficci, a dança nunca esteve presente nos festejos de São João no distrito. Segundo eles, existe o desejo de incluir essa tradição na festa, porém não há espaço no recinto para sua realização, pois o evento sempre recebe um número superior a 10 mil visitantes, que enchem a praça, sem falar que boa parte deste local é ocupada pela fogueira, essa, sim, uma tradição que não pode ser deixada de lado.

Segundo Rosa:

Alvorada, procissão, desfile, passeio. Comida, bebida. Missa, banda, grupo musical. Salva de foguetes, futebol, brincadeira, jogos tradicionais, torneio. Abertura, encerramento, exposição. Quermesse, feira, bazar, leilão. Música, dança, baile e teatro. Todos esses elementos, constando ou não na programação, podem fazer parte do espetáculo festivo, construído e instituído com base em fatores cotidianos, eventuais, culturais e comerciais. (ROSA, 2002, p. 14).

Constatou-se que muitos destes elementos citados acima compuseram a festa de São João em Tupi, no ano analisado.

Quando se pensava em uma festa religiosa de origem católica, que por costume celebra o dia de seus santos padroeiros, logo se associava um grande número de devotos do santo homenageado à espera da missa e depois de seus festejos. Mas essa é uma imagem que pertence ao passado, pois ao se observar a Festa de São João em Tupi hoje, não é esse público puramente devoto que se vê.

Ainda há fiéis que participam do evento para louvar o santo padroeiro e prestigiar a grandiosidade do trabalho organizado, porém, são em número bem menor. Grande parte do público desta festa é composta pela juventude, que a vê como uma forma de lazer, de quebra da rotina.

Percebeu-se que nestes eventos existem dois tipos de preocupação: de um lado os organizadores querem que a festa seja a melhor possível e, de outro, os participantes, que ela lhes seja agradável. Isso ocorre, muito provavelmente, porque ambos têm consciência do lugar que ocupam neste espaço privilegiado de lazer. Rosa ressalta:

[…] que há diferentes formas de participar da festa. Há pessoas que estão ali para dançar, conversar, namorar, beber, comer; outras, para vender mercadorias, limpar o local, cuidar da segurança, policiar. Essas atividades remetem ao mundo do lazer e ao mundo do trabalho, respectivamente. Os valores do trabalho e do lazer não se encontram, entretanto, separados, em uma relação estanque, como também não são desagregadas essas ações. O envolvimento com a festa, contudo, pode influenciar os valores tradicionalmente atribuídos às diferentes práticas, independentemente da figuração: folião, visitante, organizador. É necessário, pois, buscar os significados das práticas pessoais. (ROSA, 2002, p. 19).

Assim, cabe salientar ainda que classificar ou regulamentar as motivações, os valores e os interesses da prática festiva não é o mais importante. A relevância está na pluralidade desses elementos, suas interfaces, bem como sua inter-relação com a vida cotidiana de uma população e de um determinado local. Ao manifestar-se como tempo e espaço de vivência do lazer, a festa desvela, entre outros aspectos essenciais, a interdependência lazer e trabalho, mostrando que as diversas facetas da vida humana não estão separadas (ROSA, 2002, p. 19).

Considerações Finais

As pesquisas sobre festas são bastante peculiares, pois não há relatos de que existam muitas festas estudadas no Brasil, apesar do grande número de eventos festivos que ocorrem todos os dias neste país. Sendo assim, o objetivo desta pesquisa foi o de contribuir para a ampliação da quantidade de estudos sobre festas, pois se sabe que há necessidade de se dar maior atenção a este tipo de estudo, principalmente no campo do Lazer, pois as festas são manifestações culturais muito importantes em todo o País e muitas delas sustentam e mantêm cidades turísticas inteiras.

A Festa de São João no distrito de Tupi, apesar de ser um festejo de cunho religioso, recebe todos os anos frequentadores de diversas cidades de sua região, de todas as idades, sexos, grupos sociais e crenças. Ainda que o motivo pelo qual ela se realize todos os anos, ininterruptamente há 75 anos, seja o de louvar e agradecer ao santo, e sempre conte com a presença de devotos, há os que comparecem por considerarem-na simplesmente um bom evento, pois conta sempre com bom público e bom cardápio, um de seus grandes atrativos.

Ao se pensar naqueles que compõem todo o círculo de uma festa, pode-se concluir que para eles, ainda que não tenham consciência disso: ' […] A cultura da festa é, sobretudo, campo de vínculos, solidariedades, mercadorias, costumes e regras que orientam a vida social. […] Valores, tradições e acontecimentos iluminam o cotidiano dessas pessoas. ' (CARVALHO, 2005, p. 19, 21).

Pode-se, afirmar ainda, que a festa é um elemento constituinte de políticas de lazer (ROSA, 2007, p. 197) e que proporciona aos seus organizadores e participantes uma oportunidade de desfrutar de seu direito ao lazer. São importantes também por possibilitarem o estudo das relações entre lazer e religião, e até mesmo entre lazer e trabalho.

Recebido em: 07 de abril de 2010.

Aceito em: 29 de setembro de 2010.

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  • Endereço para correspondência:

    Nelson Carvalho Marcellino
    Instituição: UNIMEP
    Rodovia do Açúcar, km156
    Piracicaba SP Brasil 13400911
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      07 Abr 2010
    • Aceito
      29 Set 2010
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