Open-access DA BASE AO ALTO RENDIMENTO: QUANTOS ATLETAS BAIANOS CONSEGUIRAM BOLSA ATLETA? PANORAMA DE 2005-2023

DE LA BASE HASTA AL ALTO RENDIMIENTO: CUANTOS ATLETAS BAIANOS LOGRARÁN BECAS? PANORAMA 2005-2023

Resumo

A concessão do Bolsa Atleta é um meio para o fomento esportivo. Entretanto, não se sabe quantas bolsas foram destinadas a atletas da Bahia. Os objetivos deste estudo foram: verificar quantos atletas conseguiram Bolsa Atleta, no período de 2005 a 2023; identificar as modalidades contempladas, coletivas e individuais; distribuição geográfica, por sexo e quantificar as categorias de bolsas por ano, identificados a partir da análise documental do Diário Oficial da União e do sítio Inteligência Esportiva. Os resultados apontaram 2.113 bolsas distribuídas aos baianos em 18 anos. Atletas de esportes individuais foram os que mais receberam o incentivo. Salvador apresentou mais beneficiados. O sexo masculino foi o mais contemplado. A categoria mais favorecida foi Atleta Nacional. Conclui-se que o investimento foi de 2% em atletas baianos em relação ao total de bolsas distribuídas a brasileiros, indicando que a quantidade de atletas contemplados é pouca quando comparada a outros estados brasileiros.

Palavras-chave
Atletas; Política Pública; Desempenho Atlético; Esportes

Abstract

The granting of Bolsa Atleta is a means of promoting sports. However, it is unknown how many scholarships were allocated to athletes from Bahia. The objectives of this study were: verify how many athletes obtained Bolsa Atleta, in the period from 2005 to 2023; identify the modalities covered, team and individual; analyze the geographical and gender distribution, and quantify grant categories per year, identified from the documentary analysis of the Official Union Gazette and the Inteligência Esportiva website. The results showed 2,113 sponsorships distributed to athletes from Bahia in 18 years. Individual sport athletes received the most support. Salvador was the city most benefited. Males were the most favored. The most favored category was Atleta Nacional. It can be concluded that the investment was 2% compared to the total scholarships for Brazilians, indicating that the number of supported athletes is low compared to other Brazilian states.

Keywords
Athletes; Public Policy; Athletic Performance; Sports

Resumen

La concesión de la Bolsa Atleta es una forma de promocionar el deporte. Se desconoce cuántas becas fueron asignadas a deportistas bahianos. Los objetivos fueron: verificar cuántos deportistas obtuvieron Beca Atleta, en el período de 2005 a 2023; identificar las modalidades beneficiadas, colectivas e individuales; distribución geográfica, por sexo y cuantificar las categorías de becas por año, identificadas por el análisis documental del Diário Oficial da União y del sitio Inteligencia Deportiva. Los resultados arrojaron 2.113 becas distribuidas a bahianos en 18 años. Los atletas de deportes individuales fueron los que más recibieron el incentivo. Salvador tuvo más beneficiarios. Los hombres fueron los más favorecidos. La categoría más favorecida fue Deportista Nacional. Se concluye que la inversión fue del 2% en deportistas bahianos en relación al total de becas distribuidas a brasileños, lo que indica que la cantidad de atletas beneficiados es baja en comparación con otros estados brasileños.

Palabras clave
Atletas; Política Pública; Rendimiento Atlético; Deportes

1 INTRODUÇÃO

O esporte contemporâneo apresenta-se como um espaço de ambiguidades, um fenômeno plural de distintas manifestações e significados retratados pela ampliação de seus cenários, protagonistas e práticas (Galatti et al., 2018). A Constituição Federal de 1988 em seu Artigo 217 diz que é dever do Estado fomentar práticas formais e não formais, como direito do indivíduo, assegurando a participação em manifestações esportivas nos termos da lei, sendo Esporte-Educação, Esporte-Participação, Esporte-Rendimento (Brasil, 1988) e Esporte-Formador (Brasil, 2015). Nessa perspectiva, vê-se o esporte vinculado ao seu objetivo e atendimento. O Esporte-Educação tem como meta o caráter educacional e vivências práticas acerca de atividades físicas e esportivas no esporte contemporâneo com acesso a todas as pessoas, de diferentes níveis de prática; o Esporte-Participação é voltado para o bem estar e participação do praticante, de modo voluntário, visando contribuir para a integração dos indivíduos na vida social; o Esporte-Rendimento contempla o respeito às regras e aos códigos existentes nas modalidades esportivas, com intuito de obter resultados e rendimento (Brasil, 1988). A partir de 2016, ampliou-se mais uma ação, denominada Esporte-Formador (Lei nº 13.155, de 2015), caracterizada pelo fomento e aquisição inicial dos conhecimentos esportivos que garantam competência técnica na intervenção esportiva.

Após 20 anos de esforços para construção do documento, foi aprovada a Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597 - sancionada em 2023), a qual dispõe sobre o Sistema Nacional do Esporte (Sinesp) e o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Esportivos (SNIIE), a ordem econômica esportiva, a integridade esportiva e o Plano Nacional pela Cultura de Paz no Esporte. A nova lei oportuniza o esporte como uma atividade de interesse social, por meio de normas e regulamentações que garantem o direito à prática esportiva para toda população, em diferentes níveis esportivos (Brasil, 2023a).

O Brasil, em sua vasta extensão territorial, fomenta práticas esportivas a partir de projetos de políticas públicas gratuitos à população. Entretanto, há uma limitação de recursos do Governo para subsidiar todas as práticas esportivas, o que reflete a desorganização das agências responsáveis pela promoção do esporte no país (Faria et al., 2021). Isso pode ser visto também no estudo de Almeida et al (2012) que aponta que os recursos federais são distribuídos de forma desproporcional entre as dimensões do esporte, ficando os maiores valores destinados ao esporte de alto rendimento e aos megaeventos que ocorreram no Brasil na década olímpica.

Nota-se também uma grande desigualdade entre as regiões, estados e municípios brasileiros. Diversos fatores podem estar relacionados a essas desigualdades, como por exemplo o número de habitantes (Caetano et al, 2020; Sentone et al, 2020), densidade populacional (Caetano et al, 2020; Sentone et al 2020), Índice de Desenvolvimento Humano – IDH (Bueno et al, 2020), instalações esportivas (Caregnato; Ordonhes; Cavichiolli, 2016), recursos para o desenvolvimento esportivo (Galatti et al, 2021), tempo de existência das cidades, entre outros (Baker et al., 2009).

O Nordeste concentra, aproximadamente, 26% da população do país em cerca de 20% da extensão territorial brasileira, com 54,6 milhões de habitantes, distribuídos ao longo de 1,6 milhão de km2 (IBGE, 2023). Mas quando analisamos o desenvolvimento esportivo das regiões do país que concentram a maioria dos atletas - presentes em rankings federativos -, sejam da base ao alto rendimento, percebe-se que a grande maioria das modalidades esportivas, como voleibol (Collet et al., 2021; Machado et al., 2018, 2021), atletismo (Sentone et al., 2018); basquetebol (Beneli; Galatti Montagner, 2017; Faria et al., 2021); natação (Ordonhes; Luz; Cavichiolli, 2016); tênis de campo (Silva et al., 2017) e ginástica artística (Caetano et al., 2020; Lima, Schiavon, 2023), se dá primordialmente nas regiões sudeste e sul do país. Esse cenário reflete como ocorre a centralização esportiva no Brasil, com movimentações que atuam além da prática esportiva, e que podem impactar ações de investimento e fomento na prática em diferentes níveis esportivos.

Em relação à Bahia, algumas ações de cunho estrutural já foram realizadas, por meio de parcerias com a Superintendência de Desportos da Bahia (SUDESB), buscando oferecer espaços para a prática e desenvolvimento de diferentes modalidades no Estado: implementação do Centro Pan-Americano de Judô (CPJ), atualmente denominado Arena de Esportes da Bahia (Bahia, 2022a); a Casa de Ginástica da Bahia - CAGIBA (Bahia, 2023); o Centro de Boxe e Artes Marciais (Bahia, 2022b); e os Centros de Treinamento de Canoagem (Centro de Canoagem..., 2022).

Outra ação importante será o projeto piloto do Ministério do Esporte, que se prontificará a integrar o sistema de esporte na prática com estados e municípios. A Bahia será o primeiro estado parceiro a fim de desenvolver um piloto da criação da Rede de Desenvolvimento do Esporte, que entre outras ações, mapeará equipamentos esportivos, já existentes em espaços públicos (Brasil, 2023c).

Investir na implantação, revitalização e manutenção de estruturas esportivas na Bahia é uma forma de descentralizar a organização, voltada principalmente para o alto rendimento no Brasil. No entanto, ainda não se sabe se esses empreendimentos, apesar de importantes no fomento do esporte baiano, serão suficientes para um estado de grande porte como a Bahia.

Nesse sentido, uma das formas de proporcionar recursos para os atletas se manterem no esporte é o Bolsa Atleta, Lei nº 10.891 (Brasil, 2004), programa de incentivo de direito ao atleta, instituído no ano de 2004 pelo Governo Federal, com início em 2005, foi criado após a insatisfação esportiva do país nos Jogos Olímpicos de Sidney (2000) e a dificuldade dos atletas em conseguir patrocínios. A proposta surgiu como uma forma de subsidiar a preparação olímpica dos esportistas brasileiros, pelo benefício direto aos atletas, sem que os recursos passassem pelas instituições que organizam e controlam a modalidade (Camargo, Mezzadri, 2017; Corrêa et al., 2014; Guimarães, 2009).

O programa tem como intuito atender atletas olímpicos e paralímpicos e modalidades não olímpicas, propondo-se a garantir condições mínimas para que os esportistas se dediquem com exclusividade aos treinamentos e às competições, tendo por consequência manter níveis competitivos (Brasil, 2023d).

No momento, o programa possui seis categorias de bolsa, sendo: Base, contempla atletas com até 19 anos de idade, com destaque nas categorias de base do esporte de alto rendimento; Estudantil, para atletas com até 20 anos de idade, que tenham obtido até a terceira colocação para esportes individuais ou que tenham sido eleitos entre os 6 (seis) melhores atletas em cada modalidade coletiva de eventos nacionais estudantis reconhecidos pelo Ministério do Esporte; Nacional, atletas que tenham obtido até a terceira colocação do ranking nacional ou do evento máximo da temporada nacional; Internacional, atletas que tenham integrado a seleção brasileira, tendo obtido até a terceira colocação; Olímpica/Paralímpica, atletas que tenham integrado as delegações olímpicas, paralímpicas ou surdolímpicas brasileiras; e Pódio, que abrange atletas que estejam entre os 20 melhores do mundo conforme ranking oficial de modalidades olímpicas, paralímpicas e surdolímpicas individuais. Todas com duração de 12 meses e renováveis anualmente, de acordo com critérios estabelecidos (Brasil, 2023d).

Apesar do diferencial para a gestão esportiva e aporte aos atletas brasileiros, o alcance deste incentivo e a maneira como a alocação de recursos do programa é realizada no Nordeste, em especial Bahia, ainda é desconhecida. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi verificar quantos atletas conseguiram apoio via Bolsa Atleta no estado da Bahia entre o período de 2005-2023, identificar as modalidades contempladas, se coletivas ou individuais, distribuição geográfica, sexo dos participantes, bem como averiguar as categorias das bolsas por ano.

2 MÉTODOS

2.1 DESENHO DO ESTUDO

Este estudo é caracterizado como descritivo (Gil, 2002), baseado na pesquisa documental, de acordo com a lista publicada no Diário Oficial da União e no sítio Inteligência Esportiva, dos atletas contemplados em todas as modalidades olímpicas do programa Bolsa Atleta entre 2005 e 2023.

2.2 CATEGORIAS DE BOLSAS

Foram analisadas todas as categorias do Programa Bolsa Atleta, sendo, Atleta de Base, Estudantil, Atleta Nacional; Atleta Internacional; Atleta Olímpico, Paralímpica, Surdolímpico e Atleta Pódio.

2.3 PROCEDIMENTOS E ANÁLISE DE DADOS

A escolha do período temporal se deu tendo em vista o início do programa em 2005 até 2023, último ano de beneficiados. Para o presente estudo foram contabilizados apenas os atletas praticantes de modalidades contempladas nos jogos olímpicos de verão.

Inicialmente, os dados foram tabulados em planilha de Microsoft Excel® 2016 a partir de dados fornecidos por portarias publicadas pelo Diário Oficial da União (DOU) e no sítio web do Programa Inteligência Esportiva da Universidade Federal do Paraná (UFPR/Ministério do Esporte) (IE)1, com informações como atleta, sexo, modalidade esportiva, tipo (individual ou coletiva), cidade de nascimento, ano de contemplação da bolsa e categorias de bolsa. Salienta-se que as bolsas são nomeadas de acordo com o local de nascimento do atleta. Utilizou-se tanto o DOU como o IE para a presente pesquisa visto que atualização dos dados em ambos os locais não é automática.

Para a realização das análises, foi utilizada análise descritiva, análise de frequência e Teste G independente, com significância p<0,05. Os gráficos de frequência consideraram o quantitativo geográfico por cidade. Também a diferença entre homens e mulheres, modalidades contempladas, individual e coletivo, cidades de nascimento dos atletas, ano de bolsa, comparativo concedido ao nível nacional e recebidas no estado (quantidade de bolsas no Brasil x quantidade no estado) e por fim distribuição geográfica dessas bolsas pelo estado.

3 RESULTADOS

Os resultados são apresentados em dois tópicos: 3.1. diagnóstico do Programa Bolsa Atleta - distribuição das bolsas ao longo do período avaliado e 3.2 diferenças entre os pontos de análise.

3.1 DIAGNÓSTICO DO PROGRAMA BOLSA ATLETA

A partir dos resultados encontrados no presente estudo, observou-se que foram beneficiados 2.113 atletas do estado da Bahia no Programa Bolsa Atleta, entre 2005 e 2023. Sendo 33 modalidades contempladas neste interstício, referindo-se à canoagem (496) e boxe (389) com maior destaque, seguido do tiro esportivo (145). Nos gráficos a seguir, podem ser observadas a distribuição de bolsas por modalidade, a partir da categoria de bolsa (Bolsa Base, Bolsa Estudantil, Nacional, Internacional, Olímpico e Pódio).

No Gráfico 1, é possível notar que na Bolsa Pódio, as modalidades predominantes foram Boxe, Canoagem e Maratona Aquática.

Gráfico 1
Bolsa Pódio

No que se refere à Bolsa Olímpica, o Boxe aparece novamente como modalidade mais contemplada, seguida do Futebol e do Atletismo (Gráfico 2).

Gráfico 2
Bolsa Olímpica

Com um olhar para as Bolsas Internacional e Nacional, observa-se que além das modalidades citadas com maior destaque geral (Canoagem e Boxe), o Tiro Esportivo aparece como a terceira modalidade mais contemplada (Gráficos 3 e 4).

Gráfico 3
Bolsa Internacional
Gráfico 4
Bolsa Nacional

A partir da análise das modalidades contempladas na categoria Bolsa Estudantil, destacam-se Atletismo, Natação e Judô (Gráfico 5).

Gráfico 5
Bolsa Estudantil

No Gráfico 6, a Canoagem aparece novamente em evidência, seguida pela Maratona Aquática e o Boxe.

Gráfico 6
Bolsa Base

Em relação à classificação, houve diferenças significativas na predominância de atletas beneficiados nas modalidades individuais (1923) em relação às modalidades coletivas (190).

De acordo com a análise das seis categorias de bolsas no período estudado, a categoria Nacional (1496) foi a que obteve o maior número de contemplados, seguida da Internacional (295), Base (92), Estudantil (91), Olímpico (81) e Pódio (58) (Gráfico 7).

Gráfico 7
Distribuição anual dos atletas contemplados no Programa Bolsa Atleta por categoria de bolsas (Bolsa Base, Bolsa Estudantil, Nacional, Internacional, Olímpico e Pódio).

O Gráfico 7 apresenta dois eixos, um à direita que representa o número de bolsas numa escala de 0 a 160, no qual se encontra a bolsa nacional, e outro eixo à esquerda, o qual representa o número de bolsas, numa escala de 0 a 30 em que estão as outras categorias de bolsa. Percebe-se que houve, de modo geral, crescentes e decrescentes na contemplação de bolsas, desde o início do programa em todas as categorias. Entretanto, a Categoria Nacional, apesar de também apresentar esta variação, foi a que apresentou maior crescimento. Nota-se também que, no ano de 2020 houve uma queda abrupta em quase todas as categorias, com exceção da Categoria Atleta Pódio, única com edital publicado em 2020, em virtude da Pandemia COVID-19.

Os três municípios mais agraciados com bolsas foram Salvador (884), Itacaré (161) e Ubaitaba (156).

3.2 DIFERENÇAS ENTRE OS PONTOS DE ANÁLISE

Neste tópico os resultados apresentam um sumário dos municípios favorecidos (Figura 1) e as diferenças observadas para o oferecimento das bolsas entre as modalidades contempladas (p=0,01) e sexo dos atletas (p=0,02) (Gráfico 8).

Figura 1
Mapa da Bahia com destaque dos municípios dos atletas que mais receberam bolsas ao longo de 18 anos do Programa Bolsa Atleta.
Gráfico 8
Diferenças entre modalidades coletivas e individuais.

Ao observar a distribuição a partir dos sexos, o masculino aparece em evidência com 1403 atletas contemplados e o feminino com 710 atletas contempladas. Os resultados no Teste G p<0,02, apontaram diferenças significativas.

Gráfico 9
Distribuição por sexos.

4 DISCUSSÃO

No período de 2005 a 2023 foram disponibilizadas um total de 96.165 bolsas no Brasil. Desse total, os atletas de modalidades olímpicas do Estado da Bahia receberam 2.113 bolsas, o que corresponde à aproximadamente 2% do total ofertado em 18 anos de história do programa em todo território brasileiro. Nos últimos dez anos, quando comparados os nove estados do Nordeste, nota-se que os estados que mais receberam bolsas foram Pernambuco (2.283) e Bahia (2.113), ao passo que o que menos recebeu foi Sergipe (464). No mesmo período, o Nordeste obteve 9.680 bolsas, enquanto o sudeste, 37.825 bolsas, dado que corrobora os achados de Machado et al., (2018, 2021), Collet et al., (2021), Sentone et al., (2018), Faria et al., (2021), Ordonhes, Luz, Cavichiolli, (2016), Silva et al., (2017) e Bueno et al., (2020), que mostram as regiões sudeste e sul como as que concentram a maioria das modalidades esportivas, haja vista a preponderância de sedes das confederações esportivas nessas regiões do país, sobretudo nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, possivelmente em virtude de melhor infraestrutura esportiva, centros administrativos de várias modalidades, e uma grande concentração de atletas, clubes e patrocínios.

A cultura clubística nas regiões sudeste e sul permite a possibilidade do “sócio atleta”, ou seja, aquele que utiliza o clube e suas dependências para fins de desenvolvimento esportivo sem a necessidade de pagamento de mensalidades para a instituição (Alexandrino, 2019; Borges; Tonini, 2012; Galatti, 2010). Entretanto, aparentemente a cidade de Salvador apresenta uma configuração diferente dessas regiões, sendo os clubes espaços ligados ao lazer. Em Salvador, as modalidades são representadas por entidades terceirizadas que utilizam o espaço do clube para treinamento. Neste modelo, o clube se torna apenas o local de prática, e não a representação do clube por meio de seu nome institucional.

No geral, no que diz respeito às modalidades esportivas, observa-se que boxe e canoagem são as que mais obtiveram quotizações do Bolsa Atleta. Isso reflete diretamente os resultados obtidos nos Jogos Olímpicos Rio 2016 e Tóquio 2020/2021 e as conquistas de medalhas trazidas para o Brasil, com os ouros de Robson Conceição (Rio 2016) e Herbert Conceição (Tóquio 2020/2021) e a prata de Beatriz Ferreira (Tóquio 2020/2021) no boxe e com a prata de Erlon Souza (Rio 2016) e as medalhas de bronze, prata e ouro de Isaquias Queiroz (Rio 2016 e Tóquio 2020/2021) na canoagem. Esses resultados sugerem que este tipo de investimento público, por meio do Bolsa Atleta nos últimos 13 anos, que soma 39 bolsas apenas para os atletas citados, contribui para desenvolvimento e permanência dos atletas nos treinamentos e competições em diversos aspectos. Embora o valor não cubra todos os gastos que um atleta tem (por exemplo, alimentação, transporte, hospedagem, materiais esportivos, entre outros) contribui para proporcionar certo custeio nestes aspectos.

Assim, nota-se que diferentes modalidades como maratona aquática, futebol feminino, natação (Paris 2024, 2023), atletismo (Bahia, 2024), tiro esportivo (Gavini, 2016) e judô (Judoca baiano..., 2025), mostraram grande destaque ao longo de eventos estudantis, nacionais e internacionais. Provavelmente tais resultados podem ter sido impulsionados em virtude do apoio obtido via programa Bolsa Atleta.

Em relação à quantidade de participantes, as práticas individuais foram agraciadas com mais benefícios em relação às coletivas em todas as modalidades de bolsa. As modalidades individuais parecem apresentar mais possibilidades de medalhas em relação às modalidades coletivas. Em práticas como Ginástica Artística, Rítmica, Natação e Atletismo, o mesmo atleta tem a possibilidade de competir em diferentes provas, consequentemente podendo obter um maior número de medalhas. Já uma modalidade coletiva, os atletas competem em prol de uma medalha em período mais longo de competição.

Um contraponto dos dados diz respeito ao plano de desenvolvimento da modalidade/atleta. Em certas modalidades parece não haver um planejamento e uma estrutura mínima para o alcance de resultados expressivos, já que algumas das conquistas parecem ser decorrentes de empenhos individuais (Mazzei, et al., 2015). O fato de profissionais que fomentam a prática de determinada modalidade a partir de recursos próprios, é vista, inclusive, no caso do treinador da Seleção Brasileira feminina de voleibol, José Roberto Guimarães, que utiliza patrimônio pessoal para manter uma equipe de alto rendimento (Cesarini, 2024). Essas iniciativas constroem e desenvolvem uma cultura local da modalidade, que após resultados expressivos, transportam olhares da sociedade e do poder público para as ações, gerando a implementação de políticas públicas, ou mesmo com a captação de patrocínios. Em relação às políticas públicas, um bom exemplo, é o boxe na cidade de Salvador, que após mais de 30 anos de conquistas expressivas, seja em nível olímpico ou mundial, conquistou um Centro de Treinamento de Artes Marciais. Fruto de uma promessa do ex-governador da Bahia ao campeão olímpico Robson Conceição, após a conquista da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016 (Aragão, 2022).

Salvador foi o município mais premiado com bolsas, seguido de Ubaitaba e Itacaré. Quando analisada a distribuição de Bolsas Atleta para o estado da Bahia fica evidente a incompatibilidade de ações esportivas entre os municípios. As diversas análises realizadas no presente estudo evidenciaram desequilíbrios de fomento aos atletas entre municípios, de diferentes níveis desportivos. Autores como Green e Houlihan (2005) destacam fatores que influenciam o desenvolvimento e sucesso de jovens talentos no esporte, como por exemplo o apoio social e familiar (família, treinadores, comunidade); aspectos psicológicos (autoeficácia, coesão grupal) e motivacionais (clima motivacional pelo treinador, fatores intrínsecos e extrínsecos); desenvolvimento físico, técnico e tático; recursos (incentivo financeiro, bolsa atleta) e infraestrutura (materiais e espaços adequados à prática esportiva), e por fim, contexto sociocultural e econômico (Produto Interno Bruto, Índice de Desenvolvimento Humano).

Esse desequilíbrio, então, denota questões que podem estar relacionadas ao desenvolvimento das cidades. Salvador, que foi a cidade com maior quantidade de contemplados no programa ao longo da história, recebe, por ser capital, mais recursos do que cidades do interior. Além disso, tem um PIB per capita 21.706,06, diferente das cidades Itacaré, com PIB 14.680,53 e Ubaitaba, com PIB 13.137,19, segunda e terceira colocadas (IBGE, 2021). Salvador tem também o maior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal do estado, equivalente a 0,759 (IBGE, 2012) e é a cidade mais populosa da Bahia, com 2,4 milhões de habitantes (IBGE, 2023). Ambos os fatores vêm sendo relacionados à maior sucesso esportivo e consequentemente levando a mais benefícios e maior valor investido (Caetano et al, 2020; Sentone et al., 2018; Souza et al., 2023).

As diferenças apresentadas no predomínio masculino na contemplação de bolsas no Programa Bolsa Atleta podem estar relacionadas às questões históricas e culturais. Apenas 33% das bolsas foram destinadas às mulheres desde o início do programa. No Brasil houve um período de proibição do acesso das mulheres aos esportes, que se iniciou em 1941 com o decreto Lei nº 3.199, art. 54 que determinou: “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país” (Brasil, 1941). Apenas em 1979 houve a revogação da medida, representando quase 40 anos de proibição e uma disparidade da representação das mulheres no esporte que perdura até hoje.

A primeira participação feminina na delegação brasileira que foi aos Jogos Olímpicos ocorreu em Los Angeles, nos Estados Unidos, em 1932. Contou com apenas 1,18% das mulheres na sua delegação, enquanto a participação feminina de outros países representou 10% dos atletas olímpicos do total de delegações. Marca que só foi atingida em 1980 pelas brasileiras (Giglio et al., 2018).

Apenas nas últimas décadas as mulheres começaram a ser objeto de pesquisa no esporte competitivo (Devide et al., 2011), como exemplo o futebol (Alcântara et al., 2024), bem como em grande parte das modalidades esportivas. Mesmo assim ainda há inúmeras desigualdades nos âmbitos culturais, políticos e econômicos. Além disso, nos últimos Jogos Olímpicos Rio 2016, a participação feminina foi de 45%, correspondendo a 6200 homens e 5200 mulheres (Mendes, 2016). Em Tóquio 2020/2021 48,7% eram mulheres (5470) e o restante (5893), homens. Seguindo o movimento social de igualdade de gênero (Sorice, 2024). Em Paris 2024 atingiu-se a paridade entre participantes dos dois naipes, sendo 5.250 homens e 5.250 mulheres (Brasil, 2024c).

Entretanto, muito ainda é necessário ser feito, pois a dificuldade da inserção feminina no esporte se dá também em outros âmbitos, devido à falta de representatividade das mesmas em clubes (Silva et al., 2017), cargos de comissão técnica, chefia de delegação de equipe, cursos de formação, estratégias apropriadas para que meninas se sintam bem-vindas e desejem continuar a prática esportiva (Ávila et al., 2021; Passero et al., 2020; Urizzi et al., 2024). Além disso, existe uma lacuna na formação de gestores, especialmente gestores esportivos no Nordeste, com predominância de homens (Bavaresco et al., 2024), o que reflete nos resultados do presente artigo.

Ademais, por vezes o ambiente hostil para mulheres também contribui para a manutenção de relações díspares. A falta de representatividade feminina nestes cargos é alarmante e irrisória, o que desencoraja e distancia mulheres a assumirem essas ocupações, levando à uma não identificação com funções de gestão, e consequentemente a não variação dos sexos na gestão esportiva (Cardoso et al., 2023; Guimarães, 2009; Santos et al., 2022; Sawiuk, Lewis, Taylor, 2021; Silva et al., 2017). Este fato aponta firmemente para a função das instituições e gestores envolvidos no esporte em promover políticas que incorporem mais as mulheres no campo esportivo.

A passos lentos mudanças têm sido implementadas a fim de diminuir essas discrepâncias. Um exemplo recente é a publicação da Lei nº 14.614/23, que altera a Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 (Lei Geral do Esporte) (Brasil, 2023b) garantindo às atletas gestantes ou puérperas, no âmbito do Bolsa Atleta, o respeito à maternidade e aos direitos que as protegem, como a proteção do benefício no período de gestação acrescido do período de até seis meses após o nascimento do bebê, num total de até 15 parcelas mensais sucessivas, tendo um período maior para comprovar os resultados esportivos.

Em relação às categorias de bolsa, percebeu-se que a Categoria Nacional obteve uma maior quantidade de beneficiados, tanto na Bahia, quanto em âmbito nacional. Isso pode ser justificado por ser a categoria com maior número de inscrições para o Programa (Brasil, 2023d). Por outro lado, a Categoria Pódio foi a que teve o menor número de contemplados no Estado, que se justifica pela especificidade da categoria, contemplando apenas os melhores atletas de esportes individuais em nível internacional e com resultados expressivos na modalidade. Outro fator que pode estar relacionado a esta questão, é a categoria ser mais recente, iniciada apenas em 2014 (Brasil, 2023d).

Vale destacar que na Categoria Atleta Estudantil, foi notável que as modalidades que se destacaram em âmbito Estadual (Canoagem, Boxe e Tiro Esportivo), não são contempladas nesta categoria. Possivelmente isto acontece devido ao fato dessas modalidades não estarem presentes na competição indicada pela entidade nacional, nesse caso, os Jogos Estudantis Nacionais - escolares ou universitários- (CBDU, 2020; Comitê Olímpico do Brasil, 2024), o que contribui para um menor número de bolsas de atletas baianos. Além disso, estudos em nível nacional (Zanatta et al., 2018) e estadual (Ávila et al., 2021), apontam a necessidade de uma formação específica em gestão esportiva para os profissionais que trabalham em cargos de gestão esportiva, o que nem sempre acontece, sendo uma carência principalmente na região nordeste (Bavaresco et al., 2024). Isso pode contribuir para que se tenha um olhar minucioso para essas lacunas em termos de diversificação de modalidades.

Quando analisadas as categorias de bolsa por ano, houve uma crescente de beneficiários em determinados momentos. Entretanto, em alguns anos houve queda de contemplados, como por exemplo o período pandêmico vivido. Ressalta-se que o período de maior investimento brasileiro foi durante os mega eventos (Jogos Pan Americanos e Parapan Americanos, Copa do Mundo de Futebol, Jogos Olímpicos e Paralímpicos), que corresponderam à década olímpica, resultando no aumento no número de bolsas ofertadas, com exceção do ano de 2012. O principal ano de queda foi 2020, em decorrência da pandemia de COVID-19, o que acarretou a paralisação das competições nacionais e internacionais, resultando consequentemente em uma marcante redução de bolsas, tanto na Bahia, quanto no Brasil.

4 CONCLUSÕES

O programa Bolsa Atleta tem como objetivo fomentar e dar sustento a atletas de alto rendimento. Além de prover que o atleta de destaque nas categorias de base tenha condições de permanecer no esporte até chegar ao alto rendimento, buscando resultados expressivos com o mínimo de suporte financeiro.

O mapeamento do recebimento de incentivo esportivo para atletas via Bolsa Atleta no período de 2005 a 2023 demonstrou que ao longo de 18 anos de programa, 2.113 bolsas foram direcionadas aos atletas baianos, havendo um predomínio de bolsas para o boxe, a canoagem e o tiro esportivo. Já as modalidades coletivas representaram apenas 8% do total das bolsas. A cidade de Salvador teve o maior número de favorecidos, com predomínio do sexo masculino na contemplação de bolsas no Programa.

Percebe-se que a quantidade de bolsas disponibilizadas ainda não é suficiente para contemplar todos os atletas, o que aponta a necessidade de maiores investimentos para atletas do estado da Bahia. Além disso, demonstra a necessidade de que todos os envolvidos com o meio se comprometam em promover políticas que integrem diferentes pessoas, no ambiente esportivo. Também são necessárias ações que permitam a participação efetiva das mulheres nos diversos cenários, seja na beira de uma quadra ou na gestão, ampliando a perspectiva de participação feminina no esporte.

Além disso, essa insuficiência de bolsas para atletas da Bahia demarca a discrepância entre a realidade da região nordeste em relação às regiões Sudeste e Sul, o que pode implicar na continuidade de uma carreira para um atleta que tenha iniciado sua prática na região onde nasceu e não apresente outras formas de se manter no esporte, ou que necessite realizar mobilidade esportiva para as regiões que tenham mais estrutura e condições para prática esportiva.

Como limitações do presente estudo podemos citar a não inclusão da avaliação das bolsas paralímpicas e de modalidades não olímpicas. Como direções futuras, aponta-se a necessidade da realização de estudos analisando as mulheres, o valor do auxílio, o recebimento de incentivos por atletas olímpicos e paralímpicos. Também analisar o local de nascimento, local de início de prática e o desenvolvimento da carreira esportiva dos atletas contemplados com o Programa Bolsa Atleta.

  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.
  • COMO REFERENCIAR
    MORAIS, Flora; ANTUALPA, Kizzy Fernandes; SILVA, Gisele Teixeira de Souza; LIRANI, Luciana da Silva; MACHADO, Thais do Amaral. Da base ao alto rendimento: quantos atletas baianos conseguiram bolsa atleta? Panorama de 2005-2023. Movimento, v. 31, p. e- …. jan./dez. 2025. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.139716.
  • 1
    Inteligência Esportiva. Disponível em: https://www.inteligenciaesportiva.ufpr.br/ Acesso em: 2 abr. 2024.

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REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2024
  • Aceito
    27 Out 2024
  • Publicado
    29 Set 2025
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