Open-access PARA ALÉM DAS CIÊNCIAS MOLES (E DURAS) EM DIREÇÃO À COMPLEMENTARIDADE NAS MANEIRAS DE CONHECER: UM COMENTÁRIO SOBRE A CENTRALIDADE DA PESQUISA QUALITATIVA CRÍTICA NO CAMPO DA SAÚDE

MÁS ALLÁ DE LAS CIENCIAS BLANDAS (Y DURAS) HACIA LA COMPLEMENTARIEDAD EN LOS MODOS DE CONOCIMIENTO: UN COMENTARIO SOBRE LA CENTRALIDAD DE LA INVESTIGACIÓN CUALITATIVA CRÍTICA EN EL CAMPO DE LA SALUD

Resumo

No presente comentário sobre a proposta de Gastaldo e Eakin para a prática das Ciências Moles no campo da Saúde, eu argumento que o rótulo Mole pode não funcionar em campos acadêmicos que não a língua inglesa como nativa no sentido de mostrar a importância das Ciências Humanas e Sociais. Concordo com a ênfase que elas dão ao ensino do pensamento crítico e sugiro uma mudança mais radical no sentido de rever toda pós-graduação de maneira a abarcar conhecimentos e saberes da ciência, filosofia e artes. Finalmente, argumento em favor do princípio da complementaridade como um ponto de partida para articular conhecimentos não apenas de diferentes ciências, Naturais e Sociais, mas também encampar várias formas de conhecer incluindo as sabedorias ancestrais.

Palavras-chave
Ciências da Saúde; Pós-Graduação; Princípio da Complementaridade

Abstract

In the present comment on Gastaldo and Eakin’s proposal for practising Soft Sciences in the field of Health, I have argued that the label Soft might not work in non-English language academic field to stress the importance of Human and Social Sciences. I agree with their emphasis on the importance of teaching about critical thinking in postgraduate programmes, but I suggest a more radical enterprise to review all postgraduate programmes towards a more encompassing view articulating science, philosophy and arts. Finally, I argued for the importance of the complementarity principle as a starting point to articulate knowledge not only from different sciences, Natural and Social, but also encompassing many ways of knowing, including ancient wisdom.

Keywords
Health Sciences; Postgraduate Studies; Complementarity Principle

Resumen

En este comentario sobre la propuesta de Gastaldo y Eakin para la práctica de las Ciencias Blandas en el campo de la Salud, argumento que la etiqueta Blanda puede no funcionar en campos académicos no angloparlantes en el sentido de mostrar la importancia de las Humanidades y las Ciencias Sociales. Estoy de acuerdo con el énfasis que pone en la enseñanza del pensamiento crítico y sugiero un cambio más radical en el sentido de revisar todos los estudios de posgrado para abarcar el conocimiento y la comprensión de la ciencia, la filosofía y las artes. Finalmente, argumento a favor del principio de complementariedad como punto de partida para articular conocimientos no sólo de diferentes ciencias, Naturales y Sociales, sino abarcando diversas formas de conocer incluyendo la sabiduría ancestral.

Palabras clave
Ciencias de la Salud; Estudios de Posgrado; Principio de Complementariedad

1 INTRODUÇÃO

No artigo Praticando ciências moles no campo da saúde, Denise Gastaldo e Jean Eakin apresentaram um chamado convincente pela relevância e necessidade da Pesquisa Qualitativa Crítica no campo da Saúde. As razões expostas para esse chamado estão na raiz de problemas que vão para além do campo da Saúde. De fato, esses problemas foram expostos pela primeira vez por C. P. Snow em sua palestra As duas Culturas e a Revolução Científica em 1959 e que ficou conhecida como Conferência Rede em Cambridge, posteriormente revisada e publicada com o título: As duas Culturas e uma segunda leitura (no Brasil foi publicado em 1995). Snow deu destaque ao abismo que ele próprio experimentou entre a Ciência e as Humanidades, estando ele dos dois lados. Snow era um físico reconhecido e escritor de romances e crônicas. Os “ethos” opostos em cada lado tornavam impossível a conciliação não só entre ciência e humanidades, mas também colocavam as ciências naturais e biológicas de um lado, e as ciências humanas e sociais do outro. Além disso, “Duas Culturas” levou a outra classificação de julgamento enviesado: as Ciências Duras compreendendo as Ciências Naturais e Biológicas, e as Ciências Moles abarcando as Ciências Humanas e Sociais. As primeiras consideradas representantes do que seria a empreitada verdadeiramente científica, e as segundas sendo representantes do fracasso em ser científico, ou num tom positivo, elas corresponderiam a um conjunto de disciplinas na busca de se tornar científicas.

Em que pese todo o preconceito que prevalece no julgamento de ambas as ciências, o abismo entre elas se deve a atitudes epistêmicas muito distintas em cada lado, que são ainda alimentadas pela luta de poder e busca de hegemonia de um campo sobre os demais dentro das instituições acadêmicas. A luta por hegemonia na academia e todo preconceito que ela carrega foram bem interpretados por Bourdieu (2019) numa série de ensaios reunidos em seu livro Homo Academicus e por Marilena Chauí com o ensaio “O mal-estar na universidade: o caso das humanidades e ciências sociais” em seu livro Escritos sobre a universidade (Chauí, 2001). O problema levantado no artigo de Gastaldo e Eakin tem profundas implicações para nossa compreensão do que se tornou o empreendimento científico em nossa sociedade nos últimos 100 anos e o que ele pode nos reservar para as próximas décadas.

É difícil resistir à tentação de olhar para esse problema da ótica do conceito de reificação das lentes de Axel Honneth (cf. Honneth, 2018). Honneth (2018) toma o uso original do conceito proposto por George Lukács que se referiu à reificação como “um processo cognitivo pelo qual alguma coisa que não possui propriedades materiais – por exemplo, algo com elementos humanos é tratado com alguma coisa material.” (p. 31-32), i.e., como uma coisa. Honneth (2018) nos diz não estar claro se essa reificação se deve a um erro categorial epistêmico, ou de uma ação moralmente condenável, ou ainda de uma forma distorcida de práxis. Um exemplo clássico de reificação na Psicologia é o uso equivocado do teste do quociente de inteligência (o teste de QI). Gould (1996) narrou em detalhe como no início dos anos 1920 a inteligência humana foi igualada ao teste de QI, tornando-a um escore, um número, uma coisa que negligencia o que é uma pessoa vividamente inteligente e como suas manifestações inteligentes são fortemente vinculadas à cultura e ao contexto. De fato, a reificação do teste de QI começou como um erro categorial epistêmico (reduzindo inteligência a um escore), para então se tornar ação moralmente repreensível, como usar o teste de QI para fazer afirmações de cunho racista e promover intervenções duvidosas do Estado por meio de programas sociais segregadores com base no teste de QI, perpetrando injustiças sociais (cf. Gould, 1996).

A interpretação de reificação de Honneth foi utilizada por Bracht (2015) para análise crítica do processo pelo qual a Educação Física tornou-se um campo científico. Bracht (2015), baseando-se também em outros como Edmund Husserl e Maurice Merleau-Ponty, questiona se a Educação Física não se tornou refém da reificação por reduzir práticas corporais vívidas a um objeto e assim se tornam movimento, atividade física, exercício físico. A análise de Bracht é particularmente relevante para nossa compreensão do problema que é subjacente à questão tratada por Gastaldo e Eakin em seu artigo. O compromisso inequívoco que elas assumem com a Pesquisa Qualitativa Crítica pode ser entendido como uma posição sólida e consistente para evitar as armadilhas da reificação no campo da Saúde. Essas armadilhas são evidentes não apenas quando a Saúde Pública é dirigida por abordagens epidemiologicamente orientadas, mas também quando pesquisadores lançam mão de pesquisa semi-qualitativa pela ênfase em técnicas ao invés de pautarem seus esforços de pesquisa pela base crítico-reflexiva a partir da qual essas técnicas foram desenvolvidas.

Entretanto, Gastaldo e Eakin não estão interessadas em se aprofundarem nas causas e origens da crise nas ciências que levaram à contenção entre as ciências naturais e as ciências sociais, ou ainda entre as ciências duras e as ciências moles. As autoras são bem pragmáticas nesse sentido. Elas assumem a contenção e procuram demarcar o lado em que se encontram para a partir daí elaborar as estratégias para lidar com as consequências negativas que pesquisadores têm que suportar por ousarem praticar pesquisa qualitativa nas Ciências da Saúde, um campo dominado por abordagens orientadas pelas Ciências Naturais. Elas apresentam as estratégias que fazem as práticas das ciências moles no campo da Saúde serem não apenas possíveis, mas resistentes e, ainda mais importante, consistentes teoricamente e metodologicamente. Quão duro se pode ser na ciência?

A seguir, vou comentar quatro pontos principais. Primeiro, farei considerações sobre o termo Mole das Ciências Moles. Segundo, sobre a necessidade de renovação da educação na pós-graduação. Terceiro, sobre o pensamento crítico-reflexivo e o princípio da complementaridade. Quarto, farei um excurso para tratar do conceito de positivismo.

2 O USO DO “MOLE” PARA CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS NO CAMPO DA SAÚDE

Gastaldo e Eakin fizeram questão de usar e reforçar o uso do termo Ciências Moles para enfatizar o potencial de rigor acadêmico na condução da pesquisa qualitativa. É, na verdade, uma afirmação da relevância da pesquisa qualitativa no campo da Saúde, um campo no qual as ciências biológicas e biomédicas têm proeminência. Estou de acordo com a ênfase de Gastaldo e Eakin em mostrar quão rigorosa e consistente é a pesquisa qualitativa em termos teóricos e metodológicos no que concerne à compreensão da saúde a partir seus marcadores sociais e de luta de poder.

Todavia, tenho restrições quanto ao rótulo Ciências Moles. Shapin (2022) fez uma análise do par Ciências Duras e Moles em que ele mostra como esses rótulos não soam bem em outras línguas como alemão, francês, sueco e dinamarquês. Em todas essas línguas, “Mole” tem muitos problemas quanto ao significado. Em francês, a palavra correspondente não faz sentido para que se compreenda minimamente o que significa um campo que faz uma ciência diferente das Ciências Duras. Eu diria que o mesmo se aplica ao que o termo “mole” corresponde em português. “Mole” em português tem como significado algo que é fraco, em que falta consistência. O seu uso sem muito cuidado na reflexão sugere, pelo menos no Brasil, um tipo de ciência que seria menos rigorosa em termos metodológicos.

Eu encontrei uma menção ao uso do “mole” em Ribeiro (2003) quando ele discute os desafios que se colocam para as Humanidades1 na Universidade. Ribeiro diz que as Humanidades como Ciências Moles são usualmente tratadas como não sendo “tão” científicas como são as Ciências Naturais (Duras), embora possam ser consideradas como estando no processo de se tornar Ciências Duras, i.e., indo do estágio de Ciências Moles para o estágio de Ciências Duras. A interpretação de Ribeiro acerca da relação Ciências Duras e Moles coincide com a análise que Shapin (2022) fez no que concerne à origem da distinção Dura/Mole. Shapin identificou que há um continuum na ciência entre “Dura” e “Mole”, embora a variedade de disciplinas nesse continuum tenda a ser compreendida como estágios em que a disciplina acadêmica vai se tornando “mais científica”, do estágio da “Ciência Mole” para o estágio da “Ciência Dura”.

Palavras e termos são muito importantes na comunicação, e eles têm vida própria em termos culturais e históricos. Creio que a posição estabelecida por Gastaldo e Eakin, ao enfatizarem o uso de Ciências Moles, pode funcionar no seu próprio ambiente acadêmico na América do Norte, mas talvez nas culturas acadêmicas de outras línguas o uso do termo “mole” pode criar uma distorção. Antes de continuar, é importante deixar claro que concordo com as autoras em sua jornada para enfatizar a necessidade de investigações orientadas pelas Ciências Sociais nas Ciências da Saúde. E enfatizo que aquilo que Gastaldo e Eakin estão nos dizendo (como, aliás, já o fizeram no Brasil, cf. Carvalho; Gomes; Fraga, 2015) é que não é possível tratar das questões da saúde da mesma maneira que é feita pelas Ciências Naturais e Biológicas, isto é, como objeto.

O que é fundamentalmente importante no artigo de Gastaldo e Eakin é que a prática das Ciências Humanas e Sociais permite uma compreensão não no sentido praticado pelas Ciências Naturais, um conhecimento de questões humanas, mas uma interpretação com e nas questões humanas. Sobretudo, tal modo de interpretação para fazer a diferença necessita promover uma mudança. Esse é o diferencial que as autoras enfatizam da abordagem das Ciências Moles no campo da Saúde. Essa orientação é bem ilustrada num artigo que as autoras escreveram com outros colegas ao apresentarem um arcabouço para a avaliação da pesquisa qualitativa nas Ciências da Saúde (cf. Webster et al., 2019). A esse respeito tenho dois comentários interrelacionados. Primeiro, acredito que a orientação para mudar aquilo ao investigá-lo é muito similar ao entendimento que Bruner e Connolly têm das ciências do desenvolvimento, sobre a qual eles disseram “...a linha demarcatória entre ‘estudar’ e ‘intervir’ no fenômeno (desenvolvimento humano) é na verdade obscura” (Bruner; Connolly, 1974, p. 310). Jerome Bruner e Kevin Connolly2 foram psicólogos com base nas Ciências Biológicas, ainda assim ambos reconheciam o paradoxo de que o estudo do desenvolvimento de bebês e das crianças compreende estratégias experimentais que num certo sentido envolvem a criação de oportunidades para que bebês e crianças pequenas revelem competências ocultas. Faço essa menção no espírito de enfatizar que há um território comum entre Ciências Biológicas e Sociais que necessita ser explorado não apenas no estudo do desenvolvimento, mas também no estudo da saúde. Desenvolvimento e saúde são dois exemplos de processos que não podem ser encapsulados por fronteiras disciplinares acadêmicas. Segundo, Shapin (2022) argumentou que a distinção das ciências em Duras e Moles pode tornar-se de pouca utilidade desde que exista um crescente reconhecimento de que a complexidade dos problemas que a humanidade enfrenta demanda um tipo de competência de interpretar e promover mudanças no mundo que é típico das ciências socais. Nas palavras do próprio Shapin (2022),

E uma razão para este possível reconhecimento é a crescente percepção de que os produtos mais valorizados e prática de modernidade tardia são os híbridos de material e de humano, fundindo junto a competência das ciências naturais e das sociais, tornando a distinção entre ciências duras e ciências moles mais difícil de apreender e sem sentido para se preconizar.

(Shapin, 2022, p. 41).

Em resumo, creio ser importante enfatizar a importância de se praticar as Ciências Humanas e Sociais nas Ciências da Saúde. O uso do termo Ciências “Moles” não diz muito, pelo menos para leitores da língua portuguesa. Na verdade, essa denominação pode confundir dirigindo a atenção do leitor para aspectos que não são centrais ao problema, qual seja: saúde é uma questão humana com marcadores psicológicos, sociais e políticos.

3 DO TREINAMENTO NA PÓS-GRADUAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO NA PÓS-GRADUAÇÃO COM PENSAMENTO CRÍTICO E AÇÃO

Gastaldo e Eakin apontaram a falta de letramento científico pela maioria dos pesquisadores no que concerne à pesquisa qualitativa. Concordo com elas, mas acredito que o problema é mais geral. A falta de compreensão da pesquisa qualitativa é um sintoma da crescente falta de erudição acadêmica em todos os campos. Programas de pós-graduação tornaram-se programas de treinamento para se fazer pesquisa em dois ou, máximo três anos, para então se obter o título de Doutor. Os estudantes não têm tempo para refletir a respeito do que está envolvido na labuta científica. Max Jammer, físico e historiador alemão, disse:

a atividade do cientista moderno, mais técnico do que filósofo, é forçada até limites extremos pela necessidade de digerir informações que se acumulam rapidamente em seu campo de pesquisa específico...(pesquisadores) têm poucas oportunidades de se dedicar aos problemas fundamentais relacionados com os conceitos que usam.

(Jammer, 2011, p. 15)

A falta de tempo e envolvimento com o estudo de conceitos e teorias fundamentais criam grandes lacunas na base acadêmica do estudante e do futuro pesquisador, razão pela qual Jammer referiu-se ao cientista moderno sendo mais um técnico. Vale ressaltar que Jammer está falando sobre pesquisadores numa das Ciências Duras por excelência: Física. Além do mais, Jammer não se refere à falta de letramento científico em relação a outras ciências, mas dentro da própria Física e acerca de seus conceitos fundamentais.

Salles de Oliveira também destacou a confusão que se faz entre o método e suas técnicas. Aqui seu comentário sobre metodologia das ciências se aplica a todas as ciências:

Não é difícil encontrar quem conceitue método como um conjunto de técnicas, mas isso significaria operar uma enorme redução naquilo que ele pode representar. Método envolve, sim, técnicas que devem estar sintonizadas com aquilo que se propõe; mas, além disso, diz respeito a fundamentos e processos, nos quais se apoia a reflexão.

(Salles de Oliveira, 2003, p. 21).

Os estudantes raramente têm contato com os clássicos de sua própria temática de investigação e isto ocorre independentemente de se estar falando das Ciências Naturais ou Ciências Sociais. Entretanto, estou inclinado a especular que é muito mais difícil para um estudante passar ao largo dos clássicos estando nas Ciências Sociais. Nas Ciências Naturais, alguém pode obter uma quantidade razoável de dados se “aperta” os botões certos e pode ter acesso a um bom roteiro de alguma aplicação digital que decodifica os dados3. Nas Ciências Humanas e Sociais, o pesquisador é o principal “instrumento”4 com seus conhecimentos, sentimentos e empatia amalgamados pela experiência vivida com os participantes na pesquisa.

Gastaldo e Eakin propõem um esquema de educação acadêmica consistente e rigoroso a respeito da pesquisa qualitativa. O que elas nos mostram deveria ser considerado a sério e levar a uma completa revisão de como nossos programas de pós-graduação estão sendo conduzidos nas Ciências Humanas e Sociais, e também nas Ciências Naturais. Devemos dar uma chance ao “tempo para estudar” nos programas de pós-graduação. Na verdade, toda ciência necessita repensar como ela está sendo feita e talvez considerar seriamente a necessidade de desacelerar como se conduzem as investigações para se conseguir obter mais do que a ciência pode de fato proporcionar (cf. Stengers, 2023).

Talvez seja pedir muito para que Gastaldo e Eakin ampliem sua proposta para ensinar não apenas os fundamentos da pesquisa qualitativa crítica, mas também a bases da ciência em geral. Elas já têm muitos desafios para tratar em seu próprio campo. Todavia, o artigo que elas nos oferecem é uma boa oportunidade para se repensar os estudos na pós-graduação, tornando-a uma boa e sólida educação na pós-graduação inspirada, talvez, na ideia de Bildung de tradição germânica5. Ribeiro (2001) propôs há mais de duas décadas que era preciso reformular os currículos da graduação e da pós-graduação para forjar uma cultura para pesquisa, uma cultura que abarcava uma compreensão das diferentes formas de conhecer envolvendo ciência, filosofia, literatura e arte.

No prefácio de seu livro Atos de significado, Jerome Bruner disse isso melhor ao se referir aos livros que penso poder generalizar para todos os tipos de produção acadêmica:

Livros são como topo de montanhas que saltam para fora do mar. Ainda que pareçam como ilhas, eles são picos de uma geografia submersa que é ao mesmo tempo local e, por tudo isso, parte de um padrão universal. E assim, embora inevitavelmente eles reflitam um tempo e lugar, eles são parte de uma geografia intelectual mais geral. Este livro não é exceção.

(Bruner, 1990, p. ix)

Em sua busca por aumentar o conhecimento dos estudantes sobre as fundações do que faz uma pesquisa qualitativa boa e sólida, Gastaldo e Eakin nos relembram de que tudo o que necessitamos, independentemente do tipo de ciência que se faça, é trabalhar para uma melhor educação acadêmica, uma educação que verdadeiramente oriente e instigue os estudantes a mergulharem no oceano de conhecimento e sabedoria, para conhecer a geografia intelectual submersa.

4 PENSAMENTO CRÍTICO REFLEXIVO COMO CHAVE PARA AS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS FAZEREM A DIFERENÇA NO CAMPO DA SAÚDE

O núcleo central do artigo de Gastaldo e Eakin é o seu apelo para o pensamento crítico reflexivo subjacente à condução das Ciências Moles (ou Ciências Humanas e Sociais) no estudo (e intervenção) da saúde. Elas são radicais em sua proposta, ainda que corram o risco de não se integrarem bem com as tendências predominantes de pesquisa sendo conduzidas nas Ciências da Saúde. Embora reconheçam em sua posição uma postura elitista, elas argumentam que é melhor ser marginal em relação à maioria do que correr o riso de comprometer os princípios centrais por trás de seu entendimento acerca das questões que desafiam a saúde, principalmente considerada como pública, social e coletiva.

Há ecos das ideias de Noam Chomsky na proposta de Gastaldo e Eakin. Em 1971, Noam Chomsky ministrou as Aulas Russell na University of Cambridge, Reino Unido. Nessas aulas, Chomsky (1972) apresentou as duas principais tarefas de todo acadêmico: o pensamento crítico sobre os princípios empíricos da compreensão humana com seus desafios e limites (ele ilustrou essa tarefa com sua própria investigação sobre a linguagem) e o pensamento crítico para modificar o mundo a fim de combater as injustiças, as enormes desigualdades sociais, para denunciar as ações privadas e corporativas para manter o status quo (ele ilustrou essa tarefa com sua longa luta para denunciar as ações dos Estados Unidos como uma potência imperialista). Gastaldo e Eakin, a seu modo, não demonstram apenas uma preferência particular por uma abordagem investigativa, elas assumem uma postura potente e radical para um modo de ciência que é crucial para lidar com as bases e os limites da compreensão humana dos processos da saúde. Além disso, elas adotam uma postura ativista engajada na transformação social com e pela saúde. Na verdade, elas argumentam uma pesquisa qualitativa que seja “mais transgressora, desafiando os limites metodológicos do campo”. Aprecio essa postura, ainda que ela soe muito radical. Vejo alguns paralelos entre a posição assumida por elas e o que está acontecendo na vida social e política ao redor do mundo, em anos recentes. Uma das razões da erosão gradual das políticas de estado de bem-estar social a um ponto de quase total abandono nos últimos 40 anos se deve ao fato de que os movimentos sociais e de esquerda fizeram tantas concessões aos conservadores em busca de consenso que se esvaziaram e se distorceram. Numa mudança dramática de eventos, a postura radical que era marca registrada dos movimentos sociais e de esquerda tornou-se típica dos movimentos de direita e ainda abriu espaço para ressurgimento dos movimentos de ultradireita (cf. Stefanoni, 20226). Não é minha intenção dizer que a postura radical de Gastaldo e Eakin seja uma resposta à expansão e sucesso dos movimentos de direita ao redor do mundo, mas a sua opção por ser marginal e transgressor na pesquisa na saúde tem ressonância no atual estado do mundo, embora numa direção desejável oposta.

Apesar de minha simpatia pela postura radical de Gastaldo e Eakin, preciso ponderar sobre a possibilidade de sua estratégia dificultar alianças científicas com o corpo docente, com pesquisadores de diferentes disciplinas e ciências. Ciência é esforço coletivo, e uma postura radical pode insuflar intolerância e criar obstáculos para o diálogo necessário entre disciplinas, entre ciências duras e moles, naturais e sociais. Antes da divisão das ciências se tornar um campo de disputa e luta pelo poder, as divisões resultaram de um melhor enfoque das questões fundamentais, da busca de uma conceituação e instrumentação mais apropriada para lidar com a diversidade dos fenômenos. Eu gostaria de me referir a um princípio epistêmico originalmente proposto na Física na década de 1930 por Niel Bohr (1885-1962), físico dinamarquês e laureado com o Prêmio Nobel em Física. No princípio da complementaridade, Bohr (1961) buscou tratar do paradoxo entre a Mecânica Clássica e a Física de Partículas (que ele ajudou a criar) e posteriormente ficou conhecida como Mecânica Quântica. O paradoxo residia nas suposições epistêmicas em cada Mecânica. Na Mecânica Clássica, assume-se que os fenômenos físicos são determinísticos. O mundo físico na Mecânica Quântica é considerado como sendo probabilístico. Embora os princípios subjacentes a cada Mecânica sejam incompatíveis, Bohr argumentou que o mundo físico que eles buscam compreender é um só. Se queremos entendê-lo, é necessário mirá-lo por meio de lentes diferentes, em que pese quão contraditórias elas possam ser. Bohr estava advogando pela necessidade de um olhar tolerante em cada lado. A despeito das formas muito distintas de se ver o fenômeno, a compreensão pode se beneficiar muito de miradas contraditórias, mas ainda assim complementares. Bohr buscou ser o mais convincente possível ao argumentar que cada lado da explicação pode ser melhorado ao considerar a outra forma de ver, uma visão influenciando a outra e nesse processo dando uma compreensão geral mais ampliada7. Bohr também enfatizou que o que se chama de fenômeno na Física é sempre comprometido pelas condições e instrumentação usadas, portanto, mesmo na Física não se pode falar sobre uma distinção clara entre o observador e o que está sendo observado. Bohr logo percebeu que as implicações do princípio da complementaridade ultrapassavam as fronteiras da Física. Em 1938, ele fez o discurso de abertura no Congresso Internacional de Ciências Antropológicas e Etnológicas em Copenhague, cujo título foi “Filosofia Natural e Culturas Humanas”, no qual explorou as aplicações do princípio da complementaridade para aproximar as Ciências Naturais e Sociais.

Acredito que nós, do lado das Ciências Naturais, devemos trabalhar com a proposta de Gastaldo e Eakin com o espírito do princípio da complementaridade. Houve tentativas de unir as diferentes disciplinas ao longo dos últimos cem anos para combater as crescentes especializações nas disciplinas acadêmicas, mas em muitos casos (como na proposta de Consiliência de Edward Wilson, 1998) houve uma tendência de reduzir as ciências sociais a um modelo baseado em ciências biológicas. O princípio da complementaridade não propõe uma redução de um conjunto de disciplinas para outro. Em vez disso, o princípio enfatiza a importância de reconhecer as diferenças nos princípios epistêmicos e reunir a diversidade resultante de visões para ampliar nossa mirada sobre os fenômenos8. Acho que a Saúde é um exemplo de um processo que garante lentes diferentes, das Ciências Naturais e das Ciências Humanas e Sociais. O sucesso no avanço da Saúde pode estar ligado à maneira como articulamos esses conhecimentos diferentes, resultantes de cada ciência. A complementaridade representa um grande desafio para todos os pesquisadores porque cada palavra que se usa para conceituar um dado objeto é resultado de construções linguísticas originadas de diferentes racionalidades. Isso é particularmente crítico no campo da Saúde, como foi demonstrado por Ayres (2007) em sua análise das palavras “saúde” e “doença”. Ayres propõe uma abordagem hermenêutica para seguir um caminho em direção a uma visão mais integrativa do processo saúde-doença e articular o conhecimento técnico-científico com o conhecimento prático. Na proposta de Ayres não há uma ação causal de um lado, a ação do profissional de saúde com seu conhecimento científico, e o efeito de outro lado, as consequências no corpo do paciente. Em vez disso, o objeto está na ação compartilhada de todos, profissionais de saúde e pacientes, com seus conhecimentos de diversas racionalidades. De fato, a proposta de Gastaldo e Eakin está em pleno acordo com a abordagem hermenêutica de Ayres. Enfatizei sua abordagem como um exemplo para pavimentar o caminho para a complementaridade no trabalho no campo da Saúde.

Ayres (2007) enfatizou a “presença ativa” de todos os sujeitos, profissionais de saúde e pessoas sendo “tratadas”, todos compartilhando seus conhecimentos por mais diversos que sejam. Isso me levou a mencionar a importância de considerar um movimento acadêmico, ainda tímido, em direção a uma compreensão e atitude de abarcar diferentes formas de saber que também nos convidam a praticar o princípio da complementaridade. Recentemente, Ailton Krenak convidou acadêmicos universitários a pensar a partir e com a sabedoria antiga, para exercitar e incorporar um tipo diferente de conhecedor: o conhecedor coletivo (Krenak, 2023). Um apelo semelhante foi feito por um grupo de pesquisadores brasileiros e alemães que trabalham nas áreas de Biologia e Antropologia sobre a intersecção do conhecimento acadêmico e sabedorias antigas e esquecidas (Wulf; Baitello Jr., 2018).

5 EXCURSO: O QUE É POSITIVISMO?

O positivismo é geralmente referido como uma preocupação feita principalmente por cientistas sociais sobre um julgamento tendencioso, o viés sendo restringido por, se não determinado por preconceito. Gastaldo e Eakin referiram-se à postura positivista como estando em oposição à sua atitude científica. Uma maneira de olhar para o positivismo é vê-lo como uma doutrina guiada pela ciência moderna para combater o pensamento e as atitudes dogmáticas, e que não foram submetidas ao teste da racionalidade confrontada pela investigação empírica. De acordo com a Enciclopédia Britânica, o positivismo na filosofia ocidental se refere a "qualquer sistema que se limita aos dados da experiência e exclui especulações a priori ou metafísicas"9. Creio que todos que acreditam na ciência querem evitar o pensamento e o comportamento dogmáticos. No entanto, reconheço que um efeito colateral do positivismo é a conclusão equívoca de que os pesquisadores, por serem "científicos", são "neutros" em seus julgamentos e ações. Como apontado por Stephen Jay Gould (1996), não há maior falácia na profissão acadêmica do que essa noção de neutralidade dos cientistas. O positivismo permite que alguém saiba melhor quais são suas preferências, onde elas se posicionam em relação aos resultados de experiências e experimentos, onde elas se encontram em relação a como as pessoas são afetadas pelo que alguém faz.

O grande erro em relação ao positivismo tem sido a suposição de que, por ser um “positivista”, alguém é livre para agir sem julgamentos morais, como se uma atitude científica fosse livre de tais julgamentos. De tempos em tempos, pesquisadores em seus laboratórios se deparam com desafios morais sobre continuar ou interromper suas investigações por causa das consequências negativas antecipadas que os resultados podem induzir. Esses dilemas assombraram muitos acadêmicos nos últimos cem anos, desde o caso bem conhecido dos cientistas envolvidos na fabricação da bomba atômica na década de 1940 até os mais recentes em relação aos desenvolvimentos da inteligência artificial geral e da vida sintética.

Auguste Comte (1798–1857), com sua posição quanto ao positivismo, é fonte de muitas das críticas de cientistas humanos e sociais. Sua abordagem é obviamente enviesada pelo pensamento racionalista e, ao mesmo tempo, extrema aos descartar tudo o que não é empírico. Tomando a perspectiva da crítica decolonial pode-se dizer que a visão de positivismo de Comte é muito eurocêntrica ao colocar outras formas de pensar e raciocinar a partir de tradições e ritos ancestrais como sendo inferiores ao estágio mais avançado do pensamento humano: o pensamento científico. No entanto, não se pode ignorar a grande conquista da ciência em geral: o método científico. Um método que nos dá uma escala para processar nossas experiências e experimentos de uma forma que os resultados não possam ser julgados de acordo com o que queremos que aconteça ou tenhamos vivido. O método científico é um tipo de régua que não nos isenta de julgamentos morais, mas nos ajuda a ver onde estão nossas preferências em relação ao que obtivemos com nossas pesquisas. O método científico nas Ciências Naturais, bem como nas Ciências Humanas e Sociais, é um método de acreditação (uma forma de auditoria) de nossos próprios julgamentos sobre experiências e experimentos. O que faremos com o que foi acreditado é uma questão de valores morais que cada um de nós preza em nossas vidas.

Alguns acadêmicos podem dizer que a proposta de Gastaldo e Eakin não é científica, pois são muito críticos da ciência positivista para o campo da Saúde. Acho que eles estão grosseiramente errados. Pelo contrário, a defesa que elas fizeram para a Pesquisa Qualitativa Crítica (PQR) é uma avaliação ontológica sobre o que está envolvido na Saúde. Sua escolha pela PQR é resultado de um julgamento moral sobre o que é valioso fazer segundo as balizas do que Edward Said nomeou como os quatro valores universais: a busca pela verdade, com razão e justiça e com respeito à liberdade de expressão. Nesse sentido, Gastaldo e Eakin podem ser chamadas, como bem diria Said (2005), de intelectuais.

6 PALAVRAS FINAIS

Não pretendo propor que Gastaldo e Eakin revisem suas estratégias, meus comentários foram apresentados mais como um registro do que seu artigo me fez pensar. Pensei em muito mais coisas do que fui capaz de processar e expressar aqui. Sinto-me partidário da causa delas ao defender a pesquisa qualitativa crítica em Ciências da Saúde. Meu entendimento é o de que seu artigo lida com um desafio enorme, um desafio sobre o qual todo pesquisador que deseja fazer contribuições reais e boas para todos deve refletir todos os dias e é mais bem expresso nestes versos por T. S. Eliot (1888-1965):

(Onde está a Vida que perdemos ao viver?
Onde está a Sabedoria que perdemos no conhecimento?
Onde está o Conhecimento que perdemos na informação?)
(Choruses from the Rock, 1934)

Agradecimentos

Ao longo dos anos tenho tido o privilégio de dialogar vividamente com pesquisadoras e pesquisadores das Humanidades e Ciências Sociais o que me ensinou muito mais sobre o meu estudo do desenvolvimento motor do que já tinha apreendido dentro do meu próprio campo orientado em grande medida pelas Ciências Naturais. O meu texto nesta seção Temas Polêmicos tem um grande débito para com esses diálogos. Entretanto, deixo claro que os equívocos e imprecisões que porventura persistam no texto são de minha inteira responsabilidade.

  • COMO REFERENCIAR
    MANOEL, Edison de Jesus. Para além das Ciências Moles (e Duras) em direção à complementaridade nas maneiras de conhecer: um comentário sobre a centralidade da Pesquisa Qualitativa Crítica no campo da Saúde. Movimento, v. 31, p. e31001 jan./dez. 2025. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.145680.
  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.
  • 1
    Ribeiro (2003) discutiu os termos Humanidades e Ciências Humanas e mostra como usá-los de modo apropriado. A distinção entre as duas é muito problemática na medida que as Humanidades podem não se referir a uma ou mais disciplinas acadêmicas, mas ao conhecimento clássico na Filosofia e na Literatura e nas Artes. As Ciências Humanas (e Sociais) referem-se às disciplinas científicas que enfocam a investigação de questões humanas, como na Psicologia, Antropologia, Sociologia e História. Ribeiro optou por elas de indistinto e pôs a lume a noção de que Humanidades e Ciências Humanas (Sociais) estão mais próximas entre si do que se pode imaginar. Elas compartilham um aspecto fundamental que é a pessoa, o sujeito que conhece, muda no processo de conhecer o objeto.
  • 2
    Jerome Bruner (1915-2016) foi um psicólogo americano muito conhecido por seus estudos sobre o desenvolvimento cognitivo de crianças nos anos 1950 e 1960, sendo reconhecido como um dos responsáveis pela revolução cognitivista na Psicologia até então dominada pelo Behaviorismo. Sua preocupação com o contexto sociocultural do desenvolvimento levou-o a discutir questões relativas à pedagogia orientada pelo desenvolvimento e enveredar pela Psicologia Culturalista a partir dos anos 1990. Kevin Connolly (1937-2016) foi um psicólogo inglês, notabilizou-se por conduzir estudos em diferentes temáticas da biologia e da psicologia do desenvolvimento, indo da genética do comportamento (em que foi um dos pioneiros) à ecologia da educação infantil, passando pelo desenvolvimento motor, numa trajetória única de abordagem do desenvolvimento das ações humanas.
  • 3
    Devo esclarecer que não estou querendo dizer que em Ciências Naturais basta apertar botões, muito pelo contrário. No entanto, como a coleta de dados é geralmente mediada por instrumentos que foram desenvolvidos e calibrados por muitas pessoas, conhecer os princípios sobre os quais eles operam pode não ser tão necessário para lidar com eles.
  • 4
    Por esse motivo, as demandas para se diminuir o tempo do estudante na pós-graduação, bem como eliminar dessa formação o Mestrado, enfrentam críticas contundentes dos envolvidos nas Ciências Humanas e Sociais. É preciso tempo para se atingir a maturidade teórica e metodológica para se conduzir uma pesquisa etnográfica, por exemplo.
  • 5
    Foi de Elenor Kunz que ouvi pela primeira vez a alusão a essa tradição Germânica de formação como uma referência para se efetuar a revisão da maneira como os estudos e as orientações são conduzidas na Pós-graduação em Educação Física. Ele fez esse comentário durante sua apresentação na Mesa Redonda “Pós-graduação em Educação Física e Formação de Professores – Conteúdo, metodologia e avaliação na intervenção profissional” durante o IV Fórum Permanente de Pós-graduação em Educação Física do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte realizado nos dias 25 a 27 de maio de 2011 em Florianópolis, SC.
  • 6
    A mesma posição tem sido manifestada por Vladimir Safatle, professor titular de Filosofia da Universidade de São Paulo, em várias palestras proferidas nos últimos anos nas quais ele procurou dar sua interpretação para o sucesso dos movimentos de extrema direita no Brasil desde 2016.
  • 7
    Podemos encontrar uma postura similar oriunda da etologia no sentido de articular diferentes visões para a investigação de um mesmo fenômeno e que foi proposta por Niko Tinbergen (1907-1988), zoologista holandês, conhecida como “os Quatro Porquês” (Tinbergen, 1963). Tinbergen ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia/Medicina em 1973 por essa ideia e por outras contribuições da etologia para a compreensão do desenvolvimento humano.
  • 8
    Em 2011, fui professor visitante no Departamento de Psicologia da Lancaster University, Grã-Bretanha. Lá, conduzi um seminário sobre as implicações do Princípio da Complementaridade de Bohr para o estudo do desenvolvimento de ações, com base no fato de que os fenômenos do desenvolvimento são processos naturais e sociais. Para esse seminário, um professor de Física Teórica do Departamento de Física foi convidado. Quando perguntei a ele sobre como os físicos se posicionavam sobre o princípio da complementaridade, ele disse que muitos acadêmicos achavam que Bohr era um pouco confuso sobre isso, em alguns casos o princípio era tratado como uma espécie de esoterismo de Bohr porque não havia matemática nele. Mais tarde, percebi que Bohr pode não ter colocado números e equações no princípio da complementaridade porque assim ele teria dificultado o diálogo com outras ciências, particularmente as Ciências Humanas e Sociais. O que Niels Bohr estava enfatizando com seu princípio da complementaridade era muito mais uma atitude de tolerância acadêmica, um exercício de empatia acadêmica e alteridade.
  • 9
    FEIGL, Herbert. "positivism". Encyclopedia Britannica, 17 Jan. 2025. Disponível em: https://www.britannica.com/topic/positivism. Acesso em: 14 jan. 2025.

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Editado por

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2025
  • Aceito
    06 Fev 2025
  • Publicado
    05 Mar 2025
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