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CENÁRIOS, CONTEXTOS E PROTAGONISTAS DA DANÇA JAZZ EM RIO GRANDE/RS

SCENARIOS, CONTEXTS AND PROTAGONISTS OF JAZZ DANCE IN RIO GRANDE, BRAZIL

ESCENARIOS, CONTEXTOS Y PROTAGONISTAS DE LA DANZA JAZZ EN RIO GRANDE/RS

Resumo

Objetivamos reconhecer as condições históricas que permitiram a existência da dança jazz em Rio Grande/RS, personagens, trajetórias profissionais, influências e perspectivas para o cenário contemporâneo da dança. Para tanto, foram entrevistadas cinco profissionais da dança, responsáveis pela manutenção de espaços e de práticas da dança no referido município. A partir da análise das entrevistas chegamos às seguintes categorias: Quem são essas mulheres que dançam? - apresentação das entrevistadas centrais; A dança jazz chega a Rio Grande/RS - a conjuntura que possibilitou a emergência da dança jazz ; Entre elos e conflitos: potências da/na dança - após a emergência da dança jazz as trajetórias e os olhares das bailarinas/professoras sobre a dança. Por fim, entendemos que a dança jazz se configurou num movimento potente que atraiu público, bailarinos(as) e profissionais; projetou Rio Grande/RS a vivenciar grandes festivais e conquistas. Entretanto, são condições efêmeras, atravessadas pela ausência de investimentos de grande monta no cenário artístico-cultural.

Palavras-chave:
Dança; Biografia; Entrevista

Abstract

We aim to identify the historical conditions that allowed the existence of Jazz Dance in Rio Grande (RS, Brazil), its characters, professional trajectories, influences and perspectives for Jazz Dance’s contemporary scene. Therefore, five professional dancers responsible for maintaining spaces and practices of that dance in the city. From the analysis of the interviews we arrived at the following categories: Who are these women who dance? - presentation of the main interviewees; Jazz Dance arrives in Rio Grande/RS - the scenario that enabled its emergence; Between links and conflicts: powers of/in Jazz Dance - after the emergence of Jazz Dance, the trajectories and views of the dancers/teachers on Dance. Finally, we understand that Jazz Dance became a powerful movement that attracted audiences, dancers and professionals; projected Rio Grande/RS to experience great festivals and achievements. However, these are ephemeral conditions pervaded by the absence of major investments in the artistic-cultural scene.

Keywords:
Dance; Biography; Interview

Resumen

Buscamos reconocer las condiciones históricas que permitieron la existencia de la Danza Jazz en la ciudad de Rio Grande/RS, así como personajes, trayectorias profesionales, influencias y perspectivas para el escenario contemporáneo de la danza. Para ello, se realizaron entrevistas a cinco profesionales de la danza, responsables de mantener espacios y prácticas de danza en ese municipio. Por el análisis de las entrevistas llegamos a las siguientes categorías: ¿Quiénes son esas mujeres que danzan? - presentación de las entrevistadas; La Danza Jazz llega a Rio Grande/RS - la coyuntura que hizo posible el surgimiento de la Danza Jazz; Entre vínculos y conflictos: potencias de la/en la Danza - después de la aparición de la Danza Jazz, las trayectorias y miradas de las bailarinas/profesoras sobre la Danza. Finalmente, entendemos que la Danza Jazz se configuró como un movimiento poderoso que atrajo público, bailarinas, bailarines y profesionales e impulsó a Rio Grande/RS a vivir grandes festivales y conquistas. Sin embargo, son condiciones efímeras, atravesadas por la ausencia de grandes inversiones en el escenario artístico-cultural.

Palabras clave:
Baile; Biografía; Entrevista

1 INTRODUÇÃO

As vozes que forjaram um território dançante em Rio Grande, no interior do Rio Grande do Sul/RS, indicam os imbricamentos de múltiplas existências. São histórias que se entrecruzam formando poesias, deflagrando afetos e saberes que apontam para modos como a dança aportou nesse município. Assim, consideramos necessário demarcar a existência de narrativas que configuram cenários históricos dançantes, de personagens que oportunizaram a demarcação de um território que se movimenta e se encontra nas memórias artísticas desse município. Tendo em vista a riqueza histórica presente no município, o Grupo de Pesquisas1 1 O nome do grupo foi retirado para preservar a avaliação às cegas. vem desenvolvendo investigações sobre profissionais que investiram nas danças em Rio Grande, no período de 1920 a 2020.

Nossa incursão no Centenário das Danças em Rio Grande iniciou-se pela monografia de Beatriz Duarte (1997DUARTE, Beatriz Batezat. Dança, “Poesia em Movimento” - sua memória, através de análise histórico-fotográfica (Rio Grande: 1940-1990). 1997. 115f. Monografia (Pós-Graduação em Artes) - Instituto de Letras e Artes, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS, 1997.) intitulada Dança, ‘Poesia em movimento’ - sua memória, através de análise histórico-fotográfica Rio Grande: 1940-1990’, a qual identificou espaços, professoras e precursores da dança em Rio Grande. Essa incursão ganha continuidade no Trabalho de Conclusão de Curso “Memórias e Narrativas: Protagonistas do Ballet Clássico na cidade do Rio Grande/RS” de Vanessa de Oliveira (2015OLIVEIRA, Vanessa Rocha de. Memórias e narrativas do ballet clássico na cidade de Rio Grande/RS. 2015. 208f. Trabalho de Conclusão de Curso. (Licenciatura em Dança) - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS, 2015.). Ambos os estudos permitiram reconhecer os primórdios da dança, bem como percorrer diferentes gerações da dança em Rio Grande.

De acordo com Duarte (1997DUARTE, Beatriz Batezat. Dança, “Poesia em Movimento” - sua memória, através de análise histórico-fotográfica (Rio Grande: 1940-1990). 1997. 115f. Monografia (Pós-Graduação em Artes) - Instituto de Letras e Artes, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS, 1997.), a cidade do Rio Grande entra no eixo das apresentações de grandes espetáculos do Brasil devido a sua condição de cidade portuária, o que permitia que navios fizessem uma escala para reabastecimento na cidade. Atrelada a essa condição estava a farta oferta de teatros na cidade.

O levantamento histórico realizado pela pesquisadora fornece os indícios de como a dança se estabelece como prática em Rio Grande a partir dos anos de 1920, sendo Madge Lawson, riograndina que foi estudar em Londres, a primeira a ministrar aulas de balé. Essa chegada da dança no município acontece simultaneamente ao período em que a dança sai da Europa, expandindo-se no mundo.

Desse modo, a partir de 1920 o cenário da dança em Rio Grande, ganha consistência, ampliando o número de pessoas interessadas e de espaços de oferta da dança na modalidade balé2 2 Duas versões que referenciam essa modalidade de dança estarão presentes no texto, “ballet” e “balé”. Entendemos “ballet” por uma forma internacional da escrita e “balé”, a forma apresentada no português brasileiro. Optamos por usar ambas as formas levando-se em conta as entrevistas. . Nos anos que se seguem nomes como: Inah Emil Martensen; Elaine Nunes; Auzenda Siqueira; Jean Dubois; Marilda Pomar; Dicleia Ferreira de Souza; Rubén Montes “Kyro” configuram-se como protagonistas da dança no município nas décadas de 1940 a 1980.

Assim, foi a partir de um mapeamento de sujeitos que possibilitaram a presença da dança em Rio Grande que identificamos a existência de gerações, e nessas, a presença de profissionais que se configuram em “discípulas” das Escolas das décadas de 1940 a 1970. Nesse mapeamento emerge a potência da dança jazz enquanto um fenômeno histórico no município de Rio Grande o que nos direcionou ao surgimento dessa modalidade em Rio Grande, uma vez que seu surgimento inaugura um momento ímpar no município. Assim, o objetivo desta investigação é reconhecer as condições históricas que permitiram a existência da dança jazz em Rio Grande, personagens, trajetórias profissionais, influências e perspectivas para o cenário contemporâneo da dança.

2 PERCURSO METODOLÓGICO

Esta pesquisa é de natureza qualitativa, caracterizada a partir do método histórico, uma vez que se propõe a:

[…] investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época” (MARCONI; LAKATOS, 2010MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010., p. 89).

Para o desenvolvimento desta pesquisa foram contatadas, inicialmente, cinco professoras, as quais consideramos a quarta e a quinta gerações da dança em Rio Grande, reconhecidas pelas suas atuações com dança em Rio Grande, pois fundaram espaços para o desenvolvimento e a formação de bailarinos(as), qualificaram seus trabalhos e tornaram o município reconhecido no cenário da dança. Na sequência, ainda, contatamos duas ex-bailarinas, de diferentes espaços de dança, entre os anos de 1980 e 2000, que vivenciaram a efervescência da dança jazz em Rio Grande.

Nossas ações investigativas tiveram um percurso bastante peculiar, pois devido à emergência da pandemia da covid-19, em março de 2020, na região sul do Rio Grande do Sul, as entrevistas foram realizadas pelos(as) pesquisadores(as) de forma híbrida, presencial ou via aplicativos de redes sociais. As entrevistas foram realizadas no período de novembro de 2019 a junho de 2020. O roteiro foi composto por treze questões acerca da identificação pessoal; as escolas e experiências com danças; formação e atuação profissional; a dança em Rio Grande/RS; legados e discípulos. Todas as entrevistas foram transcritas e encaminhadas às respectivas entrevistadas, para que, diante da concordância com as informações transcritas, fosse assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Após o consentimento de uso das informações, a equipe de pesquisadores(as) passou às análises das entrevistas procurando responder aos objetivos propostos. Fez-se a leitura das entrevistas, na íntegra, buscando informações que evidenciassem os investimentos e os protagonismos da dança em Rio Grande. Desse modo, chegamos às seguintes categorias: a) Quem são essas mulheres que dançam? - apresentamos as entrevistadas centrais deste estudo; b) A dança jazz chega a Rio Grande - a conjuntura que possibilitou a emergência da dança jazz em Rio Grande; c) Entre elos e conflitos: potências da/na dança - após a emergência da dança jazz as trajetórias e os olhares das bailarinas/professoras sobre a dança em Rio Grande.

3 ANÁLISES E DISCUSSÕES

3.1 QUEM SÃO ESSAS MULHERES QUE DANÇAM?

A entrevistada Heloisa das Neves Bertoli nasceu em Rio Grande, tinha 65 anos na oportunidade da pesquisa e teve como formação acadêmica a Engenharia Civil. A segunda entrevistada, Beatriz Batezat Duarte, é riograndina, tem 63 anos, licenciada em Educação Física (UFPel), bacharel em Direito (FURG) e pós-graduada em Artes (UFPel). A entrevistada Denise Prado Costa é natural de Rio Grande, 51 anos, funcionária pública municipal e tem formação acadêmica em Pedagogia (FURG), com especialização em Dança pela Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (PUC-RS). A quinta entrevistada, Eugenia Campani Klinger, nasceu em 1953 em Saldanha Marinho/RS. Sua formação acadêmica não foi concluída, faltando apenas um semestre para a finalização do curso de Educação Física (UFPel); é proprietária, desde 1981, da Academia Ensaio. A entrevistada Dóris Ramis, natural de Rio Grande, tem 66 anos, professora de balé e proprietária da academia Art & Manhas, desde 1988, em Rio Grande, formada em Engenharia Civil, atuou nessa área por apenas seis anos.

A tônica da formação dessas bailarinas foi o seu desenvolvimento em cursos livres (escolas de dança) e suas formações acadêmicas não estiveram atreladas, necessariamente, a áreas que pudessem ampliar seus repertórios e/ou conhecimentos sobre dança. Para Morandi (2006MORANDI, Carla. A dança e a educação do cidadão sensível. In: STRAZZACAPPA, Márcia; MORANDI, Carla. Entre a arte a docência: a formação do artista da dança. Campinas: Papirus, 2006. p. 71-122., p.92) a tradição existente nessa área evidencia que “[…] os cursos livres (academias e escolas de dança), principais fomentadores da dança no país, são responsáveis pela formação tanto do bailarino como do professor de dança que atua nesses próprios cursos”. Condição que, para Strazzacappa (2006STRAZZACAPPA, Márcia. A dança e a formação do artista. In: STRAZZACAPPA, Márcia; MORANDI, Carla. Entre a arte a docência: a formação do artista da dança. Campinas: Papirus, 2006. p. 11-67.), reforça a necessidade de uma forte interlocução entre as academias/escolas de danças com a universidade na medida em que bailarinos(as) interessados(as) em dar continuidade à formação em dança possam também fazê-lo em cursos superiores, os quais podem contribuir significativamente para a ampliação de sentidos e perspectivas sobre a dança.

Entre os cursos de formação, observamos como recorrência na formação das referidas bailarinas a Escola de Ballet Diclea Ferreira de Souza - Núcleo Rio Grande. Escola fundada na década de 1970, apresentou espetáculos como “Quebra Nozes”, “La Fille Mal Gardée” e “Étude”, concluindo suas atividades na cidade em 1983 (DUARTE, 1997DUARTE, Beatriz Batezat. Dança, “Poesia em Movimento” - sua memória, através de análise histórico-fotográfica (Rio Grande: 1940-1990). 1997. 115f. Monografia (Pós-Graduação em Artes) - Instituto de Letras e Artes, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS, 1997.). Ainda assim, pela proximidade entre as cidades de Rio Grande e Pelotas (aproximadamente 60 km), algumas bailarinas ainda mantiveram sua formação quando a escola fechou suas portas em Rio Grande. Os relatos das entrevistadas evidenciam a solidez, a rigidez, a técnica e o perfeccionismo que caracterizavam o trabalho dessa escola.

Em relação à formação em dança, Heloisa das Neves Bertoli iniciou seus estudos com oito anos de idade, sob os ensinamentos do professor e bailarino Jean Dubois, por volta de 1963 e 1967. Em seguida, foi para a Escola de Belas Artes Heitor de Lemos, onde deu seguimento aos seus estudos com a professora Sandra Gonçalves. No início da década de 1970, frequentou a Escola de Ballet Dicléa Ferreira de Souza, onde permaneceu por cerca de um ano e meio.

Beatriz Batezat Duarte teve a formação principal em balé clássico com a professora Sandra Gonçalves. Também frequentou aulas na Escola Diclea Ferreira de Souza tanto quando a escola esteve em Rio Grande como também frequentou aulas na escola matriz, em Pelotas.

A formação na dança de Denise Prado Costa também ocorreu na Escola Diclea Ferreira de Souza, inicialmente em Rio Grande e finalizando na cidade de Pelotas. Continuou sua formação passando pela Escola de Belas Artes Heitor de Lemos, a qual tem como base a formação em balé clássico, perpassando pelo jazz, dança contemporânea e sapateado americano na Academia Jazz Inclusive.

Formada na Escola Diclea Ferreira de Souza, Dóris Ramis destacou que o início do seu envolvimento com a dança ocorreu com cinco anos de idade, na banda Rossini, com o professor Jean Dubois.

Por fim, Eugenia Campani Klinger declarou que iniciou sua formação em dança aos cinco anos de idade, citando professores(as) como: Hemelena Russomano, Auzenda Siqueira, Walter Arias, Jean Dubois e Sandra Gonçalves. Ela foi a única profissional que não foi aluna da Escola Diclea Ferreira de Souza.

Sob coordenação de Jean Dubois, a Escola de Ballet da Cidade do Rio Grande desenvolveu suas atividades de 1960 a 1966, tornando-se uma referência em dança e antecedendo a presença da Escola de Diclea Ferreira de Souza na cidade do Rio Grande. A partir dos estudos de Duarte (1997DUARTE, Beatriz Batezat. Dança, “Poesia em Movimento” - sua memória, através de análise histórico-fotográfica (Rio Grande: 1940-1990). 1997. 115f. Monografia (Pós-Graduação em Artes) - Instituto de Letras e Artes, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS, 1997.) e Oliveira (2015OLIVEIRA, Vanessa Rocha de. Memórias e narrativas do ballet clássico na cidade de Rio Grande/RS. 2015. 208f. Trabalho de Conclusão de Curso. (Licenciatura em Dança) - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS, 2015.), entendemos que a Escola de Jean Dubois pode ser considerada a terceira geração de escolas na cidade de Rio Grande, sendo contemporânea da Escola de Dança de Marilda Pomar. Essas relações, no nosso entendimento, são essenciais, pois observamos o movimento de formação dos(as) bailarinos(as) a partir das escolas e suas influências e referências.

Nesse sentido, as entrevistadas foram destacando nomes que contribuíram para suas formações, especificamente, no balé clássico. A entrevistada Beatriz Batezat Duarte elencou: Sandra Gonçalves, Rubén Montes, Rola, Roni, Eliana (professora na Escola de Diclea de Souza) e Eneida Dreher. Ela fez destaque aos estudos desenvolvidos em Porto Alegre, com Tony Petzhold, e no Rio de Janeiro, com Eugenia Federova e Eufani Peçanha. Denise Prado Costa salienta a importância de Walter Arias, Ruben Montes, Roseli Rodrigues, Regina Sauer, Carlota Portela, Marchina, Steven Harper e Pamela Thompson na sua trajetória. Dóris Ramis cita grandes nomes como: Toshie Kobayashi, Escola Pina Bausch, em Paris, Walter Arias, Eugênia Feodorova e New York City Ballet.

Na Ilustração 1, elaborada neste estudo, conseguimos visualizar a teia de relações, tempos, espaços e profissionais que contribuíram e influenciaram as gerações das nossas entrevistadas.

Ilustração 1
Profissionais da Dança em Rio Grande (décadas de 1920 - 1990)

Outro contexto relevante na cidade do Rio Grande foi a Escola de Belas Artes Heitor de Lemos (EBAHL), que passou a oferecer, de modo regular, curso de balé a partir de 1970, sob responsabilidade de Marilda Pomar (1960) e Sandra Gonçalves (de 1970 a 1974).

Em nossa investigação identificamos que Eugenia Campani Klinger foi aluna na Escola de Belas Artes; Heloisa das Neves Bertoli foi convidada para ministrar aulas de balé clássico na Escola; Denise Prado Costa foi aluna da Escola e, em 1985, passou a integrar o quadro de professores, ministrando aulas de balé clássico e Jazz; Dóris Ramis, ao longo de sua carreira, foi professora de balé na Escola de Belas Artes (1982) e Beatriz Batezat Duarte atuou como professora de balé (prática e teoria da técnica, história da dança e repertório), foi coordenadora da área de dança, vice-diretora e diretora da Escola de Belas Artes Heitor de Lemos. Assim, de uma maneira ou de outra, essa Escola faz parte da história da formação em dança em Rio Grande, provavelmente merecendo um estudo que se dedique à sua constituição histórica e às suas contribuições para o cenário artístico da cidade.

Após os longos anos de formação e de diferentes influências e escolas, em 1981, três, das cinco entrevistadas, estabeleceram uma sociedade e inauguraram uma escola de dança que faria uma história potente no município de Rio Grande.

3.2 A DANÇA JAZZ CHEGA A RIO GRANDE

A dança jazz é historicamente reconhecida como uma dança negra.

Tanto a música quanto a dança conhecidas com o nome de jazz são resultado de uma fusão de relações que prosperaram nos territórios americanos a partir do século 18. Suas raízes estão, obviamente, na cultura negra e suas características mais marcantes e visíveis nas danças africanas, nas quais a manifestação não era apenas um espetáculo, mas sim uma forma de comunicação (BENVEGNU, 2011BENVEGNU, Marcela. Reflexões sobre jazz dance: identidade e (trans)formação. Sala Preta PPGAC. Em Pauta, v. 11, n.1, p. 53-64, dez. 2011., p.54).

Sua construção histórica se deu através de vários movimentos de reconhecimento e de apropriações que foram possibilitando, de certa forma, a sua permanência/resistência até chegar aos grandes palcos. Mundim (2005MUNDIM, Ana Carolina da Rocha. Uma possível história da Dança Jazz no Brasil. In: FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE, 3. 2005, Curitiba. Anais […]. Curitiba: Escola de Música e Belas Artes do Paraná, 2005. p. 96 - 108.) discorre sobre os principais movimentos da dança jazz , desde o nascimento da sua existência como uma forma de expressão especificamente negra até ao cinema, passando pela Broadway.

No Brasil, o Jazz se fortaleceu a partir da década de 1950, por meio de shows de televisão, principalmente na TV Tupi e na TV Record. Assim, começaram a surgir bailarinas que seriam as primeiras professoras de Jazz no Brasil, como Marly Tavares e Vilma Vernon. Nomes importantes foram surgindo no Brasil, a partir desse período, como: Roseli Rodrigues, Rose Calheiros, Vilma Vernon, Edy Wilson, Carlota Portela, Débora Bastos, entre outras tantas figuras expressivas e responsáveis pela difusão da dança Jazz nos vários estados brasileiros (MUNDIM, 2005MUNDIM, Ana Carolina da Rocha. Uma possível história da Dança Jazz no Brasil. In: FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE, 3. 2005, Curitiba. Anais […]. Curitiba: Escola de Música e Belas Artes do Paraná, 2005. p. 96 - 108.).

Em Porto Alegre, a prática da dança Jazz também foi fortemente impulsionada pelos filmes citados anteriormente dos anos 1980. Eneida Dreher foi a primeira a ensinar o Jazz através do método Luigi. Cunha e Frank (2004CUNHA, Morgada; FRANK, Cecy. Dança: nossos artífices. Porto Alegre: Movimento, 2004.) destacam que, no final dos anos 1970, a coreógrafa Suzete Otto foi uma das pioneiras em dança Jazz na cidade gaúcha. A difusão da dança Jazz nas escolas de dança da capital gaúcha foi um fator importante para que essa técnica se desenvolvesse, formando mais coreógrafos e bailarinos interessados nesse estilo de dança.

Esses estudos dão conta dos grandes precursores da dança jazz . Nossa investigação, por seu turno, levou-nos, a partir dos relatos das entrevistadas, a Eugenia Campani Klinger como a precursora da dança jazz em Rio Grande.

Foi durante a permanência desta no Rio de Janeiro, nos anos de 1970, que teve mais oportunidades. Fez balé moderno, jazz, sapateado americano e balé clássico. Assim, com seu retorno a Rio Grande, em 1981, a primeira academia de dança de Rio Grande, com proposições distintas do balé clássico - modalidade ofertada regularmente na Escola de Belas Artes do Rio Grande -, foi inaugurada por Eugenia Campani Klinger, Heloisa das Neves Bertoli e Beatriz Batezat Duarte. A Academia Ensaio distinguiu-se, principalmente, por apresentar, dentre as modalidades, a dança jazz .

Eugenia Campani Klinger destacou em sua entrevista a carência da cidade de Rio Grande em relação à permanência de escolas de dança que se fixassem na cidade nos anos de 1960 a 1980. Essa condição, vivenciada ao longo de sua formação, implicou a formação das demais bailarinas de sua época também.

Para Denise Prado Costa, que, naquele período, ainda era bailarina em formação, o advento dessa modalidade abriu novos horizontes e novas possibilidades de fazer dança.

[…] As aulas de Jazz, modalidade de que até então não se tinha conhecimento, eram maravilhosas, pois tudo era diferente naquela aula. O aquecimento, a movimentação na barra, as sequências de centro, as diagonais e a coreografia no final, faziam desta modalidade a preferência de crianças e jovens. As turmas eram enormes. Lotadas de alunos e alunas. Foi realmente um período onde aqueles que tiveram a oportunidade de participar e vivenciar o Jazz em Rio Grande, foram privilegiados” (Entrevistada Denise Prado Costa, Dez/2019).

Benvegnu (2011BENVEGNU, Marcela. Reflexões sobre jazz dance: identidade e (trans)formação. Sala Preta PPGAC. Em Pauta, v. 11, n.1, p. 53-64, dez. 2011., p. 58) destaca a potencialidade da dança jazz enquanto uma manifestação artística que ampliava os usos do corpo e de sua dramaticidade. Corroborando, em certa medida, a manifestação de Denise Prado Costa ao reconhecer distinções entre o balé e a dança jazz .

O jazz dance proporcionou à dança americana novas perspectivas coreográficas, dentro das quais não se pode esquecer a influência da dança clássica. A principal inovação do período foi uma individualização do grupo de intérpretes, o que fez com que ele perdesse seu caráter simples para adquirir uma dimensão dramática dentro da história (BENVEGNU, 2011BENVEGNU, Marcela. Reflexões sobre jazz dance: identidade e (trans)formação. Sala Preta PPGAC. Em Pauta, v. 11, n.1, p. 53-64, dez. 2011., p. 58).

As entrevistadas revelaram o impacto do surgimento dessa escola mediante a procura de alunos, que atingiu o número significativo de 400 por ano. Nas palavras da entrevistada Eugenia Campani Klinger:

[…] foi um verdadeiro sucesso e nós fomos muito bem recebidas, nós tínhamos uma média de alunos anual na base de 800 alunos. Nós fazíamos os espetáculos no Joana D’Arc que ali tinha 800 lugares, na parte debaixo e de cima. Gente, nós fazíamos três noites, porque, assim, era muita gente (Entrevistada Eugenia Campani Klinger, maio de 2020).

Para se dimensionar um pouco do contexto da dança jazz, apresentamos o relato de duas bailarinas na década de 1980 em Rio Grande, as quais destacaram as inspirações midiáticas que veiculavam a ideia dessa dança.

[…] Eu acho que a década de 1980 foi muito importante na dança. Nós fomos influenciados, principalmente, pelo cinema porque tivemos muitos filmes como Grease, Footloose, Embalos de sábado à noite, Flashdance que difundiam a dança. Tivemos também cantores mundiais que faziam as suas performances como Michael Jackson, a Madonna. A dança se tornou mais acessível, parecia que era mais fácil e que todos podiam dançar. A dança foi amplamente divulgada (Entrevistada Silvia Sucena, Jul/2020).

[…] Eu sei que mexia bastante comigo, eram as novelas e naquela época elas vieram com força assim essa coisa da dança. Eu me lembro de duas novelas que a gente gostava muito, gostava das músicas e que tinha isso, uma era Dancing Days e a outra eu acho que era Água Viva… ou alguma coisa assim. Ou Baila Comigo, eu acho que é Baila Comigo, eu não me lembro. Eu lembro da atriz em assim e que tinha uma coisa de dança de academia. Então… isso eu acho que foi uma das coisas (Entrevistada Daniela Castro, Jul/2020)

É necessário destacar que a presença da dança jazz no Brasil já se fazia presente havia algumas décadas. Contudo sua expansão ocorreu de forma diferenciada nas diferentes regiões brasileiras, evidenciando as possibilidades de acesso que as bailarinas/profissionais entrevistadas já reclamavam referindo-se à posição geográfica de Rio Grande.

Os rumores jazzísticos começaram a chegar no Brasil entre as décadas de 1930 e 1940, com a difusão do sapateado em nosso país. Na década de cinqüenta, fortaleceram-se por meio dos shows de Teatro de Revista, musicais de televisão e programas de auditório no rádio. Os shows mais famosos de Carlos Machado, pelos quais acreditamos ter se iniciado este espírito jazzístico, com danças como o charleston, já considerado jazz (segundo a bailarina Débora Bastos), se iniciaram nos anos 50 (MUNDIM, 2005MUNDIM, Ana Carolina da Rocha. Uma possível história da Dança Jazz no Brasil. In: FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE, 3. 2005, Curitiba. Anais […]. Curitiba: Escola de Música e Belas Artes do Paraná, 2005. p. 96 - 108., p. 99).

Ainda assim, foi a década de 1980, segundo Mundim (2005MUNDIM, Ana Carolina da Rocha. Uma possível história da Dança Jazz no Brasil. In: FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE, 3. 2005, Curitiba. Anais […]. Curitiba: Escola de Música e Belas Artes do Paraná, 2005. p. 96 - 108., p. 104), que trouxe “um modismo da dança jazz para o Brasil”. O acesso a espetáculos como Cats (1980); filmes: Grease (1978), All That Jazz (1979), Hair (1979), Os Embalos de Sábado à Noite (1978), Fama (1980); Chorus Line(1985), e novelas brasileiras como Dancing Days (1978) tornam-se ícones e influenciadores na procura por essa dança denominada Jazz.

Desse modo, já havia evidências de uma maior circulação de informações pelo mundo. As distâncias já começavam a diminuir e permitiam o acesso à dança em termos de inspirações. Ainda assim, a Academia Ensaio mantinha a estratégia, utilizada em outras décadas, de trazer à cidade bailarinos(as) de renome para ministrar aulas ou cursos.

Havia um empenho em trazer a Rio Grande grandes nomes da dança, experiências e métodos consagrados para preparar o grande alunado que abarrotava a Academia. Importantes e renomados profissionais estiveram em Rio Grande, ministrando aulas de balé clássico, jazz, sapateado americano e dança contemporânea, todos(as) por convite da recente Academia Ensaio, que, na época, centralizava um número bem significativo de alunos.

Uma dessas referências, dentro dessa linguagem diferenciada que estava sendo apresentada e que contribuiu significativamente, foi a bailarina e coreógrafa Jussara Miranda, natural de Cruz Alta/RS. As suas vindas frequentes a Rio Grande, viabilizadas pelas proprietárias da Academia Ensaio, possibilitaram um crescimento enorme quanto ao conhecimento das técnicas da dança contemporânea e dança jazz .

Um dos marcos históricos destacado, com ênfase, por todas as entrevistadas foi a presença do reconhecido coreógrafo internacional Lennie Dalle3 3 “Lennie Dale foi bailarino principal de West Side Story em New York, Londres e Paris. […] Diretor dos cursos de modern jazz dance nos estúdios Carlos Machado Espetáculos, além de sua atuação em números extraordinários, formou a equipe de bailarinos e bailarinas que atuam neste show” (MUNDIM, 2005, p. 101). na referida Academia.

A dança jazz continuou a se difundir pelo país, fazendo com que muitas escolas de dança passassem a oferecer esse estilo. Benvegnu (2011BENVEGNU, Marcela. Reflexões sobre jazz dance: identidade e (trans)formação. Sala Preta PPGAC. Em Pauta, v. 11, n.1, p. 53-64, dez. 2011.) identifica que Lennie Dale, um americano que se radicou no Brasil nos anos 1980, trouxe um estilo especial de Jazz, com influências teatrais e movimentos enfatizando o swing e as contrações de tronco.

As tantas vivências e experiências novas proporcionadas pela Academia Jazz aos seus alunos e suas alunas impulsionou diretamente o gosto, cada vez maior, pela continuidade da dança jazz em Rio Grande.

O jazz ficou como uma opção para quem amava dançar, mas não queria aquela exigência, aquela rigidez do ballet clássico, que nada podia e tudo ficava errado. Antigamente era assim, não podia ser gorda, não podia ser velha, não podia ser an dedans, não podia ser nada. Tínhamos que ter características europeias para dançar o ballet, o que gerava muitos conflitos, porque nós não somos europeias, somos brasileiras, e o biótipo é bem diferente (Entrevistada Dóris Ramis, 2020).

As pesquisadoras Mundim (2005MUNDIM, Ana Carolina da Rocha. Uma possível história da Dança Jazz no Brasil. In: FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE, 3. 2005, Curitiba. Anais […]. Curitiba: Escola de Música e Belas Artes do Paraná, 2005. p. 96 - 108.) e Benvegnu (2011BENVEGNU, Marcela. Reflexões sobre jazz dance: identidade e (trans)formação. Sala Preta PPGAC. Em Pauta, v. 11, n.1, p. 53-64, dez. 2011.) destacam que a dança jazz apresenta, de fato, uma nova abordagem do movimento e da expressividade que em muito se destaca do balé clássico. Contudo, a profusão de métodos e de inspirações que o atravessam não significa que prescindisse de técnicas.

Percebemos que no percurso de desenvolvimento desta dança ocorreram alguns casos, nos quais o despojamento e o vigor característicos do jazz foram confundidos com a ausência da técnica. Entendemos que a técnica, na coreografia, não precisa estar em primeiro plano, mas precisa existir para que permita que o bailarino a transcenda. […] A técnica permitirá que o bailarino conheça seu próprio corpo, seus limites, suas capacidades. Acreditamos que é apenas dessa forma que ele encontrará o espírito vibrante no corpo (MUNDIM, 2005MUNDIM, Ana Carolina da Rocha. Uma possível história da Dança Jazz no Brasil. In: FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE, 3. 2005, Curitiba. Anais […]. Curitiba: Escola de Música e Belas Artes do Paraná, 2005. p. 96 - 108., p. 105).

3.3 ENTRE ELOS E CONFLITOS: POTÊNCIAS DA/NA DANÇA

A dança jazz foi e ainda é uma grande potência em Rio Grande, mesmo em tempos de acesso às mídias, aos meios de informações e às redes sociais, que trouxeram as mais variadas e diversificadas modalidades de danças, como danças urbanas, os folclores de projeção e imigração, a dança livre, dança de salão, dança contemporânea, sapateado entre outras mais, a dança Jazz continua presente.

A dissolução da sociedade Eugenia Campani Klinger, Beatriz Batezat Duarte e Heloisa das Neves Bertoli, da Academia Ensaio, possibilitou a criação de outras academias e de novas trajetórias independentes das profissionais.

Em relação às trajetórias individuais que se sucederam após a década de 1980, destacamos a trajetória da entrevistada Dóris Ramis, que declarou que sua formação na dança foi permeada por diversos nomes, com um forte investimento em cursos em danças pelo mundo. Destacou sua contínua participação no Seminário de Dança em Joinville, por 28 anos. Fez o movimento de sair da cidade, pois em Rio Grande, na época, não chegavam as informações, devido a sua localização geográfica, bem como por questões culturais. A dança trouxe muitas conquistas para sua vida, muitos prêmios, participação em diversos festivais, muitas amizades e satisfação profissional. Mesmo sendo um meio no qual é difícil sobreviver, ela se orgulha muito da sua caminhada.

Heloisa das Neves Bertoli, por sua vez, após vários anos dedicados à arte da dança em Rio Grande, atualmente, ministra aulas de sapateado americano em Porto Alegre e faz iluminação para espetáculos de dança e teatro. Destaca a relevância de sua escola como referência no Rio Grande do Sul, no aprendizado da técnica do sapateado americano, participando de inúmeros festivais de dança no RS, em outros estados brasileiros, e até mesmo fora do país, obtendo mais de uma centena de premiações em dança. Fez especial destaque ao Festival Barcelona Dance Award, do qual participou como coreógrafa na Europa.

A trajetória de Beatriz Batezat Duarte, ao longo dos seus 36 anos dedicados à dança, buscou a sua formação em dança em diversos segmentos (dança folclore gaúcho, ginástica estética, sapateado e dança moderna). Foi diretora do Teatro Municipal - fundou Corpo de Baile, Grupo Cênico, Festival de Dança Escolar. Além disso, atuou em escola pública trabalhando no Projeto “Dança na Escola” por dois anos. Ela também foi professora em algumas instituições privadas de Rio Grande e foi sócia fundadora da Academia Ensaio. Foi e continua sendo responsável pela formação de diversos nomes de bailarinos(as) e professores(as) de dança do município. Atualmente é professora aposentada do Município e do Estado.

Denise Prado Costa, ao longo de sua atuação como professora de dança em Rio Grande, ministrou aulas na Academia Ensaio, Escola de Belas Artes e na sua própria escola, da qual foi proprietária do ano de 1998 ao ano de 2008. Participou de diversos festivais de dança, desde o tradicional Festival de Dança da Sogipa, Lindoia, levando suas composições coreográficas para todas as edições do Porto Alegre em Dança, finalizado em 2008. Destacou, como sua principal conquista, no Festival de Dança de Joinville, o primeiro lugar na modalidade Dança Moderna e Contemporânea. Criou o Dança Rio Grande, em 2002 - festival de caráter competitivo que proporcionou a vinda de Carlinhos de Jesus e Toshie Kobayashi a Rio Grande. Idealizadora do Projeto Rio Grande Em Ação, que desde 2011 proporciona dentre várias atividades, a prática da dança no contraturno de diversas escolas públicas e municipais de Rio Grande. Atualmente, desenvolve trabalhos com a terceira idade e desde 2017 organiza um evento anual, o qual dá visibilidade aos trabalhos coreográficos desenvolvidos nas escolas de educação básica da cidade apresentando-os no Festival Dança Estudante.

Eugenia Campani Klinger manteve-se como proprietária da Academia Jazz, produzindo espetáculos na cidade. Depois de 39 anos trabalhando com dança, reconhece-se como a pioneira da dança jazz e do sapateado em Rio Grande, bem como uma influência na formação de diferentes bailarinas que passaram por sua academia. Destaca a participação da Academia na Festa do Mar4 4 A Festa do Mar é uma atividade realizada desde 1961 passando por alguns períodos de recesso. O objetivo do evento é promover a cultura e o desenvolvimento regional. Na descrição da página nas redes sociais, a Festa do Mar é caracterizada como “a maior Festa anual da região sul do Rio Grande do Sul”. Disponível em: https://www.facebook.com/15%C2%AA-Festa-do-Mar-372962532801059/?ref=page_internal. Acesso em 9 out. 2020. , e as produções que envolviam esse espetáculo, e o projeto Pró-Ballet destinado a estudantes, mediante a cobrança de valor simbólico, das escolas públicas do município do Rio Grande.

As trajetórias individuais que foram se consolidando possibilitaram uma profusão de experiências na cidade de Rio Grande nas décadas que se seguiram. Festivais competitivos, viagens, premiações e o reconhecimento das profissionais, enquanto coreógrafas, foram algumas das potências evidenciadas pelas entrevistadas. Ao serem questionadas se identificavam esse período como o apogeu da dança em Rio Grande, as entrevistadas não manifestaram unanimidade.

Para as entrevistadas Heloisa das Neves Bertoli e Denise Prado Costa, é possível observar o apogeu da dança em Rio Grande, pois nesse mesmo período outras modalidades, como jazz, sapateado e dança contemporânea, ganharam força. Também havia mais escolas atuando ao mesmo tempo na cidade e todo esse movimento fez com que os grupos de dança começassem a participar de festivais e trouxessem importantes premiações, ganhando reconhecimento e reverência de grupos e escolas de outras cidades.

Contudo, Beatriz Batezat Duarte, Eugenia Campani Klinger e Dóris Ramis não identificam esse apogeu da dança em Rio Grande. Segundo elas, muitas vezes se tentou, houve grandes esforços para que a dança fosse valorizada e reconhecida, mas infelizmente não se teve êxito. Elas destacaram alguns pontos para justificar o porquê de não haver esse apogeu: a herança da colonização portuguesa da região, que não tinha, e ainda não tem, o hábito de frequentar teatros, apesar do reconhecimento dos tempos áureos da existência de dez teatros em Rio Grande5 5 Teatro Sete de Setembro; Cine Teatro Avenida; Teatro Carlos Gomes; Teatro Politeama; Cine Teatro Glória; Cine Teatro Lido e Teatro Municipal do Rio Grande (em funcionamento em 2020). ; os espetáculos das escolas de dança eram apenas prestigiados pelos familiares dos(as) alunos(as) e bailarinos(as) que iriam se apresentar. No entendimento dessas entrevistadas, a sociedade não apoia o artista, o governo não apoia a arte, e assim tudo se torna mais difícil para essa classe.

Especificamente, para a entrevistada Dóris Ramis, nunca houve um envolvimento efetivo da sociedade riograndina com a dança. Desde seu início, na década de 1980, até os dias atuais, sempre se tenta fazer este movimento de valorização da dança, mas infelizmente não se consegue.

Além disso, as cinco entrevistadas reconhecem que não houve uma união entre escolas para potencializar a dança em Rio Grande. Houve diversas tentativas pela busca de espaço, de reconhecimento e até mesmo de políticas públicas que fomentassem a dança, mas por muitos motivos nunca se conseguiu. Historicamente, as escolas não incentivavam seu alunado a prestigiar os espetáculos das demais escolas. Havia rivalidade entre as escolas e por conta dessa desunião e todos esses conflitos, concluem que a dança evolui em passos lentos a caminho, talvez, de um possível apogeu.

Uma das ações que intentaram o feito de aproximar as academias foi proposta por Denise Prado Costa. Em dezembro de 2006, proporcionou uma integração entre as escolas mais importantes de balé clássico da cidade, produzindo o tradicional espetáculo “O Quebra-Nozes”, adaptando-o para a rua, através de uma narração: “Foi um sonho realizado ver bailarinos e bailarinas riograndinos, juntos no palco, apresentando um clássico dos balés de repertório” (Denise Prado Costa, Dez/2019).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A década de 1980 foi demarcada pela inserção e difusão de um novo estilo de dança no município de Rio Grande. O destaque concedido à dança jazz na mídia, através de novelas brasileiras, do cinema e dos musicais da Broadway, foi fundamental na divulgação da modalidade, influenciando e encantando bailarinos(as) que buscavam qualificar seus corpos para a dança.

A evolução da dança jazz se deu através de contínuos intercâmbios, da busca de bailarinos(as) que desenvolvessem essa modalidade, o surgimento de festivais de dança e um forte papel da divulgação desse estilo de dança pela mídia em geral. A dança jazz, sem dúvida, foi responsável por tornar a cidade do Rio Grande conhecida como um centro de excelência dessa modalidade, principalmente pelo reconhecimento de grandes profissionais que aqui iniciaram a sua história e a sua trajetória no universo da dança.

Na década de 1990, por sua vez, Rio Grande projeta-se no cenário da dança, tornando-se conhecida no território gaúcho através, principalmente, da participação em renomados festivais de dança.

É de suma relevância registrar que todas as entrevistadas destacaram o pioneirismo da bailarina Eugenia Campani Klinger ao apresentar a Rio Grande as modalidades jazz e sapateado. Enquanto registro histórico, demarcamos a relevância desse pioneirismo e as potencialidades daqueles(as) que abrem as portas para novos caminhos, para novas histórias e protagonismos. Sem, contudo, invisibilizar a presença e a atuação das demais profissionais que participaram da pesquisa, pois cada uma delas dedicou-se à arte da dança com a convicção de que não seria um campo favorável. Nesse sentido, evidenciamos que o protagonismo que as acompanha é resultado de forte investimento pessoal das bailarinas/professoras, condição essencial para que Rio Grande construísse identidade na dança, criasse raízes e que mantivesse a cidade em movimento até os dias atuais.

Ainda assim, a partir da efervescência cultural que foi a dança jazz, nas décadas de 1980 e 1990, em Rio Grande, a permanência não foi uma característica. A dança não ser compreendida, em sua amplitude, como cultura, formação e arte para o público em geral centraliza e individualiza os esforços e investimentos. A ausência de investimentos de grande monta no cenário artístico-cultural desqualifica, em certa medida, a potencialidade da dança.

Por fim, o efeito da dissolução das sociedades/parcerias foi um movimento de profunda ampliação e de consolidação dos distanciamentos e das disputas. Ao direcionarem seus olhares para suas trajetórias, avaliam que grande parte dos avanços se daria, provavelmente, pelo apoio mútuo. Ainda assim, a dança em Rio Grande continua pulsante e presente, reafirmando sua permanência e imanência.

REFERÊNCIAS

  • BENVEGNU, Marcela. Reflexões sobre jazz dance: identidade e (trans)formação. Sala Preta PPGAC. Em Pauta, v. 11, n.1, p. 53-64, dez. 2011.
  • CUNHA, Morgada; FRANK, Cecy. Dança: nossos artífices. Porto Alegre: Movimento, 2004.
  • DUARTE, Beatriz Batezat. Dança, “Poesia em Movimento” - sua memória, através de análise histórico-fotográfica (Rio Grande: 1940-1990). 1997. 115f. Monografia (Pós-Graduação em Artes) - Instituto de Letras e Artes, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS, 1997.
  • MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
  • MORANDI, Carla. A dança e a educação do cidadão sensível. In: STRAZZACAPPA, Márcia; MORANDI, Carla. Entre a arte a docência: a formação do artista da dança. Campinas: Papirus, 2006. p. 71-122.
  • MUNDIM, Ana Carolina da Rocha. Uma possível história da Dança Jazz no Brasil. In: FÓRUM DE PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE, 3. 2005, Curitiba. Anais […]. Curitiba: Escola de Música e Belas Artes do Paraná, 2005. p. 96 - 108.
  • OLIVEIRA, Vanessa Rocha de. Memórias e narrativas do ballet clássico na cidade de Rio Grande/RS. 2015. 208f. Trabalho de Conclusão de Curso. (Licenciatura em Dança) - Universidade Federal de Pelotas, Pelotas/RS, 2015.
  • STRAZZACAPPA, Márcia. A dança e a formação do artista. In: STRAZZACAPPA, Márcia; MORANDI, Carla. Entre a arte a docência: a formação do artista da dança. Campinas: Papirus, 2006. p. 11-67.
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  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.
  • 1
    O nome do grupo foi retirado para preservar a avaliação às cegas.
  • 2
    Duas versões que referenciam essa modalidade de dança estarão presentes no texto, “ballet” e “balé”. Entendemos “ballet” por uma forma internacional da escrita e “balé”, a forma apresentada no português brasileiro. Optamos por usar ambas as formas levando-se em conta as entrevistas.
  • 3
    “Lennie Dale foi bailarino principal de West Side Story em New York, Londres e Paris. […] Diretor dos cursos de modern jazz dance nos estúdios Carlos Machado Espetáculos, além de sua atuação em números extraordinários, formou a equipe de bailarinos e bailarinas que atuam neste show” (MUNDIM, 2005, p. 101).
  • 4
    A Festa do Mar é uma atividade realizada desde 1961 passando por alguns períodos de recesso. O objetivo do evento é promover a cultura e o desenvolvimento regional. Na descrição da página nas redes sociais, a Festa do Mar é caracterizada como “a maior Festa anual da região sul do Rio Grande do Sul”. Disponível em: https://www.facebook.com/15%C2%AA-Festa-do-Mar-372962532801059/?ref=page_internal. Acesso em 9 out. 2020.
  • 5
    Teatro Sete de Setembro; Cine Teatro Avenida; Teatro Carlos Gomes; Teatro Politeama; Cine Teatro Glória; Cine Teatro Lido e Teatro Municipal do Rio Grande (em funcionamento em 2020).

Editado por

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga *, Elisandro Schultz Wittizorecki *, Ivone Job *, Mauro Myskiw *, Raquel da Silveira *
* Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2020
  • Aceito
    05 Jul 2021
  • Publicado
    28 Ago 2021
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