Resumo
Objetivou-se analisar as Idades da Prática da Educação Física (EF) no Brasil, bem como refletir acerca da “ideia sobre a ideia” que estruturou as representações que constituíram esse componente curricular na escola, a partir de uma visão histórica em diálogo com as análises de David Kirk. O ensaio se deu por meio das seções: 1) análise acerca da “ideia sobre a ideia de EF”; 2) compreensão sobre o mosaico de ideias da EF no Brasil e a descrição de cada uma das três Idades da Prática; 3) tensionamentos sobre as problemáticas que revestem as Idades e suas possibilidades futuras. Conclui-se que as mudanças paradigmáticas vêm acontecendo no campo da EF brasileira não de forma linear, mas apresentando intensas lutas e disputas que ainda estão se consolidando, no qual os agentes inseridos nesse campo configuram-se como atores sociais desse processo em diferentes posições, contribuindo ou não com a constituição de sua legitimidade.
Palavras-chave
Educação Física e Treinamento; Conhecimento; História do Século XX; Ensino; Currículo
Abstract
The study aimed to analyze the Ages of Practice in Brazilian Physical Education as well as to reflect on the “idea about the idea” that structured the representations of this curricular component in schools, based on a historical perspective in dialogue with the analyses of David Kirk. The essay is organized into three sections: 1) an analysis of the “idea about the idea of PE”; 2) an understanding of the mosaic of ideas in Brazilian PE, with a description of each of the three Ages of Practice; and 3) an examination of the tensions and future possibilities surrounding these Ages. The conclusion highlights that paradigm shifts in Brazilian Physical Education have not occurred linearly but rather through intense struggles and disputes that are still unfolding. The agents within this field are configured as social actors in this process, occupying different positions and either contributing to or hindering the construction of its legitimacy.
Keywords
Physical Education and Training; Knowledge; History, 20th Century; Teaching; Curriculum
Resumen
El objetivo fue analizar las edades de la práctica de la Educación Física en Brasil y reflexionar sobre la "idea sobre la idea" que estructuró las representaciones de este componente en la escuela, desde una perspectiva histórica y en diálogo con los análisis de David Kirk. El ensayo se divide en tres secciones: 1) análisis de la "idea sobre la idea de la Educación Física"; 2) comprensión del mosaico de ideas de la Educación Física en Brasil con la descripción de cada una de las tres Edades de la Práctica; y 3) tensiones y posibilidades futuras de estas edades. Se concluye que los cambios paradigmáticos en la Educación Física brasileña no han sido lineales, sino que han implicado intensas luchas y disputas que aún siguen en proceso de consolidación. Los agentes en este campo se configuran como actores sociales en este proceso, ocupando diferentes posiciones y contribuyendo o no a la construcción de su legitimidad.
Palabras clave
Educación Física y Entrenamiento; Conocimiento; Historia del Siglo XX; Enseñanza; Currículo
1 INTRODUÇÃO: A REPRESENTAÇÃO DAS IDADES DA PRÁTICA NA EDUCAÇÃO FÍSICA1
As representações que permeiam as análises históricas acerca da Educação Física (EF) estão galgadas em ideias e práticas fundamentadas sobre o que se diz e faz em seu nome em um determinado momento, isto é, são socialmente construídas. Nesse sentido, a compreensão do que se denomina de projeto de EF se alterou e se solidificou com base nas construções sociais que foram paradigmaticamente se consolidando ao longo do tempo.
Segundo Kirk (2010), o projeto de EF se manteve mais ou menos estável desde o final do século XIX. Para o autor, tais representações transcenderam as fronteiras da maior parte dos países do ocidente, apresentando estruturas solidificadas e, por terem se cristalizado, tornaram-se ideias e práticas hegemônicas, resistentes a transformações (Kirk, 2010).
Essa análise apresenta argumentação teórica galgada em perspectivas históricas. Todavia, Kirk (2010) investigou o continente europeu. Com base nesse quadro, podemos problematizar como tal projeto vem se constituindo no Brasil. Especificamente, intenciona-se analisar em que medida as compreensões de Kirk (2010) podem ser adensadas ao contexto brasileiro e de que forma suas especificidades transfiguraram-se em novas representações, a exemplo do que se consolidou como pedagogia crítica no campo da EF (Kirk; Almeida; Bracht. 2019; Kirk, 2019).
Para isso, procurou-se analisar como a prática pedagógica desenvolvida por docentes no contexto escolar tem sido compreendida pelo campo da EF no Brasil. Nesse sentido, a incursão reflexiva perpassou autores cujo foco de investigação converge para a questão de análises epistemológicas, focalizando-se, sobretudo, em parte das discussões apresentadas por David Kirk em uma pequena parte de sua vasta obra.
Em cada uma das Idades da Prática analisadas buscou-se inventariar como se deu a constituição do ethos da EF. Segundo Bourdieu (2007), a perspectiva de ethos remete ao sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, tais como as disposições morais, os princípios práticos, entre outros. Assim, no caso da EF, seu ethos configurou-se baseado nas formas como sua prática foi compreendida em diferentes momentos.
Portanto, as mudanças de paradigmas sobre a prática da EF no Brasil estão enraizadas nas estruturas sociais, bem como nas perspectivas históricas das quais estão situadas, sendo repletas de nuances e rupturas, não podendo ser compreendidas de modo linear. Além disso, apresentam certo nível de variação por conta da diversidade de contextos, fato que ainda carece de investigação no Brasil.
Dessa forma, o presente ensaio tem como objetivo analisar as Idades da Prática da EF no Brasil, bem como refletir acerca da “ideia sobre a ideia” que estruturou as representações que constituíram esse componente curricular na escola, compreendendo as implicações para o projeto de EF na contemporaneidade. Para isso, não se desenvolveu uma ampla reconstituição histórica, mas analisou-se de que maneira algumas implicações fundamentadas nas representações do ethos da prática na EF em variados momentos influenciaram seu modus operandi.
2 A “IDEIA SOBRE A IDEIA” DE EDUCAÇÃO FÍSICA: DIALOGANDO COM DAVID KIRK E O ID2
A análise centrada na prática da EF busca conceber a perspectiva histórica sem alijá-la das formas com que o conhecimento tem sido analisado pelo campo. Sendo assim, procuramos desenvolver uma perspectiva sobre a “paisagem epistemológica” e como a configuração histórica sobre o projeto de EF foi sendo estabelecida em meio aos percalços e legitimações que a constituiu.
Um primeiro apontamento se insere sobre o conceito da “ideia sobre a ideia de Educação Física” (expressão abreviada com a sigla id2). Kirk (2010) compreende que o conceito de EF é socialmente construído por meio de processos que envolvem lutas e disputas. Para o autor, pensar sobre “a ideia sobre a ideia de EF” nos leva a compreender que ela “tem permanecido mais ou menos intacta desde cerca de meados do último século, transcendendo as fronteiras nacionais dos países economicamente avançados e outras nações que tiveram alguma associação formal com esses países, e que tem sido altamente resistente às mudanças” (Kirk, 2010, p. 1, tradução nossa).
Tendo em vista o aprofundamento conceitual nesse autor, é importante apresentar uma breve contextualização sobre sua trajetória, embora o presente ensaio não busca analisar uma perspectiva atrelada à sua trajetória biográfica. David Kirk é um dos principais pesquisadores no campo da Educação Física internacionalmente, com uma ampla trajetória acadêmica, ocupando cargos proeminentes em instituições da Austrália, Irlanda, Bélgica e Inglaterra. O autor considera que suas áreas de interesse trafegam em temáticas que envolvem inovação educacional, história do currículo, pedagogia da Educação Física e do esporte, bem como teorias críticas e práticas baseadas em modelos à luz de referenciais críticos e pós-críticos. Foi fundador e é editor chefe de importantes revistas internacionais, bem como de coleções advindas de grandes editoras de livros da área. Formou em nível de pós-graduação diversos pesquisadores, incluindo do Brasil. Suas obras tem encontrado terrenos férteis para a produção de novos conhecimentos, a exemplo do que analisamos no presente estudo.
Kirk (2010) baseia sua análise no contexto britânico, embora englobe outros países tais como os Estados Unidos e Austrália. A tese do autor é que apesar de ter havido muitas discussões sobre a EF, de modo geral, algumas perspectivas têm permanecido pouco alteradas. São essas estruturas que constituem sua identidade. Com efeito, apesar das críticas advindas do campo acadêmico, a prática da EF ainda permanece enraizada a determinados princípios que sofreram poucas alterações. O autor reconhece uma série de iniciativas renovadoras e cita diversos exemplos de práticas bem sucedidas, porém, de forma geral, em seu conjunto, elas não correspondem às transformações estruturais para com a id2 da EF.
A partir dessa perspectiva, Kirk (2010) empreende uma mirada conceitual buscando apresentar definições sobre o que é EF e quais seus possíveis cenários futuros. De acordo com o autor, os conceitos e definições são significativos apenas se analisados em relação às práticas que são desenvolvidas. Dessa abordagem, o autor apresenta que, ao menos na análise histórica, a “ideia sobre a ideia de EF” (seu id2) é composta por duas grandes concepções que a sustentou: a primeira, denominada de “Educação Física como ginástica” e a segunda, intitulada “Educação Física como ensino de técnicas esportivas”. Cada uma dessas estruturas dentro de seu respectivo contexto histórico operou como a lógica hegemônica que definiu e legitimou esse campo e que eventuais críticas não foram suficientes para transformá-las.
Resguardadas as devidas contextualizações históricas, essa lógica estrutural pode ser analisada no Brasil. Isso se deve a uma série de questões vinculadas, entre outras, à forte influência europeia na gênese da EF brasileira, cujas perspectivas, durante muito tempo, delimitaram seu projeto e constituição. Dessa forma, buscamos analisar “a ideia sobre a ideia de EF brasileira” com base nos delineamentos analíticos de Kirk (2010), para constituir o que denominamos de “Idades da Prática da EF no Brasil”.
3 ANALISANDO O CONTEXTO BRASILEIRO: O MOSAICO DE IDEIAS SOBRE A IDEIA DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Para Bracht (2014), tanto no contexto da sistematização dos métodos ginásticos, quanto na projeção e valorização do esporte como núcleo estruturante da EF no Brasil, o discurso científico foi o elemento utilizado como forma de legitimação social. A valorização do conhecimento científico operou como “mola propulsora” para que o campo da EF procurasse se sedimentar no contexto escolar. Essa conjuntura se deu por meio da sustentação das ciências biológicas no paradigma da racionalidade técnica, enraizando-se no campo da EF.
Embora essa estrutura tenha se consolidado, ela também tem sido alvo de questionamentos. Esse debate foi preconizado no Brasil principalmente a partir da década de 1980 por meio de um intenso movimento denominado por inúmeros autores como “renovador”. Por meio das fortes críticas ao sistema esportivo no qual a EF estava entrelaçada e, procurando fundamentações teóricas que pudessem estruturar novos paradigmas, essas iniciativas propuseram, entre outras coisas, o alargamento de manifestações corporais e a desvinculação do caráter “esportivista” até então predominante.
Assim, de forma específica, analisaremos as Idades da Prática da EF no Brasil. A primeira envolve a compreensão da “EF como ginástica”. A segunda, por sua vez, denomina-se “EF como ensino de técnicas esportivas”. Finalmente, devido ao movimento de reconstrução paradigmática ainda em curso, compreenderemos as égides da terceira Idade, ainda em construção, denominada “EF como prática pedagógica e a cultura corporal de movimento”.
3.1 EDUCAÇÃO FÍSICA COMO GINÁSTICA
A compreensão de “EF como ginástica”, para Kirk (2011, 2010), tem sua gênese com a sistematização de diferentes métodos ginásticos em países europeus. Essa projeção da ginástica foi fortalecida a partir das concepções que estavam em seu alicerce, baseadas na formação higiênica e eugênica da população, no rigor dos métodos e movimentos reproduzidos por meio da observação do professor (especialista e figura de maior competência para o seu ensino) e na fundamentação científica que ela procurava agregar, sobretudo, a partir dos ideais positivistas. Em suma, desde meados do século XIX até aproximadamente meados do século XX, a ginástica pode ser compreendida como modelo de ensino e preparação física. Assim: “até o final da Segunda Guerra Mundial, as ginásticas formavam a base dos programas de Educação Física na escola, de tal forma que, de fato, as ginásticas e a Educação Física eram virtualmente sinônimos” (Kirk, 2011, p. 54, tradução nossa).
A Idade da EF como ginástica é marcada por um conjunto de atributos centrados na sistematização de certos métodos europeus, tais como o Francês, Dinamarquês, Alemão, Sueco, Suíço, etc. Apesar de uma série de diferenças entre eles, de forma geral, podem ser caracterizados pela perspectiva de “educar pelo físico”, como salienta Kirk (2010, p. 68, tradução nossa), por intermédio da prática com foco terapêutico ou em caráter de treinamento. Para isso, a presença de sequências de movimentos pré-determinados, a existência de métodos para progressão, a repetição constante como forma de aprendizagem e a figura do professor como detentor do aporte teórico e prático eram fatores determinantes para sua estruturação. Essas caracterizações acabaram adentrando tanto ao campo militar, tornando-se a base do treinamento físico, quanto na medicina, como forma terapêutica e de profilaxia. Em resumo, fortaleceram-se entre a metade do século XIX e início do século XX (Vigarello, 2003), buscando a educação moral, em um contexto utilizado para o higienismo da população.
A terminologia “métodos ginásticos” carrega na própria nomenclatura forte conotação com o âmbito científico. Sua organização e sistematização se deu em um contexto de fortalecimento da ciência e da racionalidade técnica, de forma que os diferentes métodos procuraram se aliar aos pressupostos científicos como forma de fundamentação teórica e legitimidade social.
De acordo com Kirk (2010), a principal característica da EF como ginástica se refere à absoluta precisão do movimento, isto é, toda sua estruturação estava voltada para a reprodução de determinadas técnicas (ou sequências ginásticas). O ensino era o meio de procurar repetitivamente essa adequação aos modelos pré-estabelecidos. Não apenas era necessário reproduzir os movimentos como constavam nos manuais, como também o tempo de execução dos mesmos era fundamental. Uma boa aula de ginástica era aquela em que todos realizavam exatamente os mesmos movimentos ao mesmo tempo.
No Brasil, boa parte dessa dinâmica esteve presente e colaborou para a estruturação da EF no âmbito escolar. Soares (1994) destaca que as práticas gímnicas aparecem no país ao longo do século XIX de forma que se constituíram por meio da realização de métodos originários na Europa, sobretudo em instituições militares e pela classe médica. Posteriormente, essas práticas adentraram à escola por meio das reformas escolares, criando-se assim uma intrínseca relação entre EF e ginástica (nomenclatura utilizadas na base documental e na prática pedagógica).
Enraizada no Brasil por meio da ginástica, a EF na escola foi compreendida no seio das reformas escolares como o momento de realização dos métodos europeus de forma a preparar os alunos para a vida adulta. Os métodos ginásticos se transmutaram em práticas consolidadas tanto na escola quanto fora da escola, refletindo modos de fazer e pensar, constituindo-se como a identidade da EF nesta época.
As legislações, pareceres e documentos publicados no Brasil nesse período evidenciam que a EF e a ginástica (ou gymnastica) eram tão imbrincadas que poderiam se considerar como sinônimos (a exemplo da Reforma Couto Ferraz, Reforma Leôncio de Carvalho e o famoso parecer lavrado por Rui Barbosa). Os documentos reforçam a importância da realização dos exercícios ginásticos como forma de desenvolvimento tanto da educação moral quanto do corpo físico. A EF adentra o âmbito escolar como atividade física e, mesmo que isso tenha exigido certo processo de implementação, acaba por destacar o caráter de importância dado a ela.
Os documentos também nos ajudam a compreender que com o passar do tempo, sobretudo a partir da década de 1930, inicia-se um processo de inclusão de outras terminologias para além da ginástica. Nesse momento, o esporte começa a se apresentar de forma mais instituída, ainda que não predominante. Esse processo intensifica-se principalmente a partir na década de 1950 (pós-guerra).
Muitas são as condições sociais que levaram à essa mudança de paradigma. O esporte galgou no século XX a representatividade de um dos maiores fenômenos culturais, mobilizando não apenas grande número de praticantes, mas também de espectadores e fãs. A ginástica, por outro lado, passa a sofrer uma série de questionamentos. Kirk (2010) apoia-se na perspectiva de Michel Foucault para salientar que a mudança da sociedade disciplinar para a industrial foi decisiva, uma vez que instituiu novas formas de poder sobre o corpo a partir de práticas menos meticulosas.
Assim, paulatinamente, as práticas gímnicas foram perdendo força e cedendo lugar à compreensão das técnicas esportivas. A própria ginástica para se manter presente no processo de escolarização recorreu, muitas vezes, às suas formas esportivizadas, aderindo-se a égide do sistema esportivo.
3.2 EDUCAÇÃO FÍSICA COMO ENSINO DE TÉCNICAS ESPORTIVAS
Com relação à Idade da “EF como ensino de técnicas esportivas”, de acordo com Kirk (2011, 2010), embora o esporte já viesse sendo praticado por um número cada vez maior de pessoas, seu poder e representatividade tornaram-se mais fortalecidos a partir de meados do século XX. Desde então essa tem sido a estrutura na qual a EF vem sendo compreendida nas escolas. Essa perspectiva é sedimentada por determinadas características, tais como a especialização em algumas modalidades, reprodução de gestos técnicos específicos, valorização das habilidades motoras e sua progressão linear (do mais simples para o mais complexo), bem como suas aplicações aos jogos, compartimentação do ensino e “molecularização” das tarefas, ênfase nos indivíduos mais habilidosos e que possam representar as instituições em dinâmicas competitivas, etc.
A mudança de estrutura da lógica orientada pela ginástica para a direcionada ao esporte não se deu de forma linear e foi fruto de inúmeras disputas. Para Kirk (2010), a inclusão das técnicas esportivas no centro da prática das aulas de EF foi para a época (a partir dos anos 1950) uma verdadeira revolução, podendo ser considerada como a emergência de um novo paradigma. Essa transformação se deu inserida no contexto histórico no qual os esportes passaram a ganhar cada vez mais projeção e reconhecimento, concomitante à perda de prestígio e interesse pela ginástica. Kirk (2010) salienta ainda que essa estrutura paradigmática, em que pese suas críticas e outras proposições, apresenta um núcleo legitimador que ainda prevalece na prática pedagógica escolar em muitos contextos.
Kirk (2010) aponta que o criticismo para com o modelo disciplinar, rigoroso e meticuloso da ginástica se fortaleceu desde a década de 1930, porém, tal como no Brasil, foi após a Segunda Guerra Mundial que o paradigma esportivo passou a se sustentar como predominante. O autor salienta que as pedagogias centradas nos alunos, particularmente com os trabalhos de John Dewey, contribuíram para que outras maneiras de se estruturar as aulas de EF passassem a ser pensadas. Nessa intensificação do movimento de crítica à ginástica e com o contexto social apontando a relevância do movimento esportivo, essa prática tornou-se hegemônica.
Kirk (2010) explicita que o id2 da EF se refere como: “ensino das técnicas esportivas”, isto é, o foco nas atividades físicas e a ênfase no ensino das técnicas por meio da aprendizagem motora separada pelas partes, fracionando-se as habilidades a serem aprendidas para que depois elas venham a ser “aplicadas” no contexto do jogo como um todo. Assim, o ensino das técnicas esportivas apresenta algumas heranças com a lógica gímnica de sequência de movimentos, progressão da aprendizagem de modo linear do mais simples para o mais complexo, especialização em movimentos característicos de determinadas práticas, etc. O que diferencia de forma bastante evidente é a fase de aplicação das técnicas em contextos de jogos esportivos, cujas interações e dinâmicas são muito diferenciadas daquelas preconizadas pela ginástica oriunda da primeira Idade.
Assim, ocorreu um processo de transformação de paradigma sobre a “id2”, reconfigurando-se sua identidade por meio do que Kirk (2010) denomina de naturalização, isto é, o esporte se tornou de tal forma arraigado à EF que o ensino das técnicas esportivas passou a ser compreendido como sua estrutura fundante. A hegemonia dessa perspectiva opera na identidade da área de forma que passou a parecer tão natural e por tanto tempo a ponto de se tornar seu modus operandi.
No Brasil, as consequências evidentes do processo de esportivização culminaram na centralização da prática em algumas modalidades coletivas, sobretudo ligadas ao futebol/futsal, por conta de seu entrelaçamento cultural. Em alguma medida, práticas individuais como a própria ginástica e o atletismo ainda tiveram certo espaço em alguns contextos, embora de forma menos evidente.
Com relação à estrutura de ensino, de acordo com Kirk (2010), essa perspectiva se refere principalmente à descontextualização das habilidades motoras das situações reais de jogos impedindo a compreensão da dinâmica do jogo como um todo, bem como do complexo e dinâmico processo de tomada de decisão necessário durante a prática esportiva. Primeiro, deveria se aprender o conjunto de técnicas necessárias para se dominar determinado jogo (seus “fundamentos”) para só depois ser possível jogar. Uma estrutura típica de aula referia-se: “a aula começa com um aquecimento relacionado às habilidades, o momento central e maior parte da aula se concentra no ensino da habilidade e sua prática (e no caso de maior domínio do professor, avaliação e feedback) e, em seguida, um jogo em que as habilidades aprendidas devem ser aplicadas” (Kirk, 2010, p 46, tradução nossa).
De acordo com Bracht (1999), o conhecimento que serviu de base para a incorporação da EF na relação com o esporte manteve-se atrelado às ciências naturais, mais especificamente, aos aspectos biológicos e seus diversos desdobramentos em especialidades. Em um contexto não democrático estabelecido por um regime militar, a força social do esporte passou a ser cada vez mais propagada.
No campo brasileiro, o esporte torna-se tão fortemente atrelado à EF, correspondendo ao seu núcleo legitimador, que outras práticas corporais não conseguiram assumir o mesmo protagonismo. Essa relação passou a ser bastante criticada, sobretudo a partir da década de 1970 e pode ser resumida na clássica afirmação de Castellani Filho (1993, p. 123): “Esta influência do Esporte no sistema escolar é de tal envergadura que temos a configuração, não do Esporte da Escola, mas sim do Esporte na Escola, indicando a subordinação da Educação Física aos códigos da instituição esportiva”.
A partir da década de 1980, com todo o intenso debate promovido pelo movimento renovador da EF no Brasil, o esporte passou a se tornar o principal alvo de críticas enquanto prática estrutural e hegemônica. O processo de naturalização da EF como esporte tornou-se obsoleto. Por outro lado, as aulas de EF, de forma geral, permaneceram arraigadas à lógica esportiva. É dentro desse quadro conflituoso entre proposições renovadoras de um lado e prática pedagógica cotidiana centrada na perspectiva esportiva do outro, que se origina uma terceira Idade relacionada a “ideia sobre a ideia de EF” no Brasil.
3.3 EDUCAÇÃO FÍSICA COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA E A CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO
A ideia da EF como prática pedagógica vinculada às manifestações da cultura corporal de movimento apresenta, grosso modo, dois pilares de sustentação. O primeiro se refere à necessidade de se compreender a EF não como uma ciência, mas como uma prática pedagógica, cujo foco se refere ao seu caráter de mediação educativa das práticas corporais. De acordo com Bracht (2014):
[...] entendo a EF como aquela prática pedagógica que trata/tematiza as manifestações da nossa cultura corporal e que essa prática busca fundamentar-se em conhecimentos científicos, oferecidos pelas abordagens das diferentes disciplinas [...]. A EF é uma prática de intervenção e o que a caracteriza é a intenção pedagógica com que trata um conteúdo que é configurado/retirado do universo da cultura corporal de movimento. Ou seja, nós, da EF, interrogamos o movimentar-se humano sob a ótica do pedagógico (Bracht, 2014, p. 40-42, grifo nosso).
O segundo elemento sustentador dessa abordagem se refere à importância da compreensão da cultura corporal de movimento, pois é ela que permite a ampliação das práticas corporais e a reconfiguração do paradigma esportivista. O conceito de cultura física tem sido utilizado pelo âmbito internacional a partir de meados da década de 1970. Kirk (2010) salienta que a cultura física é uma forma especializada de discurso corporal preocupada com formas institucionalizadas e codificadas de movimento humano que se relacionam mais intimamente com a EF escolar, esporte, exercício e lazer ativo, bem como dança, artes marciais e práticas meditativas.
No Brasil, as compreensões relacionadas a cultura corporal de movimento ganham sustentação teórica a partir de produções oriundas do início da década de 1990 (Betti, 1992; Soares et al., 1992). Compreender as práticas corporais como elementos da cultura construídas e legitimadas socialmente e que devem ser tematizadas na escola possibilita uma importante transformação paradigmática à medida que questiona a naturalização com que determinadas práticas hegemônicas e certas perspectivas didáticas e pedagógicas vinham sendo desenvolvidas cotidianamente. De forma geral, é a construção social e histórica e o legado cultural das diferentes práticas corporais, tais como os esportes, as lutas, os jogos e brincadeiras, as ginásticas, as atividades de aventura, as práticas circenses, as danças, as práticas corporais alternativas/integrativas, os exercícios físicos, entre outras, que compõem o conjunto fundamental de manifestações que devem ser ensinadas às novas gerações pelo componente curricular obrigatório da EF, por meio de processos educativos coerentes com essa perspectiva.
Logo, o aporte científico biológico que, durante certo período de tempo, foi suficiente para explicar e fundamentar a EF, passa a não ser capaz de compreender esse desenvolvimento histórico das práticas corporais e suas implicações educativas. A valorização das subáreas pedagógica e sociocultural permitiu um enriquecimento das análises e a abrangência de novas perspectivas. Evidentemente, passou-se também a se intensificar os conflitos e tensões das subáreas entre si, o que demonstra que o campo da EF é um espaço de lutas e disputas entre seus agentes em busca do monopólio do poder.
De modo mais incisivo, compreender a EF como prática pedagógica arraigada às manifestações vinculadas à cultura corporal de movimento estimula a reflexão de novos paradigmas de pensamento e racionalidade. De acordo com Bracht (2014, p. 48), “o apelo para a cientifização da EF é problemático porque a racionalidade científica (tradicional) é limitada em relação às necessidades de fundamentação de sua prática – o que indica a superação do modelo tradicional de racionalidade científica”.
O fortalecimento da compreensão de EF e o ensino das manifestações da cultura corporal se fortaleceu de tal forma que, por intermédio das produções preconizadas pela área, acabou influenciando a promulgação de leis, normas, diretrizes, currículos e orientações para o campo. Houve uma intensificação de abordagens curriculares centradas na perspectiva da valorização das práticas corporais e suas múltiplas formas de manifestação e tematização na escola.
A id2 relacionada à EF como prática pedagógica ligada à cultura corporal de movimento é talvez uma das principais contribuições do movimento renovador do campo em termos de proposições para a reconfiguração da prática pedagógica. A ressignificação dos elementos da cultura como identidade da EF, particularmente na escola, revigorou, ao menos em parte, as inúmeras críticas advindas das décadas anteriores. No entanto, fez emergir também algumas problemáticas que se encontram no cerne de sua dificuldade de desenvolvimento, a exemplo de grande abrangência de práticas e necessidade de robustez nos processos formativos iniciais e continuados para que seja possível sua tematização, levando-se em consideração a realidade e diversidade presente nas escolas brasileiras.
Apesar de todo o debate preconizado nos últimos trinta anos, a Idade da EF como prática pedagógica ligada às manifestações da cultura corporal de movimento não pode ser compreendida como hegemônica em termos de prática efetiva nos contextos de intervenção escolar. Não obstante o intenso debate preconizado pelo movimento renovador, parte das práticas pedagógicas desenvolvidas cotidianamente encontra raízes ainda profundamente ligadas à “idade da EF como técnica esportiva”.
4 AS “IDADES DA PRÁTICA” NA EF BRASILEIRA EM DIÁLOGO COM PIERRE BOURDIEU: DOIS PASSOS PARA FRENTE, TRÊS PARA TRÁS?
O desenvolvimento da EF no contexto brasileiro passou por algumas alterações que objetivaram reconstruir sua identidade. Essas transformações, entre outras coisas, refletem a passagem da compreensão de “atividade” para “componente curricular obrigatório”, como analisa Fensterseifer (2001). Contudo, apesar de alguns avanços (os “passos para frente”), há ainda uma série de condicionantes que acabam por limitar seu o desenvolvimento e legitimidade (os “passos para trás”). Nesse intento, uma das problemáticas se refere à dificuldade de superação do paradigma que compreende a EF como o ensino de técnicas esportivas. Kirk (2011) reforça essa visão, afirmando que apesar das críticas e da intensificação do debate acadêmico, há pouca alteração efetiva em sua prática nas escolas. O autor inclusive apresenta uma problematização se propostas como da “cultura física” (“physical culture”) e do Teaching Games for Understanding” – TgfU (Ensino de Jogos por meio da Compreensão), entre outras, poderiam ser caracterizadas como uma “nova Idade”, ou se ainda não foram capazes de transformar o id2 da EF.
Essa realidade é paradoxal à medida que remete à uma estrutura fortemente vinculada à Idade da EF como ensino de técnicas esportivas. Bracht (2010), ao analisar o campo brasileiro, apresenta a seguinte hipótese:
A cultura esportiva agia de forma tão potente como núcleo gerador de sentido da prática pedagógica que acabou por constituir-se também no núcleo central da “identidade docente” dos professores de educação física. Assim, a crítica radical à esportivização da educação física afetou e impactou fortemente uma parcela importante de professores da área que atuava nas redes de ensino [...], desestruturando e abalando esse núcleo gerador de sentido, afetando também, portanto, no seu cerne, a identidade docente desses professores. Esse processo de desconstrução que levou longos anos produziu um hiato [...]. A crítica produziu um vazio de sentido, a ponto até de a teoria passar a ser percebida pelos professores como uma ameaça (Bracht, 2010, p. 102).
Dessa forma, o movimento renovador foi crucial no sentido de fomentar importantes críticas à perspectiva da “EF como ensino de técnicas esportivas”. No entanto, as proposições de transformações das práticas não seguiram a mesma projeção, produzindo tal “hiato”, como ressalta Bracht (2010).
Historicamente, a EF apresentava especificidades claras, seja fundada na reprodução dos movimentos ginásticos, seja voltada para o ensino das técnicas esportivas. Com o advento dos movimentos que renovaram suas fundamentações, novas perspectivas de trabalho passaram a desempenhar papéis importantes em sua estruturação didática. Entretanto, Bracht (2010) salienta que muitas propostas ficaram restritas ao nível do discurso. Em diversos contextos as práticas permaneceram alicerçadas em perspectivas de cunho tradicional esportivista. Segundo o autor, tal fato se deve, entre outras coisas, pela forma com que as críticas foram sendo implementadas sem haver proposições claras e coerentes que compreendessem a prática dos professores em seus diversos contextos de atuação.
O mote desse dilema é um dos fatores que mantém o reconhecimento de que a EF no Brasil ainda permanece em “crise de identidade”, confluindo para sua falta de legitimidade na escola, sendo muitas vezes entendida ainda como uma “atividade” por parte dos agentes que compõem o campo. Essa falta de legitimidade implica em dificuldades fulcrais para sua valorização.
Dialogando com Bourdieu (2009), compreendemos que é preciso romper com a lógica das regularidades objetivas como estruturadoras das práticas, de modo que ela tende a ser subordinada aos cânones científicos que procuram formas de analisa-la de acordo com pressupostos eruditos e não a partir do sentido vivido no jogo social. Nessa perspectiva, o conceito de doxa pode ser de grande valia. De acordo com Bourdieu (1984), entende-se por doxa o conjunto de regras, crenças e representações que caracterizam determinado campo, ou seja, o “universo dos discursos possíveis” que define o que é que pode ser pensado e dito no campo, seus aspectos “inquestionáveis”, “socialmente garantidos” e “naturalizados”. Dessa maneira, a doxa representa aquilo que os agentes estão de acordo, não sendo necessariamente uma imposição externa, embora assim também possa se manifestar, e provocando as crenças nas quais os agentes aderem, inclusive de modo inconsciente.
Para Bourdieu (2003) no interior dos campos, a doxa opera como o “isso é óbvio” de um determinado contexto, juntamente com o nomos, as leis gerais que institucionalizam, legitimam e governam os campos. São compostos pelos elementos representados pelo que é “impensável de jure” (no sentido político), “inominável”, “tabu” (problemas que não são possíveis serem tratados) e “impensável de facto” (o que o próprio aparato cognitivo não é capaz de processar e refletir). Nesse sentido, a relação à doxa de determinado campo se faz pelo que Bourdieu (2000) denominou de illusio, isto é, o produto não consciente da adesão à doxa pelos agentes. No jogo social, a cristalização dos valores provoca a adesão voluntária e, muitas vezes, irrefletida à doxa do campo, produzindo a illusio.
Assim, podemos considerar que na idade da EF como ginástica essa estrutura de prática operava como a doxa, aquilo que era admitido como sendo a única maneira possível e adequada de agir no interior do campo. Da mesma forma, a Idade da EF como ensino de técnicas esportivas, representa a doxa estruturante da prática a partir de sua consolidação histórica. Nesse sentido, o campo da EF é, até certo ponto, governado pela doxa representativa do ensino das técnicas esportivas. Essa é a doxa que delineia as ações dos agentes no interior desse campo, ao menos em grande parte dos contextos.
Apesar de ser uma estrutura relativamente estável, o campo sofre alterações de acordo com as dinâmicas sociais e relações de capitais entre os agentes. Houve um processo de transição no campo na passagem do ensino da ginástica (primeira Idade) para o ensino das técnicas esportivas (segunda Idade). De acordo com Bourdieu (2003) essa transformação pode ser compreendida com o conceito de “heterodoxia”, ou seja, o questionamento à doxa do campo e seu consequente processo de desnaturalização, provocando o surgimento de uma doxa alternativa. No entanto, o próprio campo pode produzir uma “ortodoxia”, isto é, uma reação à essa transformação da doxa, procurando manter as forças que dominam o campo, evitando os questionamentos à sua naturalização.
Seguindo esse delineamento, podemos compreender que o movimento renovador propôs reestruturar a doxa do campo sem, contudo, trazer olhares que permitissem alterar o habitus de seus agentes. Dessa forma, buscou-se compreender e transformar a doxa baseada na EF como prática pedagógica alicerçada na cultura corporal, porém, o habitus dos agentes no campo permaneceu em grande parte enraizado na estrutura da EF como ensino de técnicas esportivas.
Ao se propor uma doxa alternativa ao campo sem, contudo, transformar o habitus dos agentes, instaura-se um conjunto de dilemas que provocam inúmeras dificuldades de legitimação, correspondentes às “crises”. Bourdieu (1984) denomina esse deslocamento entre habitus e campo de “hysteresis”. Para o autor, há períodos de crise ou de transição no qual o habitus não corresponde mais à estrutura do campo, no entanto, este ainda não está adaptado à nova doxa, o que gera um efeito de dissonância, contra adaptativo e retarda a adaptação às transformações do contexto social, que provoca a “presença do passado no presente” (Bourdieu, 2009).
A partir dessa perspectiva, é importante considerar que seja repensada a relação entre habitus dos agentes e a doxa do campo da EF. Essas alterações perpassam o desenvolvimento do conjunto de capitais (econômicos, culturais, sociais, simbólicos, etc.) que permite a transformação do habitus, para que se possa concretizar essa passagem da Idade do ensino das técnicas esportivas para a Idade da EF como prática pedagógica relacionada às manifestações da cultura corporal de movimento. A consideração da hysteresis se apresenta como um ponto de inflexão da EF no Brasil, o qual ainda não foi superado.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: POR UMA COMPREENSÃO DE ENSINO NA EF BRASILEIRA
O presente ensaio objetivou analisar as Idades da prática da EF no Brasil, bem como refletir acerca da “ideia sobre a ideia” que estruturou as representações que constituíram esse componente curricular na escola, compreendendo as implicações para o projeto de EF na contemporaneidade. Conclui-se que tais perspectivas não devem ser compreendidas de forma linear, uma vez que as transformações paradigmáticas estão arraigadas à intensos processos de luta por legitimidade. Assim, a Idade da Prática da EF como prática pedagógica e a cultura corporal de movimento vem sendo constituída, não de modo linear, não sem apresentar intensas lutas e disputas oriundas do campo, mas por meio da confluência de diversas ações acadêmicas, políticas, práticas, etc. Há ainda percalços, uma vez que é preciso repensar certos delineamentos para se analisar as práticas por meios que procurem valorizá-las também como produtoras de saberes.
O movimento renovador da EF partiu sumariamente do contexto universitário, e não do coletivo de professores realmente envolvidos com a prática pedagógica da EF na escola. É evidente que diversos docentes foram fortemente influenciados pelas leituras, palestras, formações, diálogos e mesmo, eventualmente, imergiram ao contexto acadêmico em busca de formações mais especializadas. Contudo, ainda assim, o ponto de partida adveio de uma série de iniciativas anteriores, tais como a ida de pesquisadores para o exterior, criação dos cursos de pós-graduação na área no Brasil, abertura democrática sociopolítica, etc. Toda essa conjuntura propositiva como forma de apresentar novas tendências à prática da EF tem no campo acadêmico seu lócus idealizador.
Essa constatação nos leva a crer, a esteira da análise de Bracht (2010), que houve certo “otimismo” dos autores em considerar que seria possível, por meio da maior fundamentação teórica de base filosófica, sociológica e antropológica, formar docentes para atuar nesse novo paradigma. Essa perspectiva pode ter embutida duas hipóteses. A primeira se designa à um possível delineamento aplicacionista: a Universidade teria proposto um conjunto de pensamentos para os profissionais do campo, os quais deveriam se esmerar para apreendê-los e “aplicá-los” nas escolas.
A segunda hipótese se refere à possiblidade do movimento renovador poder ter representado certo distanciamento com relação à efetividade prática das proposições defendidas no âmbito acadêmico. Assim, é possível problematizar até que ponto o movimento renovador, cuja importância tem sido fundamental, não deixou de lado uma análise que pudesse compreender, entre outras coisas, a fundamentação da racionalidade prática e do agir profissional em suas proposições.
Evidentemente, essas são questões em aberto, até porque dos primeiros questionamentos denominados conjuntamente de “renovadores” até o presente temos mais de trinta anos de intensas lutas e disputas dentro do campo da EF. Talvez, essa perspectiva vinculada à compreensão fundamentada na prática e no agir profissional que busque valorizar os saberes dos agentes inseridos no campo possa se tornar uma possibilidade a ser explorada que não necessariamente venha a “negar” as contribuições das proposições renovadoras apresentadas, mas alicerça-las em pressupostos configurados na e pela prática profissional.
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O presente estudo, em caráter de ensaio teórico, foi inicialmente dimensionado em uma versão ainda bastante inicial para a tese de doutorado intitulada: “Entre a escola e a universidade: análise do processo de fundamentação e sistematização da epistemologia da prática profissional de professores de Educação Física”, de autoria do próprio autor do estudo. Cabe salientar que o estudo como se apresenta passou por mudanças substanciais até se estruturar como artigo para o presente periódico.
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FINANCIAMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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COMO REFERENCIAR
RUFINO, Luis Gustavo Bonatto. As Idades da Prática e a “Ideia sobre a Ideia” de Educação Física no Brasil. Movimento, v. 31, p. e31027. jan./dez. 2025. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.142001.
DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA
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Editado por
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RESPONSABILIDADE EDITORIAL
Alex Branco Fraga* https://orcid.org/0000-0002-6881-1446Elisandro Schultz Wittizorecki* https://orcid.org/0000-0001-7825-0358Mauro Myskiw* https://orcid.org/0000-0003-4689-3804Raquel da Silveira* https://orcid.org/0000-0001-8632-0731* Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Nov 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
18 Ago 2024 -
Aceito
20 Abr 2025 -
Publicado
14 Out 2025
