Open-access UM ESTUDO SOBRE OS USOS TEÓRICOS DO CONCEITO DE ESPORTIVIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO FÍSICA E NA SOCIOLOGIA DO ESPORTE

A STUDY ON THE THEORETICAL USES OF THE CONCEPT OF SPORTIVIZATION IN PHYSICAL EDUCATION AND SOCIOLOGY OF SPORT

UN ESTUDIO SOBRE LOS USOS TEÓRICOS DEL CONCEPTO DE DEPORTIVIZACIÓN EN EDUCACIÓN FÍSICA Y SOCIOLOGÍA DEL DEPORTE

Resumo

A partir do horizonte epistemológico da história social do conceito, este estudo buscou compreender os usos teóricos do conceito de esportivização em Educação Física e Sociologia do Esporte. A investigação empreendida indicou que existem usos distintos e aproximados do conceito de esportivização nas duas áreas. Na sociologia, o termo esportivização apresenta o teor histórico, descrevendo o processo de transformação de atividades de movimento em esportes regulamentados. Na Educação Física, a noção ganha conotação pedagógica, passando a narrar a submissão da Educação Física escolar aos códigos e valores da instituição esporte, ocasionando consequências didáticas, curriculares e valorativas para o cotidiano escolar. Em termos propositivos, indicou-se algumas possibilidades investigativas e educativas para o conceito de esportivização na contemporaneidade, aspecto esse que pode revitalizar seu uso ou seu emprego.

Palavras-chave
Esportivização; Educação Física; Sociologia do Esporte

Abstract

From the epistemological perspective of the social history of the concept, this study aimed to understand the theoretical uses of the concept of sportivization in Physical Education and Sociology of Sport. The investigation carried out revealed that there are distinct and overlapping uses of the concept of sportivization in both areas. In sociology, the term sportivization presents a historical content, describing the process of transforming movement activities into regulated sports. In Physical Education, the notion takes on a pedagogical connotation, describing the submission of school Physical Education to the codes and values of the sports institution, causing didactic, curricular and evaluative consequences for everyday school life. In propositional terms, some investigative and educational possibilities were indicated for the concept of sportivization in contemporary times, an aspect that can revitalize the use of this concept.

Keywords
Sportivization; Physical education; Sociology of Sport

Resumen

Desde el horizonte epistemológico de la historia social del concepto, este estudio buscó comprender los usos teóricos del concepto de deportivización en la Educación Física y la Sociología del Deporte. La investigación realizada indicó que existen usos distintos y convergentes del concepto de deportivización en ambos ámbitos. En sociología, el término deportivización tiene un enfoque histórico, describiendo el proceso de transformación de actividades de movimiento en deportes regulados. En Educación Física, la noción adquiere una connotación pedagógica, pasando a narrar el sometimiento de la Educación Física escolar a los códigos y valores de la institución deportiva, provocando consecuencias didácticas, curriculares y evaluativas para la vida escolar cotidiana. En términos proposicionales, se señalaron algunas posibilidades investigativas y educativas para el concepto de deportivización en la época contemporánea, aspecto que puede revitalizar el uso de este concepto.

Palabras clave
Sportivización; Educación Física; Sociología del Deporte

1 INTRODUÇÃO

Na contemporaneidade, pouco se questiona a respeito da amplitude social do fenômeno esporte. Aliás, toma-se como ponto de pouca discórdia, o fato do esporte ser concebido como uma manifestação de caráter global. Tal percepção, fortalece-se em virtude do "mundo à parte" que o esporte tem sido capaz de criar, já que uma série de relações políticas, econômicas e culturais se estabelecem em torno da dinâmica esportiva, bem como, milhares de sujeitos se envolvem com o esporte cotidianamente, seja na condição de atletas, praticantes de final de semana, espectadores, consumidores, produtores de conteúdo digital, ou profissionais como professores, médicos, psicólogos, jornalistas, engenheiros, nutricionistas, fisioterapeutas, dentre outros, que pelo trabalho formal ou informal, estão intimamente ligados ao universo esportivo.

A relevância do esporte como fenômeno mundial se tornou tão perceptível desde a segunda metade do século XX, que a sua institucionalização provocou a necessidade de gestão política do esporte como direito social em várias nações do mundo, como é o caso do Brasil, que possui em sua estrutura administrativa federal, um órgão com função de executar e avaliar políticas públicas no setor, neste caso, o Ministério do Esporte. Apesar da noção mais ampla de gestão social do esporte estar presente no discurso político e acadêmico brasileiro, pode-se dizer que o esporte de alto rendimento tem sido privilegiado no planejamento e execução de políticas públicas no país, fato esse que corrobora com a ideia de que o esporte orientado para a alta performance acaba sendo em muitos casos o modelo que direciona a experiência prática de outras realidades (Dalmas et al., 2023). Tais elementos confirmam a constatação realizada por Helal (1990) e Marchi Júnior, Almeida e Souza (2019), de que o esporte é um fenômeno social que impregna a vida cotidiana do sujeito moderno, sendo uma das instituições sociais mais sólidas do nosso tempo.

Outro movimento importante de ser observado refere-se à recepção do esporte pelos campos de conhecimento estabelecidos na estrutura acadêmica brasileira, pois, em virtude da sua proliferação como fenômeno social, é natural que surja a demanda pela a sua compreensão por vias mais aprofundadas. Do ponto de vista do exame do esporte como fenômeno, isto é, um tipo de manifestação social que precisa ser estudada na sua ampla relação com a sociedade e os indivíduos, constata-se que duas áreas se destacam na tentativa da elaboração de formulações teóricas e pesquisas empíricas, a dizer: Sociologia e Educação Física. É certo que ambas não podem ser tratadas como pertencentes a um mesmo estatuto epistemológico, uma vez que a primeira possui maior consolidação e legitimidade na qualidade de ciência, e a segunda tem caminhado no sentido de se designar como uma prática de intervenção profissional que produz conhecimento. De todo modo, é ponto pacífico que Educação Física e Sociologia, ou melhor, Sociologia do Esporte, destacam-se como áreas de conhecimento que produzem reflexões e estudos empíricos sobre o fenômeno esportivo em maior quantidade e densidade.

É preciso destacar, que apesar de muitas reflexões produzidas na Educação Física e Sociologia do Esporte apresentarem alguns pontos de similaridade, existe uma certa particularidade na produção efetivada em cada campo. Na sociologia, o interesse recai quase sempre na compreensão de temas como: a gênese e o desenvolvimento do esporte moderno; o futebol associado com discussões de violência, identidade e mídia; questões de diversidade e inclusão no esporte (Vieira; Rodrigues, 2023). Na Educação Física, devido à sua característica de campo de intervenção, as pesquisas sobre esporte se apresentam como notavelmente induzidas por demandas da prática profissional, por isso, destaca-se a preferência da área por temas como: o esporte de alto rendimento; o esporte no espectro do tempo livre; o esporte como objeto de conhecimento da Educação Física escolar (Bracht, 2005, 2019; Stigger; Lovisolo, 2009). Como forma de demarcação histórica, deve-se reconhecer que a área da Educação Física é pioneira do ponto de vista da discussão crítica do esporte no Brasil na década de 1980, dado que no âmbito sociológico, teve-se muito mais, de início, a presença de uma espécie de sociologia interpretativa do futebol relacionada com aspectos da formação da identidade nacional (Torri; Vaz, 2006).

Na ocasião deste estudo, optei por efetivar uma discussão que pode ser compreendida na interface entre Educação Física e Sociologia do Esporte, especialmente, na relação entre os temas do esporte como objeto de conhecimento da Educação Física escolar e da gênese e desenvolvimento do esporte moderno. Para tal, farei uso do conceito de esportivização como chave analítica de aproximação entre os campos citados, na medida em que, pode-se identificar que existem diferentes usos deste conceito na Educação Física e Sociologia do Esporte. Sendo assim, este estudo se desenvolverá em torno do objetivo de compreender os usos teóricos do conceito de esportivização em Educação Física e Sociologia do Esporte.

Para o desenvolvimento do itinerário de pesquisa sugerido, este escrito contará com mais cinco tópicos além desta introdução. Em seguida, apresentarei a orientação de método deste estudo. No terceiro tópico, tratarei do entendimento sociológico do conceito de esportivização. Posteriormente, ganharão espaço as interpretações produzidas no campo da Educação Física em torno da noção de esportivização. No penúltimo tópico, abordarei algumas possibilidades investigativas e educativas do conceito de esportivização. Por fim, realizarei as considerações finais.

2 ORIENTAÇÃO DE MÉTODO

Com base nos elementos até então expostos, assevero que se trata de um estudo teórico, que terá como horizonte epistemológico a perspectiva da história social do conceito (Adorno; Horkheimer, 1985). Nesta orientação, o conceito é tomado na qualidade de movimento histórico, melhor dizendo, daquilo que ele manifesta no seu desenvolvimento social efetivo. Portanto, trata-se de um esforço de analisar a trajetória dos usos do conceito de esportivização em dois campos de conhecimento, na busca pela enunciação das possíveis diferenças existentes, bem como, das apropriações e relações que Educação Física e Sociologia do Esporte estabelecem entre si quando fazem uso do conceito de esportivização.

Nesse sentido, para a exposição deste escrito, foi efetivado um amplo trabalho de investigação em fontes teóricas primárias que tratam da noção de esportivização nas áreas da Educação Física e Sociologia do Esporte, tais como: Elias e Dunning (1992), Bracht (1992, 2017, 2019), Betti (2009), Castellani Filho (1988, 1993, 1995) e Kunz (1989). Os textos foram compreendidos em sua dinâmica de produção histórica, o que tornou possível a construção de uma narrativa explicativa em torno dos usos teóricos do conceito de esportivização, tal como começarei a apresentar no próximo tópico.

3 O PRIMEIRO MOVIMENTO DO CONCEITO: O ENTENDIMENTO SOCIOLÓGICO DA ESPORTIVIZAÇÃO

A consolidação e o reconhecimento do esporte como tema de estudo legítimo do fazer sociológico não seguiu a mesma cronologia do desenvolvimento dos principais ramos de interesse das ciências sociais na modernidade. Quero dizer com isso, que no período que a sociologia, entre o final do século XIX e começo do século XX, buscava organizar os fundamentos do seu método científico e um conjunto de problemáticas de estudo, o esporte não foi em primeira instância concebido como um campo social que merecesse a atenção dos grandes sociólogos e das teorias que estavam se constituindo. Na sua fase inicial, pode-se dizer que a sociologia se ocupou, sobretudo, de fenômenos concebidos como de grande magnitude e notoriedade dentro da estrutura das sociedades capitalistas em desenvolvimento, como os temas do trabalho, da economia, da organização política, das classes sociais e das relações dos sujeitos com a vida coletiva. Tais assuntos, para a tradição sociológica, foram vistos como mais nobres e demonstrativos de uma certa racionalidade dominante que primava pelo maior esforço da consciência teórica no estudo das questões sociais.

Não por acaso, os trabalhos contemporâneos de Dunning (2003, 2011) sobre Sociologia do Esporte evidenciam que essa área por muito tempo foi desconsiderada dentro das maiores preocupações sociológicas do século XX. Como chave explicativa, o sociólogo britânico argumenta que as grandes narrativas e teorias produzidas pela sociologia clássica, em via de regra, atribuíram menor importância às condutas e interações sociais nos quais os seres humanos se envolvem integralmente por via de suas emoções, pulsões, desejos e ações corporais. Ou seja, na medida em que a corporeidade humana se manifestava como protagonistas, pelo menos na expressão mais imediata de alguns fenômenos, como, por exemplo, nas práticas esportivas e em algumas formas miméticas de lazer, a lente analítica das grandes teorias sociológicas esteve menos presente. No limiar deste processo, localiza-se o espírito da dualidade moderna entre corpo e intelecto. Isto é, aos temas concebidos como de nobre esforço do pensamento, tem-se o maior prestígio, já para as ações humanas ligadas ao corpo e seus usos cotidianos, manifesta-se um certo estranhamento e suspeita sobre a necessidade de a sociologia investir grandes esforços (Helal, 1990).

É dentro desse espectro, já na segunda metade do século XX, que os primeiros notáveis sociólogos de alcance teórico universal que realizam estudos sobre o esporte, também foram aqueles que efetivaram a necessária crítica por esse fenômeno ter sido até então pouco abordado pelas principais correntes de pensamento da sociologia. Para Dunning (2011), quando se estabelece o critério da utilização de uma abordagem teórica de maior profundidade capaz de estudar o esporte na sua relação com outros fenômenos da vida social, Norbert Elias pode ser considerado como o precursor da Sociologia do Esporte. Apesar de Dunning reconhecer o pioneirismo de Norbert Elias, sabe-se que uma série de investigações organizadas por ambos e outros colaboradores entre os anos de 1966 e 1971, deram origem ao clássico estudo denominado de "A busca da excitação: desporto e lazer no processo civilizacional", publicado originalmente em 1986 em língua inglesa, e com divulgação de uma primeira edição em português no ano de 1992.

Um ponto que merece destaque, e ao mesmo tempo reflete o esquecimento do esporte como tema de estudo da sociologia nos seus primórdios, é que o trabalho de Elias e Dunning (1992), antes de qualquer definição epistemológica de cunho disciplinar, mostra-se como uma sociologia histórica do esporte. Quer dizer, em virtude da pouca tradição investigativa a respeito do campo esportivo, os primeiros estudos sociológicos de maior densidade tiveram que, invariavelmente, realizar investigações históricas sobre a gênese e o desenvolvimento do esporte na sociedade inglesa do final do século XVIII e começo do século XIX. É nesse âmago da investigação histórica, que a noção de esportivização emerge como explicativa da gênese social do esporte no contexto da industrialização e parlamentarização da política na Inglaterra.

Desse modo, parto da premissa de que a interpretação sociológica do esporte tomada por Elias e Dunning (1992), situa a primeira utilização teórica do conceito de esportivização no espírito da narrativa explicativa a despeito da gênese do esporte. Nestes autores, o termo "desportivização1", faz referência à uma soma de processos e acontecimentos que fizeram com que um conjunto de passatempos expressos na forma de jogos de origem popular e aristocrata, em virtude do apelo social pela maior demonstração de civilidade em hábitos políticos, culturais e de lazer, passassem por amplos procedimentos de diminuição da violência explícita, adequação de regras e padronização de dinâmicas competitivas, resultando então, na transformação dessas práticas em esportes. Neste caso, a desportivização/esportivização apresentada por Elias e Dunning (1992), descreve o processo de conversão de outras atividades de movimento para a forma de esporte. Trata-se então, na sua essência, de um conceito histórico-sociológico.

Na lógica da sociologia configuracional e do desenvolvimento de Elias e Dunning (1992), ao mesmo tempo que certos passatempos, outrora associados com a violência e a ausência de regulamentações eficazes, transformam-se em atividades essencialmente excitantes, nas quais as novas convenções e regras padronizadas controlam os seus excessos sem eliminar a necessária tensão provocada pelas disputas, tem-se então, o exemplo de que os processos de esportivização, são também demonstrações de avanços de civilidade, posto que, "a desportivização, em resumo, possui o caráter de um impulso civilizador" (Elias, 1992, p. 244). Avanços civilizatórios não no sentido moral de algo bom ou ruim em si mesmo, mas sim, na acepção de diminuição dos graus elevados de violência. Tal processo, como bem descrito por Elias (1992), deu-se no seio das classes sociais abastadas na Inglaterra industrial, o que conotou aos emergentes esportes, o teor aristocrático e burguês na sua origem.

Outra ideia implícita ao conceito de esportivização criado pela sociologia, corresponde à interpretação de que ele representa as ações de organização de competições de jogos que anteriormente eram vivenciados através de regras dispersas e restritas a certos povoados e ocasiões comemorativas. Elias (1992) assinala que as regras das então atividades de lazer de caráter esportivo, passaram a ser mais rígidas, baseadas nos princípios da justiça e igualdade de oportunidades entre os competidores. Quer dizer, numa disputa genuinamente esportiva, os indivíduos ou equipes devem se enfrentar a partir de um conjunto de regras previamente estabelecidas e acordadas, o que certamente aumenta o grau de seriedade dos confrontos. Caso as competições sejam realizadas fora desses parâmetros, isto é, com prevalência de atitudes desregradas e ausência de formalidades, está-se diante de práticas não esportivizadas.

Como é possível notar, a gênese histórica do conceito de esportivização remete à ideia de transformação de práticas. Nesse primeiro sentido, pode-se dizer que se trata de um conceito com atributos de longevidade histórica, dado que, os episódios de modificação de jogos e atividades corporais diversas e a consequente transformação deles em esportes regulamentados, ocorrem ininterruptamente em decorrência dos mais variados interesses e lógicas sociais (Marchi Júnior; Almeida; Souza, 2019). No entanto, ressalto que na conjuntura histórica analisada por Elias e Dunning (1992), os processos de esportivização se deram em grande medida, motivados por aspectos ligados ao espírito civilizatório da modernidade, e o consequente impulso pelo maior controle das emoções e diminuição das práticas de violência que a sociedade industrial experimentava. Análogo ao processo de esportivização, teve-se a parlamentarização da política e uma série de outras experiências que visavam diminuir os níveis de agressividade presentes nas relações sociais modernas. Tal questão, posiciona os episódios de esportivização junto com vários outros acontecimentos culturais que revelam o espírito civilizador da modernidade.

No transcorrer da trama histórica, esta primeira noção de esportivização passa a ser utilizada por outros sociólogos, bem como, adentra o campo de conhecimento da Educação Física. Devo dizer, que algumas notáveis produções de estudiosos da área fizeram uso do sentido original de esportivização elaborado por Elias e Dunning (1992). Como exemplos, menciono os trabalhos de Bracht (2005) e Stigger (2005), que empreendem análises sociológicas do esporte e sua relação com o campo da Educação Física tomando como referência o que estou chamando de primeiro movimento do conceito de esportivização. Nos dizeres de Bracht (2005, p. 13-14):

O esporte moderno resultou de um processo de modificação, poderíamos dizer, de esportivização de elementos da cultura corporal de movimento das classes populares inglesas, como os jogos populares, cujos exemplos mais citados são inúmeros jogos com bola, e também de elementos da cultura corporal de movimento da nobreza inglesa.

Contudo, apesar do sentido original da noção sociológica de esportivização ter sido recepcionada em sua integralidade no campo da Educação Física brasileira, é perceptível a existência de um outro movimento interessante no uso do termo, desta vez, conectado com o universo escolar. Devo dizer, que no âmbito da Educação Física, o conceito de esportivização passa a ser empregado para descrever alguns outros fenômenos que diferem da sua orientação sociológica inicial, sendo este o objeto da reflexão do próximo tópico.

4 O SEGUNDO MOVIMENTO DO CONCEITO: ESPORTIVIZAÇÃO E/DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Em virtude do caráter interdisciplinar do campo de conhecimento da Educação Física e da sua definição epistemológica como prática de intervenção profissional, é natural que as influências teóricas das ciências humanas e sociais muitas vezes se façam expressivamente presentes na produção de conhecimento da área. Por esta razão, como mencionei anteriormente, o conceito sociológico de esportivização passou a ser utilizado por grande parte da intelectualidade da Educação Física brasileira. Nesses usos, que por vezes aproximam a noção de esportivização com o conceito de espetacularização do esporte, quase sempre, retrata-se algumas consequências mercadológicas, políticas e culturais da transformação das atividades de movimento em esporte, devendo essa ser uma questão a ser considerada nas práticas de ensino que ocorrem nos cursos de formação superior e escolas. É possível dizer, que o primeiro movimento do conceito de esportivização produzido pela Sociologia do Esporte, quando incorporado pelo campo da Educação Física, passa a adotar a lógica de conceito reflexivo a respeito dos contornos sociais de um objeto de conhecimento da área, em tal caso, o esporte.

No entanto, entre os meados da década de 1980 e os anos 1990, ou seja, no limiar da constituição da chamada vertente crítica do Movimento Renovador da Educação Física brasileira2, o conceito de esportivização começa a assumir um novo sentido, desta vez, conectado com o campo pedagógico. Este entendimento, revela um cenário político-social particular da história da Educação Física brasileira na conjuntura da segunda metade do século XX, que fez com que o conceito de esportivização adquirisse a significação de denúncia a respeito da lógica que sustentava a presença das práticas e modalidades esportivas na Educação Física escolar. Segundo essa interpretação, tem-se então, uma série de consequências didáticas, curriculares e valorativas traduzidas pelo conceito de esportivização da Educação Física escolar. A seguir, apresentarei um esforço de formulação explicativa, que guiará o restante dos argumentos deste tópico.

Posso dizer então, que o termo esportivização, no seu uso pela literatura do campo pedagógico, denuncia a hegemonia do esporte como referência central e núcleo gerador de sentido da Educação Física escolar, com consequências notáveis no predomínio da mentalidade esportiva, seus códigos, valores, lógicas, princípios, tendências e relações interpessoais entre professor (treinador) e aluno (atleta) instauradas no cotidiano escolar. Relata ao mesmo tempo, o esvaziamento do esporte como campo de conhecimento e tema da cultura corporal. Aliás, termos como: cultura corporal, cultura de movimento e cultura corporal de movimento, parecem explicitar a necessária ampliação do campo de conhecimento da Educação Física, que deveria se redimensionar para além das práticas esportivas tradicionais, ou da chamada cultura esportiva. Assim, a ideia de esportivização da Educação Física escolar, transparece a crítica de uma certa didática competitivista e de processos de exclusão baseados na lógica do sistema esportivo de alto rendimento. Com isso, o termo busca fazer referência a esse conjunto de acontecimentos derivados da predominância da razão esportiva na sociedade e na Educação Física escolar, ancorados nos processos políticos ocorridos no Brasil desde o final da segunda guerra mundial, que tornaram possível a submissão da Educação Física escolar e seu currículo à instituição esportiva.

Com efeito, a noção de esportivização da Educação Física escolar, de modo literal ou implícito, introduziu-se fortemente no discurso crítico da área instaurado a partir da década dos anos 1980. Os trabalhos de Medina (1983) e Oliveira (1983), reconhecidos como os porta-vozes do movimento renovador, apresentam uma crítica fervorosa ao trato excessivamente técnico/alienante do esporte nos cursos de formação profissional e unidades escolares. No final das contas, o que querem dizer, é que a ideia dominante da época, de desenvolvimento da aptidão física dos sujeitos, instaurada já antes, nos anos 1950, encontrava nos preceitos esportivos de construção do corpo disciplinado, obediente e dócil, um elemento fundamental para a realização de um projeto de Educação Física politicamente conservador, situado epistemologicamente dentro dos parâmetros das ciências biológicas. Nos trabalhos mencionados, embora não se fale diretamente e nem se examine em detalhes a chamada esportivização da Educação Física escolar, enuncia-se um conjunto de argumentos sobre as consequências didáticas, curriculares e valorativas do predomínio da lógica do sistema esportivo de alto rendimento na Educação Física.

Sendo assim, será um pouco mais adiante, já no final dos anos 1980 e nos primeiros anos da década de 1990, que o termo esportivização passará a ser utilizado explicitamente, desta vez, com maior profundidade teórica e potencial descritivo do real cenário da Educação Física brasileira. Em virtude da característica do modo de circulação da produção de conhecimento neste período, que ocorria predominantemente na forma de artigos, dissertações, teses, comunicações em eventos e livros que muitas vezes eram escritos bem antes da data da sua publicação oficial, é quase inexequível a tarefa de datar assertivamente o primeiro trabalho a fazer uso organicamente do conceito de esportivização. Por consequência, acredito que é mais coerente com a atitude epistemológica de investigação reflexiva do movimento histórico-social do conceito, o esforço de compreender o aparecimento da noção de esportivização, situada ao espírito da crítica do esporte como núcleo gerador de sentido da Educação Física escolar e cursos de formação profissional (Bracht, 2017, 2019).

Ainda assim, é possível localizar alguns sujeitos pioneiros do movimento de crítica do predomínio do esporte como gerador de sentido da Educação Física escolar. Por exemplo, Kunz (1989) menciona os professores Lino Castellani Filho e Valter Bracht como os precursores deste processo. A partir de um esforço analítico cauteloso acerca da produção da área nesta época, além do próprio estudo de Elenor Kunz citado acima, faço referência aos trabalhos de Betti (2009)3, Bracht (1992) e Castellani Filho (1988, 1993, 1995) como alguns importantes escritos, que neste período, tratam da noção de esportivização com inegável sofisticação teórica4. Em resumo, posso afirmar que todos esses estudos, concebem a esportivização da Educação Física escolar e seus impactos na formação profissional, como o resultado da completa hegemonia do esporte desde o final dos anos 1950, que em virtude do seu prestígio social e a busca pela melhoria dos resultados esportivos de atletas brasileiros em competições internacionais, passou a ser tratado pela então Política Nacional de Educação Física e Desportos, como o seu alvo principal, sendo as aulas de Educação Física identificadas como um espaço fecundo para o descobrimento e desenvolvimento de talentos esportivos.

Neste contexto, a ênfase em políticas públicas como a criação das chamadas aulas de treinamento desportivo e o fortalecimento dos jogos escolares regional e nacional a partir dos anos 1970, confirmam a compreensão de que era o sistema esportivo guiado pela lógica do alto rendimento que passava a determinar o jeito de ser e os rumos da Educação Física escolar (Kunz, 1989; Castellani Filho, 1993). Na ebulição dos acontecimentos da época, Castellani Filho (1995, p. 2) sinaliza que “a constatada ‘esportivização’ da Educação Física escolar tem trazido como conseqüência, o fortalecimento de posturas equivocadas, que acabam por desconsiderar o Esporte como conteúdo da Educação Física escolar".

O que penso ser evidente, é que conforme os autores que denunciaram a conjuntura social e os efeitos pedagógicos da esportivização da Educação Física escolar, tal fenômeno é sobretudo um acontecimento político, uma vez que, "O ME5 foi o desembocadouro natural da esportivização da Educação Física, iniciada ao final da década de 19506, e da elevação do esporte a razão de estado na década de 1970" (Betti, 2009, p. 176). Ao realizar uma análise de cunho histórico-sociológica com base numa ampla interpretação de materiais que circulavam em revistas científicas, livros e documentos normativos dos anos 1950 em diante, Bracht (2019) conclui que bem como os discursos da formação para o trabalho, do cuidado com a saúde e da demanda pela a formação do corpo utilitário, a narrativa meritocrática que busca exaltar as virtudes do esporte de alto rendimento, pode ser considerada como um elemento justificador da Educação Física escolar, compondo o seu universo simbólico de legitimação. Anos antes, de modo extremamente preciso, Bracht (2017, p. 101) sintetizou a questão da esportivização do seguinte modo:

Mas, retomando o fenômeno da esportivização da educação física, ressalta-se que sua afirmação e sua hegemonia (diga-se de passagem, muito pouco contestadas inicialmente), tendo como núcleo gerador de sentido o esporte, foram possíveis pelo patrocínio oficial do Estado, via suas políticas públicas (principalmente o incentivo aos jogos escolares) que vincularam o esporte escolar ao sistema esportivo brasileiro. Esse apoio oficial e o apelo voltado ao valor simbólico do esporte deixaram pouco espaço para práticas divergentes.

Como mencionei no início deste tópico, o que, neste momento, denomino de segundo movimento do conceito de esportivização, apresenta um bom número de consequências didáticas, curriculares e valorativas para a Educação Física escolar. Em termos didáticos e curriculares, destaco os trabalhos de Kunz (1991), Moreira (1992) e Daolio (1994), que a partir da observação de aulas de Educação Física ministradas em escolas de ensino básico públicas e privadas, revelam que além das modalidades esportivas coletivas tradicionais e o atletismo preencherem basicamente todo o currículo da Educação Física, as aulas em si acabavam fazendo uso de métodos, princípios e orientações da área do treinamento desportivo. Outro aspecto, é que a separação das classes por sexo, a competição exacerbada, a seleção dos tidos como mais aptos e a repetição mecânica de técnicas esportivas, denotavam o rumo didático das aulas. Em muitos casos, o professor atuava como motivador dos estudantes e árbitro dos jogos esportivos realizados durante as aulas.

Um ponto que merece destaque, é que as pesquisas citadas acima revelam que nem sempre a busca pelo amplo refino técnico e a especialização dos gestos esportivos estava presente em todos os momentos das aulas. No entanto, valores e princípios como os da comparação objetiva de resultados, exclusão dos "menos aptos" e sobrepujança denotavam o sentido das sessões de Educação Física/esporte que ocorriam nas escolas. Sendo assim, era notável que a razão esportiva construída como política de estado, adentrava na Educação Física escolar através da sua definição curricular, das formas de ensinar (didática) e dos valores a serem transmitidos por via das práticas esportivas.

Assim, observa-se que o quadro de efeitos da esportivização da Educação Física escolar, fez com que esta atividade/disciplina acabasse sendo confundida com a própria prática esportiva. Os profissionais de Educação Física passaram a ser visto como instrutores esportivos, e aqueles que conseguiam bons resultados em competições, gozavam de prestígio e reconhecimento no ambiente escolar. Este pode ser considerado como um efeito marcante da esportivização na identidade docente e no perfil da Educação Física como atividade/disciplina da escola.

Para encaminhar a finalização deste tópico, gostaria de pontuar que apesar da ideia de esportivização da Educação Física escolar ter sido produzida entre os anos 1980 e 1990 para descrever um cenário que vinha ocorrendo sistematicamente desde o começo da segunda metade do século XX, tem-se evidências de que o esporte ainda se apresenta como um dos elementos que geram sentido para a Educação Física escolar na contemporaneidade (Rocha; Nunes; Oliveira, 2024). Aliás, o recente estudo de González (2018), após anos de investigações coletivas em diversas realidades educacionais da América Latina, afirma que três tipos de práticas pedagógicas podem ser visualizadas no cotidiano da Educação Física escolar, a dizer: práticas tradicionais; abandono do trabalho docente; inovação.

É curioso notar, que tanto nas chamadas práticas tradicionais, isto é, aquelas de fato baseadas na tematização do esporte na perspectiva do alto rendimento e desenvolvimento da aptidão física, como nas ações denominadas de abandono do trabalho docente, notabilizadas pelo não ensino sistemático de nenhum conteúdo e ocupação aleatória do tempo de aula a partir da administração de materiais didáticos (quase sempre esportivos) por parte do professor, o esporte aparece como referência central das aulas de Educação Física. Quer dizer, seja para o seu próprio ensino baseado no modelo já consolidado pela tradição, ou, em práticas que não possuem nenhuma pretensão educativa, é o esporte que emerge como atividade central do tempo de aula destinado à Educação Física, tanto para o desenvolvimento da aptidão física dos estudantes, como para a ocupação recreativa dos minutos de aula. Com as evidências citadas, pode-se dizer que o espírito da esportivização segue presente na Educação Física escolar, mesmo quando ela se imbrica com a lógica certamente ainda mais regressiva do abandono do trabalho docente.

5 ÚLTIMOS COMENTÁRIOS SOBRE A VIABILIDADE INVESTIGATIVA E EDUCATIVA DO CONCEITO DE ESPORTIVIZAÇÃO

Como último comentário de conteúdo reflexivo, gostaria de apresentar uma posição que possa colaborar para a revitalização dos usos teóricos do conceito de esportivização no âmbito investigativo (em Educação Física ou Sociologia do Esporte) e na esfera educativa. Penso que todo conceito, na dialética do seu movimento histórico, pode apresentar facetas distintas. Para isso, o espírito da crítica necessita ser sensível para a visualização de possibilidades que podem fazer com que o próprio objeto da análise se torne uma via formativa com potencial emancipatório.

Em termos de viabilidade investigativa, acredito que o conceito de esportivização segue atual, na medida em que, o campo esportivo é bastante dinâmico no processo de conversão de práticas corporais diversas em modalidades esportivas regulamentadas. Não por acaso, pesquisadores seguem fazendo uso do conceito de esportivização para a interpretação, por exemplo, do processo paulatino de adequação, de lutas tradicionais, como é o caso da Luta Marajoara, em modalidade esportiva (Santos; Andrade; Freitas, 2023).

Outro movimento investigativo que deve ser destacado, diz respeito ao uso da noção de esportivização para a compreensão de práticas que se transformam em esportes, mas que, seguem uma lógica distinta daquela promovida por instituições e federações esportivas tradicionais, onde os valores da meritocracia e da comparação objetiva dos resultados imperam. Nessas manifestações contemporâneas, como é o caso das organizações privadas que promovem eventos de Artes Marciais Mistas (MMA), os princípios de civilidade e controle da violência presentes no primeiro movimento do conceito de esportivização, encontram-se ancorados na lógica de construção de espetáculos esportivos e produção de um mercado cujo o mérito técnico individual dos competidores fica em segundo plano, já que os atletas que apresentam o maior potencial de ascensão nessas organizações, são necessariamente aqueles que se portam como um produto midiático capaz de mobilizar multidões, o que por consequência, eleva o valor comercial de cada evento que é administrado por um patrão (Mariante Neto; Vasques; Stigger, 2021).

No viés educativo, penso que o conceito de esportivização, na medida em que já se encontra consolidado cientificamente e passou a ser amplamente utilizado por autores situados nos campos da Sociologia do Esporte e Educação Física, deve ser tratado como uma ferramenta crítica de ensino na educação básica. Quer dizer, nas aulas de Educação Física escolar, em que os estudantes devem compreender o esporte como fenômeno sociocultural multifacetado, faz todo o sentido que os professores deste componente curricular façam uso da noção de esportivização no processo de ensino e aprendizagem das práticas corporais. Nessa via, o conceito deixa de ser apenas um elemento de denúncia de um certo tipo de prática que se deseja superar, e passa a ser uma possibilidade de ampliação da compreensão dos estudantes sobre as transformações que ocorrem ininterruptamente no universo das práticas corporais.

Para consolidar o argumento do uso educativo do conceito de esportivização, menciono a formulação teórica de Bagnara e Fensterseifer (2019) a respeito da especificidade do campo de conhecimento da Educação Física. Para esses professores, a disciplina apresenta um conjunto de saberes corporais e conceituais. Os saberes conceituais podem ser classificados em técnicos e críticos. No caso dos conhecimentos conceituais técnicos, eles englobam o conjunto de informações teóricas relevantes para a compreensão das características e do funcionamento operacional das práticas corporais. Já os conhecimentos conceituais críticos, "lidam com temas que permitem aos estudantes analisarem as manifestações da cultura corporal numa perspectiva ética e estética relativas à época e à sociedade que as gerou, às razões de sua produção e transformação, à vinculação local, nacional e global" (p. 85). Com essa definição, penso que fica explícita a viabilidade e necessidade do conceito de esportivização, especialmente na sua orientação sociológica, ser incorporado nas práticas de ensino da Educação Física escolar.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da forma como este estudo foi desenvolvido, talvez o leitor poderá notar a ausência de alguma posição crítica mais efetiva do seu autor a despeito da história do movimento do conceito de esportivização, especialmente, no âmbito da Educação Física escolar, dado que o esporte continua sendo um dos principais núcleos geradores de sentido da disciplina na contemporaneidade. Talvez isso tenha ocorrido em virtude da posição de intérprete que assumi neste momento. No entanto, em algumas ocasiões, penso que a análise efetivada é por sua natureza a própria crítica. Acredito que esse seja o caso da investigação sobre os usos teóricos do conceito de esportivização na Educação Física e Sociologia do Esporte. Todavia, ressalto que o tópico anterior deste estudo buscou evidenciar que o conceito de esportivização pode se revitalizar, tanto no âmbito das investigações em Educação Física e Sociologia do Esporte, como nas práticas de ensino desenvolvidas na escola.

Com este estudo, foi possível evidenciar que existem dois principais movimentos do conceito de esportivização, sendo um primeiro produzido no campo da Sociologia do Esporte e outro na área da Educação Física. Também procurei demonstrar um ponto de interface entre as áreas, já que a noção sociológica segue sendo utilizada em sua integralidade pelo o campo de conhecimento da Educação Física. Ainda assim, em virtude das peculiaridades deste campo, ele produziu uma interpretação singular do conceito de esportivização.

Em síntese, visei afirmar que a abordagem sociológica do conceito de esportivização, produzida e elaborada primeiramente por Norbert Elias e Eric Dunning, retrata a transformação de jogos e atividades de movimento na forma de esportes regulamentados por um conjunto de regras e convenções externas e ao mesmo tempo aceitas pelos competidores. Quando tratado na perspectiva de crítica pedagógica, o conceito denuncia a hegemonia do esporte como núcleo produtor de sentido da Educação Física escolar, apresentando consequências didáticas, curriculares e valorativas para o cotidiano das práticas de formação.

  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.
  • COMO REFERENCIAR
    FURTADO, Renan Santos. Um estudo sobre os usos teóricos do conceito de esportivização na Educação Física e na Sociologia do Esporte. Movimento, v. 31, p. e31006, jan./dez. 2025. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.141483
  • 1
    Expressão utilizada na tradução realizada pela editora portuguesa Difel, que pode ser concebida como análoga ao termo brasileiro esportivização.
  • 2
    Por Movimento Renovador da Educação Física brasileira, compreende-se o período entre as décadas de 1980 e 1990, no qual emergiu uma produção de conhecimento e movimentos político-pedagógicos contestadores às tradições médica, militar e esportiva que formam a base de constituição da Educação Física na modernidade. Uma pauta fundamental e de consenso entre todos os sujeitos envolvidos no movimento diz respeito à luta pela consideração normativa da Educação Física como componente curricular obrigatório da escola, superando a sua tradição de atividade (Machado; Bracht, 2016). Na sua vertente crítica, o movimento apresenta proximidades com formulações do campo educacional brasileiro, em especial, como as ideias de Paulo Freire e Dermeval Saviani, e com elaborações da Sociologia do Esporte francesa, alemã e portuguesa (Bracht, 2017).
  • 3
    Primeira edição de 1991.
  • 4
    Nesse momento, preciso mencionar o pioneirismo da professora Katia Brandão Cavalcanti na produção de conhecimento brasileira de orientação crítica ao esporte de alto rendimento e seus impactos no lazer. Nos trabalhos de Cavalcanti (1981, 1984), o leitor poderá observar a influência da chamada Teoria Crítica do Esporte (Torri; Vaz, 2006) na formulação de reflexões sobre os elementos alienantes e instrumentais do sistema esportivo de alto rendimento.
  • 5
    Método Esportivo.
  • 6
    Apesar do final dos 1950 ser tratado por muitos intelectuais como o período de consolidação da esportivização da Educação Física escolar, existem vários indicativos oriundos da produção de conhecimento e das práticas realizadas nas escolas, de que o esporte já era tematizado nas aulas de Educação Física entre os anos 1930 e 1940. O estudo de Schneider (2004) descreve esse processo, inclusive, expõe com riqueza de detalhes as tensões existentes entre a ginástica e o esporte, assim como os principais argumentos utilizados para a presença do esporte como conteúdo principal das aulas de Educação Física.

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Editado por

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2024
  • Aceito
    29 Out 2024
  • Publicado
    30 Maio 2025
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