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Resposta da comunidade de formigas aos atributos dos fragmentos e da vegetação em uma paisagem da Floresta Atlântica nordestina

Response of the ant community to attributes of fragments and vegetation in a northeastern Atlantic Rain Forest area, Brazil

Resumo

The objective of this study was to determine the effects of forest fragmentation on ant richness in a landscape of Atlantic Forest in Northeast Brazil. More specifically, the ant richness was related to the attributes of fragments (area and distance from the fragment central point to the edge), landscape (forest cover surrounding the fragments), and tree community (plant density, richness, and percentage of shade tolerant species). The surveys were carried out in 19 fragments located in Alagoas State from October 2007 to March 2008. Samples were collected through a 300 m transect established in the center of each fragment, where 30 1-m² leaf litter samples were collected at 10 m intervals. A total of 146 ant species was collected, which belonged to 42 genera, 24 tribes and nine subfamilies. The attributes of fragments and landscape did not influence ant richness. On the other hand, tree density explained ca. 23% of ant richness. In relation to functional groups, both density and richness of trees explained the richness of general myrmicines (the whole model explained ca. 42% of the variation in this group) and percentage of shade tolerant trees explained the richness of specialist predator ants (30% for the whole model). These results indicate that ant fauna is more influenced by vegetation integrity than by fragment size, distance to edge or forest cover surrounding fragments.

Ant species richness; ant functional group; forest fragmentation; leaf-litter ant; tree community


Ant species richness; ant functional group; forest fragmentation; leaf-litter ant; tree community

ECOLOGY, BEHAVIOR AND BIONOMICS

Resposta da comunidade de formigas aos atributos dos fragmentos e da vegetação em uma paisagem da Floresta Atlântica nordestina

Response of the ant community to attributes of fragments and vegetation in a northeastern Atlantic Rain Forest area, Brazil

Juliana P GomesI; Luciana IannuzziI; Inara R LealII

IDepto de Zoologia. Univ Federal de Pernambuco, Av. Prof. Moraes Rego, s/ no., Cidade Universitária, 50670-901 Recife, PE, Brasil; julipessoa_22@yahoo.com.br; iannuzzi@ufpe.br

IIDepto de Botânica. Univ Federal de Pernambuco, Av. Prof. Moraes Rego, s/ no., Cidade Universitária, 50670-901 Recife, PE, Brasil; irleal@ufpe.br

ABSTRACT

The objective of this study was to determine the effects of forest fragmentation on ant richness in a landscape of Atlantic Forest in Northeast Brazil. More specifically, the ant richness was related to the attributes of fragments (area and distance from the fragment central point to the edge), landscape (forest cover surrounding the fragments), and tree community (plant density, richness, and percentage of shade tolerant species). The surveys were carried out in 19 fragments located in Alagoas State from October 2007 to March 2008. Samples were collected through a 300 m transect established in the center of each fragment, where 30 1-m2 leaf litter samples were collected at 10 m intervals. A total of 146 ant species was collected, which belonged to 42 genera, 24 tribes and nine subfamilies. The attributes of fragments and landscape did not influence ant richness. On the other hand, tree density explained ca. 23% of ant richness. In relation to functional groups, both density and richness of trees explained the richness of general myrmicines (the whole model explained ca. 42% of the variation in this group) and percentage of shade tolerant trees explained the richness of specialist predator ants (30% for the whole model). These results indicate that ant fauna is more influenced by vegetation integrity than by fragment size, distance to edge or forest cover surrounding fragments.

Key words: Ant species richness, ant functional group, forest fragmentation, leaf-litter ant, tree community

Fragmentos florestais são áreas de vegetação natural interrompidas por barreiras antrópicas ou naturais (Laurance 2008). O resultado desse processo é a completa imersão dos fragmentos em matrizes não florestais (Tabarelli et al 2004), que podem ser compostas por culturas vegetais, pastos para animais, cidades e estradas (Primack & Rodrigues 2002). Especialmente nas florestas tropicais, esse processo tem sido bastante acelerado e representa uma das ameaças mais sérias à biodiversidade (Laurance et al 2002, Ewers & Didham 2006). A fragmentação de habitat causa diversas mudanças na paisagem, tais como redução de áreas florestadas e aumento do grau isolamento, e na biota, como o efeito da matriz não florestada sobre os remanescentes de floresta e a maior exposição do fragmento a áreas de bordas florestais (Jules & Shahani 2003).

O tamanho e o isolamento dos fragmentos influenciam diretamente a complexidade de uma área (Fahrig 2003, Laurance 2008), mas são consequências da perda de habitat e não da fragmentação per se (Fahrig 2003). A interação entre a floresta e a matriz não florestada resulta no efeito de borda (Murcia 1995) que é o principal efeito comprovadamente causado pela fragmentação de habitats (Fahrig 2003). De modo sintético, existem três tipos de efeitos de borda: 1) os efeitos abióticos, que envolvem mudanças em algumas variáveis físicas do ambiente como temperatura, umidade e luz (Murcia 1995); 2) efeito biológico direto, que consiste em mudanças nos padrões de distribuição e abundância de espécies causadas por alterações das condições físicas próximas da borda, como a proliferação de plantas pioneiras em detrimento de espécies tolerantes à sombra (e.g., Oliveira et al 2004, Nascimento et al 2006); e 3) efeito biológico indireto, que modifica os padrões de interações entre espécies com a proximidade da borda, tais como polinização (e.g., Girão et al 2007), dispersão de sementes (Silva et al 2007), herbivoria (e.g., Wirth et al 2008), parasitismo (Almeida et al 2008) e predação (Rao 2001).

As formigas (Hymenoptera: Formicidae) respondem a vários tipos de perturbação antrópicas como fogo (Morais & Benson 1988), corte seletivo de madeira (Caldas & Moutinho 1993, Vasconcelos et al 2000), criação de bordas (Wirth et al 2007) e por isso são frequentemente recomendadas como indicadores biológicos (ver revisão em Freitas et al 2006). Em relação à fragmentação de habitats, seus efeitos sobre a comunidade de formigas já foram investigados na Floresta Amazônica (Carvalho & Vasconcelos 1999), Floresta Atlântica do Sudeste (Santos et al 2006) e Floresta Atlântica nordestina (Bieber et al 2006). Carvalho & Vasconcelos (1999) não verificaram mudanças consistentes na riqueza de espécies relacionadas ao tamanho da área dos fragmentos, mas detectaram uma fauna empobrecida nas proximidades à borda. Para a Floresta Atlântica do Sudeste, Santos et al (2006) também não observaram efeito da redução do tamanho dos fragmentos sobre a riqueza de formigas. Para a bem mais fragmentada Floresta Atlântica nordestina, Bieber et al (2006) demonstraram que as formigas respondem à fragmentação, diminuindo a riqueza da comunidade em fragmentos de menores tamanhos. Em termos de resposta à comunidade vegetal, Leal (2003) documentou uma correlação da densidade e riqueza de plantas lenhosas com a riqueza de espécies de formigas na caatinga. No entanto, ainda não se sabe como os atributos funcionais das comunidades de árvores das florestas tropicais úmidas podem afetar as formigas.

O objetivo deste estudo foi determinar o efeito da fragmentação florestal sobre a riqueza de formigas em uma paisagem da Floresta Atlântica nordestina. Para isso, a riqueza total dos formicídeos foi relacionada com atributos dos fragmentos (área e distância do ponto central dos fragmentos para a borda), da paisagem (cobertura vegetal ao redor dos fragmentos) e da comunidade arbórea (densidade, riqueza de árvores e porcentagem de árvores tolerantes à sombra). Além disso, a riqueza dos grupos funcionais de formigas foi relacionada com os atributos da comunidade arbórea.

Material e Métodos

Área de estudo. O estudo foi realizado em áreas de Floresta Atlântica pertencentes à Usina Serra Grande (9º00'00"S e 38º52'00"O), localizada nos municípios de Ibateguara e São José da Laje, zona da mata norte de Alagoas. A Usina possui cerca de 9.000 ha de floresta distribuída em fragmentos, que variam de tamanho de 1 ha a 3.500 ha e são completamente inseridos numa matriz de cana-de-açúcar (Santos et al 2008). Os solos da região são do tipo latossolos e podzólicos, de acordo com o sistema brasileiro de classificação de solos (IBGE 1985). O clima é tropical quente e úmido, com temperaturas que variam entre 16 ºC e 40ºC, com média anual de 26ºC e precipitação média anual de aproximadamente 2.000 mm, com três meses de estação seca (< 60 mm/mês) de novembro a janeiro (IBGE 1985). A vegetação pode ser classificada como Floresta Ombrófila Aberta Baixo-Montana, com árvores emergentes de até 35 m de altura e dossel aberto com presença de muitas palmeiras (Veloso et al 1991).

Atributos dos fragmentos e da paisagem. Foram utilizados 19 fragmentos com áreas variando de 10,17 ha a 3.500 ha (Fig 1). Para caracterizar a situação da paisagem estudada, foram utilizadas três imagens do Landsat e do Spot (nos anos de 1989, 1998 e 2003) e 160 fotografias aéreas (1: 8000) todas cedidas pelo Prof. Dr. Marcelo Tabarelli (Departamento de Botânica, UFPE). A partir dessas imagens foram calculados os atributos dos fragmentos (1) a área total de cada fragmento (ha) e (2) a distância do núcleo do fragmento para a borda mais próxima (m), e da paisagem (3) proporção de cobertura florestal em um raio de 1 km ao redor dos fragmentos (%).


Caracterização da comunidade de árvores. Para caracterizar a estrutura da vegetação no interior dos fragmentos, foram utilizados os seguintes parâmetros: 1) densidade (por hectare) e 2) riqueza de espécies de árvores com diâmetro na altura do peito > 10 cm, as quais foram classificadas quanto ao 3) nicho de regeneração em tolerantes e intolerantes à sombra. Esses dados foram obtidos entre 2002 e 2006 através de parcelas permanentes de 0,1 ha (10 x 100 m) estabelecidas na área nuclear de 50 fragmentos da paisagem de Serra Grande e foram disponibilizados pelo Prof. Dr. Marcelo Tabarelli. Mais detalhes sobre essa categorização da comunidade de árvores são apresentados em Oliveira et al (2004) e Santos et al (2008).

Coleta das formigas. As formigas foram coletadas no período seco do ano, entre outubro de 2007 e março de 2008, seguindo o Protocolo ALL (Ants from Leaf Litter). Esse método é o mais eficaz para coletar formigas de serapilheira, que são mais susceptíveis a mudanças ambientais e frequentemente utilizadas como indicadoras de qualidade de habitat (Agosti & Alonso 2000). Além disso, a uniformização no método de coleta é altamente recomendável porque favorece a comparação da diversidade desse grupo em diferentes ambientes do globo (Agosti & Alonso 2000).

Na área nuclear de cada fragmento foi demarcado um transecto de 300 m paralelo à borda, onde a cada 10 m era coletado 1 m2 de serapilheira, totalizando 30 m2 por transecto. Os transectos foram estabelecidos na área das parcelas permanentes para que os atributos da vegetação fossem mais adequadamente comparados com os dados da fauna de formigas. A serapilheira coletada era recolhida em sacos plásticos e levada à base de pesquisa. Lá, cada saco era esvaziado em um funil de Berlese, adaptado segundo Bieber et al (2006), o qual consistiu em um garrafão de água de 20 L com o gargalo voltado para baixo. A base do garrafão foi cortada para receber a serapilheira e no gargalo foi acoplado um frasco com álcool a 70%. Cada funil era coberto com um voil (50 cm x 50 cm) e amarrado com elástico para evitar a fuga das formigas. Em seguida os funis eram expostos ao sol para induzir as formigas a migrarem no sentido contrário à luz, em direção ao frasco com álcool, sendo assim mortas e fixadas. Os funis ficavam montados por 48h, e, após esse período, todo seu conteúdo era esvaziado sobre um lençol branco e checado cuidadosamente à procura de formigas remanescentes.

Os indivíduos coletados eram montados, identificados e depositados na Coleção Entomológica da UFPE. O material foi identificado em nível taxonômico de gênero utilizando-se as chaves de Hölldobler & Wilson (1990) e Bolton (1994). Para a determinação específica, o material foi comparado aos exemplares da Coleção Entomológica da UFPE.

As espécies foram enquadradas nos seguintes grupos funcionais, seguindo a classificação de Delabie et al (2000) e Silvestre & Silva (2001): 1) predadoras especialistas (espécies que se alimentam de apenas um tipo de presa); 2) predadoras generalistas (alimentam-se de vários tipos de presas); 3) cultivadoras de fungo (alimentam-se de fungo); 4) espécies nômades (espécies extremamente agressivas com recrutamento do tipo legionário); 5) mirmicíneos generalistas (espécies generalistas na escolha do item alimentar e com ampla tolerância às condições físicas do ambiente); 6) oportunistas (utilizam várias fontes de alimentos e de nidificação); e 7) arborícolas (espécies que nidificam e forrageiam na vegetação).

Análise dos dados. Modelos Lineares Gerais foram utilizados para detectar efeitos das variáveis independentes (atributos dos fragmentos, da paisagem e das assembléias de árvores) sobre a variável dependente (riqueza de espécies de formigas). Para melhor entender como a comunidade de árvores influencia a fauna de formigas, Modelos Lineares Gerais também foram utilizados para testar a hipótese de que a densidade e a riqueza de árvores, bem como a porcentagem de árvores tolerantes à sombra, influenciam a riqueza dos diferentes grupos funcionais de formigas. Os modelos foram construídos para distribuição de erro Poisson com função de ligação logarítmica e corrigidos para superdispersão. Visando atingir a normalidade dos dados e estabilizar a variância, os valores de área dos fragmentos e de distância do núcleo para a borda foram transformados em logaritmo na base 10. Os Modelos Lineares Gerais foram executados no programa JMP 8.0 (SAS Institute Inc.; North Carolina, USA).

Resultados

Caracterização da fauna de formigas. No total, foram coletados indivíduos de 146 morfoespécies de formigas, pertencentes a 42 gêneros, 24 tribos e nove subfamílias. O número de espécies em cada subfamília ficou assim distribuído: Myrmicinae (80 espécies), Ponerinae (28), Formicinae (14), Ectatomminae (10), Dolichoderinae (seis), Pseudomyrmicinae (três), Amblyoponinae e Ecitoninae (ambas com duas espécies) e Proceratiinae (uma). Os quatro gêneros mais ricos em espécies foram Pheidole (24 espécies), Pachycondyla (10 espécies), Solenopis e Hypoponera (ambos com nove espécies). Os gêneros mais frequentes foram Hypoponera, Solenopis, Wasmannia e Paratrechyna, todos com mais de 30% de frequência nas amostras. Quarenta e sete espécies (32,2% do total) foram coletadas em apenas um ou dois dos 19 fragmentos amostrados. Os grupos funcionais de formigas mais abundantes foram os mirmicíneos generalistas, predadoras generalistas e cultivadoras de fungo.

Atributos dos fragmentos, da paisagem e da comunidade de árvores vs. riqueza de formigas e grupos funcionais. Os Modelos Lineares Gerais não detectaram efeito dos atributos dos fragmentos (i.e., área e distância do núcleo para a borda mais próxima) e da paisagem (i.e., porcentagem de vegetação ao redor dos fragmentos), sobre a riqueza de espécies de formigas (Tabela 1). Por outro lado, vários atributos da vegetação explicaram a riqueza de formigas total ou de algum grupo funcional (Tabelas 1, 2; Fig 2). A densidade de árvores influenciou positivamente a riqueza total de formigas, explicando 23% da sua variação (Tabela 1, Fig 2a). Além disso, a densidade (Fig 2b) e a riqueza de espécies de árvores (Fig 2c) afetaram a riqueza de mirmicíneos generalistas, o primeiro de forma positiva e o segundo, negativa, e todo o modelo explicou ca. 42% da variação desse grupo (Tabela 2). Por fim, a porcentagem de espécies de árvores tolerantes à sombra influenciou, também de forma positiva, a riqueza de predadoras especialistas, com todo o modelo explicando 30% da variação na riqueza do grupo (Tabela 2, Fig 2d).


 




Discussão

A representatividade das subfamílias de Formicidae neste estudo está de acordo com os resultados de Bieber et al (2006) para Alagoas, Leal (2002) para todo o estado de Pernambuco e de outros estudos para a fauna de outras regiões brasileiras (e.g., Leal & Lopes 1992 e Leal et al 1993 para áreas de Floresta Atlântica do Sul e do Sudeste, respectivamente, Carvalho & Vasconcelos (1999) para a Floresta Amazônica, Leal 2003 para a caatinga, Corrêa et al 2006 para o Pantanal). Isso reflete a diversidade geral dos diferentes grupos de formigas (Hölldobler & Wilson 1990, Bolton 1994), mostrando que as amostras foram bem representativas. A predominância de Myrmicinae também pode ser explicada por este ser um grupo de formigas extremamente adaptável a diversos nichos ecológicos na região Neotropical (Fowler et al 1991). É típico do estrato da serapilheira o maior número de registros para Myrmicinae e Ponerinae (Ward 2000, Bieber et al 2006), corroborado pelos resultados obtidos neste estudo.

Por outro lado, os quatro gêneros mais ricos neste estudo, Pheidole, Pachycondyla, Solenopsis e Hypoponera, não refletem de forma similar o que Wilson (1976) mostrou em seu trabalho sobre os gêneros mais prevalentes do mundo. Segundo o autor, Camponotus, Pheidole, Solenopsis e Crematogaster são os gêneros de formigas com maior diversidade de espécies e de adaptações, maior extensão de distribuição geográfica e maior abundância local, características que os tornam mais prevalentes em escala mundial. Pheidole sempre é o gênero melhor representado em coletas de formigas de serapilheira de áreas florestadas (Leal et al 1993, Leal 2002, Bieber et al 2006). Quanto a Pachycondyla, apesar de ter apresentado alta riqueza, sua frequência não foi muito expressiva. Esse gênero abriga grande diversidade morfológica e comportamental, com cerca de 200 espécies descritas, com distribuição mundial (Wild 2002). Solenopsis e Hypoponera são sempre muito comuns e diversos (possuem mais de 100 espécies cada) em amostras de serapilheira de florestas neotropicais (Ward 2000).

Este estudo não evidenciou efeito dos atributos dos fragmentos e da paisagem sobre a riqueza de espécies de formigas da Floresta Atlântica nordestina, ao contrário do que foi verificado em estudo prévio realizado por Bieber et al (2006). Esses autores documentaram redução no número de espécies de formigas coletadas com a redução do tamanho dos fragmentos. No entanto, as paisagens avaliadas nesse estudo eram muito diferentes quanto ao tipo de solo, relevo, altitude e tipo de vegetação, variáveis estas que, coincidentemente, estavam relacionadas com a área dos fragmentos (Bieber et al 2006). Sendo assim, um grupo de variáveis atuou conjuntamente explicando a grande variação na riqueza de formigas observada. Como o presente estudo foi concentrado em fragmentos de uma mesma paisagem, com atributos de relevo, solo e vegetação bem mais similares que o trabalho acima mencionado, a variação no número de espécies foi bem menor. Assim, é razoável esperar maior dificuldade na determinação de variáveis que expliquem a riqueza observada.

De forma semelhante, Santos et al (2006) não encontraram correlação entre a riqueza de espécies de formigas e o tamanho dos fragmentos em áreas de Floresta Atlântica do Sudeste. O mesmo padrão foi descrito por Carvalho & Vasconcelos (1999) na Amazônia. Nessa mesma região, Gascon et al (1999) relataram que as formigas respondiam à fragmentação diferentemente dos grupos de vertebrados (sapos, aves e pequenos mamíferos). Esses invertebrados foram os únicos a apresentar espécies que persistiam em pequenos fragmentos, mesmo quando não toleravam o ambiente de borda ou matriz. Tal situação pode ser explicada pelo tamanho das espécies e a escala de respostas; por não necessitarem de grandes áreas de vida, as respostas das formigas à fragmentação podem não ser tão claras como em outros grupos com maior biomassa como vertebrados. Por exemplo, nos capões do Pantanal - i.e., fragmentos naturais de floresta imersos em campos alagáveis - as formigas não são afetadas pelo tamanho dos capões (Corrêa 2000), enquanto mamíferos apresentam reduções nas suas populações e, consequentemente, na comunidade (Raizer 2000). Já formigas de correição, que apresentam grandes áreas de vida (Hölldobler & Wilson 1990), desaparecem de fragmentos menores que 10 ha (Freitas et al 2006), sendo mais influenciadas pela redução de área como os vertebrados.

Outra razão para a falta de influência do tamanho dos fragmentos sobre a riqueza de formigas observada nesse estudo pode estar na alta proporção de borda dos fragmentos pequenos (Didham 1997, Laurance et al 2002) que pode estar beneficiando a comunidade de formigas de serapilheira. A turbulência provocada pelo contato com as áreas não florestadas causa alta mortalidade de árvores e/ou queda de folhas e ramos nas bordas, proporcionando aumento da produção de serapilheira (Didham 1997). Além disso, as bordas também apresentam proliferação de plantas pioneiras (Laurance et al 2002, Oliveira et al 2004), as quais produzem grande quantidade de fitomassa, e sua alta taxa de renovação também acaba gerando aumento da serapilheira (Gascon et al 2000).

Alguns atributos da assembléia de árvores exerceram influência positiva sobre a riqueza de formigas: a densidade de árvores explicou a riqueza de toda a família Formicidae e a riqueza de mirmicíneos generalistas, e a porcentagem de espécies tolerantes à sombra explicou a riqueza de predadoras especialistas. Leal (2003) documentou resultados semelhantes em áreas de caatinga, sugerindo que a vegetação mais densa aumenta a espessura da serapilheira. Nessas condições, deve haver aumento no número de habitats disponíveis para as formigas nidificarem, bem como na abundância de artrópodes de solo, principais presas das formigas (Hölldobler & Wilson 1990).

A riqueza de árvores influenciou negativamente a riquezade mirmicíneos generalistas. É possível que o aumento na riqueza de árvores propicie a substituição dos mirmicíneos generalistas por formigas com hábitos mais especialistas. Essa idéia é corroborada pela constatação de que quanto maior a porcentagem de árvores tolerantes à sombra, maior a riqueza de predadores especialistas. Formigas predadoras especialistas têm sido consideradas o principal indicador de habitats conservados (New 1995, Agosti & Alonso 2000, Bieber et al 2006, Freitas et al 2006). Da mesma forma, segundo Oliveira et al (2004), a porcentagem de espécies de árvores tolerantes à sombra fornece uma indicação de floresta madura, o que caracterizaria habitats mais conservados. Sendo assim, é razoável que esses dois grupos de organismos tenham requisitos ecológicos similares e que só são encontrados em áreas mais íntegras e, por isso, suas riquezas estejam variando da mesma forma.

Os resultados deste estudo indicam que a riqueza de espécies de formigas é mais influenciada pelo grau de conservação da vegetação do que pelo tamanho dos fragmentos ou pela quantidade de vegetação ao redor das áreas remanescentes. Entretanto, mais estudos, com outros grupos de formigas, (e.g., as arborícolas) e/ou com outras metodologias de coleta são necessários para a determinação mais precisa dos efeitos da fragmentação florestal sobre as comunidades de formigas.

Agradecimentos

A Marcelo Tabarelli pela cessão dos dados sobre a comunidade de árvores de Serra Grande, Bruno Karol Filgueiras pela ajuda durante a coleta dos dados e Luís Antônio Bezerra e José Clodoaldo Baker pela permissão para a realização das coletas nas terras da Usina Serra Grande. Este trabalho foi financiado pelo projeto PROBRAL CAPES/DAAD (processo nº 257/07) e pelo CNPq (processo 540322/01-6). Agradecemos também o apoio logístico fornecido pela Conservação Internacional do Brasil e pelo Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (CEPAN). JPG e IRL agradecem ao CNPq pelas bolsas de mestrado e produtividade, respectivamente.

Received 02/III/09.

Accepted 29/VI/09.

Edited by Kleber Del Claro - UFU

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010

Histórico

  • Aceito
    29 Jun 2009
  • Recebido
    02 Mar 2009
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