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Mata ciliar do Rio São Francisco como biocorredor para Euglossini(Hymenoptera: Apidae) de florestas tropicais úmidas

The gallery forests of the São Francisco river as corridors for Euglossine Bees (Hymenoptera: Apidae) from tropical rainforests

Resumos

Euglossini são abelhas típicas de florestas Neotropicais úmidas e poucas espécies ocorrem na caatinga. O rio São Francisco, o único perene do semi-árido brasileiro, é margeado por mata ciliar perenifólia. Esse ambiente oferece recursos florais ao longo do ano. Inventários de Euglossini mostraram que espécies da Floresta Atlântica como Euglossa imperialis Cockerel, E. truncata Moure e Eulaema cingulata Fabricius ocorrem na mata ciliar do rio São Francisco. Estas abelhas são restritas às matas ciliares que funcionam como biocorredores, sendo ausentes em locais onde as matas foram derrubadas. Isto enfatiza a necessidade de proteção das matas ciliares para a manutenção da biodiversidade.

Abelha; distribuição geográfica; caatinga; Nordeste


Euglossini are typical bees of Neotropical rainforests and only a few species occur in the Caatinga. The São Francisco river, which is the only permanent river in the semi-arid NE-Brazil, is bordered by a gallery forest with evergreen leaves. This environment offers flooral rewards along the year. Surveys of euglossine bees by attracting males to scent baits showed that species of the Atlantic Rainforest like Euglossa imperialis Cockerel, E. truncata Moure and Eulaema cingulata Fabricius occur in the gallery forest of the São Francisco river under the semi-arid climate of the caatinga region. These bees are restricted to the gallery forests which function as bio-corridors, and are absent at places where the forests were cut down. This emphasizes the need to protect the threatened gallery forests to maintain biodiversity.

Geographical distribution; Northeast; Brazil


SCIENTIFIC NOTE

Mata ciliar do Rio São Francisco como biocorredor para Euglossini(Hymenoptera: Apidae) de florestas tropicais úmidas

The gallery forests of the São Francisco river as corridors for Euglossine Bees (Hymenoptera: Apidae) from tropical rainforests

Debora C MouraI; Clemens SchlindweinII

IPrograma de Pós-Graduação em Biologia Vegetal, dcoelhomoura@bol.com.br

IIDepto de Botânica, schlindw@ufpe.br Univ. Federal de Pernambuco, Av. Prof Moraes Rego, s/n, Cidade Universitária, 50670-901-901 Recife, PE

RESUMO

Euglossini são abelhas típicas de florestas Neotropicais úmidas e poucas espécies ocorrem na caatinga. O rio São Francisco, o único perene do semi-árido brasileiro, é margeado por mata ciliar perenifólia. Esse ambiente oferece recursos florais ao longo do ano. Inventários de Euglossini mostraram que espécies da Floresta Atlântica como Euglossa imperialis Cockerel, E. truncata Moure e Eulaema cingulata Fabricius ocorrem na mata ciliar do rio São Francisco. Estas abelhas são restritas às matas ciliares que funcionam como biocorredores, sendo ausentes em locais onde as matas foram derrubadas. Isto enfatiza a necessidade de proteção das matas ciliares para a manutenção da biodiversidade.

Palavras-chave: Abelha, distribuição geográfica, caatinga, Nordeste

ABSTRACT

Euglossini are typical bees of Neotropical rainforests and only a few species occur in the Caatinga. The São Francisco river, which is the only permanent river in the semi-arid NE-Brazil, is bordered by a gallery forest with evergreen leaves. This environment offers flooral rewards along the year. Surveys of euglossine bees by attracting males to scent baits showed that species of the Atlantic Rainforest like Euglossa imperialis Cockerel, E. truncata Moure and Eulaema cingulata Fabricius occur in the gallery forest of the São Francisco river under the semi-arid climate of the caatinga region. These bees are restricted to the gallery forests which function as bio-corridors, and are absent at places where the forests were cut down. This emphasizes the need to protect the threatened gallery forests to maintain biodiversity.

Key words: Geographical distribution, Northeast, Brazil

Euglossini (Apidae) são abelhas características das florestas neotropicais (Moure 1967, Dressler 1982, Roubik & Hanson 2004). Mais de 20 espécies de Euglossini já foram registradas na Floresta Atlântica ao norte do rio São Francisco (Martins & Souza 2005, Milet-Pinheiro & Schlindwein 2005, Darrault et al 2006), enquanto apenas três espécies foram citadas para a caatinga: Euglosssa (Euglossa) cordata (L.), E.(Euglossa) melanotricha Moure e Eulaema (Apeulaema) nigrita Lepeletier (Zanella 2000, Zanella & Martins 2003).

A bacia hidrográfica do rio São Francisco corresponde a 7,4% do território brasileiro (CODEVASF 2003), com nascente na Região Sudeste, em Minas Gerais, e sua foz no Nordeste, no litoral de Alagoas e Sergipe. O rio São Francisco é o único rio perene do semi-árido brasileiro e é margeado por uma mata ciliar, composta por espécies arbóreas e perenifólias com troncos bem desenvolvidos. Essa vegetação é importante para a manutenção de diversos grupos de polinizadores por oferecer recursos florais ao longo do ano. Nesse contexto perguntamos: (1) quais espécies de Euglossini ocorrem na mata ciliar do rio São Francisco na região do semi-árido brasileiro? (2) Abelhas dessas espécies penetram a região da caatinga ao longo do rio São Francisco?

Euglossini foram inventariados nos seguintes pontos amostrais: no submédio curso, a 312 km da foz, nos municípios de Glória - BA (S 09º 04' 17,6" e W 038º 27' 45,4"), margem direita e Petrolândia - PE (S 08º 57' 06,4" e W 038º 23' 58,0"), margem esquerda; no baixo curso a 179 km da foz, em Canindé do São Francisco -SE (S 09º37' 87,9" e W 037º43' 53,6"), margem direita e Piranhas - AL (S 09º 37' 66,5" e W 037º42'99,3"), margem esquerda, e na foz, Própria - SE 10º 17' 66,0" e W 036º 25' 29,5"), margem direita e Penedo - AL (S10º 19' 76,2" e W 036º 23' 01,9"), margem esquerda (Fig 1). Os resultados deste estudo foram comparados com o levantamento de Ibiraba - BA, no curso médio, localizado a 747 km da foz (Neves & Viana 1999).


Os machos de Euglossini foram atraídos utilizando os aromas eugenol, scatol, salicilato de metila, β-ionone, vanilina, acetato de benzila e eucaliptol, aplicados individualmente sobre papel filtro circular (10 cm de diâmetro) e separados à distância de 3 m. As iscas foram fixadas a troncos de árvores a 1,5 m do solo, e mantidas das 8:00h às 12:00h. As abelhas atraídas pelos aromas foram capturadas com rede entomológica e depositadas na Coleção Entomológica da UFPE. Na foz do rio São Francisco e no submédio curso, as Euglossini foram amostradas durante quatro dias consecutivos, dois dias para cada margem, em maio e setembro. No baixo curso, as coletas foram realizadas ao longo do ano 2005 com uma coleta mensal em cada margem do rio.

Nos seis locais amostrados na foz, no baixo e submédio curso do rio São Francisco foram registradas nove espécies de Euglossini (Tabela 1). As matas ciliares da região da foz e do curso médio apresentaram sete e seis espécies, respectivamente.

Euglossa imperialis Cockerel e E. truncata Moure não foram registradas na região da foz do rio São Francisco, mas ocorrem abundantemente na Floresta Atlântica de Pernambuco e Alagoas (Milet-Pinheiro & Schlindwein 2005, Darrault et al 2006). Surpreendente foi a ocorrência de Euglossa imperialis, E. truncata e Eulaema cingulata Fabricius na região do baixo curso, cerca de 180 km da foz do rio São Francisco, num ambiente com precipitações anuais de 500 mm (RADAMBRASIL 1983, PLGBB 1988). Essas espécies de Euglossini são restritas a ambientes florestais (Rebêlo & Garófalo 1991, 1997, Rebêlo & Silva 1999) e não saem de florestas fechadas (Milet-Pinheiro & Schlindwein 2005). Elas avançaram no domínio da caatinga, utilizando as matas ciliares do Rio São Francisco como biocorredor.

Euglossa crassipunctata Moure distribui-se da América Central à Amazônia (Rebêlo 2001), no norte da Floresta Atlântica do rio São Francisco, Paraíba e Pernambuco (Bezerra & Martins 2001, Milet-Pinheiro & Schlindwein 2005). Neste estudo foi encontrada pela primeira vez em Alagoas e Sergipe. Abelhas dessa espécie, como as de E.perpulchra Moure & Schlindwein, endêmicas da Floresta Atlântica (Moure & Schlindwein 2002), não entram nas matas ciliares e são restritas às áreas de flo orestas tropicais mais fechadas (Milet-Pinheiro & Schlindwein 2005, Darrault et al 2006).

No médio curso, Neves & Viana (1999) encontraram seis espécies de Euglossini, das quais três não foram amostradas em outros locais (Tabela 1). Nessa área ocorrem grandes árvores, apontadas de grande importância para a manutenção de Euglossini na região. A distribuição geográfica de duas espécies (Eufriesea) não é conhecida.

No submédio curso foram encontradas apenas E. cordata e E. nigrita, comuns à caatinga (Zanella 2000), cerrado (Rebelo & Garófalo 1997, Rêbelo & Silva 1999) e áreas degradadas (Morato 1994, Peruquetti et al 1999, Martins & Souza 2005). Nesses locais (Petrolândia e Glória), as matas ciliares foram destruídas durante a construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica e a vegetação predominante hoje é uma caatinga antropizada.

Os resultados confirmam que as matas ciliares do rio São Francisco funcionam como biocorredores, abrigando e mantendo espécies de Euglossini comuns apenas às florestas tropicais úmidas. Seria interessante averiguar se o mesmo ocorre também para outras espécies de animais de florestas fechadas. Torna-se importante, desta maneira, a manutenção das matas ciliares através da criação de unidades de conservação.

Agradecimentos

A Maria de Fátima e Paulo Francisco Barbosa, Coordenadoria Especial do Empreendimento Itaparica - CEI, e Valéria Vanda Gomes Brasil, Departamento de Meio Ambiente - CHESF, pelo apoio logístico nos levantamentos do submédio e baixo curso do rio São Francisco. A Rosângela Lyra Lemos e Maria Noemia Rodrigues, Herbário Mac - Instituto de Meio Ambiente de Alagoas, pelo apoio no levantamento na região da foz do rio São Francisco. Aos integrantes do grupo de pesquisa "Plebeia" pelo apoio. A FAPEAL e CNPq pela concessão de bolsas e ao CNPq pelo auxílio financeiro.

Received 05/IX/07. Accepted 02/I/09.

Edited by Fernando Barbosa Noll - UNESP

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Maio 2009
  • Data do Fascículo
    Abr 2009

Histórico

  • Aceito
    02 Jan 2009
  • Recebido
    05 Set 2007
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