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O IMAGINÁRIO INTERSEXUAL DE COELHO NETO

Coelho Neto’s Intersexual Imagination

RESUMO

O artigo discute a figura do “andrógino” em três textos de Coelho Neto: “Ode fescenina” (1895), Esfinge (1908) e O patinho torto (1918). Considera que, no fin de siècle carioca, “andrógino” refere-se muitas vezes a realidades e corporalidades heterogêneas. Argumenta que o autor utiliza-se da profissionalização da imprensa para articular mudanças de comportamento e a fluidez das categorias de gênero introduzidas com a modernidade.

PALAVRAS-CHAVE:
Coelho Neto; gênero; andrógino; fin de siècle; moda

ABSTRACT

The article discusses the figure of the “androgyne” in three texts by Coelho Neto: “Ode fescenina” (1895), Esfinge (1908) and O patinho torto (1918). It considers how during Rio’s fin de siècle, “androgyne” refers to heterogeneous realities and corporalities. It argues that the author deployed the professionalization of the press to explore the changes in behavior and the fluidity in gender categories introduced with modernity.

KEYWORDS:
Coelho Neto; gender; androgyne; fin de siècle; fashion

Transformada em símbolo do “passadismo” pelos modernistas de São Paulo, a vasta obra (mais de 120 volumes publicados) do maranhense Henrique Maximiano Coelho Neto (1864-1934) foi extremamente popular e respeitada, ainda que em sua época tenha contado com notórios detratores (José Veríssimo e Lima Barreto).1 1 Sobre Coelho Neto e os modernistas, ver Moraes (2004). Para um perfil biográfico recente, ver Bordignon (2020). Entre o elogio do documental e a crítica ao ornamental, desde a década de 1940 a obra conheceria renovados esforços de reavaliação, seletiva e hesitante que fosse, seja para relativizar a importância da Semana de 22, seja para recuperar seus aspectos mais realistas, seja no esforço do século XX de revisitar a produção do período então chamado “pré-modernista”, dentro do esforço do fim do século XX. Mas ainda hoje permanece relativamente pouco lida ou reeditada e, como já se disse, relegada ao “purgatório da crítica” (Lopes, 1997Lopes, Marcos Aparecido. No purgatório da crítica: Coelho Neto e o seu lugar na história da literatura brasileira. Dissertação (mestrado em teoria e história literária). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1997.). Mestiço, filho de mãe indígena, Coelho Neto destaca-se por um pendor pelo duelo, tendo combatido com Luiz Carlos Soromenho em 1889 e desafiado, sem levar adiante, Valentim Magalhães, que havia criticado um de seus primeiros contos, chamando seu conteúdo de “pueril” e seu estilo de “espanta boiadas” (Vida doméstica, junho de 1928 “COELHO NETO: o príncipe dos prosadores brasileiros”. Vida doméstica, Rio de Janeiro, junho, 1928. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/830305/8920 >. Acesso em: 3/3/2022.
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). Na Faculdade de Direito de São Paulo, foi colega de Raul Pompeia, com quem dividia o quarto e sobre quem mais tarde afirmaria, maldosamente, que “de saias… fugia como o diabo foge da cruz” (Neto, 1926______. Revista da Academia Brasileira de Letras, n. 49, 1926, pp. 62-4., p. 62). Um dos fundadores e, em 1926, presidente da Academia Brasileira de Letras, eleito em 1928 “Príncipe dos Prosadores Brasileiros” pela revista carioca O Malho, Coelho Neto foi um dos raros escritores brasileiros de sua época que podiam gabar-se de viver exclusivamente “da própria pena”. Machado de Assis, seu grande admirador, descreveu-o como “um trabalhador que acha meio de descansar carregando pedra” (“A Semana”, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 28 de abril de 1895Assis, Machado de. “A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 28 de abril de 1895. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/103730_03/11779 >. Acesso em: 3/3/2022.
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).

Um aspecto surpreendente de sua obra é sua obsessão pelo erótico e pelas ditas “perversões” sexuais, seja por herança do Naturalismo, seja em consonância com a literatura de sensação das primeiras décadas do século XX. Essa “faceta de autor licencioso” foi estudada por Leonardo Mendes, mais especificamente a produção escrita sob o pseudônimo “Caliban” nos anos 1897-1898, em parte reunida em seis tomos no Álbum de Caliban (1897-1898Neto, Coelho. Álbum de Caliban. Rio de Janeiro: Livraria Laemmert, 1897-1898.), cujos temas abarcavam “o anticlericalismo, o voyeurismo, o nivelamento social pelo sexo, o lesbianismo, o falocentrismo (ou a ‘ode ao pênis’), a prostituta como personagem paradigmático” (Mendes, 2017Mendes, Leonardo. “Álbum de Caliban: Coelho Neto e a literatura pornográfica na Primeira República”. O Eixo e a Roda, v. 26, n. 3, 2017, pp. 205-28., p. 215). Como Caliban, Coelho Neto escreveu textos curtos como: “Mlle”, em que se configura uma relação erótica entre uma mulher e sua criada (Pequeno Jornal, Bahia, 5 de setembro de 1891Coelho Neto. “Mlle”. Pequeno Jornal, Bahia, 5 de setembro de 1891. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/703842/1726 >. Acesso em: 3/3/2022.
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); “O fetichismo” (A Cigarra, Rio de Janeiro, 30 de maio de 1895______. “O fetichismo”. A Cigarra, Rio de Janeiro, 30 de maio de 1895. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/749591/31>. Acesso em: 3/3/2022.
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), em que um homem confessa sua “fúria amorosa” por “um palmo de perna”; “Ladra” (República, Florianópolis, 3 de maio de 1895______. “Ladra”. República, Florianópolis, 3 de maio de 1895. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/711497x/4920>. Acesso em: 3/3/2022.
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), que Mendes qualifica como uma “ode ao pênis” (Mendes, 2017Mendes, Leonardo. “Álbum de Caliban: Coelho Neto e a literatura pornográfica na Primeira República”. O Eixo e a Roda, v. 26, n. 3, 2017, pp. 205-28., p. 219); e uma “Ode sáfica”, em que o “eu” feminino declara seu amor a uma mulher (Braga-Pinto; Maia, 2021Braga-Pinto, César; Maia, Helder Thiago (orgs.). Dissidências de gênero e sexualidade na literatura brasileira, v. 1: Desejos; v. 2: Performances. Lisboa/Salvador: Index/Devires, 2021., pp. 164-6).

O erotismo e a licenciosidade estão presentes não só nas obras assinadas por Caliban, mas também naquelas que levam o nome do autor ou outros pseudônimos. No romance Inverno em flor (1897), ele descreve a fantasia masculina de um momento erótico entre duas mulheres. O conto “Viúvas”, do volume Água de juventa (1904), é mais uma caso de “boudoir” em que duas mulheres se acariciam. Às vezes o autor escrevia dois ou mais contos com o mesmo título. Por exemplo, “Confissão”, de Caliban (O País, Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1892Caliban [Coelho Neto]. “Confissão”. O País , Rio de Janeiro, 11 de setembro de 1892. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/178691_02/6018 >. Acesso em: 3/3/2022.
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), sugere um diálogo em que uma penitente confessa um pecado, que nunca se revela. Mais tarde, é Coelho Neto quem assina “Confissão”, incluído em Vida mundana (1919______. “Confissão”. In: Vida mundanaPorto: Chardron, 1919, pp. 35-8.), em que um homem confessa suas perversões a um amigo: primeiramente, masoquismo; depois, o estar “loucamente apaixonado por uma tuberculosa” (Neto, 1919______. “Confissão”. In: Vida mundanaPorto: Chardron, 1919, pp. 35-8., p. 59). Outro caso curioso é o do conto “Gêmeos” (Gutenberg, Maceió, 7 de abril de 1895______. “Gêmeos”. Gutenberg, Maceió, 7 de abril de 1895. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/809250/2578>. Acesso em: 3/3/2022.
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), sobre as escapadas do marido ao quarto da criada, que amamentará os filhos dos dois relacionamentos; outro “Gêmeos” apareceria depois em Fabulário (1907), texto que, apesar do desfecho alegórico, está repleto de insinuações homoeróticas: o dono de uma estalagem recebe “dois jovens, lindos ambos”, e fica paralisado com a “beleza e o donaire dos mancebos” (Neto, 1907______. “Gêmeos”. In: Fabulário. Porto: Chardron, 1907, pp. 161-8., p. 163), que insistem em dormir no mesmo quarto, despertando-lhe a curiosidade de “saber quem eram os dois jovens, tão lindos! que lá estavam no lindo quarto, juntos no mesmo leito” (ibid., p. 168).

Apesar de terem consequências diretas sobre a forma como a sexualidade é representada ou insinuada, é menos a representação do sexo propriamente dito do que as figurações não hegemônicas de gênero que caracterizam algumas de suas obras mais intrigantes. A seguir discuto três dessas obras e o contexto em que foram escritas, em especial as que tratam dos chamados andróginos ou hermafroditas, ou de representações de gênero ambíguas que hoje definiríamos como não binárias.

“ODE FESCENINA” (1895)2 2 Agradeço a indicação desse texto a Gilberto Araújo.

No dia 14 de março de 1895, o jornal carioca O País anunciava a exibição de um retrato de certa Madame Pires, “que durante os dias de carnaval foi muito apreciada em S. Paulo pelo seu fino espírito, que muito concorreu para o sucesso do préstito dos Tenentes de Plutão”. O clube carnavalesco paulistano era conhecido em todo o país, desde sua fundação em 1889, pelos seus majestosos desfiles a cavalo e carros alegóricos (ou “carros de ideias”) na avenida 15 de Novembro (em 1890, um deles representava um açougue, em alusão ao romance A carne, de Júlio Ribeiro). A notícia tinha a intenção de criar suspense em torno da identidade da misteriosa senhora paulista: “Tenham paciência, leitoras e leitores, amanhã saberão quem é Mme Pires”. Para aumentar a curiosidade, a edição do dia seguinte corrige, dizendo que a dita Madame era na verdade Mademoiselle Pires. No número seguinte, do dia 16, o jornal volta ao assunto, comentando que muitos homens se apaixonaram pela senhorita, enquanto mulheres “achavam-lhe defeitos e os apontavam: lábios muito grossos, olhos pequeninos, fisionomia atrevida […]”. Finalmente, o cronista revela que a tal Madame ou Mademoiselle era na verdade um “distintíssimo jovem paulista, o Sr. José Pires Filho, que se fantasiou de mulher e obteve um esplêndido sucesso no carnaval”.

O caso em si, de um homem fantasiado de mulher durante o carnaval carioca, nada tem de extraordinário. Aliás, durante a década de 1880, sociedades francesas do Rio de Janeiro promoviam os chamados “bailes travesti” regularmente (Gazeta de Notícias, 23 de fevereiro de 1884). Mas a exposição do retrato na redação do jornal sugere certa curiosidade em torno da fluidez da apresentação dos gêneros por parte da elite letrada. Com efeito, o cronista chama a atenção para a arbitrariedade dos padrões de beleza masculina e feminina, desnaturalizando assim a norma segundo a qual os sexos opostos se atraem. Pois enquanto homens são atraídos (mesmo sem saber) pelo retrato de um outro homem, as mulheres julgam sua masculinidade repulsiva.

Mais curioso é o fato de Coelho Neto buscar na notícia a matéria para um de seus poemas em prosa. Na mesma página em que o jornal corrigira Madame por Mademoiselle, Caliban assina uma “Ode fescenina (Diante de um retrato de Mme Pires)”, dedicada a Olavo Bilac. Dias depois, já revelada a identidade do rapaz, o próprio Bilac, sob o pseudônimo Fantasio, comenta:

[…] passam-se agora nesta cidade coisas estupendas, verdadeiros sinais do tempo. O País acaba de expor o retrato de um moço paulista, o Sr. Pires, tão parecido com um retrato de moça, que Caliban não hesitou em lhe dedicar uma ode fescenina, quente como uma fornalha, misteriosa como uma furna inexporda. O sr. Pires é positivamente o Andrógino do sar Peladan. (Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 20 de março de 1895Fantasio [Olavo Bilac]. “Ocultismo utilitário”. Gazeta de Notícias , Rio de Janeiro, 20 de março de 1895. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/103730_03/11551 >. Acesso em: 3/3/2022.
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)

Como se sabe, a figura do andrógino (por vezes confundida com a do hermafrodita) é recorrente em culturas do Ocidente e do Oriente, desde a Antiguidade e para além do fin de siècle. Em linhas gerais, trata-se de uma forma primordial e perfeita dos seres, cuja divisão posterior teria significado uma degradação, simbolizando também o desejo de síntese ou totalidade. O Andrógino a que Bilac se refere é o título de uma obra hoje esquecida de um escritor ocultista, o francês Joséphin Peladan (1858-1918). Fundador da ordem Rosacruz do Templo e do Graal na França em 1890, quando se autoproclamara Sâr (título babilônico que corresponderia a “mago”), Peladan influenciou a prosa e a poesia simbolista de autores brasileiros como Alphonsus de Guimaraens, Cruz e Sousa e Dario Veloso (Moisés, 1967Moisés, Massaud. O simbolismo. São Paulo: Cultrix, 1967., pp. 104-5). L’Androgyne, publicado em 1891, é o oitavo volume de uma série de romances denominados La Décadence Latine. Na apresentação, Peladan define o livro como uma “monografia da puberdade” ou “monografia de toda a feminilidade de aspecto e nervos compatíveis com o macho positivo” (Peladan, 1891aPeladan, Joséphin. L’Androgyne. Paris: E. Dentu, 1891a., p. xvii). Coelho Neto, ou Caliban, utiliza o seguinte trecho como epígrafe, aqui traduzido do francês:

Verdadeiros anjos do verdadeiro céu, serafins e querubins abstratizantes. Em posse dos tronos de Javé. Senhorio e essência Deiforme. Príncipe do Septário, que ora comanda, ora obedece. Ó sexo original, sexo definitivo, absoluto do amor, absoluto da forma, sexo que nega o sexo, sexo da eternidade! Loa a ti, Andrógino. (O País, Rio de Janeiro, 15 de março de 1895______. “Ode fescenina (Diante de um retrato de Mme Pires)”. O País, Rio de Janeiro, 15 de março de 1895. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/178691_02/12217. Acesso em: 3/3/2022.
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)

A epígrafe é extraída do último parágrafo do “Hino ao andrógino”, que compõe o segundo capítulo do romance de Peladan, em que um jovem rapaz ou uma rapariga é descrito enquanto dualidade, harmonia de contrários, perfeição da forma, Eros intangível, “momento indeciso do corpo como da alma” etc. Acontece que, se a princípio Peladan utiliza o termo indistintamente para referir-se a homens femininos e mulheres masculinas, é a figura do jovem efebo adolescente, em transição entre a presumida delicadeza juvenil e a virilidade adulta, que caracteriza o seu andrógino. No volume seguinte, La Gynandre, publicado no mesmo ano, o autor voltará a definir o andrógino como “o adolescente virgem e ainda feminino”, enquanto a “ginandra”, cujo sentido pare ele é negativo, seria a mulher que finge masculinidade (“mâleté”), uma “usurpadora sexual”, caracterizada por toda e qualquer tendência a fazer-se passar por homem, enfim, a mulher que em contraste com o aspecto virginal do andrógino, manifesta sua sexualidade ativamente (Peladan, 1891b______. La Gynandre. Paris: E. Dentu, 1891b., p. 43). O andrógino de Peladan é desprovido de desejo, dessexualizado pela própria beleza, virgem de todo pecado, mas sem deixar de ser sedutor e objeto do desejo de homens e mulheres. A consumação sexual é, finalmente, a morte do andrógino.

Presume-se que, quando escreveu sua ode, Coelho Neto ainda não tivesse ciência da verdadeira identidade da Madame cujo retrato contemplava. Seu andrógino tem “corpo misto, corpo primordial”, “corpo duplo”, ou seja, partilha de características do que se considerava feminino e masculino. Apesar de casto, corporifica o amor pelo mesmo sexo, dito “socrático”. Se os homens o admiram e as mulheres o invejam, também desperta o amor homossexual de um Córidon (pastor cujo amor pelo efebo Aléxis é descrito por Virgílio na segunda de suas éclogas) e de uma Safo, a cujos lamentos e queixas ele responde. No final, a descrição inclina-se para a figura do andrógino enquanto jovem efebo: “E sorris, forte na tua estupenda beleza cheia de graça e de virilidade” (Neto, 1895______. “Ode fescenina: diante do retrato de um efebo”. In: Fruto proibido. Rio de Janeiro, Ed. de Domingos de Magalhães, 1895, pp. 164-70.). O andrógino de Caliban tem aspectos classicizantes, mitológicos e abstratos, mas ao mesmo tempo tem algo de empírico, tanto pela circunstância que mobilizou a ode como pelo título, de intenções declaradamente licenciosas.

A figura do andrógino não era desconhecida dos leitores da época, mas curiosamente começava a ser cada vez mais associada a casos verídicos divulgados pela imprensa. Meses depois do episódio que deu origem à ode de Coelho Neto, referindo-se a um caso recentemente divulgado, um cronista se propõe a escrever sobre um caso “quase mitológico de androginismo” (itálico meu), do qual o Rio de Janeiro oferecia “um estranho exemplar”. No final da notícia, o autor remete à obra de Peladan: “Salve ginandro! Salve Tamus!” (Cidade do Rio, 9 de maio de 1895C. D. “Frases”. Cidade do Rio, Rio de Janeiro, 9 de maio de 1895. Disponível em: Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/085669/4214 . Acesso em: 3/3/2022.
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). Dois dias depois, outra nota comenta: “Ou o homem é homem, ou é andrógino. Ou a mulher é mulher, ou é ginandra” (Cidade do Rio, 11 de maio de 1895X.Y. “Nota diária”. Cidade do Rio , Rio de Janeiro, 11 de maio de 1895. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/085669/4222 >. Acesso em: 3/3/2022.
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). O caso, revelado pelo Jornal do Brasil no dia 5 de maio, diz respeito a uma mulher que, depois de dezenove anos de casada, pede anulação do casamento por ter descoberto que o “pseudomarido” era um “andrógino”. O libelo pedindo anulação do casamento afirma que o marido tinha “rosto imberbe, bacia ampla, coxas, pernas e braços grossos, mãos e pés pequenos e voz fina”, o que punha em dúvida o seu sexo, apesar de “simular aparência de virilidade”. O casamento foi anulado em outubro, mas parece ter ficado na memória, e não apenas do Rio de Janeiro. No ano seguinte, entre 7 e 11 de janeiro, A República de Curitiba publica uma série de artigos, denominada “drama cômico”, sob o título “Escândalo! Casamento de um Andrógino!”, em que finalmente se revela o nome do casal Zélia Cardoso e Eduardo Pacheco da Silva. Acontece que a essas alturas “andrógino” remete não mais a uma pessoa, que hoje poderíamos chamar de “intersexual”, ou “ser duplo” como se dizia na época, mas a uma mulher que se faz passar por homem. Em todo caso, o termo “andrógino” aqui está longe do sentido mítico que anteriormente carregara, aproximando-se do empírico e, por certo, do criminal ou patológico. Porém, permanecia como objeto de fascinação da elite letrada: naquele mesmo ano, os jornais anunciam a publicação de um “romance de escândalo”, ora sob o título O hermafrodita, ora sob o título Homem-Mulher, de autoria do médico Guimarães de Athayde, pela editora Rodrigues de Paiva & C.

Ainda em 1895, o próprio Coelho Neto republica sua ode, agora sob a assinatura de Anselmo Ribas, substituindo “Diante de um retrato de Mme Pires” por “Diante do retrato de um efebo”, no volume Fruto proibido, cujas intenções licenciosas são evidenciadas pelo título e confirmadas por Machado de Assis:

Em vez de permitir o uso de toda a fruta do paraíso, menos a da árvore da ciência do bem e do mal, Coelho Neto encheu o paraíso de frutos proibidos, e disse aos homens, mais ou menos, isto: - Dou-vos aqui um jardim, de cujas árvores não podeis comer um só fruto; mas, como é preciso que vos alimenteis, untei cada fruto com o mel do meu estilo, e ele só bastará para nutrir-vos. (Assis, Gazeta de Notícias, 28 de abril de 1895Assis, Machado de. “A semana”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 28 de abril de 1895. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/103730_03/11779 >. Acesso em: 3/3/2022.
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)

A “Ode fescenina” parece ter sido particularmente estimada por Coelho Neto, que a publicaria novamente na revista carioca A Maçã (8 de janeiro de 1927______. “Ode fescenina”. A Maçã, Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 1927. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/338109/6034>. Acesso em: 3/3/2022.
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), agora sem o subtítulo ou a dedicatória. Antes disso, porém, o tema do andrógino e do hermafrodita, por vezes intercambiáveis, retornaria em diferentes versões, como se verá adiante.

“ESFINGE” (1908)

Cerca de dez anos mais tarde, Coelho Neto retorna ao tema no romance Esfinge (1908), agora em chave fantástica. A narrativa se passa em uma pensão, administrada pela inglesa Miss Barkley, onde vivem, além do narrador e uma diversificada galeria de personagens, um estranho morador, o “formoso e excêntrico James Marian” (Neto, 1908______. Esfinge2. ed. Porto: Chardron, 1920 [1908]., p. 13), um “apolíneo” e “formoso mancebo” que causava estranheza pelo contraste, pois o “atleta magnífico” tinha “um rosto de feminina e suave beleza […], implantando a cabeça de Vênus sobre as espáduas robustíssimas de Marte” (ibid., p. 14). Seu aspecto ambíguo e o ar de indiferença incomodam os moradores, provocando comentários maldosos de uns e revolta de outros: para o comendador Bernaz, estrangeiro de origem indefinida, ele parece um “Boneco” (ibid., p. 14); para Basílio, o sarcástico guarda-livros, ele possui “cara de manequim de cabeleireiro” (ibid., p. 14), o que o faz sentir-se “indignado contra a beleza de James, com a revolta escandalizada de um puritano diante de uma torpeza obscena” (ibid., p. 117); Décio, estudante de medicina e poeta alexandrino, ora o considera “a mais formosa cabeça de mulher sobre o tronco formidável de um Hércules de circo” (ibid., p. 15), ora um “Apolo Bretão” (ibid., p. 38), mas no final expressa seu interesse entre o científico e o erótico: “beleza como aquela em homem… Ali há mistério! Feliz daquele que o puder penetrar!” (ibid., p. 200). O professor de piano, Frederico Brandt, primeiramente o defende, pois julga-o simplesmente tímido e romântico, mas finalmente o considera um “excêntrico” (ibid., p. 22) com seu “rosto de esfinge” (ibid., p. 29); Péricles de Sá, viúvo, patriota e fotógrafo aos domingos, com ambições de criminologista ou sexólogo, lamenta não ter podido perpetuar a entrada de James na sala em um instantâneo, e mais tarde comenta que seria “um doente d’alma” (ibid., p. 22). Miss Barkley, a dona da pensão, justifica que “o inglês é assim, tem nevoeiros na alma” (ibid., p. 19). Apenas Miss Fanny, professora inglesa de origem escocesa, o adora (ibid., p. 22), mas acaba por falecer de tuberculose, possivelmente vítima do “vampirismo espiritual” do inglês (ibid., p. 207).

Já o narrador, cujo nome não se menciona, quando encontra James Marian pela primeira vez, encanta-se com sua “meiguice feminina” (ibid., p. 20) e acaba por aproximar-se dele, que, por sua vez, acaricia-o “com blandícies de amante” e sorri-lhe com um sorriso “enamorado” (ibid., p. 49). Ao sentir-se estranhamente atraído por ele, procura, pudicamente, aplacar ou justificar seu desejo, e pergunta-se se a alma daquele visitante inglês “não seria… para que dizer?” (ibid., p. 49). Se, por um lado, a resposta, presume-se, é de que Marian teria uma alma feminina - possível alusão à sexologia moderna e da, ainda em processo, “invenção” do homossexual, definido, como sugere Foucault, por uma espécie de “androgenia interior, hermafroditismo da alma” (Foucault, 1999Foucault, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1999., p. 43) -, as reticências abrem possibilidades não somente sobre o desejo do outro, mas também sobre o desejo pelo corpo do andrógino. Essa questão retornará de forma complexa, e de certo modo confusa, no final do romance.

Conforme progride a amizade entre os dois, James pede ao narrador que traduza um manuscrito - “uma espécie de novela… Uma extravagância” (ibid., p. 34) - que contém o relato de sua vida, mas em que, avisa, ainda falta o último capítulo. A partir daí os diálogos e acontecimentos na pensão intercalam-se com a narrativa de sua infância e adolescência em um país oriental indeterminado, sob os cuidados de Arhat, seu protetor-criador, autor de um livro misterioso, e sua mulher, Dorka. A dualidade de gênero de James Marian revela-se através de traços místicos, ocultistas: um dia, aos catorze anos, depois da morte de Dorka, acorda diante das figuras mitológicas de Maya, que “de olhos azuis trazia os cabelos louros em trança larga e frouxa […] saia curta, de seda”, e Siva, “guapo moço, senhoril e forte” (ibid., p. 76), e descobre sua “alma indecisa e vária, ora inclinada, com mais afeto, a Siva, ora votada inteiramente a Maya”; ora “reclamando o mancebo”, ora buscando “a donzela” (ibid., pp. 100-1). Finalmente, guiado por Maya, depara-se com o vulto de Arhat, que lhe revela o mistério de sua história e de seu corpo: quando vivia em Londres, o místico usara sua “Magna Ciência” para reconstituir em uma só pessoa dois corpos mutilados, vítimas de um atropelamento: a cabeça de uma menina, cujo corpo fora esmagado, e o corpo de um menino, que fora decapitado. A explicação, que mistura hinduísmo com ficção científica, é obviamente absurda, mas não deixa de ser curiosa:

Valendo-me das noções da Magna Ciência, como ainda encontrasse vestígios, ou melhor: manifestações da presença dos sete princípios, retive a força de jiva, ou princípio vital, fazendo com que ele atraísse os restantes que circulavam, em aura, em torno da carne e, com a pressa que urgia, aproveitei dos corpos o que não fora atingido. Tomando a cabeça da menina e adaptando-a ao corpo do menino restabeleci a circulação, reavivei os fluidos e assim rebatendo os princípios, desde o Atma, que é a própria essência divina, refiz uma vida, em um corpo de homem, que és tu. (Neto, 1908______. Esfinge2. ed. Porto: Chardron, 1920 [1908]., pp. 167-8)

“Resolvido” o problema do corpo, restou-lhe, porém, descobrir o que fazer com as duas almas que pairavam ao redor dos destroços: “Qual delas seria a vitoriosa - a do menino ou a da menina” (ibid., p. 171). Por mais que insistisse em direcioná-la com a presença binária e sexuada de Siva e Maya, a natureza (sexual) de sua alma (logo, de seu desejo) jamais se manifestava: “Nunca demonstraste predileção, e a carne conservou-se impassível na presença quer dum, quer doutra, ainda que o olhar, por vezes, se exaltasse […]” (ibid., p. 172). Projeta-se assim o seu destino: se no jovem viesse a predominar a alma feminina (no corpo masculino), seria “um monstro”, ou seja, dentro do sistema binário de gêneros, a figura (monstruosa) do homossexual, sobre a qual, como se viu anteriormente, o narrador prefere calar-se. Mas se predominasse o espírito do homem, resultaria na própria imagem do efebo andrógino e, logo, ele se tornaria “ímã da lascívia” (ibid., p. 173), ou seja, objeto de desejo de outros homens. Curiosamente, na profecia do mestre nenhum dos destinos (desejo feminino no corpo de homem, objeto de desejo de outros homens) parece excluir de todo a felicidade. No entanto, se sobre o corpo bissexuado “as duas almas que pairavam sobre a carne rediviva lograram insinuar-se”, ele estava condenado a ser infeliz, “como ainda não houve outro no mundo”:

[…] a discórdia andará contigo como a sombra acompanha o corpo. Amado, terás ciúme e nojo de ti mesmo. Serás anomalia incoerente: querendo com o coração e detestando com a cabeça e vice-versa. A tua mão direita declarará guerra à sinistra, uma das tuas faces incendiar-se-á de vergonha e asco quando a outra inflamar-se no pudor que é a florescência do desejo. Viverás entre dois inimigos encarniçados. (Ibid., p. 173)

Antes de partir, Arhat entrega-lhe um livro em que estaria depositado o segredo (de sua alma, de seu desejo) e, a seguir, apresenta-o a Sullivan, “loiro, de suíças ralas”, que seria seu guia em sua jornada a Londres, onde recuperaria a fortuna deixada pelo mestre, momento em que entraria na “vida real”. Em Londres, ainda indeciso, James é objeto da lascívia de homens e do olhar escandaloso das mulheres, ao mesmo tempo que presencia a “libertinagem solta em que se rojavam mulheres e mancebos” (ibid., p. 183). Ele decide então viajar pelo mundo. Ao ser acolhido por uma família em Estocolmo, é objeto da paixão da irmã donzela, mas apaixona-se pelo irmão mancebo, dividido entre o medo e culpa, “detestando-o e execrando-me a mim mesmo”, “infeliz daquele amor vedado” (ibid., p. 187). Sem encontrar resposta, conclui: “O absurdo, a incongruência, o inconcebível - sou eu” (ibid., p. 188).

Como já se notou, o diálogo do romance com a literatura de língua inglesa - seja o Frankenstein (1818), de Mary Shelley (Causo, 2003Causo, Roberto de Sousa. Ficção científica, fantasia e horror no Brasil (1875-1950). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003., p. 113), o Drácula (1897), de Bram Stoker (Ginway, 2010Ginway, Mary Elizabeth. “Transgendering in Luso-Brazilian Speculative Fiction from Machado de Assis to the Present”. Luso-Brazilian Review, v. 47, n. 1, 2010, pp. 40-60., p. 45), ou o Retrato de Dorian Gray (1890), de Oscar Wilde (Menegusso, 2012Menegusso, Gustavo. O duplo narciso: o herói da modernidade em O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, e Esfinge, de Coelho Neto. Dissertação (mestrado em letras). Erechim: Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, 2012.) - são evidentes. Aliás, Esfinge (1894) é o título de um conhecido poema dramático de Wilde, cuja Salomé fora traduzida pouco antes, em 1905, e cujo Dorian Gray seria traduzido pouco depois, em 1911, ambos por João do Rio. Também não há como negar a presença do que se chamou de “um misticismo oriental reencarnacionista que comunica muito bem com o espiritismo, muito presente no Brasil dessa época” (Causo, 2003Causo, Roberto de Sousa. Ficção científica, fantasia e horror no Brasil (1875-1950). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003., pp. 113-4). Mas o que de fato interessa no romance, tanto na época em que foi lançado como hoje, são as questões de gênero (híbrido) e sexualidade (o “amor vedado”) que ele explora de forma praticamente inaudita.

Há quem tenha visto no romance “uma reflexão simpática e eficaz […] sobre a transexualidade e o homossexualismo” (Causo, 2003Causo, Roberto de Sousa. Ficção científica, fantasia e horror no Brasil (1875-1950). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003., p. 115). Mary Elizabeth Ginway insere-o em uma tradição brasileira de literatura que trata do “transexualismo” ou “transgendering” (Ginway, 2010Ginway, Mary Elizabeth. “Transgendering in Luso-Brazilian Speculative Fiction from Machado de Assis to the Present”. Luso-Brazilian Review, v. 47, n. 1, 2010, pp. 40-60., p. 41), e afirma que o autor explora “os efeitos psicológicos de um transgênero nos residentes de uma pensão” e sua “bissexualidade latente” (ibid., p. 47). A confusão terminológica é de certo modo compreensível, mas a generalização e descontextualização dos termos me parecerem mais problemáticas. Como na seção anterior, em que discuti a relação entre a “Ode fescenina” e as circunstâncias da publicação, interessa-me aqui rastrear justamente como a literatura da virada do século dialoga com a instabilidade semântica do vocabulário utilizado para lidar com realidades ou identificações de gênero e sexualidade, até então mais ou menos invisíveis, ou ao menos inarticuladas.

Em abril de 1908, ano em que Esfinge foi publicado, O País estampava, em primeira página, uma notícia intitulada “Homem ou mulher?”, sobre um “caso estranho” que ocorrera no bar da Franciscana, na avenida Central (futura Rio Branco), e que causara grande alvoroço. O motivo era a presença de um homem cujo corpo robusto contrastava com o rosto “de uma beleza perturbadora”, com “encantos de uma rara beleza feminina”, e que criara fervoroso debate: “Será homem ou mulher?”. O sujeito tornara-se vítima da hostilidade dos presentes e teve de se retirar sob a vaia da multidão (O País, Rio de Janeiro, 29 de abril de 1908). No dia seguinte, o jornal publicou uma carta de certo Frederico Brandt em defesa da vítima, que supostamente morava na pensão Barkley, onde ele também vivia. O autor lamentava a imagem de país incivilizado que o estrangeiro haveria de levar para a Europa (O País, Rio de Janeiro, 30 de abril de 1908Brandt, Frederico [pseud.]. “Homem ou mulher?”. O País , Rio de Janeiro, 30 de abril de 1908. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/178691_03/16053 >. Acesso em: 3/3/2022.
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). A seguir, é Coelho Neto quem escreve ao jornal, dizendo que ele mesmo tinha consigo algumas anotações sobre a vítima, as quais oferecia ao periódico para publicação. E explica: “James Marian (este é o nome do famoso andrógino) é um caso que pede atenção aguda dos fisiologistas e dos metafísicos. Trata-se de um ‘duplo’, no qual ora predomina a vontade máscula, ora governam os caprichos femininos” (O País, Rio de Janeiro, 1o de maio de 1908______. “Homem ou mulher?”. O País, Rio de Janeiro, 1-º de maio de 1908. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/178691_03/16033>. Acesso em: 3/3/2022.
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). No dia seguinte, aludindo aos “escândalos de Berlim”,3 3 Trata-se do escândalo de Harden-Eulenburg (1907-09), envolvendo membros do gabinete de Guilherme II da Alemanha: o jornalista Maximillian Harden acusou o príncipe Philipp zu Eulenburg-Hertefeld, amigo íntimo do Kaiser, de manter relações sexuais com o general Kuno von Moltke. O caso foi amplamente divulgado na imprensa brasileira. uma nota no mesmo jornal diz tratar-se de um “caso de monossexualismo na acepção moderna do termo, perversão fisiológica que na capital alemã tomou foros de coisa corrente, tendo até aparecido livros de propaganda dessa revoltante inversão sexual. Mas não é disso absolutamente que se trata. James Marian é um caso raro e estranho de duplicidade sexual […]” (O País, Rio de Janeiro, 2 de maio de 1908, itálico no original). Na edição seguinte, o jornal publica uma carta assinada pela dona da pensão, a própria Elizabeth W. Barkley: “James Marian é homem, ainda que o rosto, em verdade lindo - e não são raros os lindos rostos na Inglaterra - o faça parecer mulher”. E afirma que Coelho Neto o conhecia bem, já tendo com ele jantado (O País, Rio de Janeiro, 3 de maio de 1908Barkley, Elizabeth W [pseud.]. “Homem ou mulher?”. O País, Rio de Janeiro, 3 de maio de 1908. Disponível em: Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/178691_03/16053 . Acesso em: 3/3/2022.
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).

O assunto deu o que falar. Carmem Dolores (Emília M. Bandeira de Melo, 1852-1910), por exemplo, preferiu não especular se a caracterização de James Marian era pura fantasia de Coelho Neto ou se de fato desvendava “algum mistério perturbador”. Em todo caso, confirma e comenta o “escandaloso incidente ocorrido a propósito de um formoso estrangeiro, que bebia serenamente o seu chopp ao Bar da Avenida”. Segundo ela, o caso diz mais sobre a sociedade carioca que o vaiara do que sobre o viajante: “E o que tem o povo, o ignorante e abelhudo povo, com as formas mais ou menos redondas do seu corpo? É um ser ambíguo? Trata-se de um duplo, como disse Coelho Neto?”. E termina por perguntar-se como não seria a reação da provinciana sociedade carioca se a conhecida escritora e arqueóloga Mme Jane Dieulafoy, “que só se veste de homem”, visitasse o Rio de Janeiro (O País, Rio de Janeiro, 3 de maio de 1908Dolores, Carmem [Emília M. Bandeira de Melo]. “A Semana”. O País , Rio de Janeiro, 3 de maio de 1908. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/178691_03/16052 >. Acesso em: 3/3/2022.
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).

Dias depois, uma nota no mesmo jornal revelava que o caso não passara de “uma inocente reclame ao romance Esfinge, que Coelho Neto acaba de escrever”, acompanhada de uma carta do autor, em que explica o caso das duas almas em luta no coração do “infeliz James”, “cuja vida, lindamente narrada, v.s. encontrará na autobiografia de James” (“A esfinge: homem ou mulher?”. O País, Rio de Janeiro, 8 de maio de 1908______. “A esfinge: homem ou mulher?”. O País, Rio de Janeiro, 8 de maio de 1908. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/178691_03/16098>. Acesso em: 3/3/2022.
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). Depois de esclarecida a blague, Carmem Dolores volta ao assunto, afirmando que o próprio Coelho Neto lhe havia falado do caso anteriormente, afirmando que, se ela quisesse, ele poderia apresentá-lo, pois costumava frequentar sua casa. Em todo caso, continua Dolores, não seria improvável que “um estrangeiro bonito, e de formas ambíguas”, recebesse no Rio de Janeiro “alguma manifestação grosseira da pulhice curiosa” (O País, Rio de Janeiro, 10 de maio de 1908______. “A Semana”. O País, Rio de Janeiro, 10 de maio de 1908. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/178691_03/16119>. Acesso em: 3/3/2022.
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). Esfinge aparece finalmente em folhetins entre 12 de maio e 6 de julho de 1908, com dedicatória ao médico José Martins Fontes (1884-1937), que trabalhava no Hospital dos Alienados. No fim do ano, foi revisado e lançado em livro.


Notícia do lançamento do folhetim de Coelho Neto em O País, 11 de maio de 1908.

O episódio demonstra, antes de mais nada, o talento de Coelho Neto em manipular seu público, assim como a extraordinária capacidade do jornal, e especialmente de O País, de criar sensação e curiosidade (como já fizera no caso de Mme. Pires) em uma moderníssima estratégia de marketing. Além disso, o caso mobiliza uma série de apreensões, mas também possibilidades que começavam a se articular em um período em que definições e identificações de gênero estavam em fluxo. Por isso, como insiste Carmem Dolores, pouco importa se o caso é verídico ou não, pois o fato é que, se as vaias na avenida Central nunca aconteceram, poderiam muito bem ter acontecido.

Assim, retornando ao enredo do romance, vemos que, também entre os moradores da pensão, o que interessa é menos a realidade do sexualmente ambíguo estrangeiro do que a maneira pela qual cada um reagiu à sua figura. Se a tarefa do narrador consistia em traduzir “as palavras rútilas do maravilhoso original nos dizeres pobres d’uma versão mesquinha” (Neto, 1908______. Esfinge2. ed. Porto: Chardron, 1920 [1908]., p. 190), no final o manuscrito original desaparece, e especula-se que talvez nunca tenha existido. Quando o estudante Décio, que o julga vítima de alucinações, o intima a mostrá-lo, o narrador dirige-se ao seu quarto, onde encontra Marian (talvez seu espectro ou seu corpo transmigrado), que pede que o manuscrito lhe seja restituído, pois estava de partida para a Inglaterra. Ao ouvir que o original tinha sido devolvido, Décio desconsidera a existência do manuscrito: “Que importa a origem? […] Senta-te, abre essa pasta e encanta-me” (ibid., p. 212). Por sua vez, o narrador, perturbado ao descobrir que Marian partira dias antes daquela visita ao seu aposento, perde os sentidos e acorda em um “hospital de loucos” (ibid., p. 228). Quando volta à consciência, pergunta ao estudante se tudo fora um sonho, ao que este responde que “a existência do homem, não”, mas o encontro com ele no quarto, talvez uma “uma crise, um mergulho no azul” (ibid., pp. 230-1). Por fim, o narrador, resignado, conclui: “já agora tenho o meu estigma” (ibid., p. 232). Mesmo que indiretamente associado à androginia do personagem, o estigma do narrador (a loucura) pode ser tanto uma punição pelo seu interesse pelo andrógino como um efeito dos desafios apresentados pela sua dificuldade em assimilar expressões modernas de gênero e sexualidade.

“O PATINHO TORTO” (1918)

Passados outros dez anos, Coelho Neto retorna ao tema do andrógino em O patinho torto, comédia publicada em quatro partes no jornal carioca A Política (15, 22 e 29 de novembro de 1918). Com a primeira parte, o jornal - dirigido pelo próprio Coelho Neto - assim anuncia a publicação:

Tomando por tema o escandaloso caso do andrógino de Belo Horizonte que, tendo vivido, até aos dezoito anos, de saias e entre saias, descobriu, nessa perigosa idade, que o seu verdadeiro sexo exigia calças, e vestiu-as, com o que tudo nele se transformou, desde o aspecto até os hábitos, o comediógrafo fez um trabalho ligeiro, visando apenas o conselho rabelaisiano do “Mieulx est de ris…”. O assunto, apesar de crespo, foi habilmente alisado pela pena, podendo a comédia, que se destina a um dos nossos teatros, ser lida até nas celas dos conventos, se a irmã rodeira não for tão ranzinza que se lhe oponha a entrada. A vida não é imoral, e se o fato, que constitui a fábula da comédia, andou pelos jornais, com o retrato do protagonista, por que o havemos de cobrir com a capa com que os filhos de Noé velaram o corpo paterno? Deixemo-lo tal como aparecem em público, aproveitando-o como motivo de riso. E aos leitores dizemos com o alegre padre de Meudon: Et le lisant ne vous scandalisez. Il ne contien mal ni infection. (A Política, Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1918)

Como fizera anteriormente, o autor do anúncio (certamente o próprio Coelho Neto) utiliza o termo “andrógino” de maneira bastante vaga para denotar toda e qualquer configuração de gênero que transite, mesmo que provisoriamente, como é aqui o caso, entre os extremos do binarismo normativo. Além disso, anuncia uma das questões de que a peça tratará, questão amplamente discutida na imprensa da época e que diz respeito aos efeitos da modernização (o cinema, o telefone, a aviação etc.), e que se confunde às vezes com o “progresso” (Neto, 1918, p. 20), outras com a “evolução” ou o “aperfeiçoamento da raça” (ibid., p. 20), ou seja, a noção da masculinização da mulher, da feminização do homem e, mais especificamente, a maneira como elas eram refletidas na moda. Já na primeira cena, por exemplo, moda e evolução estão associadas quando se discute a decência da cauda, que era “natural” nos vestidos das mulheres, e o “rabo” da casaca dos homens, que, como o do macaco, começa a desaparecer por “seleção natural”, porque “tudo se aperfeiçoa na vida” (ibid., pp. 15-6). Mas é a dicotomia entre “calças” e “saias” que estrutura a narrativa. Assim, apesar da nota no jornal naturalizar a relação entre o vestuário (calças) “exigido” pelo gênero (masculino), alguma ambiguidade permanece em sua concepção, pois o próprio gênero se transforma com a troca de roupas, “desde os aspectos até os hábitos”. Ou seja, o gênero se revela necessariamente instável.

Para além dos casos escandalosos de troca de identidades divulgados pelo menos desde a década de 1880, ou do travestimento permitido apenas nos palcos ou durante o carnaval - mesmo se desde a década de 1850 fosse ocasionalmente mencionado em notícias vindas de Nova York sobre a moda da chamada bloomer, que “propende cada vez mais a assemelhar a mulher com o homem” (Diário do Rio Janeiro, 8 de junho de 1856) -, o uso generalizado de calças pelas mulheres começaria a ser debatido no Brasil somente a partir de 1911, quando os jornais discutiam as transformações na moda feminina e a introdução das chamadas “jupes-culottes”, “jupes-pantalons”, “saias-calção” ou “calças-bombachas” - criação do francês Paul Poiret que causara grande sensação em Paris em 1911. Dias antes de Hermínia Gonçalves, dona da loja Au Paradis des Dames, aparecer no hipódromo de São Paulo usando uma jupe-culotte (Viana; Italiano, 2021Viana, Fausto; Italiano, Isabel Cristina. “É Vossa Excelência pela adoção da jupe-culotte?: Escândalo e modelagem em 1911”. Dobras, n. 31, 2021., p. 393), no Rio de Janeiro, no dia 15 de março, uma “jovem galante” era vaiada na rua Sete de Setembro por trajar uma saia-calção, tendo que refugiar-se na Confeitaria Colombo (A Imprensa, Rio de Janeiro, 16 de março de 1911); no dia seguinte, Mme Lespinasse, que ficaria conhecida como tendo introduzido a moda no Brasil, causou uma aglomeração na porta de sua Casa Raumier (Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 17 de março de 1911) ao tentar sair vestindo um de seus modelos. O assunto foi exibido no cinejornal do Cinema Pathé (Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 18 de março de 1911). A seguir, Maria Handro Leite, cujo ateliê se encontrava na rua do Rosário, n. 174, desfilou pelas ruas da cidade exibindo uma de suas criações, agora sem criar maior escândalo (Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 25 de março 1911). Uma matéria na revista Fon Fon defendeu a nova moda com veemência: “Modernamente, a pantalona é um traje que se impôs à mulher; o feminismo assim o exige […] Médicas, advogadas, farmacêuticas, aviadoras, estafetas de saias, são antagonismos que ofendem o bom senso” (Fon Fon, Rio de Janeiro, 11 de março de 1911); enquanto outra seria da opinião de que “saias calções” eram uma “invenção diabólica”, de uma “masculinidade vasta” (Fon Fon, Rio de Janeiro, 1o de abril de 1911). Os jornais cariocas A Gazeta de Notícias e o Correio da Manhã (assim como em São Paulo o fizera a Ilustração Paulista) chegaram a criar plebiscitos sobre a adoção ou condenação da jupe-culotte pelas brasileiras. Uma leitora a reprova por considerar que a exibição das formas que ela proporciona faria da mulher o objeto da “malícia” típica do homem brasileiro; outra a defende justamente por considerar que a moda “foi inventada para atrair o homem, e quanto mais corresponder aos seus fins, melhor para a mulher”; já outra a reprova por questões de “elegância” e “higiene” (Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 25 de março de 1911), e houve até quem respondesse em versos:

Ao plebiscito do Correio Vou responder num instante; Quem não há de tomar parte Nesse assunto importante? Sendo moça um tanto chic, Voto em culotte também, Desde qu’ela sempre tenha Toda a moral que hoje tem. Maridos, papais e manos, Calções nos deixai usar, Pois em vez de feias sogras, Tereis sogras a fartar.

João do Rio, por sua vez, lamenta num artigo intitulado “A jupe-culotte”: “Vê-la abandonar essa arte para enfiar numas bombachas que lembram serralhos, o sultão, a escravidão da mulher oriental, vê-la reduzida a não estar em relevo e aplaudir era não ter mais fibra da arte e renegar ao sangue latino” (A Notícia, Rio de Janeiro, 17-18 de junho de 1911João do Rio [Paulo Barreto]. “A jupe-culotte”. A Notícia, Rio de Janeiro, 17-18 de junho de 1911. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/830380/17649 >. Acesso em: 3/3/2022.
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). Nos meses seguintes a “jupe-culotte” seria ainda o tema de uma valsa de Carlos F. de Carvalho e de pelo menos três comédias: a burleta Saia calção, “original da distinta divette Cinira Polônio” (O Fluminense, 11 de abril de 1911); com o mesmo título, o “vaudeville opereta” de Gastão Bousquet, exibido com sucesso no Cinema-Teatro Chantecler em meados de maio, anunciado como peça em que “Adelaide, Panchita e Julinha” são “vaiadas na Avenida por aparecerem de saia-calção!” (Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 21 de maio de 1908); e outra, aparentemente não encenada, mas impressa na íntegra na revista A Estação Teatral (15, 22, 29 de julho e 5 de agosto de 1911), de autoria de Arthur Victor, intitulada Jup-Lotte, em que Irene, uma entusiasta das últimas novidades, causa estranheza ao adotar a moda “revolucionária” - óbvia referência aos sans-culottes da Revolução Francesa. No fim daquele mesmo ano, já ninguém falava de saias-calção ou jupes-culottes, como fora anunciado nas revistas da época: “O reino da saia-calção passou, como de todos os outros caprichos” (A Faceira, Rio de Janeiro, mai.-jun. 1911). Porém, o assunto da mulher de calças voltaria a ser discutido em diferentes contextos e ocasiões.


Notícia sobre a aglomeração causada pela jupe-culotte usada por Mme. Lespinasse

A partir de 1916 começam a aparecer nas revistas cariocas imagens de inglesas vestindo calças - ou “pitorescos trajes”, como as descreve o Jornal das Moças em 6 de julho de 1916 - quando, em razão da guerra, as mulheres substituíram os homens nas fábricas e em outras profissões. O próprio Coelho Neto pronunciou uma conferência intitulada “A mulher e a guerra”, em que discute o papel da mulher “na Cruz Vermelha, nos hospitais, nas fábricas de munições; e nos campos e nas cidades, substituindo os homens em todos os misteres, enquanto eles se batem pela Pátria” (Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1916______. “A mulher e a guerra”. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1916. Disponível em: <http://memoria.bn.br/docreader/103730_04/38944>. Acesso em: 3/3/2022.
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). Em meados de 1918, meses antes de Coelho Neto começar a publicar sua comédia no jornal, uma matéria de Max Nordau intitulada “A mulher de calças: uma moda ou uma revolução?” comenta o uso de calças nos Estados Unidos pelas operárias que entraram no mercado por causa da guerra, e prenuncia: “A adoção da calça pela mulher restabelecerá o tipo uniforme de traje para os dois sexos e porá termo a uma anomalia. Porque é uma anomalia a desigualdade entre o atavio masculino e o feminino” (O Imparcial, Rio de Janeiro, 18 de julho de 1918Nordau, Max. “A mulher de calças: uma moda ou uma revolução?”. O Imparcial, Rio de Janeiro, 18 de julho de 1918. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/107670_01/20981 >. Acesso em: 3/3/2022.
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). Com efeito, a Primeira Guerra é o contexto a que a peça de Coelho Neto explicitamente se refere, mesmo se breve e laconicamente: “Esta guerra… esta guerra! Nem sei! Enfim…” (Neto, 1918, p. 17).

Como anunciado, O patinho torto estrutura-se em torno dessa dicotomia entre “saia de mulheres” e “calças de homem”, em uma série de sinais trocados e trocadilhos. Eufêmia, a protagonista, é uma jovem de dezoito anos, órfã de pai e insatisfeita com seu nome e com o gênero que lhe fora atribuído, e encontra-se assomada por uma “vontade danada de fazer escândalo” (ibid., p. 34). Fuma, costuma frequentar os treinos de futebol do Fluminense, apesar de sua mãe, Custódia, achar que mulher não deve se meter com “bolas”: “Mulher é mulher! Deixe as bolas com os homens, cuide do que lhe compete” (ibid., p. 20). Prometida a Bibi, filho de seu padrinho, Clemente, sonha em alistar-se para poder ir à guerra, não com a Cruz Vermelha, como era o caso de muitas mulheres europeias, mas na aviação. Enquanto os trajes de sua mãe são como ditam a convenção - veste a “matiné” quando apropriado, usa a “cauda” por ser decente, mas rejeita as “anquinhas”, por achar que não necessita -, Eufêmia sente-se presa em seus trajes como “Prometeu amarrado ao Cáucaso”, envenenada em sua “túnica de Nessus, estes sapatinhos de salto alto, caiada de pó de arroz” (ibid., p. 30). Ao mesmo tempo, a retórica do corpo masculino contido pela roupa feminina traduz-se na de uma alma presa no próprio corpo, evocando a linguagem do feminismo: “Sinto que uma força reage em minh’alma impelindo-me de sair de mim mesma […] para a vida! para a luta! para a independência! para a Liberdade!” (ibid., p. 27).

É nessa ambiguidade entre a suposta imutabilidade do “sexo” que se oculta sob as roupas e a instabilidade das convenções de gênero no mundo moderno que a comédia transita. O padrinho Clemente, por exemplo, censura Eufêmia por não agir conforme seu “sexo”, mas, ao ser questionado por ela sobre o que isso significa, não sabe responder: “Sei lá! Sexo é um mistério!” (ibid., p. 28). Já Bibi, seu noivo, acredita que a “doença” de Eufêmia é o cinema (ibid., p. 59). Em todo caso, estamos longe de qualquer noção de “inversão” ou da patologização naturalista das sexualidades dissidentes. Tudo é armado de forma ligeira, e o que importa em última instância é, com humor, jogar com a fluidez das categorias de gênero, novamente remetendo ao clássico motivo do “andrógino”, que se confunde com a realidade do então chamado “hermafrodita”. Assim, quando Eufêmia solicita uma consulta em particular com o médico que fora chamado para tratar de sua indisposição, Custódia, sua mãe, não quer deixá-la a sós com um homem; ao que ele responde que não era homem, pois “o verdadeiro médico não tem sexo: é neutro” (ibid., p. 45). Bibi, o noivo de Eufêmia, é por sua vez feminizado e, aos olhos de Custódia, “nem parece homem” (ibid., p. 49). Quando o padrinho telefona do consultório médico para casa, pedindo um pijama e um terno do filho para Eufêmia, o próprio traje de dormir não deixa de ser ambíguo, já que outra novidade da moda era o “pijama feminino” (Imada, 2021Imada, Heloísa Leite. Crônica, moda e imaginário urbano: a construção literária da sociabilidade mundana na escrita de João do Rio. Dissertação (mestrado em teoria e história literária). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2021., p. 83), que permitia às mulheres usarem calças na intimidade do lar. Com efeito, a comédia distribui meticulosamente as práticas sociais na instável fronteira entre o público e o privado, conforme as transformações no guarda-roupa.

Quando finalmente se revela que Eufêmia era na verdade “Eumacho”, há ambiguidade quanto à origem e consequências do equívoco. Para Bibi, “Eufêmia é um erro da natureza que nos enganou a todos” (ibid., p. 66). Quando uma amiga da família, Augusta, vem trazer-lhes o enxoval de Eufêmia, pergunta se a transformação teria sido resultado de uma promessa ou loucura. Já Clemente explica a sua filha que, por um capricho da mãe, Eufêmia crescera “certa de que era menina, não só pela educação mimosa que lhe davam como também pelos vestidos” (ibid., p. 129). Já a preocupação imediata da mãe não diz respeito à repentina mudança de gênero (ou de sexo) da filha, mas sim ao vestuário: “Que vou eu fazer de toda essa roupa que ela tem aí?” (ibid., p. 68).

As convenções da moda e do vestuário na conformação do gênero incluem também o penteado e o corte de cabelo. Ao voltar para casa, já vestindo terno, Eufêmia pede para chamarem o barbeiro para lhe cortar o cabelo, “corrente que ainda me prende à outra vida” (ibid., p. 81). No final, as categorias de gênero são atribuídas menos à biologia do que ao costume e à gramática, e todos, inclusive Eufêmia, continuam utilizando o pronome feminino para referir-se a “ele”. Assim, habitar o próprio sexo não depende da natureza, mas exige esforço, vontade e um longo processo de aprendizagem: “No princípio é natural que me atrapalhe um pouco, mas hei de aprender, descanse. Tudo se consegue com o verbo querer, e eu quero” (ibid., p. 108). E é justamente o vestuário que o demonstra, pois Eufêmia custa a se acostumar com as calças, ao que a mãe insiste: “Afinal, deixa lá! São dezoito anos de saias, a gente habitua-se” (ibid., p. 111). Custódia, preocupada em manter as aparências, pede à filha que, por conveniência, deixe tudo como antes, ou seja, que ignore seu sexo biológico, aceite o gênero feminino que lhe fora atribuído no nascimento e se case com Bibi. Curiosamente, Eufêmia concorda em continuar sendo mulher, ou vestindo-se como tal, “mas só na intimidade” (ibid., p. 112). Ou seja, como o vestuário, as normas de comportamento na rua não precisam ser respeitadas em casa. Ao mesmo tempo, há sempre a possibilidade da evolução da moda vir a permitir que o traje que antes era restrito à esfera doméstica, como a “smoking jacket” dos homens e as calças de pijama das mulheres, venham a ocupar as ruas.

Mas se a questão do gênero se resolvia na redistribuição entre a esfera do público e a do privado, restava solucionar a questão da sexualidade e do casamento. Custódia é a primeira a insistir que Eufêmia leve adiante o casamento com Bibi. Mas, a Bibi, Eufêmia insiste que os dois são incompatíveis, que “[d]ois bicudos não se beijam” (ibid., p. 109), que “duro com duro não faz muro” (ibid., p. 109). E explica-lhe que, como o cisne da fábula (que dá nome à comédia), crescera pensando que sua diferença (em relação às outras meninas) era inferioridade, tendo sido vítima de comentários, risos e insultos. E que agora que se transformara de “pato, ou pata, a cisne”, o casamento tornara-se “impossível” (ibid., p. 100.) Do ponta de vista do padrinho, uma vez assumida a identidade masculina, um novo problema se apresenta, pois o agora o rapaz teria compartilhado da intimidade de sua filha e, por isso, os dois teriam de se casar. Caso contrário, que mantivesse o casamento com o filho, Bibi. Novamente, o problema do gênero é uma questão de costume e decisões, materializada pelo vestuário: “Deem-me tempo, que diabo! Eu não tenho prática. Se ainda não me ajeito nas roupas, quanto mais… Tenham paciência […] querem que eu jogue numa posição que eu não conheço” (ibid., pp. 118-9). Finalmente o padrinho concorda que faça o treinamento necessário, desde que no final, quando, por assim dizer, decidir em que time joga, case-se seja com um, seja com a outra, dando-lhe o prazo de um ano para que “estude a matéria”, até que a questão se decida. E à filha, que se mostra confusa com a mudança, tenta esclarecer: “é a mesma; mudou apenas de roupa” (ibid., p. 137). Logo, não só o binarismo de gênero se faz instável, como também se complica a distinção entre homossexualidade e heterossexualidade.

Para aumentar a confusão da família, Eufêmia aparece no final “vestindo peignoir branco e fumando a grandes baforadas” (ibid., p. 140) e explica: “Que remédio! Ainda não estou prevenido. Bibi tem de ir à cidade e pediu-me a roupa e eu, à falta de outra, meti-me, de novo, nesta frandulagem em que andei tanto tempo amortalhado” (ibid., p. 141). Se na intimidade é permitido que a mulher moderna vista calças de pijamas, por que não haveria de poder o homem, no âmbito do privado, vestir um peignoir? Porém, quando a mãe pede novamente que Eufêmia continue em trajes femininos, pelo menos em casa, o padrinho reage: “É preciso firmar-se em um sexo, mas de uma vez! Saias de manhã, calças à noite, não! Não serve” (ibid., p. 141). E a comédia encerra com a criada que entra com o resultado do jogo do bicho e revela: “Que bicho havia de ser? Foi o galo” (ibid., p. 147). A designação do gênero do indivíduo parece ser tão aleatória quanto um jogo de loteria.

Até aqui insisti na maneira como Coelho Neto associa as mudanças da moda com a instabilidade das categorias de gênero e sexualidade. Porém, deve-se lembrar que, como indicado no anúncio do jornal reproduzido acima, a comédia foi inspirada no caso verídico do “andrógino” ocorrido em Belo Horizonte e amplamente divulgado pela imprensa de vários estados do Brasil. Quando posteriormente recolhida no volume VI da obra teatral do autor (Neto, 1924______. Teatro VIPorto: Chardron, 1924.), uma nota introdutória é acrescentada, em que se esclarece que o assunto viera à luz em uma matéria publicada pela Gazeta de Notícias, em 16 de outubro de 1917, da qual se reproduzem alguns excertos. Trata-se do caso de Emília Soares, filha de um alto funcionário público em Belo Horizonte, órfã de mãe, e cujo aspecto era então considerado demasiado masculino ou masculinizado: “Voz de virago, desnalgada, despeitorada, grandes dedos nodosos na larga mão macilenta, o pomo de Adão a espetar o comprido pescoço, como um esporão, e grandes pés a sustentarem toda essa ossatura antifeminina”. Segundo o jornal, a pedido da filha, que aos dezenove anos era cada vez mais ridicularizada e estigmatizada pelas colegas, o sr. Antônio Soares levara-a para ser examinada pelo conhecido dr. David Rabelo, que finalmente revelaria: “Emília é homem…Não tenho a menor dúvida. É um caso de HIPOSPÁDIAS. Não é um hermafrodita, porque o hermafroditismo verdadeiro não existe”. E passa-lhe um atestado, afirmando que possuía “todos os atributos de sexualidade masculina”. Ambos transferem-se para o Rio de Janeiro, onde Emília poderia começar uma nova vida, com o nome de David. Conforme a própria vítima teria contado ao jornalista, o equívoco acontecera quando nasceu, pois, por causa de “uma anomalia” que presumidamente desapareceria mais tarde, designou-se que era decididamente uma mulher. Mais tarde, ao ler em um capítulo de uma obra de Moreau sobre “as anormalidades de certos órgãos”, viria a reconhecer sua própria condição. Uma vez corrigido o equívoco, declara sua intenção de retornar a Belo Horizonte, estudar medicina e escrever um livro que se intitularia As minhas impressões de dezenove anos de mulher.


Foto de David Soares, ex-Emília Soares

O caso da “mudança de sexo” (a rigor, redesignação do gênero atribuído no nascimento) seria objeto de comentários e poemas satíricos na imprensa de Minas Gerais (Morando, 2013aMorando, Luiz. “Ecce homo! O engano do sexo em O patinho torto, de Coelho Neto”. In: Costa, Adriane Vidal; Barbo, Daniel (orgs.). História, literatura e homossexualidade. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013a, pp. 85-106., pp. 96-7) e causou grande sensação na imprensa carioca. Celso Vieira, por exemplo, em nota em O País intitulada “Indecisões”, imagina “o esbelto adolescente” diante do espelho, “como se errasse ainda na obscuridade genésica das formas indistintas”, a perguntar-se: “Serei homem? Serei mulher?” - a que a ciência teria respondido: “Virgem não és, mas varão imperfeito” (O País, Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1917Vieira, Celso. “Indecisões”. O País , Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1917. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/178691_04/36392 >. Acesso em: 3/3/2022.
http://memoria.bn.br/docreader/178691_04...
). Luiz Morando, que teve acesso à tese para a Faculdade de Medicina de Belo Horizonte de David Correa Rabello, o médico responsável pelo exame e pela intervenção cirúrgica no rapaz (cujo verdadeiro nome é David Queiroga), reproduz a forma como o médico narrou seu primeiro encontro com Emília, cujo aspecto exterior era “nitidamente masculino” e que, em “trajes femininos, dá logo a ideia de estar em travesti” (apud Morando, 2013aMorando, Luiz. “Ecce homo! O engano do sexo em O patinho torto, de Coelho Neto”. In: Costa, Adriane Vidal; Barbo, Daniel (orgs.). História, literatura e homossexualidade. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013a, pp. 85-106., p. 97). O médico relata ainda a “incongruência das inclinações psíquicas” do paciente (ibid., p. 98). Finalmente, explica em detalhe a “hipospádia” diagnosticada: “Em lugar de se apresentar como um canal fechado indo da bexiga à extremidade do pênis, apresenta-se como um canal aberto, antes como uma longa goteira de abertura inferior, em toda a extensão do pênis, e em parte do períneo anterior” (apud Morando, 2013b______. “‘Miloca que virou David’: intersexualidade em Belo Horizonte”. Bagoas - Estudos Gays: Gêneros e Sexualidades, v. 6, n. 8, 2013b, pp. 147-70., p. 156).

A despeito da explicação médica da variação genital do personagem e da necessidade de “corrigi-la”,4 4 Para uma crítica queer à necessidade de “correção” cirúrgica da hipospádia, ver Griffiths (2021). a repercussão do caso do “varão imperfeito” suscitou a recuperação da figura clássica do andrógino e as formas como ela serviu para articular expressões de gênero e sexualidade dissidentes. Coelho Neto aproveita a notícia para parodiar, sem portanto moralizar, as transformações da moda e os costumes introduzidos pela modernidade. Como referido acima, já na apresentação da peça o autor previne: “A vida não é imoral, e se o fato, que constitui a fábula da comédia, andou pelos jornais, com o retrato do protagonista, por que o havemos de cobrir com a capa com que os filhos de Noé velaram o corpo paterno?”. Ao mesmo tempo, não é a intenção do autor simplesmente documentar o caso, como sugere a epígrafe da comédia, tirada da famosa Arte poética (1674) de Boileau: “Le vrai peut quelque fois n’être pas vraisemblable” - ou seja, de forma irônica, Coelho Neto parece querer dizer que o caso noticiado, por verdadeiro que seja, pode parecer inverossímil. E, aludindo ao princípio clássico, sugere que a comédia precisa lançar mão de outros recursos e alusões, para além do estampado nos jornais, para parecer verossímil. Como sugere Morando, “o tema seria pouco afeito ao tratamento literário, colocando o autor em uma fronteira entre a recriação artística e a repetição do dado como real” (Morando, 2013aMorando, Luiz. “Ecce homo! O engano do sexo em O patinho torto, de Coelho Neto”. In: Costa, Adriane Vidal; Barbo, Daniel (orgs.). História, literatura e homossexualidade. Belo Horizonte: Fino Traço, 2013a, pp. 85-106., p. 94).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em “Ode fescenina” e Esfinge, Coelho Neto recorre ao tema clássico do andrógino para, a partir de circunstâncias reais ou imaginadas, explorar as fronteiras nas definições modernas de gênero e sexualidade. Em ambas, revela-se uma fascinação pelo personagem ambíguo, meio adolescente - e necessariamente branco - cujo gênero não se deixa definir. Ao mesmo tempo, em ambos é a figura do homem feminino que prevalece enquanto objeto do desejo e, no segundo caso, enquanto vítima de estigma. Já o terceiro caso parte da apresentação de uma mulher masculina, faz alusões à mulher moderna e feminista, para no final questionar e embaralhar as convenções de gênero conforme ditadas pela moda. Nos três casos, a homossexualidade é evocada, seja de forma idealizada, seja com compaixão, seja de forma ligeira e cômica, mas com quase nenhuma intenção moralizante. Nos três casos, a literatura inspira-se em notícias tiradas das páginas dos jornais. Se no primeiro a realidade que inspirou a ode não era o que parecia (pois a mulher se revelara homem); no segundo a notícia (as vaias e a estigmatização do homem feminino) revela-se pura ficção, mas que, no entanto, poderia ter acontecido; já no terceiro caso, a notícia era verdadeira, mas, por ser inacreditável, poderia ser ficção. Enfim, uma leitura da obra de Coelho Neto que se disponha a atravessar o matagal de vocábulos derramados em livros, revistas e jornais pode revelar um autor que, embora tido como artificial, classicizante, superficial, além do talento extraordinário que tinha em explorar o alcance da imprensa e do novo jornalismo, estava sintonizado com o seu tempo e bastante sensível às circunstâncias e costumes introduzidos com a modernidade. Nela se revela um Rio de Janeiro entre o provincialismo e a pretensão à modernidade, uma sociedade ao mesmo tempo preconceituosa e receptiva a mudanças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • ______. “‘Miloca que virou David’: intersexualidade em Belo Horizonte”. Bagoas - Estudos Gays: Gêneros e Sexualidades, v. 6, n. 8, 2013b, pp. 147-70.
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PERIÓDICOS CONSULTADOS

  • 1
    Sobre Coelho Neto e os modernistas, ver Moraes (2004Moraes, Marco Antônio de. “Coelho Neto entre Modernistas”. Literatura e Sociedade, v. 9, n. 7, 2004, pp. 102-19.). Para um perfil biográfico recente, ver Bordignon (2020Bordignon, Rodrigo da Rosa. “Coelho Neto, o ‘homem com profissão’”. Tempo Social, v. 32, n. 2, 2020, pp. 70-100.).
  • 2
    Agradeço a indicação desse texto a Gilberto Araújo.
  • 3
    Trata-se do escândalo de Harden-Eulenburg (1907-09), envolvendo membros do gabinete de Guilherme II da Alemanha: o jornalista Maximillian Harden acusou o príncipe Philipp zu Eulenburg-Hertefeld, amigo íntimo do Kaiser, de manter relações sexuais com o general Kuno von Moltke. O caso foi amplamente divulgado na imprensa brasileira.
  • 4
    Para uma crítica queer à necessidade de “correção” cirúrgica da hipospádia, ver Griffiths (2021Griffiths, David Andrews. “Queering the Moment of Hypospadias ‘Repair”. GLQ: A Journal of Lesbian and Gay Studies, v. 27, n. 4, 2021, pp. 499-523.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2021
  • Aceito
    17 Dez 2021
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