Open-access A ECONOMIA MORAL DO EXTREMISMO1

The Moral Economy of Extremism

RESUMO

O artigo investiga o extremismo de direita nos Estados Unidos a partir da categoria de “economia moral”. Argumenta-se que dinâmicas de radicalização não podem ser reduzidas a patologias sociais nem a escolhas racionais,mas devem ser compreendidas como reações morais de grupos historicamente privilegiados diante da contestação de hierarquias sociais. A análise ilumina a relação entre autoritarismo, violência e crise democrática.

PALAVRAS-CHAVE:
autoritarismo; extremismo político; economia moral; Estados Unidos

ABSTRACT

The article examines right-wing extremism in the United States through the lens of “moral economy.” It argues that radicalization cannot be reduced to social pathologies or rational choice but must be understood as moral reactions of historically privileged groups confronted with challenges to social hierarchies. The analysis highlights the links between authoritarianism, violence, and democratic crisis.

KEYWORDS:
authoritarianism; political extremism; moral economy; United States

INTRODUÇÃO

Em 8 de outubro de 2020, no auge da pandemia de Covid-19, o Federal Bureau of Investigation (FBI) anunciou a prisão de treze homens no estado de Michigan, todos acusados de planejar o sequestro da governadora, a democrata Gretchen Whitmer. Membros da milícia “patriótica” do estado - Milícia de Michigan - articularam um plano de ação cujo objetivo último seria, por meio de violência paramilitar e com a ajuda do governo Donald Trump, abolir o governo do estado e iniciar uma insurreição nacional contra elites liberais e minorias raciais. Alguns meses antes, a milícia havia feito uma ação no terreno com a ocupação armada dos salões do capitólio estadual em protesto contra a política de lockdown de Whitmer, considerada pelo movimento uma tentativa de “castração da população”.2 Ao se debruçar sobre os envolvidos no plano de sequestro e sedição, o analista legal Jeffrey Toobin constatou que não era a primeira vez que o mundo violento, apocalíptico e antigoverno da Milícia de Michigan chegava à política nacional (Toobin, 2023). Quase vinte anos antes, Toobin havia feito a cobertura dos julgamentos de Timothy McVeigh e Terry Nichols, os responsáveis pelo atentado em Oklahoma em 1995. Naquela ocasião, McVeigh, um veterano condecorado da Guerra do Golfo, explodiu duas toneladas de fertilizante em frente à sede regional do FBI, matando 168 pessoas - entre as quais estavam dezenove crianças e bebês recém-nascidos da creche que funcionava no prédio do órgão federal. McVeigh e Nichols haviam sido radicalizados no movimento das milícias estaduais e, no caso de Nichols, pela própria Milícia de Michigan. Seriam essas mesmas milícias que, aliadas a grupos supremacistas e outras organizações paramilitares, atacariam o capitólio dos Estados Unidos em 2021 na tentativa de impedir a ratificação da vitória de John Biden como presidente do país. Quais eram as principais características do extremismo político de direita nos Estados Unidos nos anos 1980 e 1990 que culminaram no atentado de Oklahoma? Como um estudo detalhado das milícias paramilitares pode nos ajudar a compreender a atual dinâmica antidemocrática na democracia estadunidense?

Em primeiro lugar, McVeigh e Nichols conceberam o atentado como uma retaliação contra o FBI e o governo federal pelo famigerado cerco de Waco, no Texas, escolhendo a data de dois anos da tragédia para a explosão. A operação desastrosa no Texas talvez seja um dos eventos recentes da história política dos Estados Unidos mais importantes para a extrema direita do país, a ponto do próprio nome “Waco” ser usado como um dog whistle [apito de cachorro] de convocação às armas entre o público de extrema direita. Não é coincidência, portanto, que Donald Trump tenha escolhido, justamente, a cidade de Waco para o lançamento oficial de sua segunda campanha vitoriosa à presidência do país.

Em 1993, duas agências federais, o FBI e o ATF (Bureau of Alcohol, Tobacco, Firearms and Explosives, órgão responsável pelo controle de armamentos e explosivos no país), cercaram o complexo de uma seita de adventistas do Sétimo Dia que fora militarizada e radicalizada pelo líder religioso David Koresh. O propósito oficial da comitiva federal era investigar denúncias de estoque de armamentos proibidos e material explosivo, porém, oficiosamente, os agentes estavam averiguando denúncias de abuso sexual contra crianças que residiam no local. Após 51 dias de cerco e uma dezena de mortes de ambos os lados, a tentativa inapta de libertar os seguidores e as seguidoras de Koresh que se recusavam a sair no complexo (entendidos como reféns pelo FBI, mas como resistentes religiosos pela direita conservadora) resultou em um incêndio generalizado e na morte dos 76 membros restantes da seita, inclusive todas as 26 crianças que ainda permaneciam no complexo. Até hoje há controvérsias sobre quem foram os reais responsáveis pelo incêndio: o próprio Koresh - afinal, líder de um culto apocalíptico - ou o uso indiscriminado de gás lacrimogêneo e a má organização do FBI?

Em segundo lugar, McVeigh, que havia sido radicalizado no circuito nacional de feiras de armas e clubes de tiros, compreendia a explosão de Oklahoma como um ato de resistência política contra o banimento (temporário) da comercialização de armas semiautomáticas, que havia sido decretado pelo governo democrata de Bill Clinton para tentar diminuir a letalidade exacerbada dos casos de mass shootings [tiroteio em larga escala] no país. McVeigh acreditava que o ataque ao governo federal constituiria, de alguma forma, o estopim de uma guerra racial entre os “verdadeiros patriotas”, liderados por movimentos paramilitares e supremacistas brancos, e grupos sociais inferiores liderados pelo governo federal com financiamento de “elites globalistas judaicas”. Por mais pitoresca que pareça à primeira vista a ideia de uma guerra racial contra o governo estadunidense, essa talvez seja a narrativa de crise mais longeva e resiliente da extrema direita no país, cuja representação cultural mais famosa é O diário de Turner. Publicado pelo líder neonazista William Pierce em 1978, o livro ficcionaliza o cotidiano do protagonista Earl Turner, membro de um grupo paramilitar, e sua tentativa de desestabilizar o governo federal, eliminar raças inferiores e elites liberais traidoras e, finalmente, explodir uma ogiva nuclear que seria responsável pelo fim dos Estados Unidos e pelo início de uma nova ordem global predicada no extermínio racial (Toobin, 2023, pp. 20-4).3

As milícias estaduais devem ser compreendidas como um movimento organizado e resiliente de contestação violenta do governo federal com o propósito de instaurar zonas autônomas locais e/ou um regime racial autoritário nos Estados Unidos. Para esse propósito, seus membros e apoiadores defendem uma reinterpretação autoritária da Constituição nacional, fundada no princípio do “povo em armas” como poder moderador das disputas políticas nacionais. Tal como formulado pelo líder da milícia The Oath Keepers, antes de sua prisão pela insurreição de 2021, o propósito da segunda emenda da Constituição federal estadunidense seria o de “preservar a habilidade do povo, que compõe as milícias [...], de preservar a capacidade militar do povo americano de resistir aos tiranos e às violações de seus direitos por parte de violadores de juramento [oath breakers] dentro do governo” (Toobin, 2023, p. 2).4 Ou seja, a história recente do extremismo político de direita nos Estados Unidos nos obriga a abandonar dois mitos enraizados na cultura popular: em primeiro lugar, que o movimento das milícias e de todo o ecossistema de grupos paramilitares no país constituem uma força política constitucionalista, herdeira de um suposto individualismo “natural” da cultura política do país; em segundo lugar, que a recente escalada de violência política é fruto de indivíduos isolados, em geral jovens brancos socialmente disfuncionais e mentalmente desequilibrados que agem como “lobos solitários” contra alvos aleatórios. A história dos atentados de extrema direita e dos mass shootings revelam, ao contrário, uma complexa rede de mobilização de recursos políticos e ideológicos em torno de ações descentralizadas, porém politicamente organizadas de violência contra alvos políticos bem definidos, de acordo com a visão de mundo extremista.

WHITE POWER E A DIREITA INSURRECIONAL

Esse aspecto autoritário e insurrecional da extrema direita nos leva ao brilhante estudo da historiadora Kathleen Belew (2019) dedicado à gênese histórica e à consolidação organizacional do movimento white power nos Estados Unidos. O white power, termo adotado por Belew para designar a congregação de diferentes denominações supremacistas e paramilitares estadunidenses, teria unificado suas pautas e seus repertórios de ação política em meados dos anos 1980, com a adesão de ex-combatentes radicalizados nos campos do Vietnã e em guerrilhas anticomunistas na América Latina, e, desde então, tornou-se a espinha dorsal do extremismo político antidemocrático nos Estados Unidos.

Belew argumenta que a dupla derrota (militar e moral) no Vietnã teria sido interpretada por veteranos e setores conservadores na chave conspiratória do Dolchstoßlegende - ou “mito da punhalada pelas costas” -, no qual a derrota no front não poderia ser explicada com base em razões puramente militares. De acordo com essa interpretação, o fiasco militar dos Estados Unidos seria fruto da traição política das elites econômicas e culturais e, como no caso da República de Weimar, da conspiração de elites judaicas globalizadas. Belew introduz uma distinção importante no estudo dos movimentos extremistas ao discutir a diferença entre vigilantismo e insurreição como repertórios de contestação política diferentes (Belew, 2019, pp. 1067). Por vigilantismo, devemos entender um tipo específico de violência política em que grupos armados extraoficiais procuram sustentar, pela força civil, uma ordem política constituída, porém, tida como ameaçada. Isso significa que as ações de vigilância partem do pressuposto de que a ordem política a ser defendida pelos cidadãos em armas é legítima. Esse era, de fato, o modelo tradicional de violência racial nos Estados Unidos até os anos 1980 e cuja imagem mais infame é a da auto-organização de supremacistas brancos de bairro para linchar inimigos da ordem racial vigente, aterrorizando comunidades negras dispostas a contestar o status quo racial do país.

Por sua vez, a adesão a repertórios insurrecionistas, como atentados terroristas, intimidação de agentes públicos e assassinato de adversários políticos, implica o confronto aberto contra a ordem política vigente e, principalmente, contra as próprias forças de segurança do Estado. O objetivo da insurreição, ao contrário do vigilantismo, é derrotar o Estado e a constituição vigente, angariando para isso o apoio de maiorias elegíveis - no caso, a população branca e cristã - a serem guiadas por vanguardas políticas militarizadas. De acordo com Belew (2019), a virada5 insurrecionista na extrema direita se deu quando as principais lideranças tradicionais do white power reconheceram que, após a plena garantia dos direitos civis da população negra e a proteção federal de uma franquia eleitoral universal e segura, qualquer tentativa majoritária de implementação de uma ordem racial estaria fadada ao fracasso. Apenas meios extrainstitucionais supremacistas brancos poderiam impedir que a sociedade estadunidense se tornasse uma democracia multirracial.

EXTREMISMO E TEORIA POLÍTICA

Determinar as condições e circunstâncias que explicam a transição entre modelos vigilantistas e insurrecionistas de ativismo antidemocrático é um projeto de pesquisa importante - e não apenas para a política dos Estados Unidos. Podemos argumentar que uma das características da atual “recessão democrática” que caracteriza as democracias do século XXI é a radicalização e, mais especificamente, o crescimento da extrema direita insurrecional nas democracias liberais que, além dos Estados Unidos, fincaram raízes em países como Brasil, Argentina e Alemanha. Os trabalhos de Jeffrey Toobin e Kathleen Belew apresentam um retrato empiricamente bem embasado das origens e do desenvolvimento do extremismo político nos Estados Unidos, oferecendo boas pistas para compreendermos o aumento recente da violência política no país (Kleinfeld, 2021). Entretanto, e em parte devido ao recorte histórico das obras (ambas terminam com a ascensão das milícias estaduais e o atentado em Oklahoma), pouco é dito sobre outros processos de radicalização que - por falta de nome mais apropriado - podemos denominar de institucionais, uma vez que incidem sobre arenas formais do poder político, como a militarização das forças de segurança, o encarceramento em massa da população negra e o aumento brutal da desigualdade econômica. Qualquer tentativa séria de ligar McVeigh ao 6 de janeiro de 2021 precisa, necessariamente, abranger outros elementos da realidade política estadunidense caso queiramos compreender a violência política na era Trump.

Um segundo limite dos estudos sobre radicalização e extremismo diz respeito a um problema que pode ser ainda mais intratável. Existem dificuldades teóricas próprias para se compreender o extremismo político como um tipo de reação política esperada - ainda que nunca apreciada - do funcionamento de instituições democráticas marcadas por injustiças estruturais. A teoria política contemporânea conta com poucos recursos conceituais para lidar de modo adequado com o extremismo político nas democracias, especialmente quando esse extremismo se encontra socialmente enraizado em movimentos sociais descentralizados, o que pode ser explicado pelo fato de que estamos mais acostumamos a lidar com o autoritarismo quando ele vem de cima para baixo.

A paisagem da teoria política contemporânea é ocupada por dois tipos de abordagem da democracia.6 Por um lado, teorias idealizadas da democracia avaliam condições transcendentais de justiça racionalmente disputadas em um espaço conceitualmente preciso, porém politicamente ascético. Por outro, diagnósticos realistas do conflito político saem à procura de responsáveis causais concretos, porém analiticamente pouco definidos para a crise nas democracias liberais. Dois dos suspeitos habituais nas cruzadas realistas seriam o medo eleitoral de elites políticas tradicionais e a irracionalidade popular de eleitores enfurecidos pela globalização e alienados pelas mídias sociais. Sem negar a importância de deduções transcendentais, muito menos o fato de que as elites se assustam, os eleitores se enfurecem e as mídias sociais alienam, no fim das contas temos poucas ferramentas conceituais para compreender processos concretos de radicalização autoritária em solo democrático. Faltam recursos analíticos (e até mesmo imaginativos) para lidarmos com conceitos normativamente densos como violência, insurreição e extremismo.7 O resultado desse impasse, isto é, o impasse causado pela incapacidade da teoria política contemporânea de oferecer recursos conceituais operacionalizáveis para o problema do extremismo político, faz com que vários dos conceitos fundamentais empregados na discussão (como conflito, legalidade e violência) sejam tomados em seu sentido intuitivo e pré-analítico. A própria noção de “extremismo” quase nunca é propriamente definida - notem os leitores e leitoras que, em nenhum momento neste texto, elas são definidas.

O que conta, afinal, como um ato ou um movimento político extremista? O problema pode ser apresentado de outra maneira. Existem três formas básicas de se transformar uma sociedade: pela fala, pela cédula ou pela bala. Essas formas correspondem, por sua vez, às três formas tradicionais de resolução de conflitos: (i) a formação de consensos deliberativos, nos quais as partes envolvidas buscam algum espaço para seus interesses nas propostas em debate; (ii) acordos produzidos pela negociação competitiva e sacrifícios mútuos com o propósito de melhorar, ou de pelo menos não piorar, o status quo; e, finalmente, (iii) a dominação ou subordinação de uma das partes pela outra. A política democrática envolve, em algum grau, as três dimensões, ainda que encontremos conforto na crença de que em sociedades democráticas o poder seja exercido, no mais das vezes, por meio da fala em espaços informais e associativos e por meio da cédula em arenas políticas institucionalizadas. Teorias normativas da democracia tendem a concentrar sua atenção nas condições de possibilidade de formação de consensos, enquanto as teorias positivas costumam se entusiasmar com as concessões e as barganhas próprias dos jogos de poder.

Contudo, notemos que, em geral, temos pouca coisa a dizer sobre a bala. Por que não dedicamos à bala o mesmo grau de precisão e detalhamento teórico que damos à fala e à cédula? Isso não deve ser entendido como um apelo à introdução de um realismo sanguinolento na teoria política, típico das fantasias masculinistas de O diário de Turner e dos pontos mais baixos da obra de Carl Schmitt. O ponto em questão seria justamente o contrário: como oferecer o mesmo grau de precisão analítica, normativa e explicativa a categorias que, no mais das vezes, surgem em nossas discussões apenas como contrapontos vazios às categorias teóricas que - essas sim - merecem análises detalhadas e defesas minuciosas, como democracia, direitos individuais e formações não coagidas de consensos comunicativos? A falta de cuidado analítico em relação à lógica antidemocrática é uma lacuna grave para qualquer projeto político de transformação social. Isso porque jamais um movimento amplo de transformação foi bem-sucedido sem enfrentar formas organizadas de reação política dispostas ao emprego da violência ou à erosão autoritária de práticas democráticas. É irreal imaginarmos, por exemplo, que conseguiremos mudar o atual regime de desigualdades extremas das democracias liberais, ou ainda atravessar uma transição energética justa, sem ter de lidar com reações antidemocráticas de um modo normativamente responsável e politicamente eficiente.

A ANALÍTICA DO EXTREMISMO

O fenômeno do extremismo político coloca pelo menos três perguntas inescapáveis à teoria política. A primeira é simplesmente: o que é extremismo político? Qual conjunto de fenômenos ele circunscreve e como podemos utilizar essa categoria de um modo analiticamente bem fundamentado? A segunda diz respeito à lógica do extremismo: por que movimentos extremistas são tão resilientes em sociedades democráticas livres e economicamente afluentes? Finalmente, como podemos resistir ao extremismo e adotar políticas de desradicalização eficientes?

A resposta para a primeira pergunta precisa começar questionando a teoria intuitiva do extremismo: “eu sei o que ele é quando eu o vejo”. O problema com esse tipo de abordagem é que o ato de classificar um movimento como extremista é, ele próprio, uma ação política. Deixadas ao sabor das intuições, categorias normativamente densas como extremismo e radicalismo correm o risco de se tornar apenas um rótulo retórico para o que - ou quem - detestamos. As definições estritamente legais também não levam muito longe. Um relatório recente do governo britânico sugeriu, por exemplo, que a melhor definição de extremismo político a ser empregada pelos órgãos oficiais do país deveria incluir qualquer ideia ou expressão que rejeite “os valores e as instituições” do Reino Unido, o que, na prática, apenas criminaliza o dissenso. Como corretamente criticado por Vittorio Bufacchi, o uso descuidado dessas noções pode se tornar “um mecanismo extremamente eficiente para silenciar e deslegitimar mudanças progressistas tão necessárias” (Bufacchi, 2022,p. 1.165).

Até mesmo o critério intuitivo mais comum para identificarmos casos de extremismo, isto é, o emprego de métodos violentos, é bem menos seguro do que parece à primeira vista. Isso porque o recurso à violência não é, em si mesmo, nem condição suficiente nem necessária de métodos políticos extremos - a tese segundo a qual o extremismo é definido pelo recurso à violência é conhecida na teoria política pelo pavoroso neologismo “intrinsicalista” (cf. Finlay, 2015; Malm, 2021). Existem formas extremas de ação política que, a despeito de serem extremas, não são necessariamente violentas. Esse é o caso, por exemplo, de uma greve de fome ou estratégias radicais de resistência pacífica. Ao mesmo tempo, o emprego estratégico da violência pode não estar associado a causa extremista nenhuma. Nesse sentido, abordagens contextualistas da violência política - qual o contexto do recurso à violência? - são bem mais instrutivas do que princípios morais descontextualizados.

O problema recorrente com definições intuitivas de extremismo diz respeito à equivalência problemática entre extremismo e radicalismo. Se definimos extremismo político e radicalismo como sinônimos, isto é, como ações ao mesmo tempo (i) extrainstitucionais, (ii) antigradualista e (iii) patentemente contrárias ao status quo, é evidente que o extremismo político é perfeitamente legítimo em uma democracia. Diante da injustiça e da opressão, o imperativo de que sejamos radicais não apenas é permitido como, na verdade, pode ser um dever. Para isso, basta considerarmos que as agências políticas radicais de abolicionistas e sufragistas foram historicamente rotuladas como formas inaceitáveis de extremismo político pelo status quo patriarcal e escravocrata (Alonso, 2015; Sinha, 2018). O movimento ambientalista contemporâneo vive uma situação análoga: sabotar as infraestruturas do capitalismo fóssil ou atirar latas de sopa na Monalisa são exemplos de práticas extremistas ou, ao contrário, um dever de justiça na luta pela sobrevivência da humanidade (Malm, 2021)?8 Uma tentativa recente de limpeza conceitual em torno do tema foi proposta pelo filósofo anglo-queniano Quassim Cassam (2022). O primeiro passo da teoria de Cassam é rejeitar a identificação entre radicalismo e extremismo. Enquanto o primeiro termo define qualquer modalidade de ação política avessa ao gradualismo e contrária ao status quo, o segundo, em contextos democráticos, possui um significado irredutivelmente pejorativo, ligado a um tipo de agência política tida como moralmente condenável. O problema é que, em sociedades pluralistas, aquilo que conta como moralmente condenável pode variar enormemente.9 Quais critérios normativos tornam extremista um repertório de ação ou um discurso? Cassam propõe uma distinção entre três tipos básicos de extremismo que costumam ser empregados de modo intercambiável em nossas caracterizações sobre o fenômeno. Uma pessoa, um movimento político ou até mesmo uma instituição podem ser considerados extremistas em pelo menos três sentidos diferentes: (i) quanto àquilo em que ele ou ela acredita (extremismo ideológico); (ii) quanto aos seus métodos de ação (extremismo de método); e (iii) quanto ao modo como ele ou ela acredita no que acredita (mentalidade extremista).

Parte importante das nossas dificuldades com o termo derivaria da confusão e sobreposição dessas três dimensões diferentes. É verdade, por exemplo, que ideologias extremistas como o fascismo, que são motivadas pelo controle irrestrito dos instrumentos da violência coletiva em defesa de hierarquias tidas como naturais, encontram-se intrinsecamente associadas ao extremismo de método. Contudo, por si só, a promoção de uma ideologia extremista não implica o recurso a métodos extremistas (podemos pensar aqui no caso do tio autoritário do jantar de família). O mesmo pode ser dito em relação ao extremismo de método: movimentos políticos ideologicamente igualitários e tolerantes podem ter de recorrer, em razão de circunstâncias desesperadas, a métodos extremos de ação. Finalmente, certas pessoas podem apresentar uma mentalidade extremista, entendida por Cassam como uma disposição para raciocínios irrefutáveis no plano epistêmico e intransigente no plano prático. Isso pode ocorrer mesmo sem que endossem propriamente uma ideologia extremista, ou qualquer método de ação. Um exemplo limite de mentalidade extremista não violenta e não ideológico seria o escrivão Bartleby, de Herman Melville, que, intransigentemente, sempre “acha melhor não” (Melville, 2005).

A proposta de Cassam é a de que é possível classificar com segurança um grupo ou organização extremista por meio de uma convergência de intransigências, isto é, quando podemos comprovar a sobreposição reiterada das três dimensões de extremismo simultaneamente. Podemos definir extremismo político, portanto, como a formação de identidades políticas organizadas por (i) ideologias extremistas, (ii) propensas à adoção de repertórios de ação extremas e (iii) cujas fileiras atraem e recompensam mentalidades extremistas. As entrevistas de McVeigh, analisadas por Toobin, ilustram muito bem a sobreposição extremista de Cassam. Além da adesão incondicional à agenda racista e autoritária das milícias, McVeigh e seus associados são agentes dispostos a recorrer a formações de identidades extremistas, tanto como modo de interpretação da realidade política quanto como forma prioritária de consolidação de capital social. Crenças e projetos políticos irrefutáveis do ponto de vista epistemológico, propensos ao conspiracionismo, somam-se à intransigência quanto a qualquer forma de concessão ou negociação política.

A intransigência discursiva é uma característica decisiva da política extremista. Agentes extremistas conceituam seus projetos e disputas políticas em um espaço discursivo limitado por duas imagens dicotômicas e excludentes: a do mercado, terreno no qual tudo é negociável, e a da religião, na qual nada seria negociável sem alguma perda de pureza (Cassam, 2022, pp. 101-2). O problema é que, em sua prática cotidiana, a política democrática localiza-se justamente em um espaço intermediário, impuro, no qual os agentes buscam sustentar um núcleo mínimo de compromissos diante da negociação permanente de interesses e identidades. Se entendemos por democracia a negociação permanente das diferenças entre iguais, então podemos recusar a política democrática de pelo menos duas maneiras diferentes: ao não reconhecer o outro como um igual na negociação, ou ao considerar que negociar diferenças é, em si, moralmente inaceitável.10 Processos de formação de identidade extremistas tornam ambas as disposições um traço constitutivo da identidade social de grupos políticos.

A teoria da convergência de intransigências nos permite classificar McVeigh como inegavelmente extremista, e não apenas como alguém radical em suas convicções. Isso porque, mesmo quando aceitamos que repertórios de ação violentos podem ser contextualmente justificados, certos critérios mínimos de validade precisam ser atendidos pelos agentes que a praticam (cf. Coady, 2008; Finlay, 2015). O primeiro, e o mais simples desses critérios, é a necessidade de justificar a violência como o único recurso possível em face do problema em questão. Outros critérios importantes para a violência política justificada seriam a proporcionalidade das ações, a probabilidade de sucesso das ações e, finalmente, os alvos da ação. Não é preciso dizer que o atentado de Oklahoma também fracassa miseravelmente em todos esses requisitos: além de desproporcional e desnecessária (McVeigh nunca explorou nenhum canal de contestação política não violento), a escolha do alvo tinha como objetivo a instrumentalização de vidas inocentes em nome de uma causa racista. Questionado sobre o assassinato dos recém-nascidos na creche do prédio federal, a única resposta de McVeigh foi que “mais crianças foram mortas em Waco do que [no meu] atentado” (Toobin, 2023, p. 226).

A ECONOMIA MORAL DO EXTREMISMO

Com uma definição de extremismo político em mãos, torna-se possível abordar a segunda pergunta: qual a lógica subjacente a esse fenômeno? Como na questão anterior, o primeiro passo aqui é rejeitar algumas visões comuns ao tratar do problema. Duas delas são particularmente disseminadas. A primeira consiste em tratar o surgimento de movimentos políticos autoritários e extremistas como um sintoma causal de certas “patologias sociais” da modernidade.11 Nesse tipo de abordagem, a analogia clínica é, em geral, acompanhada de especulações sobre as origens “desviantes” da cultura cívica de um país ou, ainda, de traços autoritários da personalidade coletiva. Segundo o modelo patologizante, o extremismo político seria apenas a forma aguda de traços difusos dessa personalidade coletiva levado a cabo por indivíduos desviantes e/ou grupos em contextos de anomia social. A radicalização de mentalidades e adesão a repertórios de ação violentos são entendidas como algo que acontece com as pessoas quando elas internalizam padrões de conduta e valores antidemocráticos.

A segunda abordagem, por sua vez, segue uma direção metodológica oposta, apoiando-se na neutralidade instrumental da escolha racional. Nesse modelo, a lógica extremista é concebida como mais um recurso estratégico disponível de contestação ao status quo. Como argumenta Martha Crenshaw (2022), extremistas devem ser compreendidos como agentes racionais em busca de resultados que decorrem da interação estratégica entre forças políticas em conflito. Os recursos à violência e à intransigência, portanto, aparecem como uma decisão racional condicionada pelas oportunidades de ação existentes e pelos recursos materiais e organizacionais à disposição dos atores da contestação.

O recurso alternado a esses dois modelos explicativos acarreta, contudo, dois problemas para a compreensão da política extremista. O primeiro deles refere-se à dificuldade em lidar com a dimensão relacional do fenômeno. Notemos que, apesar das escolhas metodológicas radicalmente opostas, em ambos os modelos - o patologizante e o estratégico-racional - a radicalização é concebida como um problema de indivíduos isolados, seja no anterior de estruturas sociais, seja em seus perfis de preferência individuais. Em nenhum desses casos o radicalismo é entendido como um problema de indivíduos entre outros indivíduos.

Uma analogia com a sociologia econômica pode ajudar a entender esse ponto. Por muito tempo a economia política oscilou entre modelos estritamente individualistas e modelos estruturalistas para explicar como agentes de carne e osso tomam decisões econômicas em contextos reais de competição e informação. A grande contribuição de uma nova geração de sociólogas e sociólogos econômicos (Granovetter, 1985; 2017; Zelizer, 2011) foi justamente romper com essa dicotomia ao mostrar que a ação econômica não pode ser reduzida nem à racionalidade isolada de indivíduos maximizadores nem a estruturas normativas totalizantes que definem por completo as escolhas dos atores. Decisões estratégicas estão sempre inseridas (ou “enraizadas”) em redes de relações sociais que lhes conferem significado, viabilidade e limites. Esse enraizamento implica que escolhas são atravessadas por vínculos de confiança, expectativas morais e arranjos institucionais que possuem uma história acidental e valores incompletos, disputados e reinterpretados a cada interação.

Tomando de empréstimo a crítica de Mark Granovetter, podemos argumentar, em primeiro lugar, que, ao tratar o extremismo político como o resultado de estruturas culturais impostas à mente de atores vulneráveis, incorremos em um modelo sobressocializado do extremismo, no qual estruturas psicossociais patológicas agem por meio de indivíduos alienados ou grupos sociais anômicos. Já no modelo estratégico-racional puro, redes de relações sociais concretas são colocadas de lado em favor de um modelo subsocializado de explicação, em que a maximização de preferências individuais acaba se tornando o único mecanismo explicativo.

Nenhuma das duas visões faz justiça ao fato de que a ação extremista - mesmo quando protagonizada por grupos isolados ou pelos chamados “lobos solitários” - jamais se encontra totalmente desenraizada das redes de relação, mais ou menos densas, que compõem o ecossistema político ao seu redor. Como amplamente documentado por trabalhos como os de Belew e Toobin, casos reais de extremismo político evidenciam redes concêntricas de informação, confiança e financiamento operadas por empreendedores políticos nas franjas de células ou indivíduos radicalizados. Belew estima, por exemplo, que nos anos 1980 o extremismo racial nos Estados Unidos contava com cerca de 25 mil integrantes de tipo “núcleo duro”, ou engajáveis em atos de hostilidade e violência, 150 mil participantes de atos públicos e financiadores, porém com níveis menos formais de pertencimento, e outros 450 mil consumidores diretos de literatura supremacista (Belew, 2019, p. 5).12

Além disso, em contraste com as perspectivas da patologia social, a radicalização está longe de ser um fenômeno passivo que incide sobre agentes sociais vulneráveis. Muito pelo contrário: dinâmicas bem-sucedidas de radicalização dependem em grande medida tanto da agência de empreendedores políticos estrategicamente organizados quanto da autorradicalização de agentes individuais (Cassam, 2018). A radicalização extremista deve ser entendida como uma forma (extrema) de expressão, e não como uma perda de agência diante de estruturas de sentido. Modelos sobressocializados tendem a conceber o extremismo como um processo genérico e funcionalista, no qual ideologias e grupos extremistas apenas incorporariam indivíduos cultural e economicamente marginalizados. O problema é que, após décadas de pesquisa sobre as motivações e determinantes da violência política, nenhuma evidência robusta foi encontrada que associe o extremismo político a marcadores típicos de anomia social, como marginalização, psicopatia ou mesmo pobreza (cf. Piazza, 2017; Horgan, 2003). Ao contrário: o contexto sociológico mais propício a fomentar dinâmicas de radicalização está associado a situações de incerteza econômica e moral (e não de pobreza ou privação), vividas por grupos historicamente privilegiados pela hierarquia social e, portanto, plenamente integrados aos padrões vigentes de prestígio e poder da sociedade (Berger, 2018, cap. 5).

Ainda que seja verdade que causas extremistas possam atrair pessoas com personalidades autoritárias, o extremista típico é homem e pertence a grupos tradicionalmente superordenados, cuja indignação o leva a lutar contra a perda de direitos ou titularidades presumidas. Isso significa que o extremismo político tende a prosperar não tanto quando necessidades básicas deixam de ser satisfeitas, ou quando padrões históricos de autoritarismo e violência são reforçados, mas, ao contrário, quando mudanças sociais ameaçam direitos presumidos de grupos superordenados. Processos de reação política extremista, portanto, podem ser compreendidos como uma cruzada de resistência moral contra injustiças presumidas de grupos superordenados.

A perspectiva da escolha racional tende a se sair melhor em relação à valorização da agência dos agentes extremistas. Contudo, ela tem dificuldade de explicar a aparente irracionalidade das estratégias e visões de mundo extremistas.13 Um exemplo notável dessa irracionalidade é o caso da extrema direita estadunidense: seus apoiadores mais radicais e, portanto, mais propensos à violência política encontram-se simultaneamente exasperados com o futuro econômico, previdenciário e ecológico da América rural e, ao mesmo tempo, dispostos a apoiar forças políticas oligárquicas contrárias à manutenção dos subsídios agrícolas, à regulação ambiental e ao sistema público de saúde (cf. Cramer, 2015; Schaller; Waldman, 2024).

Um fenômeno que Paul Krugman (2024) denominou “o mistério da economia política da raiva branca rural”.

A famosa etnografia de Arlie Hochschild (2016) com apoiadores e apoiadoras do Tea Party no interior da Louisiana - um dos estados mais pobres, endividados e devastados pela indústria do petróleo nos Estados Unidos - oferece uma base empírica sólida para essa conclusão. A frustração econômica e cultural da América rural é permanentemente disputada por empreendedores políticos conservadores inseridos em redes de confiança e fluxos de informação política muito distante das redes típicas das duas costas do país. Dito de forma mais simples: os agentes radicalizados de Hochschild agem estrategicamente, porém o fazem em contextos de interação e significados que não são os mesmos da política mainstream.

Isso nos leva ao segundo problema dessa dicotomia explicativa: a neutralização de razões e disposições morais disputadas pelos agentes. Agentes políticos extremistas são também agentes morais, dotados de um senso de justiça, e cuja ação política precisa ser enraizada em estruturas de sentidos normativos compartilhadas. Faz sentido, portanto, propor uma economia moral do extremismo para entender por que certos padrões de ação e reação são tidos como irracionais do ponto de vista externo.

A noção de economia moral possui muitos significados diferentes na teoria política. Porém, para o que nos importa aqui, podemos começar com a ideia polanyiana elementar segundo a qual os agentes políticos não possuem apenas interesses econômicos objetivamente definidos, mas também ideias e expectativas sobre os próprios interesses econômicos.14 Agentes políticos - mesmo aqueles de quem não gostamos - produzem autocompreensões elaboradas sobre a natureza e as implicações de seus interesses e, sobretudo, sobre as condições nas quais esses interesses estão sendo promovidos ou ameaçados. Nenhum processo de radicalização pode ser bem-sucedido sem a articulação mais ou menos elaborada de juízos normativos densos sobre a justiça e a injustiça de aspectos relevantes da vida social. Contudo, como vimos, essas autocompreensões dependem de redes de relação permanentemente disputadas por empreendedores políticos - no caso do Tea Party, agentes profissionais da política de contenção extrainstitucional.

É a economia moral que nos ajuda a explicar por que eleitores e eleitoras parecem votar contra os próprios interesses econômicos. Isso não acontece porque os eleitores seriam essencialmente irracionais, porque os trabalhadores estariam presos a uma falsa consciência, porque as mulheres se veriam inevitavelmente subordinadas a seus maridos ou porque usuários de plataformas digitais seriam passivamente manipulados por demagogos e algoritmos. Tudo isso pode ocorrer, mas o ponto decisivo é outro: agentes políticos dispõem de recursos suficientes - ainda que circunscritos por suas redes de relacionamento interpessoal - para avaliar seus próprios interesses a partir de razões de segunda ordem, isto é, juízos sobre quais interesses e valores deveriam ser cultivados e defendidos.

A trajetória familiar de Timothy McVeigh ilustra bem esse processo. Filho e neto de trabalhadores sindicalizados da General Motors e democratas leais do norte do estado de Nova York, McVeigh nunca conseguiu ingressar no setor industrial. Em vez disso, alternou empregos precários no setor de serviços, vistos em suas redes interpessoais mais próximas como ocupações degradantes à luz de critérios de masculinidade baseados em assertividade e independência. Ou seja, a transformação estrutural rumo a uma economia pós-industrial explica parte do processo, mas não basta para gerar os juízos de titularidades presumidas violadas que marcaram sua trajetória - trabalhar duro e, ainda assim, perder poder de compra; ser um trabalhador honesto e, mesmo assim, ver seu status social corroído em comparação com outros grupos. Tais percepções eram compartilhadas e reforçadas nos circuitos de atiradores e milícias antigoverno em que McVeigh se inseria. Ou seja, interesses materiais não se apresentam como fatos brutos ou autoevidentes, mas dependem: (i) de expectativas normativas sobre quem deve ganhar ou perder com as transformações sociais; e (ii) da disputa dessas expectativas em círculos sociais determinados.

Além disso, é preciso ter em mente que, por trás de toda radicalização política, existe uma teoria da justiça folk mais ou menos articulada, reforçada em redes concretas de cooperação social. Sem essas redes, crises econômicas não são condições suficientes para abandonarmos a fala, ou a cédula, em favor da bala. É nesse sentido que mudanças econômicas podem ser percebidas como violações de normas de equidade e justiça, ou como um ataque direto ao valor e dignidade de certos modos de vida, tanto quanto uma mudança instrumental nos custos e benefícios dos agentes.

A economia moral também nos permite compreender a política do ressentimento nas democracias contemporâneas como um jogo de competição por estima. Ações e consequências políticas corriqueiras de primeira ordem, como o apoio a uma determinada política pública, são disputadas em um nível superior de avaliação moral acerca do caráter e disposição dos agentes envolvidos. Como argumenta Elizabeth Anderson (2022), em contextos de competição por estima, qualquer proposta construtiva de negociação acaba sendo infinitamente escrutinada em busca de hipocrisia e má intenção por parte dos demais jogadores, uma vez que, do ponto de vista da hierarquia de estima social, os ganhos são de tipo “soma zero”. O jogo político da estima, diferentemente da formulação de políticas públicas ou da resolução de conflitos distributivos, é um jogo posicional de desmascaramento de inimigos imorais (cf. Anderson, 2022).

É por essa razão, por exemplo, que apoiadores de Donald Trump podem realmente se indignar com o fato de que competidores rivais, como os apoiadores do Black Lives Matter, não utilizaram máscaras de proteção durante a pandemia - um tipo de medida de proteção tida como espúria ou até mesmo perigosa por Trump. Não estamos mais discutindo o problema de primeira ordem das medidas sanitárias, mas mudando o objetivo do jogo: desmascarar a pretensão de superioridade moral das elites liberais responsáveis pela iniquidade e pela devassidão moral do país e, com isso, proteger a hierarquia moral de comunidades de destino antagônicas.

O trabalho da filósofa feminista Kate Manne (2018; 2022) sobre o conceito de misoginia é outro bom exemplo de uma análise do extremismo político do ponto de vista da economia moral. A tese central de Manne é que, em geral, a violência de gênero segue a lógica de uma reação moral contra a perda de titularidades masculinas próprias das hierarquias tradicionais, tais como os benefícios presumidos de homens por cuidado, apoio emocional e satisfação sexual. O conceito e, principalmente, a política organizada por trás da misoginia não devem ser concebidos como uma disfunção psicológica, uma espécie de “ódio emocional” contra as mulheres, mas como um conjunto de reações interpessoais compreendidas por seus agentes como justas e racionais diante da espoliação de direitos de gênero tidos como legítimos. Uma das conclusões mais interessantes dos trabalhos de Manne é a de que, de um ponto de vista interpessoal, a misoginia pode funcionar de maneira inteiramente independente do sexismo, isto é, a ideologia segundo a qual as mulheres são naturalmente inferiores aos homens. Na verdade, agentes “puramente” misóginos podem ser até mesmo mais engajados no extremismo de método contra as mulheres do que agentes sexistas, uma vez que os primeiros compreendem as suas ações como uma reação justa e sensata desprendida de ideologias extremistas que negam a igualdade entre homens e mulheres (Manne, 2018, pp. 78-9).

Uma economia moral de titularidades afrontadas oferece maior poder explicativo do que modelos baseados na maximização racional de interesses ou em concepções moralistas de patologia social. Esse enfoque permite sustentar a hipótese de que, em contextos democráticos, agentes extremistas são radicalizados sobretudo por narrativas de justiça orientadas para a restauração de uma hierarquia social ex ante, mais do que por imagens ou discursos de ódio patológico contra minorias. Como bem argumentam Manne e Hochschild, não existe nada para ser odiado em grupos socialmente subordinados quando estes subscrevem às normas sociais e respeitam as hierarquias - quando as elites liberais corruptas respeitam a dignidade da cultura dos Estados Unidos e a superioridade moral do “bom cidadão” estadunidense, ou quando as populações negras respeitam sua posição subordinada na fila do sonho americano.

Como observado por Toobin no caso das milícias estaduais, o princípio político central desses grupos pode ser resumido da seguinte maneira: “obedeçam à Constituição” - e as hierarquias sociais que ela legitima - “e não iremos atirar em vocês” (Toobin, 2023, p. 146).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falta, agora, respondermos à última questão. O que devemos fazer diante da radicalização autoritária nas democracias liberais? Essa é certamente a pergunta mais difícil de todas. Não temos uma boa resposta para ela, mas podemos especular sobre um ponto pelo menos.

Digamos que uma economia moral do extremismo nos moldes discutidos anteriormente faça sentido. Isto é, que o extremismo político possa ser definido de modo mais ou menos preciso e que, e geral, ele seja fomentado em democracias pela incerteza social de grupos superordenados e pela resistência (tida como) justa contra a contestação de hierarquias sociais. Consideremos, agora, que a democracia é um tipo de regime político definido pela possibilidade permanente de contestação e nivelamento de hierarquias sociais. Ou seja, que no mundo da política democrática não existem - ou pelo menos não deveriam existir - identidades e interesses permanentemente subordinados, apenas vencedores e perdedores temporários até o próximo ciclo político (cf. Przeworski, 2012; Müller, 2021). Isso nos leva a uma conclusão surpreendente para a teoria política: a de que regimes democráticos tendem a produzir mais extremismo político de que outros tipos de regime. Regimes democráticos, conclui Maria Hermínia Tavares de Almeida (2023), lidam muito mal com mudanças rápidas e profundas.

Talvez a melhor formulação dessa hipótese possa ser articulada da seguinte forma: as democracias produzem extremismo político mais do que outros regimes, porém em níveis de intensidade e ameaça muito diferentes entre si. Isso ocorre não apenas porque regimes democráticos protegem liberdades individuais e, portanto, favorecem o caronismo constitucional de grupos extremistas, mas também por um motivo mais interessante: a própria lógica interna de produção e distribuição de poder social em sociedades democráticas tende a gerar ciclos reacionários de proteção de um status quo permanentemente ameaçado. Quando as democracias funcionam, elas permitem a destruição de hierarquias injustificadas e geram um capital político passível de ser capturado por empreendedores de titularidades contestadas. Se quisermos diminuir a abrangência e a força política de grupos extremistas, então é na luta contra hierarquias sociais injustas e na atuação predatória desses empreendedores que devemos direcionar nossa ação.

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  • Zelizer, Viviana. Economic Lives: How Culture Shapes the Economy. Princeton: Princeton University Press, 2011.
  • 1
    Este artigo foi produzido no contexto do projeto Desradicalização Autoritária no Brasil, desenvolvido pelo Centro de Análise da Liberdade e Autoritarismo (Laut). Agradeço a Conrado Hubner, Marina Slhessarenko Barreto, Fernando Romani e Gabriel Andion pelas discussões. Agradeço também a Maria Hermínia Tavares de Almeida e aos pareceristas anônimo(a)s pelos comentários generosos.
  • 2
    Após os primeiros protestos contra as medidas sanitárias, Trump utilizou o Twitter para expressar seu apoio às milícias do estado: “Libertem Michigan!” (Censky, 2020).
  • 3
    Sobre as origens e usos dessa publicação, ver John Berger (2016). O próprio ataque em Oklahoma emula o ato inaugural de violência do livro: a explosão da sede do FBI em Washington, DC, também com um caminhão cheio de fertilizantes, em represália ao confisco de armamentos pelo governo. Desde o ataque ao capitólio em 2021, a venda de O diário de Turner foi suspensa pela Amazon e outras grandes plataformas de venda de livros.
  • 4
    As traduções foram feitas pelo autor.
  • 5
    Kathleen Belew (2019, pp. 104-9) localiza na década de 1980 dois dos marcos principais dessa virada: (i) a unificação das agendas das extremas direitas no Congresso Mundial das Nações Arianas, realizado em julho de 1983; e (ii) a adoção generalizada da doutrina da “leaderless resistence”, inspirada em O diário de Turner, como único instrumento factível para a derrubada violenta do Estado, após uma série de infiltrações do FBI e processos criminais contra as lideranças do movimento.
  • 6
    Como corretamente apontado por um (a) parecerista, a teoria política contemporânea é feita de muitas matrizes distintas e nem todas estão igualmente vulneráveis a esse problema. Arriscaria dizer, portanto, que essa é uma dificuldade particularmente grave na teoria política democrática.
  • 7
    Conceitos normativamente densos (thick) diferem de conceitos normativamente rarefeitos ou finos (thin), os quais admitem um tratamento teórico neutro em relação ao pano de fundo político e ao contexto histórico nos quais são articulados. A distinção é de Bernard Williams (1986, pp. 128-31).
  • 8
    Como demonstram as cientistas políticas Erica Chenoweth e Maria Stepan (2011), o poder de uma resistência civil radical, porém não violenta, tende a ser a forma de ação política mais efetiva contra regimes autoritários.
  • 9
    Agradeço ao (à) parecerista por insistir nesse ponto.
  • 10
    Essa forma de entender a política democrática nos permite abranger as três formas possíveis de transformação social descritas anteriormente: por meio da articulação discursiva de consensos racionais (fala), por meio da competição pelos recursos de poder (voto) e pela eliminação coercitiva das diferenças sociais ou da própria igualdade política (bala). Agradeço ao (à) parecerista por apontar a relação entre os dois pontos.
  • 11
    O locus classicus dessa visão é Theodor Adorno (2019).
  • 12
    Kathleen Belew (2021) é particularmente enfática ao argumentar que “não existem lobos solitários” no white power dos Estados Unidos. Os que normalmente denominamos ações de lobos solitários devem ser entendidas como parte de uma estratégia de “resistência sem lideranças”, isto é, células mutuamente independentes e horizontalmente organizadas, inseridas em uma rede nacional de política extremista responsável por fornecer informação, recursos estratégicos e emocionais e, sobretudo, coordenação ideológica entre as diversas cédulas paralelas (cf. Belew, 2018, pp. 4-5, 120-1; 2021, pp. 317-9).
  • 13
    Uma pesquisa exaustiva sobre a ineficácia do recurso à violência por grupos extremistas é encontrada em Richard English (2016).
  • 14
    Ver Didier Fassin (2009) e Mark Granovetter (2017, pp. 45-54), para uma genealogia conceitual do termo. A ideia de economia moral tornou-se célebre nos trabalhos de historiadores econômicos, como Edward P. Thompson (1971), e de antropólogos políticos, como James Scott (1977). Mesmo que o termo “economia moral” não tenha sido usado por Karl Polanyi (2020), penso que ele captura o espírito da sua economia política.
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    os dados da pesquisa estão disponíveis em repositórios como indicado nas referências bibliográficas do presente artigo
  • Editora responsável:
    Renata Francisco.

Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2024
  • Aceito
    10 Abr 2025
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