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As duas almas de um homem à altura de seu tempo

HOMENAGEM

As duas almas de um homem à altura de seu tempo* [* ] Tomei a liberdade de usar e abusar da leitura do belíssimo Memorial que Gildo escreveu para sua prova de titularidade na USP e fez a gentileza de enviar-me. Fiei-me também na correspondência torrencial que tive o privilégio de trocar com ele, ao longo dos últimos quinze anos, e nas inúmeras conversas informais. Espero que o Memorial seja publicado o mais breve possível.

Luiz Eduardo Soares

Aos que ficam: Simone, Carol, Lucas, Joana e Marco Antônio Coelho.

Escrever sobre Gildo Marçal Brandão - sua vida, produção intelectual, trajetória profissional, travessia política, militância institucional, inscrição forte na constelação dos afetos e das interlocuções, sua prodigiosa correspondência, a ceia farta de idéias inspiradoras que ofereceu a alunos, orientandos e colegas - é, simultaneamente, impossível e indispensável. Impossível para mim, porque no andamento de cada frase, na modulação da voz narrativa, flagro a dor de uma perda incontornável e a tentação de tomá-la como objeto, traindo o sentido desse testemunho e operando um deslocamento que é o avesso da morte, mas também seu efeito. Ante o vazio provocado pelo desaparecimento do outro, qual a reação discursiva imediata? A exorbitância do autor, os excessos de sua expansão, a sombra de seu lamento derramando-se por toda a cena, o fogo fátuo de sua conspícua mas ilusória presença. Enfim, o dramático - e quase patético - espetáculo de um narcisismo defensivo, ameaçado pela fratura radical apontada no horizonte pela experiência da finitude.

Ao fim e ao cabo, a linguagem fixada em letra escrita é devolvida a seu deserto de ecos, vestígios, rastros e presságios, alheia a toda presença - mesmo e sobretudo da consciência e do sujeito, personagens da hybris com que o pronome "eu" tenta e assombra o autor.

Contudo - ou, como diria Gildo, "feitas as contas" - vale a pena correr os riscos,e impõe-se vencê-los, porque é necessário refazer seu itinerário singular para que, unindo-nos a tantos outros depoimentos e leituras, no coro polifônico de seus pares, comecemos a desenhar, coletivamente, o mapa de um tesouro que nos cumpre conhecer melhor, e preservar, com respeito e gratidão, o que não elimina o espírito crítico, como ele mesmo acrescentaria com ênfase, avesso como era a cultos de personalidade. Está em jogo a vida e a obra de um homem justo, sábio e generoso. Mas, como todos, ator de seu tempo, limitado pelo horizonte histórico em que pensou e agiu. Devemos esse empenho à sua memória.

Portanto, reina, aqui, a vitalidade de Gildo; o brilho de sua passagem. Deixemos fora a dor que é nossa herança.

O arco de um destino não explica o personagem, sua obra ou suas ações, mas o descreve. A origem não detém a senha de sua inteligibilidade, mas é um tropo que infunde verossimilhança ao relato. Pois Gildo nasceu em Mata Grande, Alto Sertão das Alagoas, em 17 de fevereiro de 1949, numa família católica e progressista, que valorizava a educação e a participação política. Veio ao mundo ungido por esse privilégio. A contrapartida era seu handicap:uma cardiopatia, a tetralogia de Fallot. Seus pais se insurgiram contra a sentença de morte cifrada no diagnóstico médico e abriram caminho para a sobrevivência do primogênito, sacrificando projetos pessoais. Aportaram em Maceió e depois Recife. A fortuna estava na confluência de duas metas: as cidades mais equipadas para o atendimento médico eram também as que proviam melhor educação. E estava também na convergência entre a fragilidade física que mantinha a criança afastada dos jogos infantis e patrimônio bibliográfico de que a família dispunha (a mãe, professora;o pai, advogado e político; o tio, monsenhor), e que terminou por se converter em alternativa aos brinquedos na formação do menino e do adolescente. Assim que aprendeu a ler tornou-se, como ele mesmo dizia, uma "máquina trituradora de livros". Na transição para a adolescência, leu Euclides da Cunha, Rousseau, Ingenieros, T. H. Lawrence, Alexandre Dumas, entre outros.

Aos 12 anos, ensaiando os primeiros passos na militância política, foi recrutado, em Maceió, pela juventude Estudantil Católica, a JEC, e se beneficiou do acesso à biblioteca do padre Clóvis Pradines, onde se fartou com Maritain, Jolivet, Gusdorf, Vancourt, Kierkegaard, Santo Agostinho, Tomás de Aquino, Paul Ricoeur, Jean Lacroix; existencialistas franceses como Camus, Gabriel Marcel e Jaspers; filósofos da história como Karl Löwith e Christopher Dawson; o personalismo de Emmanuel Mounier; teólogos protestantes como Karl Barth, Paul Tillich e Richard Shaull; e os católicos ligados ao movimento de renovação desencadeado pelo Concílio Vaticano II, como Theilhard de Chardin, Henri de Lubac, L. J. Lebret e Jean-Ives Calvez; além de romancistas como George Bernanos, que o jovem "triturador" gostava de aproximar e contrastar com Graciliano Ramos.

Mas a influência decisiva, matriz das opções futuras, foi a leitura do padre Henrique de Lima Vaz, que abriu para Gildo as primeiras frestas do universo hegeliano, do qual ele jamais se afastaria e no interior do qual reconheceu, acolheu e depois afastou-se do marxismo (sem perdê-lo de vista ou deixar de valorizar seu poder heurístico, sua visada crítica e seus desdobramentos ético-políticos). No centro das atenções a visão global do processo histórico e o conceito de "consciência histórica", os quais - a seu juízo, então - permitiriam o casamento entre o interesse pela filosofia, a adoção de uma visão unitária do mundo e a luta pelo socialismo.

No fim da adolescência, Gildo - quando já participava da vida cultural, escrevendo artigos como crítico de cinema, tarefa que precocemente cumpria desde os 16 anos - rompeu com o catolicismo e descobriu o marxismo, divisor de águas intelectual, político e existencial. Por isso, em vez de ingressar na Ação Popular (AP), cumprindo o caminho natural para quem era membro da JEC, optou, em 1969-1970, pela Política Operária (Polop, organização revolucionária marxista-leninista). Para a ruptura foram importantes algumas leituras e uma decepção. As leituras de L. Goldmann, Giannotti, Sartre, Lukács, K. Korsh, E. Bloch, Adorno, Gramsci, Habermas, Lefebvre, Croce, Collingwood e os isebianos, e de Lebrun, Mannheim, Florestan, J. Chasin, M. Debrun, além de - e sobretudo - Maquiavel, Weber, Hegel e Marx. Era já o capítulo universitário de sua biografia.

A decepção foi ver o misticismo católico desfigurado em um "messianismo supostamente materialista", como ele dizia, em um milenarismo das "massas" ou do "povo de Deus". Ele já era intelectualmente maduro o suficiente para distinguir utopias políticas socialistas da escatologia cristã e, mais do que isso, para entender as diferenças entre o complexo debate sociológico sobre processos históricos de construção de vias políticas para mudanças sociais e a exaltação moral, o culto unilateral à axiologia. A focalização abstrata do valor constitui o pilar do doutrinarismo, por definição refratário ao realismo que Gildo cedo aprendeu a prezar.

Entre 1968 e 1971, estudou filosofia na Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, onde encontrou três figuras marcantes: a historiadora Vera Calheiros, mestra do rigor e da disciplina técnica, alheia a uma ambiência provinciana e medíocre, que gravitava em torno de Gilberto Freyre (aliado da ditadura) e do instituto que criara. Gildo vislumbrava esse quadro com lucidez e o considerava resultante da devastadora repressão ditatorial, que atingira Recife com uma brutalidade talvez só comparável à que afetara a Guanabara. O segundo foi o romancista e teatrólogo Ariano Suassuna, brilhante e inclassificável, nacionalista e antivanguardista, tradicionalista e rebelde, por quem Gildo sentia um misto de admiração, carinho e irresgatável dívida de gratidão (ele costumava dizer), mesmo que não se identificasse com seu modo de pensar. A terceira foi a filósofa Maria do Carmo Tavares de Miranda, ex-aluna de Heidegger, conservadora, aliada de primeira hora do golpe militar, respeitável por sua competência mas representante do avesso daquilo que Gildo buscava, na filosofia e na política. Foi a referência contra a qual Gildo cresceu, devendo a ela, entretanto, a aplicação na leitura do texto filosófico, rigor que ele reencontraria na filosofia da USP, em sua pós-graduação.

Além dos professores, dois companheiros de vida inteira desempenharam papel chave nesse romance de formação: o historiador Denis A. de Mendonça Bernardes e Luiz Sávio de Almeida, sociólogo e criador do MEB (Movimento de Educação de Base). Gildo atuou no movimento estudantil, mas só ingressaria no Partido Comunista Brasileiro (PCB), partido ao qual dedicaria o melhor de sua militância, em São Paulo, para onde migrou em busca de trabalho, um curso de pós-graduação e abrigo contra a perseguição da ditadura.

Chegar a São Paulo coincidia com a necessidade imperiosa de pôr a cabeça em ordem (em Recife, ela estava a prêmio) e rever, com menos diletantismo e mais rigor, o conhecimento acumulado. Somente assim seria possível torná-lo útil, seja na militância política, seja na prática acadêmica, à qual passaria a dedicar-se, profissionalmente e com exclusividade, nas últimas duas décadas de sua vida. Registre-se que Gildo jamais despolitizou a atividade acadêmica, o ensino e a pesquisa, a despeito de respeitar sua autonomia e sua especificidade. Assim como nunca deixou de atuar como intelectual público na arena dos embates políticos.

Gildo falava com entusiasmo sobre a atmosfera pesada mas febril, criativa e estimulante da São Paulo em que desembarcou. Sua fome de conhecimento, participação e cosmopolitismo começava a ser saciada. Ele descrevia assim o ambiente: "Naqueles anos em que um jovem politicamente orientado tinha que se decidir entre a 'porralouquice' e o 'desbunde', o interesse pelo estudo acabava sendo um forte estímulo político para recusar uma e outro"1 [1 ] Brandão, G. M. "Memorial" (inédito). .

Em 1973, ingressa no mestrado em filosofia na USP: excelentes professores o marcaram, assim como vários colegas2 [2 ] A turma que estudou com Gildo era extraordinária e incluía José Américo Pessanha, Ricardo Lafetá, Renato Mezan, Benjamin Costa Neto, entre outros. e a vitalidade dialógica dos seminários, aberta às contradições filosóficas e políticas. Gildo gostava de falar sobre cursos memoráveis de Rubens Rodrigues Torres, a quem era especialmente grato, e Paulo Arantes, recém-chegado da França, onde defendera sua tese, Hegel:a ordem do tempo3 [3 ] Não por acaso Pe. Vaz a considerava o principal trabalho sobre Hegel escrito por brasileiro (neste caso, trata-se de testemunho meu, pessoal, tendo-o ouvido do próprio Vaz, em conversa informal, creio que em 1975). . Em 1974 e 1975, Gildo sofreu cirurgias cardíacas difíceis. Venceu a batalha e voltou para uma experiência intelectual única: o curso de Francisco Weffort, no segundo semestre de 1976: "um grande professor", ele escreveu, "que exercia uma liderança intelectual (e logo política) indiscutível"4 [4 ] "Memorial", op. cit. . As leituras, então, eram as que marcaram época na área dos estudos sobre o Brasil. Não é preciso citá-las.Basta evocar sua importância.

Municiado do rigor no tratamento do texto e na execução da pesquisa, que a passagem pelo Departamento de Filosofia lhe ensinou, mas sintonizado com a problemática das ciências sociais e da política, tanto por vocação e vivência, como pelo contato com Weffort e a bibliografia recém-descoberta, Gildo preferiu deixar a filosofia e doutorar-se em ciência política, disciplina que, a despeito de suas especificidades, sempre concebeu como campo inscrito no continente da história e da sociologia, mas também imerso no território filosófico. Nunca lhe agradaram perspectivas positivistas e utilitárias que fazem tabula rasa da história, da filosofia e da sociologia. Por isso, inclusive, aceitou e passou a empregar uma expressão que cunhei e lhe sugeri, em 1995, para referir-se ao sarampão cientificista na ciência política à americana: a "metodolatria".

Como era quase impossível dissociar os debates filosófico, sociológico e político sobre o país nos anos de 1970, foi significativa a criação da revista Temas em Ciências Humanas, que Gildo editou com Marco Aurélio Nogueira, José Chasin, Nelson Werneck Sodré e Raul Mateos Castells, entre 1977 e 1980. Ele se orgulhava, com razão, desse empreendimento que deixou marcas.

Além de professor, Gildo teve atuação importante na imprensa. Na Folha de S. Paulo, trabalhou, graças a Cláudio Abramo, entre 1977 e 1980, tendo sido o primeiro civil (não-membro do comitê central do PCB) a assumir publicamente a condição de comunista, o que, à época, implicava demissão. Assumiu, em seguida, a chefia editorial do jornal não-clandestino do PCB, Voz da Unidade, testando limites com riscos pessoais e forçando a ampliação das liberdades democráticas, em período ainda francamente autoritário. Aquela foi uma experiência rica na qual se combinaram a reinvenção da linguagem comunista, do pensamento político do partido, e de sua prática. Esse ponto é mais importante do que parece, porque implodir bordões retóricos subverte as certezas que o bronze do clichê (essa letargia da palavra) encerra. Era, portanto, uma aventura também intelectual de grande porte. Gildo viajava pelo país ajudando a reorganizar o PCB, sob uma ótica renovada, arejada, laicizada e pluralista, que assumia a democracia não como etapa ou recurso tático, mas como compromisso permanente e objetivo estratégico - ainda que ela fosse vista como suscetível a aprofundamentos e metamorfoses, evitando-se a reificação de uma certa moldura institucional historicamente determinada.

Claro que Gildo não era o único responsável pelo movimento de refundação do PCB e de renovação da política comunista no Brasil. Muitos pensadores e militantes haviam sido fundamentais, como Luiz Jorge Werneck Viana, Carlos Nelson Coutinho, Armênio Guedes, Ivan Ribeiro, Aloysio Nunes Ferreira, entre vários outros.

Mas a Voz da Unidade, como expressão de mudanças na esquerda, não durou mais do que um ano e meio, bombardeada - assim como a própria reforma do partido - por lideranças tradicionalistas e conservadoras, algumas delas irremediavelmente sovietófilas.

Antes de decidir pela imersão total e irreversível na vida acadêmica, em meados dos anos de 1980, Gildo ainda atuou no Diário do Grande ABC, com Alexandre Polesi, Marco Antônio Tavares Coelho, Aloysio Biondi e Washington Novaes. Foi custoso abdicar da militância política, seja na imprensa, seja na reorganização do PCB. Em 1992, já professor do Departamento de Ciência Política da USP (no qual ingressara por concurso em 1989), Gildo defendeu sua tese de doutorado, publicada pela Hucitec, em 1997, sob o título A esquerda positiva:as duas almas do partido comunista, 1920-1964.

Gildo tinha plena consciência da importância desse livro e lamentava a relativa indiferença com que fora recebido. Quem o ler a sério não verá mais a história política brasileira com os mesmos olhos. Sobretudo, reverá os conceitos usuais com os quais se pensa a democracia de 1945 a 1964. A problemática da clandestinidade parece capturar as propriedades do fenômeno que designa: é visível em sua invisibilidade, ou invisível, quando visível. Ou escapa inteiramente à percepção dos pesquisadores, pelo menos como elemento decisivo e estruturante de relações, práticas, identidades, valores, símbolos, personalidades, afetos, linguagens, projetos, jogos de poder e visões de mundo; ou é observada apenas para ser desqualificada como objeto de interrogação. O livro acabou coberto pelo mesmo feitiço que exibe e desconstitui seu objeto.

Paralelamente à fascinante - e negligenciada - problemática da clandestinidade do PCB, que moldou a democracia de 1945 e o destino da política popular e socialista no Brasil, Gildo elabora a questão da ambigüidade político-ideológica do partido - questão indissociável da anterior: ora esquerda positiva, que se envolve com o processo eleitoral, com as instituições e com a construção de alternativas realistas e viáveis para o país, assumindo a responsabilidade, inclusive, de gestar políticas públicas (como ocorreu na área da saúde, tendo sido crucial para a concepção e implantação do SUS a contribuição de sanitaristas comunistas, como David Capistrano e Sérgio Arouca); ora seita enfurnada em seu gueto, cercada pelos espinhos de dogmas, doutrinas, autoritarismos (internos e externos), e pela impermeabilidade ao diálogo, à crítica, ao convívio com a diferença, à mudança.

O caminho que Gildo e seus companheiros de geração e de reflexão fizeram no interior do PCB acabou prenunciando o trajeto do partido no campo mais amplo da sociedade e do sistema institucional. Fechando-se às mudanças históricas, que requeriam modos de pensar distintos daqueles formulados no século XIX, o partido comunista no Brasil e no mundo eclipsou-se como formato agregador e inspirador, indutor de transformações. No Brasil, converteu-se em pálido retrato de um passado arcaico; no mundo, em instrumento de dominação despótica.

Em 1995-1997, Gildo cumpriu pós-doutorado na Universidade de Pittsburgh (Estados Unidos). Em 2004, tornou-se livre-docente, defendendo a tese que se transformaria em seu segundo livro autoral, Linhagens do pensamento político brasileiro, publicado pela mesma editora, em 2007. Além de exaustiva análise histórica e teórica, o livro era também um programa de trabalho e, por isso mesmo, orientara a criação de um núcleo de pesquisa no qual Gildo congregara colegas e estudantes para estudos múltiplos, interconectados, visando cobrir e apanhar, em ato, as configurações do pensar e do fazer política no Brasil.

Sobre Linhagens, escrevi: "Gildo Marçal Brandão põe-se de tal modo frente ao objeto, define-o de tal forma que as idéias a serem redescritas e combinadas em modelos, conjuntos conceituais ou paradigmas, aparecem - graças ao condão de seu enfoque -, encarnadas em processos históricos, materializando os programas que elas concebem e cultivam para cativar e dirigir, ou os programas cuja direção elas postulam e disputam".

O enfarto fulminante tantas vezes pressentido e ensaiado não permitiu que, dois dias depois, Gildo comemorasse o sexagésimo primeiro aniversário e,um mês depois,alcançasse a titularidade universitária que consagraria sua trajetória. Titularidade que ele merecia e para a qual tão paciente e laboriosamente se preparou, ao longo de tantos anos. Mas a obra está aí,a trajetória aí está, os documentos necessários estão prontos. Espero que a USP lhe conceda o título póstumo. De resto, nós, seus amigos, colegas, alunos, orientandos, leitores, companheiros e interlocutores, os brasileiros seus contemporâneos, lhe devemos muito mais, a começar por uma releitura verdadeiramente cuidadosa de sua obra e de sua intervenção pública, na dupla esfera a que emprestou a força de seu brilho e a densidade de seu engajamento ético: a política e a universidade.

Eis, então, por que duas almas: Gildo Marçal Brandão distanciava-se da conjuntura para contemplá-la com a paciência do conceito, olhos postos no largo horizonte da história (eis aí o professor, pesquisador, acadêmico); mas vivia a pulsação de seu tempo com a paixão inerente à política (aí está o militante, abraçado a suas bandeiras, mãos dadas aos deserdados da terra, desfiando a desordem de seus cantos e dias, envergado ao sol metálico do trópico, cambaleante abrindo passagem, adiante, adiante).

  • [*
    ] Tomei a liberdade de usar e abusar da leitura do belíssimo Memorial que Gildo escreveu para sua prova de titularidade na USP e fez a gentileza de enviar-me. Fiei-me também na correspondência torrencial que tive o privilégio de trocar com ele, ao longo dos últimos quinze anos, e nas inúmeras conversas informais. Espero que o Memorial seja publicado o mais breve possível.
  • [1
    ] Brandão, G. M. "Memorial" (inédito).
  • [2
    ] A turma que estudou com Gildo era extraordinária e incluía José Américo Pessanha, Ricardo Lafetá, Renato Mezan, Benjamin Costa Neto, entre outros.
  • [3
    ] Não por acaso Pe. Vaz a considerava o principal trabalho sobre Hegel escrito por brasileiro (neste caso, trata-se de testemunho meu, pessoal, tendo-o ouvido do próprio Vaz, em conversa informal, creio que em 1975).
  • [4
    ] "Memorial", op. cit.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010
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