RESUMO
Este artigo explora o caráter contestado da presença pública das religiões, questionando a autoevidência do fenômeno e perguntando-se sobre a cena que ele instaura. Essa cena perturba um imaginário político solidamente constituído, revelando não somente suas fraturas, mas também a multiplicidade (e portanto, a contingência) de caminhos por meio dos quais tal imaginário (o moderno ocidental) se constituiu. Oferece-se um conjunto limitado, mas, espera-se, suficientemente convincente, de elementos analíticos que permitam passar da descrição da cena à sua explicação e apreciação crítica.
PALAVRAS-CHAVE: religião pública; contingência e pluralidade; dispersão do religioso
ABSTRACT
This article explores the contested character of the public presence of religions, questioning the self-evidence of the phenomenon and wondering about the scene it establishes. This scene disturbs a solidly constituted political imaginary, revealing not only the latter’s fractures, but also the multiplicity (and therefore the contingency) of paths through which such an imaginary (the modern Western one) was constituted. A limited, but hopefully convincing set of analytical elements is offered, which can move from scene description to its explanation and critical appraisal.
KEYWORDS: public religion; contingency and plurality; dispersal of religion
Embora seja patente o fenômeno da emergência pública das religiões em escala global (do islã, dos evangélicos/pentecostais, das religiões minoritárias, especialmente de matriz étnica e cultural, e mesmo dos secularismos),não está simplesmente dado o que os vários casos dessa publicização significam.Há múltiplas percepções,tanto sobre o que “de fato” ocorre quanto sobre os efeitos a médio e longo prazo desses acontecimentos. Embora se possa dizer que algo vem mudando na relação entre Estado e sociedade que enseja - para bem e para mal - essa emergência pública das religiões, estamos longe de qualquer acordo em relação ao que está mudando e a como avaliar o perfil e a performance de atores religiosos nos espaços públicos da política, da mídia, dos movimentos sociais e da vida cotidiana. Se é certo que essa nova aproximação da religião dos espaços onde a ação de pessoas e organizações se reveste de uma dimensão pública produz tensões e expressa demandas concretas, há questionamentos sobre a própria legalidade, sobre os arranjos político-institucionais e jurídicos que abrigam essa presença religiosa.Há recorrentes dúvidas sobre o quanto é apropriada, e não apenas legalmente possível, essa desprivatização da religião, esse rebaixamento do “muro da separação” que tanto tem inspirado simbolicamente a imaginação laica, secular, nos últimos três séculos.
Assim, não é possível ignorar que a constatação da presença pública das religiões se revista de tantas possibilidades de contestação. Porque ela não simplesmente se dá, para qualquer um ver. Ela instaura uma nova cena, que perturba um imaginário político solidamente constituído, revelando não somente suas fraturas, mas também a multiplicidade (e portanto, a contingência) de caminhos por meio dos quais tal imaginário (o moderno ocidental) se constituiu. Essa cena pede lugar, toma lugar, desaloja outras cenas ou as torna mais complexas. A cena da religião pública é, certamente, contestável, mas ainda precisamos discutir em que sentidos e o quanto podemos referendá-los.Interrogarmo-nos sobre a emergência pública das religiões demanda percebermos a composição dessa cena, seus atores, scripts e cenários, tanto quanto as tecnologias que a capturam e difundem (por exemplo, as velhas e novas mídias).
Sendo uma cena, estamos às voltas com performances e retórica, mas também com uma demanda por reconhecer a objetividade do que se passa nela ou nela se expressa, sua “visibilidade”, seu “desenrolar no tempo”, sua vinculação com outros processos. A cena da religião pública, na medida em que é vista e avaliada por quem está “fora” dela (como críticos, como simpatizantes, como guardiães da legalidade ou do saber etc.), instaura um problema de hospitalidade,como diria Derrida2: como deixar “entrar” esses atores religiosos no perímetro da vida pública (especialmente quando saem da vida pública da cultura e do cotidiano e acedem à vida pública da política)? Como reconhecer a legitimidade de suas “credenciais”? Que espaço oferecer e como tratá-los, posto que já se trataria de um “fato consumado”? E quem controla o script, a entrada e a saída de cena ou desse “lar” nacional ou comunitário? A cena é,assim,um lugar de ansiedade, contestação e tentativas de controle, de imunização. Nesse sentido, políticas multiculturais, recusas xenófobas, reafirmações intelectuais e políticas de valores abstratos de soberania e universalismo, uso da lei para delimitar as fronteiras são algumas das formas de imunização que são postas em cena.
Neste trabalho, portanto, procuro oferecer um conjunto limitado, mas, espero, suficientemente convincente, de elementos analíticos que permitam passar da descrição da cena à sua explicação e apreciação crítica. Dois elementos fornecerão o fio condutor da análise a ser apresentada: o reconhecimento da contingência radical das relações sociais e da pluralidade irredutível de formas, identidades e práticas que demarcam a compreensão do mundo que muitos contemporâneos assumem ou contra a qual se batem outros tantos. Concluirei com algumas explorações ilustrativas sobre a cena brasileira.
PRIMEIRA APROXIMAÇÃO: IDENTIFICANDO A CONTINGÊNCIA E O CARÁTER CONTROVERSO DAS EVIDÊNCIAS
O ponto de partida acima indicado, que é relativamente indisputável à observação,mas leva a toda sorte de controvérsias quanto a sua interpretação e mesmo caracterização mais detalhada, é que há uma crescente relevância e envolvimento de grupos e organizações religiosos nos assuntos públicos em muitas partes do mundo. Isso se dá seja nas políticas estatais, processos e debates legislativos e disputas/ consultas judiciais, seja nas várias formas de mobilização e intervenção coletivas em debates públicos, doméstica e globalmente, com o fim de guiar ou impelir a opinião e a tomada de decisões em certas direções.Isso pode parecer surpreendente,perturbador ou inaceitável a muitos, particularmente àqueles cujos compromissos intelectuais ou políticos os dispuseram a praticar e defender uma clara delimitação de fronteiras, papéis e impacto social para a religião na esfera pública, mas o fato parece ser hoje amplamente admitido3.
Em que medida esse desenvolvimento era previsível, segundo quais parâmetros ou princípios o regime de demarcação historicamente predominante no Ocidente (“separação entre Igreja e Estado”) continua a justificar-se, por quais critérios a admissibilidade do fato pode traduzir-se em formas de reconhecimento são questões empíricas e normativas.Mas também consideramos que se trata de questões ontológicas, em torno das quais se definem certos discursos sobre o mundo e a realidade. E a forma grave e calculada ou impetuosa e apaixonada com que as respostas a tal fenômeno se apresentam dá a dimensão disso: não é indiferente se tal processo existe e se expande ou não, não basta identificar quais são os elementos que compõem essa cena.Tal reconhecimento,via de regra,leva a formas de reconfiguração de práticas discursivas4 de modo a estimular, reverter ou manter sob distância segura as repercussões públicas do envolvimento religioso nos debates e lutas de nosso tempo. Governantes, legisladores, magistrados, líderes sociais e políticos, profissionais de mídia, intelectuais, cidadãos comuns, religiosos e sem religião, de forma alguma têm se mantido neutros diante desses acontecimentos. Claramente, estes últimos demandam uma articulação discursiva frente às vozes procedentes dos novos atores religiosos. A recusa de tais atores em manterem-se nos limites do domínio privado incita ao discurso (como diria Foucault) sobre um conjunto de passos estratégicos de cunho classificatório, narrativo e de posicionamento dos sujeitos em questão, passos esses frequentemente apresentados como declarações de fato.
Classificações, narrativas e atribuição de lugares na vida social nunca se fazem sem pressupostos,intencionalidade e atos de instituição ou de contestação. E isso é feito por todas as partes envolvidas, o que salienta a dimensão política desses processos5. Assim, a construção da evidência é sempre uma questão a enfrentar,tanto para os agentes como para os analistas sociais. Dizer e fazer (ou fazer acontecer ou impedir que aconteça) são inseparáveis aqui.Há que se dar conta da evidência, há que se construí-la frente a outros. Ontologia e política, contingência e contestabilidade se articulam, assim6.
Seja em relação aos protocolos historicamente consolidados de relações entre religião e sociedade, ou religião e política, seja em relação às identidades dos atores envolvidos,a admissibilidade do caráter construído da realidade se traduz para nós na afirmação de uma “instabilidade essencial” no real que demanda perguntarmo-nos sobre as condições nas quais certas mudanças se dão, certas identidades emergem, certas evidências se constituem ao olhar “nu” do observador comum (qualquer pessoa, independentemente de sua formação intelectual). Em outras palavras, admitir o “caráter construído e político da objetividade social”, como dizem Glynos e Howarth, é enfatizar “a contingência radical e a incompletude estrutural de todos os sistemas de relações sociais”7.
Em primeiro lugar, no caso específico da religião, tanto os tipos de identidade religiosa desprivatizada8 quanto o fato de que eles tenham rompido os umbrais da esfera privada e “adentrado” à esfera pública mobilizaram várias formas de contestação. Para citar algumas em torno das quais disputas têm se dado:
-
a) Presença/ausência - A situação corrente coloca a questão da presença ou ausência da religião na esfera pública, tanto em termos descritivos como normativos.Está lá ou não? Deveria estar lá ou não? Retorna ou sempre esteve? Descritivamente, uma leitura apresenta a objetividade de nosso ponto de partida tomando a Europa ocidental como um caso excepcional,contrastivo:a religião (organizada) estaria ali em processo sistemático de esvanecimento no que diz respeito a suas forças endógenas9.
Outra leitura destaca o ritmo inexorável da desprivatização da religião em escala mundial e ao menos o impacto que isso traz aos contextos norte-atlântico ocidentais,crescentemente conferindo atenção aos sinais domésticos de mobilização pública das religiões que estaria redesenhando as fronteiras da clássica distinção entre Igreja e Estado, que sabemos possuir várias modalidades10.
-
b) Legitimidade/ilegitimidade - Talvez o traço mais saliente da situação seja o debate que ela tem provocado sobre quão aceitável e virtuoso é esse processo. Aqui entramos na dimensão normativa da dinâmica presença/ausência mencionada no parágrafo anterior, sob o signo de sua legitimidade.Pois muito poucos observadores e nenhum dos atores envolvidos se posicionam de modo neutro diante daquela dinâmica. Há juízos normativos sobre quanto de presença religiosa uma ordem social e política moderna saudável pode suportar; até que ponto os fundamentos legais das democracias liberais contemporâneas podem admitir ou acomodar a publicização da religião; o grau de espírito público e compromissos democráticos dos recentemente politizados atores religiosos; o quanto esse processo se reflete como parte de mudanças societais mais amplas que têm ampliado os contornos da esfera pública em termos de participantes, agenda, linguagens e repertórios de ação,bem como redefinido a natureza da representação política democrática11. Em outras palavras, em que grau a religião pública é parte da tendência à aceitação da diferença no espaço público, enquanto posição normativa?
-
c) Agência e antagonismo - Porque a presença e a ausência estão sempre inseridas em considerações de legitimidade,propriedade e desejabilidade,a questão da agência não pode ser evitada:por que vemos uma irrupção de mobilização política de grupos religiosos? O que estaria falhando no funcionamento das instituições sociais e políticas para provocar, mas também dar lugar à referida desprivatização religiosa? Ou,alternativamente,por que isso seria indicativo de uma falha? Para quem? Quem são esses grupos e o que querem, afinal?
Há aqui duas explicações principais, que não necessariamente se excluem uma à outra: a primeira, de que se trata de uma agência reativa: mudanças rápidas, incertezas e crises em escala mundial estariam ameaçando profundamente valores e práticas “tradicionais”, provocando assim uma tentativa de reasserção de vozes religiosas num mundo que,por quaisquer outros parâmetros,caminharia para a secularização12. Nessa ótica, qualquer engajamento público religioso tem conotação conservadora,pretende interromper ou reverter mudanças historicamente consolidadas e deveria provavelmente ser controlado.
A segunda explicação percebe uma agência construtiva: atores religiosos estariam respondendo a desafios claramente contemporâneos e refazendo suas posições mesmo quando aparentemente reafirmam tradições antigas. Assim, aqueles podem ser atraídos para alianças com forças não religiosas em busca de alternativas para um conjunto de problemas, desafios e dilemas de nosso tempo (instabilidade econômica, violência, perda de confiança popular nas instituições políticas e práticas organizacionais, consumismo agressivo e individualismo como formas culturais de vida coletiva, impactos locais de processos globais etc.).Isso poderia romper o ciclo reacionário e levar a formas positivas de engajamento religioso13.
Naturalmente, a agência construtiva também pode se expressar como contestação de tendências atuais na política,na cultura e na economia. Nesse caso, alguns daqueles grupos estariam buscando fornecer uma alternativa a formas sociais contemporâneas (ou à modernidade) em nome de uma comunidade perdida a ser reconstruída.Este é precisamente um dos enigmas da situação corrente:as sobreposições entre as duas orientações,produzindo efeitos sociais desorientadores ou paradoxais e transformando o juízo sobre o sentido de tal agência num jogo muito complexo, na medida em que agência construtiva, conservadorismo, progressismo e antagonismo podem ser combinados de muitas e seletivas maneiras ou produzir efeitos múltiplos.
Em ambos os casos, outro elemento de observação recomendaria deixar espaço para o potencial antagonístico que a competição intrarreligiosa e as disputas entre o secular e o religioso são pródigas em atualizar. Isso porque a agência tem lugar em cenários nos quais outros discursos já ocupam certas posições e disputam hegemonia; são cenários de contestação e antagonismo. A agência nem se constitui por si só, unilateralmente, nem opera num terreno em que sozinha dá as cartas. Em muitos casos a agência religiosa responde a algo, reage a algo, sujeita-se a uma força maior ou propõe um reordenamento do estado de coisas vigente. E o faz em terrenos ocupados por outros atores religiosos e por atores não definidos em função de um pertencimento ou lógica religiosos.Portanto,impõe-se,mas também negocia,afirma-se, mas também revê, conquista espaços, mas também é reposicionada ou contida. Nesse sentido, o transbordamento da competição religiosa pode refazer a fronteira entre o político e o religioso, o sagrado e o profano, e as disputas entre secular e religioso recompõem toda uma cartografia do conflito social, sob circunstâncias determinadas. Não se trata apenas de ser a agência religiosa reativa ou proativa, mas de como ela é articulada em contexto, isto é, relacionalmente.
-
d) Liberalismo/republicanismo - Nesta lista limitada de lances estratégicos sobre a objetividade de um processo de publicização da religião, faz-se necessária uma referência histórica. Há duas metanarrativas modernas que moldam as visões e argumentos prevalecentes sobre o papel público da religião. Elas são particularmente relevantes porque não só têm frequentemente condicionado a observação da realidade como também produzido sólidas instituições (por exemplo, liberdade religiosa, tolerância, separação entre Igreja e Estado) e fornecido uma linguagem por meio da qual são feitos juízos sobre casos concretos (o lado normativo do argumento secularista). O regime moderno de relação entre a religião e a esfera pública é marcado pela história das várias formas de articulação e oposição entre as metanarrativas liberal e republicana. O ponto de encontro entre elas é frequentemente expresso em termos jurídico-políticos por meio da defesa da separação entre Igreja e Estado, ou, mais abstratamente, da circunscrição da religião à esfera privada da crença, formação moral da personalidade, vida comunitária e associativa, enquanto o Estado se torna o centro de gravidade dos distintos domínios da vida social e coextensivo com a esfera pública. Por razões básicas distintas - afirmação da liberdade individual, no liberalismo, ou proteção das instituições políticas de interferência (arbitrária) da autoridade religiosa, no republicanismo -, ambos enfatizam a necessidade de manter os hábitos religiosos e as instituições religiosas a distância, fora da linguagem e das práticas da vida pública. A autonomia individual ou as virtudes do cidadão ativo são postas em tensão ou mesmo em contradição com o tipo de formação da identidade favorecido pela vinculação religiosa. Mesmo onde liberalismo e republicanismo se separam, na ênfase individualista do primeiro e nas exigências republicanas de compromisso com a comunidade política, que só reconhecem o cidadão como sujeito político legítimo, a habilitação da identidade religiosa tem sido historicamente problemática.
Contudo, protestos e perplexidades à parte, sem falar numa história moderna em que a religião é uma fonte inelidível de ambas as tradições, liberais e republicanos de hoje têm tido que enfrentar um crescente engajamento de grupos religiosos na vida pública, no contexto de incertezas, riscos e relativa impotência que acompanham um incômodo mal-estar na vida democrática dos países ocidentais (ricos, pobres e emergentes): desconfiança ou cinismo em relação aos políticos e instituições políticas; níveis decrescentes de participação eleitoral; corrupção em governos e parlamentos; enfrentamento das crises econômicas e das assimetrias da globalização econômica; banalização da injustiça que cega a democracia para o aprofundamento das disparidades de riqueza e favorece a deslegitimação e desmontagem das políticas de bem-estar social. Se esse contexto tem gerado um renovado interesse do Estado em requisitar os serviços da sociedade civil (em nome de um ambíguo argumento “antiburocrático” sobre a não dependência desta em relação àquele), por outro lado a idealização do não estatal e do privado como domínios da eficiência, da confiança, da benevolência e da virtude cívica desarma a potência crítica da sociedade civil, tornando-a fragmentária e espasmódica. Nos dois contextos, a religião se (re)apresenta como possuidora de recursos organizacionais, materiais e simbólicos para cumprir um papel de fiadora da sociabilidade, dos valores e da comunidade, geradora de “capital social”, quando (se) percebe que o Estado e outros concorrentes no campo geral da cultura (inclusive a ciência e a técnica) falham em prover tais referências14.
É nesse contexto que, seja na forma fraca (liberal) da “geração de capital social”, seja na forte (republicana) de “reativação da cidadania democrática”,uma variedade de formatos participativos abriu espaço ao (re)engajamento religioso na vida pública, com diferentes vinculações ideológicas15. Já no campo da esquerda religiosa, a articulação entre republicanismo e antiglobalismo redefinirá o sentido da contestação sociopolítica de base religiosa16.
DISPERSANDO “A RELIGIÃO”
Até aqui utilizei sem qualificações e sem questionamento o termo “religião”. Mantive certa cumplicidade com o recorrente uso que dele fazem tanto ativistas quanto acadêmicos, para não sobrecarregar a caracterização da cena que propus para a emergência pública da religião. Naturalmente,de vez em quando,em função da emergência de fronteiras antagonísticas onde atores religiosos estão posicionados em um ou ambos os lados, são feitos questionamentos sobre de qual religião se trata, se certas manifestações feitas em nome desta são “de fato” religiosas,que legitimidade atribuir a tal ou qual demanda religiosa no contexto de um Estado laico ou pluralista, que contribuição social se espera de ou se encontra nesta ou naquela religião,se há religiões nãoaceitáveis nos limites públicos de uma dada cultura nacional e assim por diante. São interrogações oriundas dos próprios atores envolvidos ou seus observadores,acadêmicos ou não.No entanto,é preciso oferecer mais do que uma corroboração dos usos genéricos do termo. É requerida uma reflexão sobre o conceito de religião que reflita igualmente os compromissos ontológicos que assumimos com a contingência e a pluralidade da realidade social e dê conta do laço com as questões do público e do político que perseguimos.
Religião é um termo equívoco. Para não entrar numa discussão etimológica, há pelo menos duas dimensões de que não podemos escapar, mas que demonstram a oscilação e as torções de sentido que comumente têm lugar em seu uso,quando a questão diante de nós é o caráterpúblicodareligião.Primeiro,é preciso reconhecer em que medida o cristianismo e suas formas históricas e institucionais fornecem um modelo para o entendimento do termo e sua extensão a outros casos17. Segundo, é preciso enfrentar a questão da generalidade possível dos atributos associáveis ao fenômeno, que permitiriam seu reconhecimento em meio a uma multiplicidade de casos,inclusive onde não é óbvio que se trata de “religião”. Se a primeira dimensão nos engaja num exercício de restrição do uso, a segunda requer uma reflexão sobre a sua abrangência tendo em vista o que seria ou não comum a todos os casos (parte não menor do processo envolvendo a coimplicação e coconstituição do secular e do religioso).
A questão foi bem colocada, em geral, por Hent de Vries:
Em anos recentes temos visto uma crescente atenção para a importância, as incríveis oportunidades e as consideráveis desvantagens da globalização, do capital global e dos novos meios tecnológicos, e ao mesmo tempo um inesperado, crescentemente imprevisível retorno do religioso - na verdade, uma volta ao religioso - como fator político de significância mundial, de fato global. O resultado parece ser uma preocupação cada vez mais globalizada e, quero sugerir, “global” com “a religião” […]. Tal “religião global” parece ser, ao menos em parte, inacessível a abordagens eruditas empiristas, que buscam explicar esta renovada - e frequentemente bastante nova - presença da “religião” em termos de uma volta a determinados compromissos ou valores comunais imaginados e, portanto, tendem a privilegiar contextos de origem “locais” - quer dizer, nacionais, étnicos, ou em todo caso identitários - incluindo diversas formas de autoridade, legitimidade e assim por diante.18
Tal inadequada apreensão empirista da religião como conceito único,“global”,que se repartiria mundo afora de forma supostamente sempre reconhecível a um olhar “objetivo”,estaria perdendo outra dimensão, filosoficamente mais fundamental, da “globalização” da religião, a saber, sua “profanização” em meio a processos sociais e históricos à primeira vista puramente destituídos de conteúdo religioso. Para de Vries19, se há uma definição “global” de religião, ela teria que ser mais exatamente pensada em termos de uma dispersão da religião, que é também um esvaziamento de seus sentidos mais ritualísticos e doutrinários.
No que se refere à forma-cristã do conceito, não deveria nos escapar que,ao dizermos “religião” nas sociedades ocidentais,recorremos a um termo carregado de conotações historicamente produzidas e naturalizadas. codificação doutrinária, estrutura hierárquica formalizada e clerical, tensão entre a forma-Igreja e a forma-seita, existência de escrituras sagradas como regra de fé e conduta, distinção entre uma dimensão espiritual e uma temporal,relação com um Outro transcendente são alguns desses elementos espontaneamente associados à definição de religião. Uma análise cuidadosa revelaria a medida em que se definem em relação ao cristianismo20.Mesmoassim,seriamaisprecisodizerocristianismo pós-medieval, pós-Reforma: um cristianismo marcado por uma cisão estrutural (autoimune, diria Derrida) no próprio Ocidente e entre este e o Oriente, para além das diferenças doutrinárias e disputas internas pelo poder.Em outras palavras,“a religião”,que se define a partir do cristianismo, já são várias, a despeito dos esforços teológicos e das ciências da religião para encontrar um “denominador comum”, um núcleo invariante sob todas as formas de espiritualidade, rito, crença em forças transcendentes ou em ideias metafísicas sobre o mundo e a vida.
Historicamente, tal representação do cristianismo como “a religião” par excellence (o que de Vries chama de “religião global”,explorando toda a polissemia do adjetivo) foi objeto de acirradas e sangrentas disputas, cujo desfecho - coincidente com a própria emergência do sistema internacional moderno no século XVII (Vestfália), diga-se de passagem - consagrou simultaneamente três pontos fundamentais: a) o caráter irreversível da divisão na religião (católicos protestantes; cristianismo ocidental ortodoxo); b) a separação entre a esfera da religião e a do poder político; c) a conjunção entre religião e Estado sob a forma nacional e sob domínio estatal.O terceiro ponto é crucial.Como essalta Casanova21, frequentemente minimiza-se ou ignora-se que a Paz de Vestfália não instituiu a separação entre religião e Estado, mas o princípio da territorialização de seu vínculo nas igrejas oficiais nacionais. A separação é obra das revoluções americana e francesa, mais de um século depois, e ainda assim precisaria ser bastante qualificada. No interior de cada novo contexto, as questões da contingência do arranjo vestfaliano e da pluralidade (religiosa ou de formas de vida informadas por definições publicamente reconhecíveis como “religiosas”) foram objeto de contenção ou ocultamento.Isso se deu quer pela imposição-exclusão da forma nacional-estatal de religião, quer por um discurso da separação de efeito rigorosamente retroativo e performativo - o “efeito franco-americano”,poder-se-ia dizer,retroativamente produzindo como evidência dada o que se tratou sempre de um projeto contestado22. A evidência histórica, entretanto, destoa do discurso “oficial” dos Estados bem como do “senso comum” das ciências sociais e humanas.Além de tortuosa e incompletamente construída,a separação é mais uma característica não europeia do que o contrário23!
Outra referência histórica diz respeito ao processo pelo qual a história particular da Europa ocidental e da emergente nação anglo-americana foi erigida como história universal e os desfechos contingentes de lutas e experiências, transformados em uma teleologia da história dos povos que tinham sido e outros que foram conquistados na esteira do colonialismo pós-grandes navegações de fins do século XV24. Esse processo não somente reforçou a tripla hegemonização da relação entre religião e sociedade apontada acima como modelo, mas também consagrou, contra a ideia de sua mera reprodução, sua difração segundo a lógica da repetição com alteração que Derrida chama de iterabilidade25. Religião, então, é uma e muitas coisas, conforme o regime da separação consolida-se, expande-se e, no processo, subdivide-se e transforma-se irremediavelmente.
A reativação da contingência do regime moderno da separação pode servista desse outro prisma: o da “reinvenção” do sentido público de religião como forma identitária que não só representa um dos lugares possíveis de contestação de várias formações hegemônicas contemporâneas,mas também empresta seu “léxico” e “gramática” a lutas não intrinsecamente religiosas.E,no entanto,permanece particular e,em sua particularidade,radicalmente incapaz de representar uma alternativa pura e simples, plena, ao regime moderno. O que tal reinvenção compartilha, hoje, em relação aos arranjos definidos nos albores da modernidade ocidental não é a permanência de uma definição de religião, mas a iteração do problema de sua relação com o Estado e a política.Iteração,certo,que se coloca em termos radicalmente distintos, dada a história que une e separa os dois momentos, descentrada pela emergência do mundo pós-colonial, pelas experiências totalitárias do século XX, pela reinvenção democrática das últimas quatro décadas e pela globalização, como lucidamente ressalta Derrida26. Mas ainda assim iteração: neste momento em que nos situamos,não é da emergência de algo inaudito que se trata,mas da possível repetição de um modelo cristão por meio do próprio avanço da globalização (como processo e como conceito) ou do que Derrida chama de “mundialatinização”, a “estranha aliança do cristianismo, como experiência da morte de Deus, com o capitalismo teletecnocientífico”27. Derrida foca na Igreja Católica;nada sabe do pentecostalismo!
Essa discussão nos remete ao segundo ponto identificado no início desta seção: como reconhecer a religião em meio à multiplicidade de seus casos? Estamos aqui frente à dispersão do conceito de religião. Embora essa dispersão possa se dar pela utilização a tal ponto metafórica que redunde na inutilização do conceito, é possível entendê-la num sentido mais restrito, de uma regularidade na dispersão foucaultiana, ou de semelhança de família wittgensteiniana. Nesse sentido, dispersão refere-se à possibilidade de que diferentes práticas sejam construídas de tal modo a serem socialmente sancionadas como religiosas ou mesmo autoatribuídas como tal, ainda que escapem às expressões institucionais existentes em cada contexto. Refere-se à possibilidade de que recursos à religião ou redefinições de religião se manifestem ao longo de trajetórias ou em contextos específicos, ao ser ela evocada, afirmada, redescoberta, utilizada em novas articulações. Refere-se, enfim, à possibilidade de que mesmo imagens, interpelações, normatividades e descrições empíricas autodefinidas como seculares se tornem lugares onde irrompe ou insiste o religioso.
Interessa, a esse propósito, ressaltar como índices de sua dispersão o caráter relacional e a substitutibilidade do outro da religião (outra religião, outra forma de manifestação do fenômeno que não se pode com facilidade caracterizar como “religião”, o não religioso). Primeiramente, religião é um significante que se dissemina conforme uma lógica de semelhança de família ou da variação na aplicação de uma regra tão bem caracterizadas por Wittgenstein, ainda que algo persista no termo enquanto o horizonte da modernidade governar sua forma de apresentação, tornando-o atual e “reconhecível” para além da descontinuidade de suas múltiplas expressões/reivindicações. Essa propriedade também implica a substitutibilidade do outro da religião. Em outras palavras, porque “religião” não é uma só, mesmo quando falamos de uma única religião sociologicamente determinada, também muda o que a caracteriza e define “intrinsecamente” conforme ela se define em relação a diferentes aliados e antagonistas. Com a mudança do outro, nenhuma identidade persiste igual a si mesma.
Se o outro fosse apenas qualquer “y” diferente de “x”, sendo-lhe perfeitamente indiferente (em sua existência, proximidade/distância ou demandas), não somente estaríamos diante de uma pura figura da facticidade (há x, y, z etc.) como não haveria razão para pensar o outro-em-relação-a, cada x, y ou z seria igual a si mesmo, constituído à margem ou independentemente de qualquer outro. Nesse mundo de mônadas onde todos poderiam ser talvez livres (uns dos outros), tampouco faria sentido falar de sociedade,de vínculo social.Mas tal representação é inteiramente contraditória com a experiência histórica. O outro faz diferença, é diferença, quer represente outra religião, quer ausência de religião, as figuras morais do mal (o ímpio, o perverso, o injusto,o violento,o dissoluto),ou figuras do mundo” (Estado,globalização, guerras, cultura de consumo, tecnociência).
Esse conceito disperso de religião daria conta das múltiplas formas de simplificação, delimitação do religioso que testemunham de sua história moderna, como também apontaria para o sentido (implícita ou denegadamente) religioso de vários discursos hegemônicos (ou em luta pela hegemonia) nas sociedades ocidentais contemporâneas - no Norte ou no Sul, neste Ocidente que já não mais descreve qualquer geografia fisicamente determinável. Mas não se trata de mera continuidade de uma e mesma religião, ou de seu retorno igual a si mesma, como sempre, após haver sido banida do discurso oficial da modernidade e da modernização globalizadas. De Vries, seguindo Derrida, alerta explicitamente contra tal interpretação28, pois há elementos crucialmente novos nas novas constelações em que podemos captar essa reverberação religiosa no mundo.
Porfim,“areligião”quetalvezaindapossamosouqueiramosgrafar no singular aparece sob a forma de certa permanência ou restância (Derrida) sob conceitos “secularizados” do político, como proporia um Carl Schmitt. As novas “guerras de religião” a que se refere Derrida29 nomeariam, então, processos de reconfiguração do mundo, de nosso tempo,da história de que ora somos participantes.O sintagma seria outra maneira de dizer “as lutas políticas pela conformação e sentido de nosso tempo”.Negar o que está em questão nessa dispersão do religioso seria incauto. De um modo que é tão schmittiano como poderia ser psicanalítico,a repressão à religião como vocabulário público da/na política pode fazer com que ela apareça em outras partes,digamos, como ética econômica, valores, solidariedade, capital social, comunidade, cultura, identidade, senso de dignidade.
Nos três casos, a hipótese derridiana é que também é possível que outras “guerras de religião” estejam sendo de fato travadas… precisamente por quem se nega a designá-las como tal. É possível que a religião esteja em outra parte. Talvez isso diga respeito a lutas religiosas em escala mundial - na conjunção entre cultura digital, transporte aéreoetelevisão,que garantem a expansão da mensagem religiosa, sua incontrolável transnacionalização30.Talvez tal dispersão diga respeito a “políticas religiosas” levadas a cabo por forças seculares:justificação de reformas econômicas e políticas em termos sacrificiais, “guerra ao terror”, defesa da civilização ocidental, promoção dos valores cosmopolitas liberais e republicanos.
À luz do exposto,percebe-se como a história da relação entre religião e esfera pública na modernidade tem sido multidimensional e como a contestação nem sempre tem demarcado (ou pode fazê-lo,simplesmente,hoje) atores religiosos e seculares em campos inteiramente distintos. Salvo raras exceções, a fronteira tendeu sempre a ser traçada entre campos secular-religiosos antagônicos, ou seja, campos nos quais tanto atores religiosos como não religiosos se articulavam em torno de diferentes projetos de estabilização da relação entre religião e Estado, religião e política, religião e cultura (nacional). Mais exatamente, jamais houve situações em ambos os lados do Atlântico nas quais uma única fronteira separando o secular do religioso atravessasse toda a extensão do social. Foi antes o caso de que diferentes conjunturas e polêmicas ou demandas econômicas, políticas, culturais e morais produziram distintos e contingentes alinhamentos e combinações. Religiosos seculares e seculares religiosos (inclusive “hifenizados”) formaram os campos em disputa ou em conflito,com distribuições irregulares de cada elemento.
RELIGIÃO PÚBLICA NO BRASIL: DOIS CASOS COMPLICADOS E UMA PROVOCAÇÃO
A cena brasileira apresenta, a esse respeito, múltiplas ressonâncias: é um caso de separação jurídica com alta permeabilidade à mobilização pública da religião; é um caso de dispersão do religioso (do modelo cristão e da sua “secularização” e desinstitucionalização); é um caso de publicização da religião a partir da ativação de processos de minoritização31 combinados a efeitos de iterabilidade de contextos globais e reverberação de contextos locais. Embora a percepção dessa iterabilidade seja relativamente pouco realçada devido ao forte nacionalismo metodológico da produção latino-americana,tendente a simplesmente focalizar no contexto nacional ou realçar sua singularidade, há muito o que ganhar com uma desprovincianização analítica. De um lado, há vários vetores dos processos de publicização e de minoritização da religião nos países latino-americanos que não são endógenos. De outro lado, como enfatizam Casanova e de Vries, um enfoque global capta muito bem elementos estruturais, mas também empíricos da publicização da religião - quer sua transnacionalização, quer a globalização do modelo denominacionalista americano.
Em tensão com os modelos recebidos de separação, em toda a sua impureza, os novos desenvolvimentos suscitam, como ressaltamos na introdução, várias questões de hospitalidade. Aqui a abordagem derridiana pode ser produtivamente articulada ao enfoque global: as perguntas sobre o que é autenticamente nosso em matéria de novos atores e movimentos religiosos, sobre quem “está em casa” ou sente-se “dono de casa” no campo religioso brasileiro, se justapõem às perguntas sobre a dispersão de modelos de mobilização de minorias (religiosas ou não) e de acomodação das diferenças ou de reiteração de visões assimilacionistas. A publicização da religião, sendo algo mais da ordem da emergência de novos contendores religiosos à ocupação de espaços públicos de visibilidade, reconhecimento e reparação, suscita disputas sobre as regras dessa “entrada” ou “ocupação”.Não à toa, todos esses processos têm crescentemente sido cercados de polêmica e embates,com a percepção da presença e demandas dos novos atores saindo da penumbra e abrindo caminho na agenda principal do debate nas novas e velhas democracias. Vencida a fase de ignorar ou negar essa politização, as elites têm assumido as consequências do “fato consumado” da minoritização,e os contornos da hospitalidade,mais do que se ela será oferecida ou não, é que são alvo de debate. Assim, por exemplo, a interpretação sobre quanto de determinadas políticas e provisões legais se aplica a comunidades e organizações religiosas cresce em importância, mas está fora da agenda o questionamento radical sobre a legitimidade de dar ou não guarida aos atores religiosos.
De qualquer forma, tudo aponta para o caráter controverso da religião pública, que reatualiza em nosso caso as questões anteriores sobre presença/ausência legítima ou ilegítima, agência reativa ou construtiva, liberal ou republicana, e grau de antagonismo aceitável à publicização religiosa. Questiona-se a falta de comedimento de certos atores religiosos quanto a onde atuar ou em que debates intervir.Não é incomum ouvirem-se argumentos sobre a impropriedade de dar voz à religião em temas como educação pública, direitos sexuais e reprodutivos, pesquisa científica com seres vivos ou regulação do sistema financeiro internacional (caso da esquerda ecumênica).
Há também um claro efeito especular da disputa inter-religiosa na religião pública, que resulta na utilização do “modelo cristão” (reegemonizado pelos pentecostais), por parte de grupos religiosos minoritários - as religiões de matriz africana, espíritas, grupos católicos carismáticos, por exemplo, emulam as estratégias da forma-Igreja, no discurso político-eleitoral, na ocupação de espaços de mídia e na mobilização da “representatividade religiosa” em círculos de políticas públicas. Neste caso, os indicadores são vários: a) a necessidade de identificar representantes oficiais e lideranças autorizadas reproduz o paradigma clerical para religiões não cristãs; b) o esforço das minorias para inscreverem sua marca na formação da identidade nacional, em termos de legado ou de critérios censitários atuais, orientando certas políticas - notadamente as culturais e de saúde; c) o argumento pela generalização dos “direitos” reconhecidos à Igreja Católica a todos os grupos religiosos,como se deu na reação contra a assinatura do Acordo do Estado brasileiro com o Vaticano - o que se liga à tese do denominacionalismo global de Casanova. Essa especularidade/emulação fica muito clara nas políticas referentes à promoção da igualdade racial e da diversidade religiosa no período pós-2003 (primeiro governo Lula).
Em terceiro lugar, todos esses embates favorecem a dispersão do religioso. De um lado, a ampliação dos espaços e formas de atuação política das religiões transpõe sua dinâmica a outras esferas sociais e políticas, levando atores laicos a no mínimo encontrar uma linguagem e procedimentos para lidar com as demandas e embates procedentes do campo das religiões. De outro lado, o que mencionei acima sobre a disputa pelo legado histórico-cultural da nação insere pautas e recursos retóricos religiosos - e, mais ainda, tendentes a privilegiar as minorias ascendentes ou em processo de se tornarem hegemônicas na religião pública - em vários contextos públicos, das mídias aos parlamentos, cortes e movimentos da sociedade civil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em tudo isso, encontramos a “religião” como significante flutuante de numerosos jogos de linguagem: como índice de demandas por reconhecimento, igualdade, justiça, liberdade; como lugar de demandas por imunização contra práticas divergentes, moral e politicamente “minoritizadas” (Connolly), face à sociedade abrangente e suas normas - demandas que ora implicam na adoção do pluralismo jurídico, ora reclamam a liberdade “aqui” que é negada em outras partes onde a minoria em questão é majoritária; emprestando a forma-Igreja à tradução religiosa das políticas de identidade que - dos negros às mulheres, passando por homoafetivos - penetraram no léxico e na gramática política brasileira desde os anos 1980.A profusa circulação de representações de encontro/conexão e diferenciação/conflito e os fortes efeitos de proximidade criados pela globalização econômica e cultural transformam o cenário das religiões e multiplicam as formas pelas quais estas buscam reposicionar-se como forças públicas num mundo onde existir é ser visto e ouvido nos espaços públicos da mídia, da sociedade civil organizada e da política.
A cena da religião pública, portanto, reúne e dispersa elementos que têm em comum uma radical transgressão do arranjo moderno da separação, envolvendo atores religiosos e não religiosos em jogos relacionais nos quais está sempre em causa não só a legitimidade dos arranjos institucionais-legais vigentes, mas também da própria “presença” da religião em cada um desses casos de transgressão. Não se trata de um processo único, encontrável em cada contexto segundo uma regra de dispersão única.Isso leva a que a religião interpele e seja interpelada de distintas maneiras. Invariavelmente, essa interpelação suscita relações agonísticas, quando não antagonísticas. A religião aparece dividida de várias maneiras:as tradições já conhecidas (seja as chamadas religiões mundiais, seja as inúmeras religiões minoritárias, frequentemente de caráter etnocultural,sem falar de múltiplas formas de fé ou de espiritualidade não definidas em termos doutrinais e nem sempre reconhecidas institucionalmente como religiões); as expressões independentes das mesmas; as múltiplas formas de apropriação de diferentes aspectos das tradições em experimentos híbridos (mesmo quando se afirmam como puros!); as dimensões claramente religiosas de fenômenos e práticas seculares (como a clássica teoria da confiança, na linguagem do mundo especulativo financeiro); as definições legais,médicas,midiáticas de religião;a religião vivida versus a religião pregada ou institucionalmente regulada etc.
O que parece ser novo nesse processo é que as religiões se definem mais de modo performativo do que proposicional - donde a insuficiência de abordagens que se limitam ao tratamento da superfície linguística do discurso religioso,priorizando falas e intencionalidades - e que sua identidade enquanto tais se define nos espaços públicos em que pretendem incidir,tanto quanto em seus domínios institucionais (o chamado campo religioso).Isso tem profundas consequências tanto para a análise social das religiões quanto para os próprios atores religiosos (particularmente a religião organizada, sua voz institucionalizada). Uma delas é a impossibilidade de conter a “deriva” da religião através das fronteiras do cotidiano,da sociedade civil e da sociedade política (algo que Casanova já registrara em sua rediscussão da religião pública,após a publicação de seu trabalho clássico Public religions in the modern world).Meras restrições jurídicas ou político-administrativas - ao modo da elevação do “muro da separação” - não serão capazes de conter essa deriva. Outra consequência é a da politização da identidade das religiões, resultante de um duplo descentramento: a) sua reivindicação de acesso à esfera pública estatal traz para dentro de cada tradição ou organização religiosa a dinâmica relacional e a (nta) gonística da formação do político (comoressalta toda uma linhagem que vai de Carl Schmitt a Ernesto Laclau e Chantal Mouffe);b) as incursões religiosas no domínio público se dão hoje num contexto pluralista (se não em nível nacional, certamente em níveis internacional e global), em que as identidades religiosas não apenas não podem se definir sem relação com a identidade de seus adversários,concorrentes e inimigos como tampouco podem se “proteger” dos impactos diferenciados que tal exposição e incidência públicas produzem (por mais virtuosas que possam ser) entre grupos dentro de cada tradição ou organização religiosas.A politização,se serve a pretensões de relevância ou de conquista de posições de poder, impõe pluralização à própria experiência da crença e da espiritualidade em nível pessoal e institucional, de modo que ninguém mais faz tudo o que quer ou pretende sem sofrer a resistência de outros ou sem ter que negociar suas pretensões.
As consequências desses processos ainda não são inteiramente claras. Há possibilidades regressivas claramente perceptíveis, tanto quanto processos de avanço na conquista de direitos por parte de grupos vulneráveis ou excluídos. Interrogar a cena da religião pública continua tão necessário quanto o é, no âmbito dos compromissos ético-políticos dos intelectuais (religiosos ou não religiosos), a vigilância para temperar ou reverter o afã regressivo do exercício da autoridade religiosa num mundo que se revela muito pouco secular.Exatamente quando, em relação às práticas de algumas religiões, nunca foi tão difícil separar o sagrado do profano...
-
1
Este trabalho baseia-se em pesquisa cujo componente empírico incluiu quatro países: Brasil, Argentina, Estados Unidos e Reino Unido. A pesquisa foi apoiada, em distintas etapas, pelo CNPq, pelo Banco Santander e pela Universidade de Durham, Inglaterra.
-
2
No trabalho de Derrida o tema da hospitalidade diz respeito a uma nova interrogação sobre o próprio, tanto em termos de propriedade/ posse (o que pertence a alguém de direito) como de atributos (o que é apropriado ou conveniente), quando o que é próprio cada vez mais se define num terreno relacional:o outro me chega, pedindo licença ou não, legal ou clandestinamente, civilizada ou rispidamente, conciliatória ou antagonisticamente, e pede acolhimento, reconhecimento, reparação, justiça; mas o outro também pode me chegar tomando posse, portando-se inconvenientemente,suscitando minha repulsa moral ou política.Quer falemos do outro imigrante, quer do outro religioso, nesse caso está em jogo o que significa estar em casa, abrir a casa à presença do outro.
-
3
Cf. Segato, Rita Laura. “The color-blind subject of myth:or,where to find Africa in the nation”. Annual Review of Anthropology. Palo Alto: Annual Reviews, v. 27, pp. 129-51, 1998; e “A faccionalização da república e da paisagem religiosa como índice de uma nova territorialidade”. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre: UFRGS, v. 13, no 27, pp. 99-143, 2007; Berger, Peter (org.). The desecularization of the world: resurgent religion and world politics. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans, 1999; PNUD. Relatório de desenvolvimento humano 2004: liberdade cultural num mundo diversificado. Disponível em: http://www.pnud. org.br/arquivos/arqui1089900676. zip. Acesso em: 30/4/2005; Jochum, Véronique et al. Faith and voluntary action: an overview of current evidence and debates. Londres: NCVO, 2007; Vásquez, Manuel A.; Marquardt, Marie Friedmann. Globalizing the sacred: religion across the Americas. New Brunswick/Nova Jersey/Londres: Rutgers University Press, 2003; Davie, Grace. “Religion in Europe in the 21st century: the factors to take into account”. European Journal of Sociology. Cambridge: Cambridge University Press, v. 47, no 2, pp. 271-96, 2006.
-
4
Que são sempre sociais e institucionalmente situadas,não se tratando o qualificativo de uma referência a disputas semânticas ou retóricas.
-
5
William Connolly, em The ethos of pluralization (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1995, p. 2), expressa tal posição de forma bastante parecida ao dizer que “a interpretação política é ontopolítica: seus pressupostos fundamentais fixam possibilidades, distribuem elementos explicativos, geram parâmetros no interior dos quais se elabora uma ética,e centram (ou descentram) avaliações de identidade, legitimidade e responsabilidade”.
-
6
Cf. Glynos, Jason; Howarth, David. Logics of critical explanation in social and political theory. Londres/ Nova York: Routledge, 2007, p. 11.
-
7
Ibidem; ver também pp. 108-9.
-
8
Sobre a tese da “desprivatização” do religioso, cf. Casanova, José. Public religions in the modern world. Chicago:University of Chicago Press, 1994, pp. 5-10, 58, 65, 211, 224; “Public religions revisited” In: De Vries, Hent (org.). Religion: beyond a co cept. Nova York: Fordham University Press, 2008, pp. 101-19; e “Religion challenging the myth of secular democracy”. In: Christoffersen, Lisbet et al.(orgs.).Religion in the 21st century: challenges and transformations. Farnham/Burlington: Ashgate, 2010, pp. 19-36; Chambers, Paul e Thompson, Andrew. “Public religion and political change in Wales”. Sociology. [S.l.]: v. 39, no 1, pp. 29-46, fevereiro de 2005; Ward, Graham. The politics of discipleship: becoming postmaterial citizens. Grand Rapids: Baker Academic, 2009, pp. 139-46.
-
9
Cf. Bruce, Steve (org.). Religion and modernization: sociologists and historians debate the secularization thesis. Oxford: Oxford University Press, 1992; Davie, Grace et al. Predicting religion: Christian, secular and alternative futures. Aldershot/Burlington: Ashgate, 2003; Berger, Peter et al. “Religious America, secular Europe?”. In: Religious America, secular Europe? A theme and variations. Aldershot/Burlington: Ashgate, 2008, pp. 9-22.
-
10
Cf. Robertson, Roland e Chirico, JoAnn. “Humanity, globalization, and worldwide religious resurgence: a theoretical exploration”. Sociological Analysis. [S.l.]: v. 46, no 3, pp. 219-42, outono de 1985; Robertson, Roland. “Globalization, politics and religion”. In: Beckford, James; Luckmann, Thomas (orgs.). The changing face of religion. Londres: SAGE/ISA, 1989, pp. 10-23; Casanova, José. “Rethinking secularization: a global comparative perspective”. In: Beyer, Peter; Beaman, Lori (orgs.). Religion, globalization and culture. Leiden/Boston: Brill, 2007, pp. 101-20; Aldridge, Alan. Religion in the contemporary world Cambridge/Malden: Polity, 2007; Haynes, Jeff. Religion in global politics. Londres/Nova York: Longman, 1998; e An introduction to international relations and religion. Harlow: Pearson, 2007; Frigerio, Alejandro e Wynarczyk, Hilario. “Diversidad no es lo mismo que pluralismo: cambios en el campo religioso argentino (1985-2000) y lucha de los evangélicos por sus derechos religiosos”. Sociedade e Estado. Brasília: Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, v. 23, no 2, pp. 227-60, maio/agosto de 2008.
-
11
Cf. Oro, Ari Pedro. Religião, laicidade e cidadania no Rio Grande do Sul. Trabalho apresentado no 31º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Caxambu (mg), 22-26/10/2007; Trigg, Roger. Religion in public life: must faith be privatized? Oxford: Oxford University Press, 2007; Habermas, Jurgen et al. An awareness of what is missing: faith and reason in a post-secular age. Cambridge/Malden: Polity, 2010; Mendieta, Eduardo; Vanantwerpen, Jonathan (orgs.). The power of religion in the public sphere. Nova York/Chichester: Columbia University Press, 2011; Laborde, Cécile. Critical republicanism: the hijab controversy and political philosophy. Oxford: Oxford University Press, 2008.
-
12
Essa é claramente a posição de Manuel Castells em sua influente trilogia sobre a era informacional, que pelo menos teve a vantagem de definir um lugar significativo para o processo em sua análise (cf. “Communal heavens: identity and meaning in the network society”. In: The power of identity, v. 2. Malden/Oxford: Blackwell,1997,pp.5-67).Mas esse já era o caso em grande parte da literatura sobre a Nova Direita Cristã e é o caso em muitos argumentos (críticos) sobre as razões para a associação entre islã e práticas terroristas, ou entre religião e violência (cf. Juergensmeyer, Mark. Terror in the mind of God: the global rise of religious violence. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 2003; Vlas, Natalia. “Is religion inherently violent? Religion as a threat and promise for the global security”. Politics and Religion [on-line], v. 4, no 2, pp. 297-313, 2010. Disponível em: http://www.politicsandreligionjournal. com/images/pdf-files/srpski/godina4-broj2/12%20natalia%20vlas%20vol.iv%20no.2.pdf. Acesso em: 10/2/2011; Omer, Atalia. “Can a critic be a caretaker too? Religion, conflict, and conflict transformation”.Journal of the American Academy of Religion. Los Angeles: Oxford University Press, v. 79, no 2, pp. 459-96, junho de 2011).
-
13
Esse argumento tem sido usado de maneira recorrente desde meados dos anos 1990 nos discursos sobre o desenvolvimento por parte das agências multilaterais (ONU,Banco Mundial, mesmo o FMI) bem como em discursos governamentais e de ongs sobre parcerias e formação de redes (cf. Burity, Joanildo. Redes, parcerias e participação religiosa nas políticas sociais no Brasil. Recife: Massangana, 2006; e “Reform of the State and the new discourse on social policy in Brazil”. Latin American Perspectives. Riverside: sage, v. 33, no 3, pp. 67-88, 2006). Exemplos são o World Faiths Development Dialogue, criado por iniciativa do Banco Mundial (sob a liderança de James Wolffenson) e do gabinete do arcebispo de Cantuária, George Carey, e o projeto Development Dialogue on Values and Ethics, do Banco Mundial. Porém, versões mais sofisticadas do argumento podem ser encontradas em discussões sobre a “virada cultural”, multiculturalismo, os desafios do pluralismo às instituições democráticas e o secularismo (cf. Modood, Tariq. “Moderate secularism, religion as identity and respect for religion”. The Political Quarterly. Londres: The Political Quarterly Publishing, v. 81, no 1, pp. 4-14, 2010; Bader, Veit. Secularism or democracy? Associational governance of religious diversity. Amsterdã: Amsterdam University Press, 2007; Tadros, Mariz. “Faith-based organizations and service delivery: some gender conundrums." Gender and Development Programme Paper N. 11. Instituto de Pesquisa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social, setembro de 2010. Disponível em: http://www. unrisd.org/80256B3C005BCCF9( httpAuxPages)/592137C50475F6A 8C12577BD004FB5A/file/Tadros. pdf. Acesso em: 12/11/2010).
-
14
Pode-se dizer que o debate entre liberais e comunitaristas, no mundo anglo-saxão, abriga parte dessa discussão, na medida em que mesmo os teóricos liberais, com sua ênfase na autonomia individual,empenharam-se por oferecer concepções liberais de comunidade que representariam corretivos à avassaladora força atomizante da corrente hegemônica do neoliberalismo.Mas o ponto também se aplica, por exemplo, a discursos social-democratas e antiutilitaristas (cf. Sandel, Michael J. Liberalism and the limits of justice. Cambridge: Cambridge University Press, 1998; Moraes, Reginaldo. Neoliberalismo: de onde vem, para onde vai? São Paulo: Senac, 2001; Paiva, Raquel (org.). O retorno da comunidade: os novos caminhos do social. Rio de Janeiro: Mauad, 2007; Leite, Kelen Christina. Economia de comunhão: a construção da reciprocidade nas relações entre capital, trabalho e Estado. São Paulo: Annablume/Fapesp,2007;Olssen,Mark.Liberalism, neoliberalism, social democracy: thin communitarian perspectives on political philosophy and education. Nova York: Routledge, 2010).
-
15
Cf. Bresser-Pereira, Luiz Carlos. “O Estado necessário para a democracia possível na América Latina. Textos para Discussão no 184" [on line]. São Paulo: Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, 2009. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2608/TD%20 184%20-%20Luiz%20Carlos%20 Bresser%20Pereira.pdf?sequence=1. Acesso em: 30/9/2009.
-
16
Refiro-me particularmente à tendência de esvaziamento do modelo de pastoral popular e a “onguização” das estruturas de ação social de igrejas e cultos e do movimento ecumênico,de um lado,e à redefinição do discurso socialista na direção de posições anti ou alterglobalistas. O efeito de conjunto dessas tendências foi de uma sólida inscrição do discurso dessa esquerda religiosa em termos de defesa de uma esfera pública robusta, com ênfase numa visão compreensiva dos direitos humanos, e sua inserção em redes transnacionais de organizações e movimentos sociais defensores de “outro mundo possível” (cf. Boff, Leonardo. “Pelos pobres contra a estreiteza do método" 2008. Disponível em: http://redecelebra.com.br/ docs/boletim-nacional-47-b-6-2008-1945319250.doc. Acesso em: 15/3/2011; Lavalle, Adrián Gurza e Bueno, Natália Salgado. “Sociedade civil e instituições políticas: estratégias relacionais em duas cidades latinoamericanas". Trabalho presentado durante o 7° Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política Recife, 4-7 de agosto de 2010. Disponível em: http://cienciapolitica. servicos. ws/abcp2010/ arquivos/22-7-2010-11-58-6.pdf. Acesso em: 15/3/2011; Sodré, Francis. “A agenda global dos movimentos sociais”. Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro Abrasco, v. 16, no 3, pp. 178191, março de 2011; Susin, Luiz Carlos (org.). Teologia para outro mundo possível. São Paulo: Paulinas, 2006; Baptista, Paulo Agostinho Nogueira. “Globalização e as teologias da libertação e do pluralismo religioso” Horizonte. Belo Horizonte: PUC-MG, 5, no 9, pp. 54-79, dezembro de 2006; Burity, Joanildo. “Entrepreneurial spirituality and ecumenical alterglobalism: two religious responses to global neoliberalism”. In: Martikainen, Tuomas; Gauthier, François (orgs.). Religion in the neoliberal age: political economy and modes of governance, v. 1. Farnham: Ashgate, 2013, pp. 21-36.).
-
17
Declino de explorar aqui a questão de em que medida o cristianismo oficial, pós-constantiniano, apropriou-se da distinção romana entre religio e superstitio, ao mesmo tempo em que era elevado da segunda à primeira categoria (cf. Derrida, Jacques. The gift of death. Chicago: University of Chicago Press, 1996, pp. 3-12; e “Faith and knowledge: the two sources of ‘religion’ at the limits of reason alone”. In: Acts of religion. Nova York/Londres: 2002, pp. 66-74; Trías, Eugenio. “Thinking religion: the symbol and the sacred”. In: Derrida, Jacques; Vattimo, Gianni (orgs.). Religion. Stanford: Stanford University Press, 1998, pp. 95-6). É suficiente para nossos propósitos registrar essa condição importantíssima de inteligibilidade e uso do conceito. Mais importante será explorar o sentido da religião como categoria moderna, que é central para a compreensão do regime da separação.
-
18
De Vries, Hent. “On general and divine economy: Talal Asad’s genealogy of the secular and Levinas’s critique of capitalism, colonialism, and money”. In: Scott, David e Hirschkind, Charles (orgs.). Powers of the secular modern: Talal Asad and his interlocutors. Stanford: Stanford University Press, 2006, pp. 113-4.
-
19
De Vries, Hent“La religion globale, la théologie minimale”. In: Major, René (org.). Derrida pour les temps à venir. Paris: Stock, pp. 199-221.
-
20
Cf. Derrida, “Faith and knowledge: the two sources of ‘religion’ at the limits of reason alone”, 2002, pp. 72, 74; Fitzgerald, Timothy. “Methodology 2: religion and secular, sacred and profane”. In:Discourse on civility and barbarity: a critical history of religion and related categories. Oxford/Nova York:Oxford University Press, 2010, pp. 71-108.
-
21
Casanova, José. “Religion challenging the myth of secular democracy”, 2010, pp. 19-36.
-
22
Sobre a questão da retroatividade performativa da nomeação, por meio da qual se oculta o momento contingente da passagem entre um estado de coisas e outro, ou de emergência de um novo discurso, ou de surgimento de um novo ator social, baseamo-nos diretamente na construção de inspiração psicanalítica (lacaniana) proposta por Žižek (“‘Che vuoi?’”. In: The sublime object of ideology. Londres: Verso, 1991, pp. 87-105; “Political subjectivization and its vicissitudes”. In: The ticklish subject: the absent centre of political ontology. Londres: Verso, 2000, pp. 171-244) e Laclau (La razón populista. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2005).
-
23
Esse ponto pode ser estabelecido com força argumentativa e empírica em termos históricos e contemporâneos. Casanova, por exemplo, argumenta não só que a tese da privatização da religião não se sustentaria mais nem empírica nem normativamente (“Religion challenging the myth of secular democracy”, 2010, pp. 19-24), mas que se trata de um mito de fundação da Europa moderna que elide o padrão verdadeiramente dominante, o da territorialização confessional sob tutela estatal (Ibidem, pp. 256). Outros autores corroboram, de diferentes maneiras, uma dessas posições ou ambas, por meio de evidências empíricas ou argumentos históricos e teóricos: cf. Oro, op. cit.; Pinto, Céli Regina Jardim. “Quem tem direito ao ‘uso do véu’? (uma contribuição para pensar a questão brasileira)” . Cadernos Pagu. Campinas: Núcleo de Estudos de Gênero Pagu/Unicamp, no 26, pp. 377-403, 2006; Laborde, op. cit.; Lehmann, David.“Religion and globalisation”. In: Woodhead, Linda et al. (orgs.). Religions in the modern world: traditions and transformations. Londres: Routledge, 2009, pp. 407-28.
-
24
Cf. Mendietta, Eduardo. Global fragments: globalizations, Latinamericanisms, and critical theory. Albany: State University of New York Press, 2007; Dussel, Enrique. “Beyond eurocentrism:the world-system and the limits of modernity”. In: Jameson, Fredric e Miyoshi, Masao (orgs.). The cultures of globalization. Durham: Duke University Press, 2003, pp. 3-31; Mignolo,Walter.Local histories, global designs: coloniality, subaltern knowledges and border thinking. Princeton: Princeton University Press, 2000.
-
25
Cf. Derrida, Jacques. Limited Inc. Campinas: Papirus, 1991; Burity, Joanildo. “Doing violence to context: iterability and globalization”. In: Radical religion and the constitution of new political actors in Brazil: the experience of the 1980’s.Colchester:tese de doutorado em ciência política, Essex University, 1994, pp. 33-66.
-
26
Derrida, “Faith and knowledge”, 2002, pp. 78-82; ver também De Vries, “On general and divine economy”, 2006, e “La religion globale, le théologie minimale”, 2007.
-
27
Derrida, “Faith and knwoledge”, pp. 50-2, 79.
-
28
De Vries, Cf. “La religion globale, la théologie minimale”, p. 208.
-
29
Derrida,“Faith and knowledge”.
-
30
Cf. Idem, p. 62.
-
31
Cf.Burity,“Entrepreneurial spirituality and ecumenical alterglobalism:two religious responses to global neoliberalism”.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul 2015
Histórico
-
Recebido
17 Jul 2015