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A formação do estado regulador

Resumos

Este artigo sustenta que as características da formação do Estado regulador brasileiro, antes de se apresentarem relacionadas a disputas entre economistas neoclássicos e economistas keynesianos, estariam vinculadas a disputas entre interpretações do Brasil que tomam como foco de análise a dinâmica política da relação entre Estado e sociedade.

Estado regulador; interpretações do Brasil; Celso Furtado; Fernando Henrique Cardoso


This article suggests that the formative particularities of the Brazilian regulatory State, before being understood as disputes between neoclassical and Keynesian economists, would be related to disputes between interpretations of Brazil which take as a guideline the political dynamics of the relation between State and society.

Regulatory State; interpretations of Brazil; Celso Furtado; Fernando Henrique Cardoso


A formação do estado regulador1 [1 ] Agradeço a todas as críticas e comentários que recebi, especialmente de Marcos Nobre, Jean Paul Rocha, Tiago Cortez, José Rodrigo Rodriguez, José Arthur Giannotti e Charles Sabel.

Paulo Todescan Lessa Mattos

Advogado, doutor em direito pela USP e pesquisador associado ao Cebrap

RESUMO

Este artigo sustenta que as características da formação do Estado regulador brasileiro, antes de se apresentarem relacionadas a disputas entre economistas neoclássicos e economistas keynesianos, estariam vinculadas a disputas entre interpretações do Brasil que tomam como foco de análise a dinâmica política da relação entre Estado e sociedade.

Palavras-chave: Estado regulador; interpretações do Brasil; Celso Furtado; Fernando Henrique Cardoso.

SUMMARY

This article suggests that the formative particularities of the Brazilian regulatory State, before being understood as disputes between neoclassical and Keynesian economists, would be related to disputes between interpretations of Brazil which take as a guideline the political dynamics of the relation between State and society.

Keywords: Regulatory State; interpretations of Brazil; Celso Furtado; Fernando Henrique Cardoso.

A existência de um modelo de Estado regulador não constitui uma novidade no Brasil, apesar de muitos preferirem qualificá-lo de Estado planejador ou Estado desenvolvimentista. No processo de desenvolvimento do sistema capitalista, o Estado planejador desenvolvimentista2 [2 ] Ver Francisco de Oliveira, "A economia brasileira: crítica à razão dualista". Estudos Cebrap, nº 2, 1972, pp. 3-82; José Luís Fiori, O vôo da coruja — para reler o desenvolvimentismo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2003, e "O nó cego do desenvolvimentismo brasileiro". Novos Estudos Cebrap, n.º 40, nov. de 1994, pp. 125-44. surge em países periféricos a partir da necessidade de industrialização. Em geral, esses países são de industrialização tardia e não conseguem criar, no contexto de organização política e atuação da classe empresarial nacional, poupança interna para o desenvolvimento da economia de forma não dependente do capital externo.3 [3 ] Ver Celso Furtado. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 3a ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965, pp. 175-85.

É certo que a compreensão do fenômeno do planejamento econômico no Brasil implica a análise das economias subdesenvolvidas que passaram por processos de industrialização tardia e a percepção de suas características particulares. Contudo, é necessário ir além de uma explicação vinculada apenas ao fenômeno do planejamento econômico e, igualmente, que não se restrinja tão somente à participação direta do Estado no setor produtivo de bens e serviços com o objetivo de conduzir o desenvolvimento econômico. Isso porque a principal característica do Estado planejador no Brasil é de ordem política, conforme sugerido a seguir.

Neste trabalho, procurarei contextualizar a formação do Estado regulador no Brasil e em seguida apresentar, em linhas gerais, três modelos de compreensão da organização da burocracia estatal para intervenção do Estado na economia. Em primeiro lugar, o modelo jurídico-institucional concebido no âmbito do pensamento autoritário clássico; em segundo, o modelo analítico proposto por Fernando Henrique Cardoso; e, em terceiro, o modelo analítico formulado por Celso Furtado e sua aproximação com a análise de Cardoso, tendo em vista a reconstrução levada a cabo por Francisco de Oliveira. Feito isso, o próximo passo será contextualizar o modelo do novo Estado regulador caracterizado pela reforma do Estado conduzida pelo governo Fernando Henrique Cardoso; e, depois, contextualizar os impasses enfrentados pelo governo Lula por não dispor de um modelo alternativo aos modelos anteriores.

Não é minha preocupação analisar neste trabalho as vantagens ou desvantagens do modelo x ou y de regulação4 [4 ] A ação regulatória do Estado pode ser considerada como um conjunto de técnicas administrativas de intervenção sobre a economia. Ao definir o conteúdo da regulação, a Administração pode escolher diferentes técnicas para gerar efeitos sobre a economia. Cada técnica tem uma lógica própria que está relacionada ao tipo de estrutura ou relação econômica a ser regulada e aos objetivos da regulação, considerando os efeitos almejados (política industrial, correção de "falhas de mercado", estímulo ao desenvolvimento regional, estímulo à concorrência, etc.). Tendo em vista que a escolha de tais técnicas é feita pela Administração (e não livremente pelos agentes no mercado) e que constituem formas de intervenção (externas) sobre a dinâmica (interna) de funcionamento da economia, preferi adotar genericamente a expressão "regulação" para caracterizar qualquer forma de intervenção do Estado sobre a economia. Nesse sentido, formas de planejamento econômico ou formas de correção de "falhas de mercado", por exemplo, podem ser consideradas técnicas administrativas distintas de regulação da economia. No mesmo sentido, ver: Michael Pior e Charles Sabel. The Second Industrial Divide: Possibilities for Prosperity. New York: Basic Books, 1984. da economia brasileira, porquanto meu interesse principal está voltado para a análise das interpretações do Brasil que estariam na base da formação da burocracia estatal concebida para organizar setores da economia brasileira no processo histórico de industrialização do país. Desse modo, procurarei defender a seguinte tese: as características da formação do Estado regulador brasileiro, antes de se apresentarem relacionadas a disputas entre economistas neoclássicos e economistas keynesianos, estariam vinculadas a disputas entre interpretações do Brasil que tomam como foco de análise a dinâmica política da relação entre Estado e sociedade.

Nessa perspectiva, as especificidades do caso brasileiro se tornarão mais evidentes se, no estudo da formação do Estado regulador no Brasil, o foco de nossa análise for deslocado das técnicas administrativas (técnicas econômicas e modelos econômicos para regular) para as condições de exercício de poder no interior dos novos loci de poder decisório institucionalizados com a criação de uma nova burocracia estatal (incluindo aí as empresas estatais). É nessa medida que podem ser pensadas de forma dinâmica a organização da burocracia estatal no país e as condições (incluindo os seus aspectos jurídicos) em que foram tomadas as decisões sobre regulação da economia.

Esse é o sentido político da análise pretendida. O mesmo sentido analítico foi proposto por Celso Furtado em Dialética do desenvolvimento:

continuamos a falar de planejamento econômico como se se tratasse de um problema de opção entre técnicas elaboradas por hábeis economistas, quando o planejamento pressupõe a formulação de política e uma atitude com respeito ao grau de racionalidade que se deseja alcançar em política econômica. Ora, não cabe pensar em política senão em termos de fatores que condicionam o exercício do poder, o que exige superar os "modelos analíticos" e abordar a atividade humana concreta dentro de uma realidade histórica.5 [5 ] C. Furtado. Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964, pp. 77-78. Em sentido próximo, ver: F. de Oliveira, op. cit; e José Luís Fiori, op. cit.

PENSAMENTO AUTORITÁRIO

A partir do primeiro governo Vargas, ganha ímpeto o processo de industrialização do país: adotam-se mecanismos de proteção de setores da economia nacional, forma-se uma nova burocracia estatal para regular a economia brasileira e criam-se empresas estatais para impulsionar o desenvolvimento industrial6 [6 ] Ver Eli Diniz. Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978; Otávio Ianni, Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971; Carlos Estevam Martis. Capitalismo de Estado e modelo político no Brasi. Rio de Janeiro: Graal, 1977. . Surge nesse quadro uma série de órgãos federais de coordenação e planejamento econômico, autarquias especializadas para a regulação de setores específicos da economia e empresas estatais que, articuladas aos órgãos reguladores, canalizam os investimentos produtivos necessários à industrialização.7 [7 ] Para uma relação dos órgãos criados entre 1930 e 1968, ver: Alberto Venâncio Filho. A intervenção do Estado no domínio econômico: O direito público econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. Para uma relação dos órgãos criados entre 1956 e 1985, ver: Adriano Nervo Codato. Sistema estatal e política econômica no Brasil Pós-64. São Paulo: Hucitec, 1997, pp. 347-49.

De fato, a partir dos anos 1930, o principal aspecto que marca o processo de industrialização brasileiro é a coordenação dos investimentos no setor produtivo estatal. A necessidade de tal tipo de coordenação implicou a adoção de novas técnicas administrativas de regulação da economia, que não se limitavam apenas às usuais técnicas de administração fiscal e monetária. Mais do que isso, eram técnicas de criação e acumulação de capital produtivo, de centralização e intermediação de capital financeiro, ao lado de técnicas de coordenação dos investimentos por meio de empresas estatais e privadas. Desde então, o setor produtivo privado passou a se desenvolver estreitamente enlaçado com o setor produtivo estatal.8 [8 ] Ver Luciano Coutinho e Henri-Philippe Reichstul. "O setor produtivo estatal e o ciclo". In: Carlos Estevam Martins (org.). Estado e capitalismo no Brasil. São Paulo: Hucitec-Cebrap, 1977, pp. 58-59.

Dado esse contexto, cabe observar que, a partir dos anos 1930, o desenvolvimento da economia brasileira esteve voltado para a institucionalização de processos de industrialização. Assim, o desenvolvimento ocorreu centrado, essencialmente, no Estado, ou melhor, com base na forma pela qual o Estado planejou o desenvolvimento econômico através de empresas estatais e, principalmente, por meio da articulação entre capital estatal e capital privado.

A compreensão das especificidades desse tipo de política industrial depende, pois, da análise de como os órgãos e empresas estatais criados nesse período atuaram no plano político e de como foram tomadas as decisões relativas à articulação entre capital estatal e capital privado para a realização de investimentos no setor produtivo nacional. As condições de regulação da economia e do desenvolvimento econômico passaram a depender da forma pela qual as decisões são tomadas ou, em outras palavras, de como se dá o exercício de poder no interior da burocracia estatal.

Nos anos 1930, a formação e institucionalização do Estado regulador brasileiro foram marcadas pelo pensamento autoritário nacionalista9 [9 ] Ver F. de Oliveira, "Viagem ao olho do furacão: Celso Furtado e o desafio do pensamento autoritário brasileiro". In: F. de Oliveira. A navegação venturosa: ensaios sobre Celso Furtado. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003. pp. 59-82; C. Furtado. Brasil: tempos modernos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968; e Fernando Henrique Cardoso. "O regime político brasileiro". Estudos Cebrap, nº 2, out. 1972, pp. 84-118. . Centralizado no Estado, o modelo de organização da economia refletiu, na época, um pensamento autoritário que, ao fazer a crítica do pensamento liberal, não rompia com as relações de poder e dominação vigentes. Autores como Francisco Campos, Oliveira Vianna, Azevedo do Amaral e Alberto Torres10 [10 ] Para uma análise das proposições de reformas jurídicas na Era Vargas — principalmente no que diz respeito ao direito público —, período em que se acentuou a intervenção do Estado na economia por meio da criação de órgãos de planejamento e de fiscalização da implementação de políticas setoriais, ver: Bilac Pinto. Regulamentação efetiva dos serviços de utilidade pública. Rio de Janeiro: Forense, 1941; Francisco Campos. Direito administrativo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943; Oliveira Vianna, Instituições políticas brasileiras: fundamentos sociais do Estado. São Paulo: José Olympio, 1949. Ver também as propostas de Alberto Torres, que influenciaram intelectualmente Oliveira Vianna: Alberto Torres. A organização nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1914. Para uma análise das mesmas reformas no plano da história do direito, ver: José Reinaldo Lima Lopes. O direito na história. São Paulo: Max Limonad, 2000. Para uma análise do pensamento político autoritário que está na base da formação do estado regulador na Primeira República do Brasil, ver: Bolivar Lamounier. "Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República — Uma interpretação". In: Boris Fausto (dir.). História da civilização brasileira. O Brasil republicano — 2. Sociedade e instituições (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, pp. 345-74. , entre outros, deram suporte teórico ao modelo de Estado adotado nessa época. Revelando uma concepção autoritária de Estado forte e centralizado11 [11 ] Ver E. Diniz, op. cit., pp. 71-72. , esse modelo acabou por internalizar no processo político a oligarquia, reproduzindo relações patrimonialistas.12 [12 ] Nesse sentido, Raymundo Faoro descreveu a formação dos estamentos burocráticos no Brasil no seu livro clássico Os donos do poder — Formação do patronato político brasileiro (Rio de Janeiro: Editora Globo, 1958, p. 267).

Diferentemente dos casos norte-americano e europeu, em que, na passagem do Estado liberal para o Estado regulador, houve uma disputa ampla de grupos sociais que resultou numa forma particular de organização da burocracia estatal, no Brasil não houve propriamente conflito social. Aqui, luta de poder se restringiu aos grupos dominantes com acesso aos canais de circulação de poder político e controle da máquina estatal.13 [13 ] "O processo político em um país subdesenvolvido com as características indicadas tende a apresentar-se sob a forma de uma permanente luta pelo poder, entre os grupos que compõem a classe dominante, em razão da extraordinária importância que tem o controle da máquina estatal. Inexistindo um processo endógeno no sistema, capaz de provocar a formação da consciência de classe da massa trabalhadora industrial, este grupo permanece tão disponível quanto os assalariados de classe média para serem trabalhados por ideologias da classe dominante, a serviço de suas facções internas em luta" (C. Furtado, Dialética do desenvolvimento, ed. cit., p. 83).

De fato, a formação da burocracia estatal brasileira e a expansão do processo de criação de empresas estatais estiveram diretamente associadas a uma relação de subordinação, ou de aliança, dos tecnocratas com a burguesia representante do capitalismo local e multinacional14 [14 ] Para uma avaliação da evolução e coordenação dos investimentos privados nacionais e internacionais, e dos investimentos estatais nos setores produtivos da economia brasileira, ver: Luciano Coutinho e Henri-Philippe Reichstul, op. cit. Desde o governo Kubitschek, e mais especificamente no período militar, até 1972, há um aumento significativo da dependência dos investimentos produtivos de capital internacional. Sobre a evolução da relação entre empresariado nacional e Estado no Brasil, ver: Eli Diniz e Renato Raul Boschi. Empresariado nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1978. . E esta relação teria se intensificado e se sofisticado com a chegada de uma nova classe social ao poder: os militares associados aos tecnoburocratas.15 [15 ] Para uma análise conceitual da tecnocracia e da tecnoburocracia e do sentido político das relações de poder burocrático nesse momento histórico, ver: Carlos Estevam Martins, "Tecnocracia e burocracia". Estudos Cebrap, nº 2, out. de 1972, pp. 119-46.

Esse processo foi descrito por Peter Evans em Dependent development, estudo crítico que faz uma síntese do debate sobre o processo de formação da burocracia estatal desenvolvimentista no Brasil.16 [16 ] Ver Peter Evans. Dependent Development — The Alliance of Multinational, State, and Local Capital in Brazil. Princeton: Princeton University Press, 1979, p. 50. Segundo Evans, o Estado planejador no Brasil não se teria constituído por meio de nacionalizações, permitindo a substituição negociada de uma burguesia industrial nacional pelo Estado (como ocorreu na França e na Inglaterra, por exemplo)17 [17 ] Idem, p. 47. . Ele observa que, no contexto da industrialização européia, diferentemente do caso brasileiro, houve uma disputa política entre grupos sociais, incluindo aí a classe trabalhadora organizada em sindicatos de expressiva representação política. E mais: na Europa, a democracia representativa foi assumida como o melhor sistema político para o desenvolvimento econômico associado ao crescimento da intervenção do Estado na economia. No Brasil, país que adotou uma matriz de desenvolvimento dependente do capital multinacional, a associação entre democracia e acumulação capitalista não teria condições de se sustentar.18 [18 ] Idem, p. 49.

Esse argumento pode ser ilustrado, empiricamente, a partir de duas constatações. Em primeiro lugar, o fato de o Estado regulador brasileiro ter se desenvolvido diretamente associado a regimes autoritários, cujo exemplo culminante foi o regime ditatorial-militar de 1964-1985, período em que se verificaram o enfraquecimento do Congresso e a supressão dos direitos políticos. Em segundo, o fato de os canais de circulação de poder político terem se concentrado, essencialmente, na figura do presidente da República, tornando-se ele o chefe da administração direta e o responsável pela formulação de políticas públicas a serem executadas pelos órgãos da administração indireta ou pelas empresas estatais.

Nesse trabalho, Peter Evans focaliza principalmente o advento da relação entre desenvolvimento econômico e autoritarismo. Sua pesquisa procura mostrar que o tipo de autoritarismo, de forte cunho centralizador, posto em prática pela ditadura militar no período de 1964-1985, reforçou no país a dependência econômica e a exclusão social. Isso porque as políticas públicas, definidas tanto nos gabinetes ministeriais como por uma tecnoburocracia especializada, eram resultado das relações de poder da aliança entre tecnocratas, elites locais e multinacionais, e sempre beneficiaram esses grupos em detrimento das classes excluídas ou sem acesso aos canais de circulação do poder político. Nesse sentido, os argumentos que davam suporte à formulação de políticas públicas atendiam à racionalidade de legitimação de qualquer conteúdo, desde que atendesse aos interesses dos grupos participantes da aliança.19 [19 ] Na linha da análise de Evans, é igualmente útil a caracterização que José Luiz Fiori faz desse modelo de Estado regulador próprio de economias capitalistas dependentes . Ver José Luís Fiori, op. cit.

Esse quadro permite a compreensão da enorme centralização de poder decisório na figura do presidente da República, na burocracia ministerial e nas autarquias e empresas estatais a esta última subordinadas, fato que caracterizou a implantação do projeto autoritário de Estado regulador inaugurado por Vargas.

Um efeito claro dessa centralização — para além da limitação dos canais de circulação de poder político e de participação mais ampla no processo decisório de grupos na "sociedade civil" — é a pouca importância que o Poder Legislativo desempenhou nesse modelo.20 [20 ] O Judiciário sofreu também limitações na sua capacidade de controle da ação regulatória do Estado. Tais limitações decorreram das características políticas da centralização no Executivo e, principalmente, dos reflexos desse fenômeno na forma de operacionalização da dogmática jurídica, conforme procurei discutir em artigo que trata do conceito de discricionariedade administrativa no direito brasileiro (ver: Paulo Todescan Lessa Mattos. O novo Estado regulador no Brasil: direito e democracia. São Paulo: Tese de doutorado, Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo, 2004; e idem, "Autonomia decisória, discricionariedade administrativa e legitimidade da função reguladora do estado no debate jurídico brasileiro". Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, Editora Fórum, vol. 12, out./dez. 2005, pp. 169-95). Essas constatações seguem uma tendência de análise que se manifestou entre cientistas sociais brasileiros, especialmente na década de 1970, quando analisaram a organização da burocracia estatal e o processo de industrialização e desenvolvimento econômico no Brasil, buscando, em geral, caracterizar um modelo jurídico-institucional de Estado regulador autoritário.

"ANÉIS BUROCRÁTICOS"

Um exemplo sofisticado de análise crítica do modelo jurídico-institucional do Estado regulador no Brasil é o conceito de "anéis burocráticos" do Estado. Formulado por Fernando Henrique Cardoso, esse conceito buscou analisar a organização política da sociedade brasileira e o papel desempenhado pelo Estado no processo de industrialização enquanto Estado planejador desenvolvimentista.

Do ponto de vista jurídico-institucional, o Estado regulador brasileiro revelou na sua formação características do movimento de fortalecimento próprias ao modelo de desenvolvimento econômico keynesiano. Nesse sentido, o crescimento da burocracia estatal com vistas ao planejamento racional de várias esferas da vida social e, em particular, da economia, também ocorreu no Brasil, especialmente por meio da criação de órgãos de planejamento econômico, autarquias especializadas e empresas estatais.

Todavia, a legitimidade da ação estatal no processo brasileiro de industrialização teria sido justificada a partir do próprio Estado e não a partir da "sociedade civil". Conforme escreve Cardoso,

no caso brasileiro, desde os primórdios da ação planejadora, no Governo Dutra e, especialmente, no segundo governo de Vargas, o plano surgiu como o resultado de um diagnóstico de carências formulado por técnicos, guiados por valores de "fortalecimento nacional", mas num quadro de apatia da "sociedade civil" e, especialmente, dos políticos profissionais.21 [21 ] Ver Fernando Henrique Cardoso. O modelo político brasileiro e outros ensaios. 2a ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973, p. 94.

A formação do Estado regulador brasileiro significou, pois, a constituição de uma nova burocracia e uma nova classe: os funcionários públicos tecnocratas. A partir do próprio Estado, essa nova classe já teria sido mobilizada no primeiro governo Vargas. E o suporte político da nova burocracia teria se amparado nas políticas populistas22 [22 ] Ver C. Furtado. Dialética do desenvolvimento, ed. cit., p. 83. que mobilizaram as massas a partir do dinamismo econômico próprio dos resultados econômicos gerados pelo Estado regulador.

Dessa maneira, tanto com Vargas no Estado Novo, acentuando-se com Dutra, novamente com Vargas em seu segundo governo, quanto com Kubitschek e, depois, com os militares a partir de 1964, o apoio político à atuação do Estado dependeu em grande parte de resultados econômicos que garantissem a adesão ou a ausência de questionamento de setores da "sociedade civil" não representados ou pouco representados.

Segundo Cardoso, o Estado regulador brasileiro, por não estar fundado na representação de interesses da sociedade civil, teria representado na sua formação uma acomodação apenas dos interesses da administração tradicional, clientelista, nos seus vários níveis de organização de poder. Tal argumento está em linha com a tônica da análise feita por Raymundo Faoro em Os donos do poder, ao afirmar que, diante da tecnocracia nascente no plano de um Estado centralizador com feições autoritárias, o patrimonialismo teria permanecido como característica da formação da burocracia estatal brasileira e os estamentos burocráticos teriam se institucionalizado.23 [23 ] Ver R. Faoro, op. cit., pp. 261-71.

O passo adiante de Cardoso em relação à análise de formação dos estamentos burocráticos de Faoro está na idéia de que, com o fortalecimento da nova burocracia estatal planejadora, as alianças entre interesses políticos e econômicos se organizaram de forma mais sofisticada. E essa sofisticação teria ocorrido essencialmente porque se formaram no interior da burocracia estatal "ilhas de racionalidade" que permitiram justificar políticas públicas em nome de critérios "meramente" técnicos. Entretanto, como essas "ilhas de racionalidade" se formaram dentro de uma estrutura administrativa tradicional, caracterizada pelo clientelismo político, elas acabaram por não servir ao "interesse público", mas aos interesses privados que se organizaram no interior do Estado e foram catalisados a partir do próprio Estado.

Nessa perspectiva, o planejamento econômico, enquanto técnica administrativa de intervenção do Estado na economia — sem afastar ou discutir aqui a sua importância no plano técnico-econômico —, teria tido no Brasil funções políticas importantes na organização de interesses políticos e econômicos das classes dirigentes. No entanto, essa organização foi interna ao próprio Estado, estando ausente na formação da burocracia brasileira a representação de partidos de classe, de sindicatos e de associações não-governamentais.24 [24 ] Ver F. H. Cardoso, op. cit., pp. 99-100.

A análise que Cardoso faz desse fenômeno dos "anéis burocráticos" altera-se quando entra em foco o regime político pós-64. Nesse momento, teria ocorrido uma quebra do populismo como instrumento de mobilização e sustentação política a partir do Estado e, ao mesmo tempo, surge um novo sistema no qual as decisões políticas passaram a ser tomadas pelas Forças Armadas enquanto corporação (uma burocracia de base técnica).25 [25 ] Idem, pp. 101-02. Após Castelo Branco, com a perda de função dos partidos políticos e o enfraquecimento do Legislativo, o sistema de "anéis burocráticos" apresenta grau maior de sofisticação; as relações políticas centralizam-se ainda mais no interior do Estado e na figura dos funcionários públicos tecnocratas.

Conforme escreve Cardoso, as qualidades requeridas para fazer parte de um "anel"

não advêm da existência de solidariedades ou da possibilidade de busca de recursos políticos comuns entre camadas ou frações de classe mais amplas, mas da definição, nos quadros dados pelo regime, de um interesse específico que pode unir, momentaneamente ou, em todo caso, não permanentemente, um "círculo de interessados" na solução de um problema: uma política energética ou rodoviária, o encaminhamento de uma sucessão estadual, a defesa de uma política tarifária etc. O que os distingue de um lobby é que são mais abrangentes (ou seja, não se resumem ao interesse econômico) e mais heterogêneos em sua composição (incluem funcionários, empresários, militares, etc.) e, especialmente, que para ter vigência no contexto político-institucional brasileiro, necessitam estar centralizados ao redor do detentor de algum cargo.26 [26 ] Ver idem, Autoritarismo e democratização, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 208.

A diferença central entre a organização dos "anéis burocráticos" no Estado regulador de orientação populista e nesse Estado regulador autoritário está numa dissolução ainda maior de qualquer tipo de legitimação das políticas públicas a partir da "sociedade civil". Se no período anterior já não havia no Brasil uma força legitimadora essencialmente democrática, visto que as políticas populistas induziam o apoio popular a partir do Estado, no regime político pós-64, especialmente de 1968 em diante, teria havido a exclusão da "representatividade em geral, e a popular em especial, como fonte legitimadora do Estado".27 [27 ] Idem, p. 213.

Outra diferença importante está no fato de que o regime pós-64 representou a montagem de um modelo de desenvolvimento industrial ainda mais dependente do capital multinacional. Assim, novas forças privadas, beneficiárias diretas do regime — "os setores industriais exportadores, os setores contratistas de obras, os setores extrativo-exportadores, o grande capital multinacional e o capital financeiro mobilizado para sustentar a nova etapa da acumulação e do crescimento econômico"28 [28 ] Idem, p. 207. —, irão se articular aos funcionários do Estado (civis e militares) para garantir seus interesses. Ou seja, as relações clientelistas que, antes, por meio dos partidos políticos29 [29 ] Sobre o papel do Legislativo no contexto político de formação do conteúdo das políticas econômicas durante o governo Kubitschek — antes, portanto, de seu enfraquecimento no contexto da ditadura militar de 1964-1985 —, ver: Maria Victoria de Mesquita Benevides. O Governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956 — 1961. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976; e Celso Lafer. JK e o programa de metas (1956-1961): processo de planejamento e sistema político no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002. , ainda tinham alguma força no Legislativo, agora se darão diretamente no interior dos ministérios e das autarquias a eles subordinadas, sob a tutela da Presidência da República no exercício de uma espécie de "função moderadora".30 [30 ] Ver F. H. Cardoso, Autoritarismo e Democratização, ed. cit., p. 207.

A contribuição de Cardoso é importante porque mostra como o autoritarismo no Brasil, legitimado seja por políticas populistas, seja por altos índices de crescimento econômico, teria sido incorporado na base de funcionamento do sistema político. E, como conseqüência do fenômeno do Estado regulador, o crescimento da burocracia estatal teria sido também incorporado como forma de garantia do exercício de poder político autoritário pelas classes dirigentes e por aqueles a elas associadas por meio dos "anéis".

Nesse sentido, Cardoso vai além das análises culturalistas que procuravam identificar as raízes socioculturais do exercício do poder: a chefia autocrática e paternalista, a figura do "homem cordial" ou a imagem da cultura patrimonialista lusitana, etc.31 [31 ] Conforme aparecem nas análises de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda ou mesmo de Raymundo Faoro. . Ele procurou analisar como o sistema político se organizou no Brasil em torno e a partir da burocracia estatal, sofisticando-se e se transformando ao longo do tempo conforme mudavam os grupos no poder. E o elemento central de sua análise esteve no modo de articulação de determinados segmentos da "sociedade civil", incluindo também aí a representação de interesses do capital multinacional e financeiro, a partir da burocracia estatal. Ou seja, o problema deixa de ser apenas sociocultural e passa a ser sistêmico, que pode ser descrito a partir da forma pela qual as instituições político-jurídicas são organizadas e operadas pelas classes que estão no poder.

A idéia de "anéis burocráticos" demonstra que não foi a partir do embate na "esfera pública" entre forças políticas distintas e variadas da "sociedade civil" que se deu a formação de uma burocracia concebida para regular as esferas da vida social. Essa burocracia teria se constituído centrada no próprio Estado e nas forças que se articularam em seu interior; um Estado que se modernizou ao longo do tempo, adotando sofisticadas técnicas administrativas de regulação da economia. Esse seria um modelo de Estado regulador, organizado na forma de uma burocracia pouco permeável às demandas da "sociedade civil". Trata-se, essencialmente, de um Estado autoritário, pois apenas os grupos de interesse que dão suporte ao grupo político no poder têm acesso aos canais de comunicação com os burocratas formuladores das políticas públicas. É dessa maneira que tais grupos garantem seus interesses.

O grande problema nessas circunstâncias é a legitimidade das políticas públicas consubstanciadas a partir da ação regulatória do Estado. Do ponto de vista simbólico, o exercício do poder político tem de se traduzir na forma de políticas "em benefício da sociedade". Tenha o governo sido eleito democraticamente ou não, o aspecto central do exercício do poder está na questão de como legitimar o conteúdo das políticas definidas em nome do "interesse público".

No caso brasileiro, a legitimidade dos governos populistas ou dos governos ditatoriais foi sempre buscada na forma de políticas que tentaram organizar parte dos setores da "sociedade civil" sem representação no Estado. Por exemplo, no populismo, a política trabalhista de Vargas; no regime militar, as propagandas do "Brasil Grande" e do "Brasil Potência".32 [32 ] Ver J. L. Fiori, op. cit.

A legitimidade, portanto, nunca seria associada a justificativas racionais e públicas do conteúdo das políticas adotadas e tampouco conformada a partir da representação de interesses dos vários setores da "sociedade civil". As políticas representaram sobretudo os interesses dos que estavam inseridos na estrutura de relações de poder dos "anéis burocráticos".

Mais importante, contudo, é entender que o Estado regulador se institucionalizou no Brasil de tal maneira que conduziu à prevalência de um tecnocratismo, por meio do qual assumimos que "questões técnicas" não implicam "questões políticas". No contexto histórico dos nossos regimes políticos autoritários, essa separação entre técnica e política foi utilizada de modo a justificar no interior da burocracia estatal interesses políticos que, diante da realidade dos "anéis burocráticos", sempre estiveram muito distantes de um ideal de "interesse público" ou de "bem comum". É nesse sentido que a noção de poder discricionário, enquanto discricionariedade administrativa, materializou-se na forma de poder arbitrário.33 [33 ] Ver José Eduardo Faria. "Legalidade e legitimidade — O Executivo como legislador". Revista de Informação Legislativa de Brasília, a. 22, n. 86, abr/jun 1985.

CRÍTICA AO PENSAMENTO AUTORITÁRIO

Parece inevitável uma associação direta entre o pensamento autoritário brasileiro da primeira metade do século XX e a constituição do modelo de Estado regulador. No instigante ensaio "Viagem ao olho do furacão", Francisco de Oliveira propõe que Celso Furtado teria mantido um diálogo velado com os expoentes do pensamento autoritário brasileiro, procurando reinterpretar em bases democráticas a formação do Estado nacional desenvolvimentista brasileiro.34 [34 ] Ver F. de Oliveira. "Viagem ao olho do furação...", ed. cit., pp. 64-65.

Segundo Francisco de Oliveira, o pensamento autoritário brasileiro teve em sua base uma determinada interpretação do Brasil, a qual teria influenciado as análises sobre o papel do Estado regulador e, principalmente, a constituição de um modelo jurídico-institucional de organização da burocracia estatal. Para Oliveira, as posições teóricas autoritárias da República Velha, que projetaram suas influências sobre o Estado Novo de Vargas, estão em tensão com as inclinações teóricas de Celso Furtado no que diz respeito à formação de uma burocracia estatal voltada para a organização da ordem econômica.35 [35 ] Idem, p. 64. Apesar de não existir nas obras de Furtado referência aos clássicos do pensamento autoritário, é possível, na reconstrução de seu pensamento político, desvendar o "diálogo velado" que teria mantido com os representantes daquela corrente de pensamento.

Furtado, ainda de acordo com Oliveira, teria respondido aos clássicos do pensamento autoritário de duas formas. A primeira, por meio de seu trabalho intelectual, ao se afastar do estilo bacharelesco, enciclopédico — no pior sentido — e opiniático dos juristas conservadores que deram suporte ao modelo do Estado Novo. E, ao mesmo tempo, ao propor uma análise do papel do Estado na economia distante das análises culturalistas que marcaram a antropologia e a sociologia da formação da sociedade brasileira.

A discussão que Furtado propõe sobre a dinâmica dos centros de decisão para a formulação de políticas desenvolvimentistas indica a tentativa de articular análises sistêmicas, considerando a articulação de grupos de interesse no plano do capitalismo internacional e no cenário da organização do mercado interno. Para ele, as

decisões de um país exportador de produtos primários são, necessariamente, reflexas. O grau de autonomia é limitado, pois os grupos que controlam a economia mundial dos produtos primários sobrepõem os seus interesses aos de cada país exportador considerado isoladamente. É natural, em tais casos, que os grupos de decisão em cada país exportador atuem em sincronia com o comando internacional. Os centros de decisão que se apóiam nas indústrias ligadas ao mercado interno gozam, por definição, de elevado grau de autonomia. [...] Na medida em que estes grupos passaram a predominar no Brasil, firmou-se a mentalidade "desenvolvimentista", que possibilitou a formulação de uma primeira política sistemática de industrialização [...]. Para desenvolver-se é necessário individualizar-se concomitantemente. Em outras palavras, a individualização não é simples conseqüência do desenvolvimento. É fato autônomo. [...] A sincronia entre os verdadeiros interesses do desenvolvimento e as decisões tem como pré-requisito a superação da economia "reflexa", isto é, exige a individualização do sistema econômico. Essa ideologia transformou a conquista dos centros de decisão em objetivo fundamental. E, como o principal centro de decisão é o Estado, atribui a este o papel básico da consecução do desenvolvimento. Assim, para evitar o controle direto ou indireto de grupos estrangeiros na industrialização do petróleo, ao Estado foi cometida responsabilidade industrial neste setor. A criação de bancos oficiais de desenvolvimento permitiu canalizar para as indústrias uma parcela adicional de recursos, sem os quais não teria sido possível a necessária concentração de capitais nos setores básicos.36 [36 ] C. Furtado. Desenvolvimento e subdesenvolvimento, ed. cit., pp. 234-36.

O Estado e os modelos jurídico-institucionais para o funcionamento da burocracia estatal na regulação da economia estão no centro da análise de Furtado. Mas, diferentemente do pensamento autoritário, o Estado não é compreendido como a síntese do interesse nacional. O Estado é uma arena de circulação de poder político nos quais grupos de interesse se articulam na definição do conteúdo da regulação de mercados.

Mas, em vez de definir a priori quais os interesses nacionais a ser perseguidos pelo Estado, Furtado aponta para a necessidade de reformas jurídico-institucionais nos centros de decisão que permitam a institucionalização de políticas desenvolvimentistas a partir da "sociedade civil". Essa dimensão do pensamento de Furtado aponta para uma forma de justificação racional do conteúdo das políticas e legitimação por meio do incremento da participação de grupos de interesse ligados à indústria representativa do mercado interno capazes de canalizar forças econômicas ao desenvolvimento. Nesse sentido, Furtado não faz uma mera defesa ideológica de um ideário nacionalista. A análise é sistêmica e as possibilidades de reforma passam por uma compreensão do funcionamento da burocracia estatal e dos seus canais de circulação de poder político.37 [37 ] "As reformas surgem não como uma opção racional, e sim como o abandono de certas posições pelos grupos que controlam o sistema de poder, ou como uma modificação da relação de forças dos grupos que disputam o controle do sistema de poder. Uma vez introduzidas, as reformas podem modificar fundamentalmente o comportamento das variáveis econômicas, sendo necessário redefinir toda a estrutura do modelo. Ainda assim, a técnica de modelos pode ser utilizada para demonstrar a incompatibilidade entre objetivos de uma suposta política de desenvolvimento, pondo a descoberto a necessidade de reformas estruturais, e para estabelecer a amplitude dessas reformas, caso hajam sido definidos os objetivos a alcançar. Dessa forma, supera-se o domínio da política econômica convencional para abordar o das estratégias, visando transformar as estruturas" (C. Furtado. Teoria e política do desenvolvimento econômico. 10ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 281)

A segunda resposta de Furtado ao pensamento autoritário, igualmente apontada por Oliveira, foi a criação das bases institucionais da Operação Nordeste e da Sudene, inserida no contexto da teoria do subdesenvolvimento de origem cepalina. Para Francisco de Oliveira, Furtado percebeu a necessidade de um novo pacto federativo, que descentralizaria o fluxo de investimentos do eixo Sul-Sudeste, na tentativa de industrialização do Nordeste. Mais do que uma análise do funcionamento da economia brasileira, ele teria oferecido uma interpretação do Brasil ao perceber que a forma de organização das forças políticas no interior da burocracia estatal caracterizaria um modelo centralizado de reprodução do poder político no eixo Sul-Sudeste e, conseqüentemente, de concentração do capital nos atores representativos da burguesia nacional do Sul-Sudeste articulada com os interesses do capital multinacional.38 [38 ] F. de Oliveira, "Viagem ao olho do furação...", ed. cit., pp. 80-81.

As respostas veladas apresentadas por Furtado aos clássicos do autoritarismo teriam inovado a forma de interpretar o Brasil. Ao pensar o papel do Estado, identificando os problemas institucionais na forma de organização da burocracia estatal, Furtado responde a figuras como Alberto Torres e Oliveira Vianna, que desconfiavam, por princípio, de qualquer forma institucional que pudesse representar um enfraquecimento do poder central. Descentralizar a forma de atuação do Estado na organização da economia brasileira, em articulação com os estados da Federação, seria aceitável para o pensamento autoritário, desde que sem autonomia. Furtado teria pensado formas de autonomia decisória e de democratização dos canais de circulação de poder político para que representantes de outros setores da sociedade brasileira pudessem participar de redes de organização da economia em níveis locais e regionais.

Por outro lado, Furtado também se afasta das análises culturalistas, na medida em que teria formulado uma interpretação do Brasil centrada na forma de organização do fluxo de poder político no interior da burocracia estatal. O Estado e a política passaram a ser o eixo da interpretação furtadiana.

Mas o aprofundamento do pensamento autoritário no regime militar de 1964-1985 teria impedido a constituição de um novo marco jurídico-institucional para uma redefinição da forma de atuação do Estado, especialmente na sua relação com a "sociedade civil", no planejamento do desenvolvimento econômico brasileiro. Ironicamente, figuras supostamente liberais e antiplanejadoras como Eugênio Gudin, Roberto de Oliveira Campos (sucessor de Gudin na liderança conservadora), Delfim Neto e Mário Henrique Simonsen acabaram por consolidar o modelo institucional autoritário centralizado de organização da economia brasileira (claramente antiliberal — esta a ironia!), reproduzindo o pensamento clássico e as relações de poder político que marcaram a formação do Estado regulador brasileiro.

Contra esse modelo autoritário, uma nova interpretação do Brasil parece ter constituído as bases para a formação de um novo modelo jurídico-institucional de organização da burocracia estatal. Apesar de Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso partirem de diagnósticos e modelos analíticos que por vezes se aproximam39 [39 ] Os pontos de aproximação seriam o foco de preocupação intelectual na organização política da burocracia estatal brasileira quando da intervenção do Estado na economia, e a adoção de modelos analíticos que procuram formular críticas ao pensamento autoritário brasileiro e, ao mesmo tempo, se afastar das análises culturalistas que marcaram a antropologia e a sociologia da formação da sociedade brasileira. , parece não ter sido a interpretação furtadiana a vencedora da corrida por um modelo de Estado regulador alternativo ao modelo autoritário até então vigente, mas a interpretação do Brasil que marcou a reforma do Estado, na década de 1990, durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

A política de desmonte do Estado planejador desenvolvimentista e a substituição deste por um novo Estado regulador parecem ter suas bases na interpretação que o próprio Fernando Henrique Cardoso, enquanto intelectual, teria do Brasil, ao lado de outros intelectuais que seguiram a mesma linha de diagnóstico.40 [40 ] Ver Sérgio Henrique Abranches. The Divided Leviathan: State and Economic Policy Formation in Authoritarian Brazil. PhD. Dissertation, Cornell: University of Cornell, 1978; Lourdes Sola. Idéias econômicas e decisões políticas. São Paulo: Edusp, 1998; Luis Carlos Bresser Pereira. Reforma do Estado para a cidadania. São Paulo: Editora 34, 1998; e L. C. Bresser Pereira, Jorge Wilheim, Lourdes Sola (orgs.). Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Editora Unesp; Brasília: ENAP, 1999.

O novo Estado regulador — caracterizado pela criação de agências reguladoras independentes, pelas privatizações de empresas estatais, por terceirizações de funções administrativas do Estado e pela regulação da economia segundo técnicas administrativas de defesa da concorrência e correção de "falhas de mercado", em substituição a políticas de planejamento industrial — representou uma clara descentralização do poder do presidente da República e de seus ministros, ao mesmo tempo em que se tentaram criar novos mecanismos jurídico-institucionais de participação de diferentes setores da sociedade civil no controle democrático do processo de formulação do conteúdo da regulação de setores da economia brasileira.41 [41 ] Essa intenção foi, inclusive, declarada por Cardoso em ensaio sobre a reforma do Estado ("Notas sobre a reforma do Estado". Novos Estudos Cebrap, n.º 50, 1998, p. 10).

Nesse sentido, a reforma do Estado na década de 1990 não teria sido apenas uma resposta no plano técnico-econômico à crise fiscal do Estado, mas resultado de um claro movimento político de transformação do funcionamento da burocracia estatal, tendo por base um movimento intelectual de interpretação do Brasil posto em prática a partir das eleições de Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República.

A criação de uma burocracia estatal para regulação de mercados — especialmente centralizada no modelo de agências reguladoras independentes — marcou uma redefinição dos canais de circulação de poder político para a formulação de políticas públicas para setores estratégicos da economia, tais como os de telecomunicações, energia elétrica, gás e petróleo, transportes, água e saneamento, saúde e medicamentos, seguros, etc.

A formulação de políticas setoriais, antes restrita aos gabinetes ministeriais, aos conselhos institucionalizados no interior da burocracia estatal da administração direta, às decisões políticas do presidente da República e ao jogo de barganhas políticas com o Congresso, passou a adotar critérios técnicos e uma forma "negociada", segundo procedimentos juridicamente institucionalizados, com o público afetado pelas normas editadas pelas agências.

Dessa forma, criou-se um novo lócus de circulação de poder político, redefinindo as relações internas ao Poder Executivo na regulação de setores da economia brasileira e as condições de barganha política entre este e o Legislativo. Ao mesmo tempo, as agências se transformaram em uma nova arena política de participação de atores da "sociedade civil" na elaboração do conteúdo da regulação.42 [42 ] Nesse sentido, ver resultados de pesquisa empírica que realizei sobre o uso de consultas públicas na formulação de normas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ver Paulo Todescan Lessa Mattos. "Regulação econômica e social e participação pública no Brasil". In: Vera Schattan P. Coelho e Marcos Nobre (orgs.). Participação e deliberação. São Paulo: Editora 34, 2004, pp. 313-43.

Esse novo arcabouço jurídico-institucional e suas bases conceituais, determinadas, a meu ver, por uma concepção do que deveria ser uma burocracia estatal de novo tipo, capaz de corrigir os problemas sistêmicos e déficits democráticos do modelo autoritário inaugurado por Vargas, teria sido portanto uma tentativa de, na prática, concretizar a imagem que Cardoso construiu do Brasil enquanto intelectual.

Luiz Inácio Lula da Silva inicia o mandato como presidente em 2003 não apenas diante dessa imagem como pano de fundo no ideário da nova burocracia estatal, mas, principalmente, diante de uma enorme mudança legislativa43 [43 ] Além do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 8.884/94), ambos anteriores às reformas realizadas na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, o seguinte quadro de leis compõe o que podemos chamar de "reforma regulatória": (i) Lei de Concessão de Serviços Públicos (Lei nº 8.987/95); Lei de Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784/ 99); (iii) Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/ 97) — a qual criou a Agência Nacional de Telecomunicações; (iv) Lei nº 9.427/96 — a qual estabeleceu as regras para a prestação de serviços de geração e transmissão de energia elétrica e criou a Agência Nacional de Energia Elétrica; e (v) Lei no 9.478/97 — a qual estabeleceu regras para a prestação de serviços de gás canalizado e para o funcionamento da indústria do petróleo e criou a Agência Nacional do Petróleo. Posteriormente foram criadas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei no 9.782/ 99), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (Lei no 9.961/2000), a Agência Nacional de Águas (Lei no 9.984/2000), a Agência Nacional de Transportes Aquáticos (Lei no 10.233/2001) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (Lei no 10.233/01). Cabe mencionar também a criação da Agência Nacional do Cinema (Medida Provisória no 2.228-1/2001). e constitucional44 [44 ] Como exemplos temos as Emendas número 5, 6, 7 e 8 (todas de 15/08/ 95), 9 (de 9/11/95) e 19 (de 4/06/98). A Emenda número 5 estabelece o regime legal de prestação de serviços de gás natural pelos estados; a Emenda número 6 estabelece o regime de pesquisa e extração de recursos minerais; a Emenda número 7 estabelece o regime legal de transportes aéreo, aquático e terrestre; a Emenda número 8 estabelece o regime legal de serviços de telecomunicações e define a criação de um órgão regulador para o setor; a Emenda número 9 elimina o monopólio legal de óleo e gás natural e define a criação de um órgão regulador para o setor; e a Emenda 19, dentre outras alterações, introduz o princípio da eficiência na organização e ação da administração pública e estabelece que mecanismos de participação pública devem ser previstos no processo e em procedimentos administrativos. que deu suporte às reformas de Cardoso.

AUSÊNCIA DE UM MODELO ALTERNATIVO

O governo Lula procurou contestar e criticar especialmente o modelo de burocracia estatal criado pelo governo FHC na forma das agências reguladoras independentes. No início do primeiro mandato, em referência às competências das agências na negociação das condições de reajustes de tarifas de serviços públicos (definidas nos contratos de concessão), Lula declarou: "O Brasil foi terceirizado. As agências mandam no país. [...] As decisões que afetam a população não passam pelo governo".45 [45 ] Ver "Lula critica agências e diz que fará mudanças". Folha de S.Paulo, 20/02/2003, pp. A1 e A4, edição São Paulo.

A essa declaração se seguiu uma série que culminou em discussões públicas — amplamente divulgadas nos jornais ao longo de 2003 — sobre o modelo de agências reguladoras adotado no Brasil e sua relação com o governo (administração direta). Os resultados mais concretos dessas manifestações, até janeiro de 2004, foram dois anteprojetos de lei do Poder Executivo submetidos à consulta pública pela Casa Civil da Presidência da República e, posteriormente, transformados em projeto de lei enviado ao Congresso46 [46 ] Projeto de Lei nº 3.337, de 2004, do Poder Executivo — dispõe sobre a gestão, a organização e o controle social das Agências Reguladoras, acresce e altera dispositivos das Leis nº 9.472, de 16 de julho de 1997, nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, nº 9.984, de 17 de julho de 2000, nº 9.986, de 18 de julho de 2000, e nº 10.233, de 5 de junho de 2001, da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, e dá outras providências. . Além disso, cabe destacar também, como medida concreta, o decreto presidencial que, no início de janeiro de 2004, demitiu o presidente da Anatel (Luiz Guilherme Schymura) e indicou para o seu lugar um conselheiro ligado ao governo Lula, colocando em xeque a autonomia decisória das agências reguladoras.

Na prática, o projeto de lei que altera o modelo de agências reguladoras tem como principal característica a criação de um mecanismo de subordinação das decisões ao presidente da República (na forma de "contratos de gestão"). No entanto, não oferece nenhum novo modelo jurídico-institucional para a ação do Estado no desenvolvimento de setores da economia brasileira.

Para além do debate sobre as agências reguladoras, o governo Lula procurou criar as bases institucionais para a articulação de um retorno ao desenvolvimento de políticas industriais para determinados setores da economia. O projeto da nova Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)47 [47 ] Criada pela Lei n.º 11.080, de 30 dezembro de 2004. , concebida no contexto dos debates internos ao governo Lula e canalizado pelo início de novas pesquisas sobre o tema presididas por Glauco Arbix no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), parece um esboço de um novo modelo jurídico-institucional para o desenvolvimento econômico.

A ABDI pretende ser uma nova arena para definir estratégias e linhas gerais de ação para políticas de desenvolvimento industrial em diferentes setores da economia. As decisões são tomadas dentro de um conselho deliberativo formado por representantes governamentais e da sociedade civil. Seus objetivos e metas são definidos pelo governo federal por meio de contratos de gestão, e sua função, definida em lei, é a de promover o desenvolvimento tecnológico e econômico em setores da economia brasileira.

Não temos, no momento, resultados concretos de políticas definidas no contexto da ABDI que possam ser mensuradas. No entanto, até o momento, as tentativas do governo Lula de oferecer um novo modelo de Estado planejador desenvolvimentista parecem carecer de um arcabouço jurídico-institucional de novo tipo.48 [48 ] Daí os ecos de pouca duração de figuras como Carlos Lessa, que insistiu, enquanto presidente do BNDES, até ser afastado pelo presidente Lula, no retorno ao modelo de Estado planejador desenvolvimentista anterior às reformas dos anos 1990.

Na "disputa pelas interpretações do Brasil", o modelo de novo Estado regulador oferecido por Fernando Henrique Cardoso — uma alternativa ao pensamento autoritário — parece ter vencido até o momento. Não apenas porque o grupo de intelectuais que se organizou em torno das eleições de Fernando Henrique se apoiou numa interpretação do Brasil alternativa ao pensamento autoritário. Mas essencialmente porque esse grupo conseguiu articular um modelo jurídico-institucional para dar forma legal a um novo Estado regulador, efetivamente institucionalizado com as reformas legislativas e constitucionais dos anos 1990 — e aqui não faço nenhum juízo sobre as qualidades ou problemas de tal modelo.49 [49 ] Na minha tese de doutorado, O novo Estado regulador no Brasil: direito e democracia (ed. cit.), procurei fazer uma análise crítica do modelo de Estado regulador constituído a partir da reforma do Estado nos anos 1990. Ver também: Paulo Mattos. "Regulação econômica e social e participação pública no Brasil", ed. cit.

Por outro lado, Furtado teria tentado cunhar um modelo democrático de Estado planejador desenvolvimentista — também enfrentando o pensamento autoritário brasileiro. Mas esse novo modelo, como vimos, não chegou a se constituir, tendo sido interrompido pela ditadura militar de 1964-1985, que aprofundou o modelo autoritário.

O governo Lula parece também não ter conseguido oferecer qualquer novo debate sobre o funcionamento e a organização da burocracia estatal para a regulação e o desenvolvimento planejado de setores da economia brasileira. Com exceção da ABDI — ainda uma grande incógnita — parece não haver qualquer articulação em torno de novas idéias.

CONCLUSÃO

Não é minha preocupação discutir a adoção de um modelo x ou y de Estado regulador para o desenvolvimento de setores da economia brasileira. O foco da análise está voltado para a dimensão política dos processos decisórios e modelos jurídico-institucionais para a regulação de mercados.

Nesse sentido, sendo a minha preocupação de ordem política e não estritamente econômica,50 [50 ] Ver C. Furtado. Dialética do desenvolvimento, ed. cit., pp 77-78. cabe discutir quais poderiam ser os termos desse debate, que parece retornar ao cenário político brasileiro, a respeito da formulação de um modelo de Estado planejador desenvolvimentista.

Em outras palavras, o que está em jogo é saber quais são as alternativas de modelos jurídico-institucionais que poderiam ser adotados para a formação de um modelo de Estado regulador desenvolvimentista democrático. Que modelos informam o debate no caso brasileiro?

De um lado, temos a experiência do Estado planejador desenvolvimentista que vigorou até o final dos anos 1980, marcada, no plano político, pelo pensamento autoritário. De outro, temos a experiência da reforma do Estado realizada nos anos 1990, que procurou descentralizar o processo de formulação de políticas públicas para o desenvolvimento de setores da economia, porém adotando um regime político de insulamento das agências reguladoras dos canais de circulação de barganha político-eleitoral, visando com isso limitar a atuação dos "lobbies" clientelistas incrustados nas burocracias ministeriais.

Em linha com a leitura que Francisco de Oliveira faz do pensamento político furtadiano, é possível afirmar que, no primeiro caso, teríamos uma concepção negativa da democracia, dadas as bases do pensamento autoritário brasileiro, e, no segundo, uma concepção negativa do Estado, dados os diagnósticos e a crítica ao pensamento autoritário que estiveram na base da formulação das reformas ocorridas durante os oito anos de governo FHC.

Poderiam ser reconstruídas várias experiências recentes, ocorridas fora do Brasil, descritas em trabalhos nas áreas de administração pública, ciência política e direito. Assim como o modelo de agências reguladoras independentes adotado no Brasil na década de 1990 foi importado da experiência norte-americana, também hoje podemos observar a importação de novos modelos de agências executivas, de agências de fomento e de modelos de gestão de parcerias público-privado. Ao mesmo tempo, podemos observar a adoção de formas de governança no controle da execução de políticas públicas por terceiros (organizações sociais) ou no controle dos empreendimentos baseados em contratos de gestão.

No mundo anglo-saxão e na Europa ocidental continental, muito se tem escrito nas últimas décadas sobre a reforma do Estado e a adoção de novos modelos institucionais para o desenvolvimento econômico e a democratização.51 [51 ] Ver Charles Sabel. "Beyond Principal-Agent Governance: Experimentalist Organizations, Learning and Accountability", draft discussion paper prepared for WRR meeting, Amsterdam (May 10-14, 2004) and revised July 2004, and to appear in Ewald Engelen & Monika Sie Dhian Ho (eds.), De Staat van de Democratie. Democratie voorbij de Staat, WRR Verkenning 3 (Amsterdam: Amsterdam University Press). Organismos multilaterais como o Banco Mundial, a OECD, o FMI e a Comissão Européia vêm definindo modelos de reformas institucionais e de diagnóstico do funcionamento das instituições. Os modelos geralmente advogados pelos organismos multilaterais ou adotados por países que passaram a figurar com força política no cenário econômico internacional têm tido impacto sobre a produção intelectual relacionada à reforma do Estado e têm igualmente condicionado as reformas. Em muitos casos, esses modelos são impostos no contexto de processos de negociação de países em crise com organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o FMI, ou "comprados" acriticamente, como se pudessem ser escolhidos na prateleira de um shopping center e, em seguida, "consumidos".52 [52 ] Ver Christopher Pollitt e Geert Bouchaert. Public Management Reform. Oxford: Oxford University Press, 2000.

Importar modelos não é uma novidade e não é algo característico apenas de países em desenvolvimento. Os países desenvolvidos também importam e adaptam modelos já utilizados em outros países. Ocorre que, quando os modelos importados são aplicados, é inerente ao processo político de implementação a sua adaptação à dinâmica interna da burocracia estatal de cada país. Ou os modelos são adaptados assumindo-se inteiramente os pressupostos teóricos que lhes deram origem, ou, na adaptação, são tomados apenas como referência e, nesse caso, ganham novo sentido no contexto de análise do processo histórico de formação da burocracia estatal de cada país.

Recentemente, as experiências institucionais em matéria de desenvolvimento econômico de países que alcançaram altos índices de industrialização e de crescimento econômico, como Coréia, China e Índia, chamaram a atenção como modelos alternativos aos modelos do mainstream ocidental53 [53 ] Nesse sentido, ver: Dani Rodrik (ed.). In Search of Prosperity: Analytic Narratives on Economic Growth. New Jersey: Princeton University Press, 2003. .

Hoje, o Brasil dispõe de diferentes instrumentos úteis às políticas de fomento ao desenvolvimento econômico, com diferentes mecanismos jurídico-institucionais. Porém, não possuímos um modelo único de Estado regulador. Aqui, misturam-se modelos institucionais de regulação voltados para a correção de "falhas de mercado" e para o estímulo da concorrência entre empresas (agências reguladoras independentes, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, etc.) com modelos de regulação e planejamento econômico voltados para o desenvolvimento setorial, exportação, inovação em matéria de pesquisa e política industrial (casos do BNDES, Embrapa, Finep, Apex-Brasil, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos — CGEE, entre outras organizações sociais criadas como incubadoras de projetos de inovação tecnológica e industrial, e, agora, a ABDI).

Em se tratando do modelo implementado por Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, parece ter prevalecido uma interpretação do Brasil marcada por uma noção negativa do Estado, sempre entendido como um órgão "capturado" por "lobbies" incrustados nas burocracias ministeriais.

No caso do modelo de Estado planejador desenvolvimentista, para além da experiência varguista e suas variações no período mais autoritário da história política brasileira, parece ter sido relevada a preocupação com o controle democrático dos processos decisórios internos à burocracia estatal, já que aí a preocupação principal era a eficiência econômica, entendida como crescimento econômico e desenvolvimento nacional.

Não haveria, portanto, na experiência jurídico-institucional brasileira, a compreensão da democracia como princípio regulador54 [54 ] Ver Jürgen Habermas, Between Facts and Norms. Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy. Cambridge: The MIT Press, 1996; e Charles Sabel. "Design, Deliberation, and Democracy: On the New Pragmatism of Firms and Public Institutions", paper apresentado na Conference on Liberal Institutions, Economic Constitutional Rights and the Role of Organizations. European University Institute, Florença, dezembro de 1995. do processo de formulação de políticas econômicas e regulação de mercados. Faltaria uma noção positiva do Estado combinada com uma noção positiva de democracia nas experiências jurídico-institucionais de intervenção do Estado na economia. A experiência furtadiana — no plano teórico e político — poderia ter sido o prenúncio dessa combinação? Talvez, mas infelizmente não se consolidou no plano teórico e teve vida curta no plano político.

Recebido para publicação em 20 de maio de 2006.

  • [2] Ver Francisco de Oliveira, "A economia brasileira: crítica à razão dualista". Estudos Cebrap, nş 2, 1972, pp. 3-82;
  • José Luís Fiori, O vôo da coruja para reler o desenvolvimentismo brasileiro Rio de Janeiro: Record, 2003,
  • e "O nó cego do desenvolvimentismo brasileiro". Novos Estudos Cebrap, n.ş 40, nov. de 1994, pp. 125-44.
  • [3] Ver Celso Furtado. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 3a ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965, pp. 175-85.
  • [4] A ação regulatória do Estado pode ser considerada como um conjunto de técnicas administrativas de intervenção sobre a economia. Ao definir o conteúdo da regulação, a Administração pode escolher diferentes técnicas para gerar efeitos sobre a economia. Cada técnica tem uma lógica própria que está relacionada ao tipo de estrutura ou relação econômica a ser regulada e aos objetivos da regulação, considerando os efeitos almejados (política industrial, correção de "falhas de mercado", estímulo ao desenvolvimento regional, estímulo à concorrência, etc.). Tendo em vista que a escolha de tais técnicas é feita pela Administração (e não livremente pelos agentes no mercado) e que constituem formas de intervenção (externas) sobre a dinâmica (interna) de funcionamento da economia, preferi adotar genericamente a expressão "regulação" para caracterizar qualquer forma de intervenção do Estado sobre a economia. Nesse sentido, formas de planejamento econômico ou formas de correção de "falhas de mercado", por exemplo, podem ser consideradas técnicas administrativas distintas de regulação da economia. No mesmo sentido, ver: Michael Pior e Charles Sabel. The Second Industrial Divide: Possibilities for Prosperity. New York: Basic Books, 1984.
  • [5] C. Furtado. Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964, pp. 77-78.
  • [6] Ver Eli Diniz. Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978;
  • Otávio Ianni, Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970) Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971;
  • Carlos Estevam Martis. Capitalismo de Estado e modelo político no Brasi Rio de Janeiro: Graal, 1977.
  • [7] Para uma relação dos órgãos criados entre 1930 e 1968, ver: Alberto Venâncio Filho. A intervenção do Estado no domínio econômico: O direito público econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
  • Para uma relação dos órgãos criados entre 1956 e 1985, ver: Adriano Nervo Codato. Sistema estatal e política econômica no Brasil Pós-64 São Paulo: Hucitec, 1997, pp. 347-49.
  • [8] Ver Luciano Coutinho e Henri-Philippe Reichstul. "O setor produtivo estatal e o ciclo". In: Carlos Estevam Martins (org.). Estado e capitalismo no Brasil. São Paulo: Hucitec-Cebrap, 1977, pp. 58-59.
  • [9] Ver F. de Oliveira, "Viagem ao olho do furacão: Celso Furtado e o desafio do pensamento autoritário brasileiro". In: F. de Oliveira. A navegação venturosa: ensaios sobre Celso Furtado. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003. pp. 59-82;
  • C. Furtado. Brasil: tempos modernos Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968;
  • e Fernando Henrique Cardoso. "O regime político brasileiro". Estudos Cebrap, nş 2, out. 1972, pp. 84-118.
  • [10] Para uma análise das proposições de reformas jurídicas na Era Vargas principalmente no que diz respeito ao direito público , período em que se acentuou a intervenção do Estado na economia por meio da criação de órgãos de planejamento e de fiscalização da implementação de políticas setoriais, ver: Bilac Pinto. Regulamentação efetiva dos serviços de utilidade pública. Rio de Janeiro: Forense, 1941;
  • Francisco Campos. Direito administrativo Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943;
  • Oliveira Vianna, Instituições políticas brasileiras: fundamentos sociais do Estado São Paulo: José Olympio, 1949.
  • Ver também as propostas de Alberto Torres, que influenciaram intelectualmente Oliveira Vianna: Alberto Torres. A organização nacional Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1914.
  • Para uma análise das mesmas reformas no plano da história do direito, ver: José Reinaldo Lima Lopes. O direito na história São Paulo: Max Limonad, 2000.
  • Para uma análise do pensamento político autoritário que está na base da formação do estado regulador na Primeira República do Brasil, ver: Bolivar Lamounier. "Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República Uma interpretação". In: Boris Fausto (dir.). História da civilização brasileira. O Brasil republicano 2. Sociedade e instituições (1889-1930) Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, pp. 345-74.
  • [12] Nesse sentido, Raymundo Faoro descreveu a formação dos estamentos burocráticos no Brasil no seu livro clássico Os donos do poder — Formação do patronato político brasileiro (Rio de Janeiro: Editora Globo, 1958, p. 267).
  • [13] "O processo político em um país subdesenvolvido com as características indicadas tende a apresentar-se sob a forma de uma permanente luta pelo poder, entre os grupos que compõem a classe dominante, em razão da extraordinária importância que tem o controle da máquina estatal. Inexistindo um processo endógeno no sistema, capaz de provocar a formação da consciência de classe da massa trabalhadora industrial, este grupo permanece tão disponível quanto os assalariados de classe média para serem trabalhados por ideologias da classe dominante, a serviço de suas facções internas em luta" (C. Furtado, Dialética do desenvolvimento, ed. cit., p. 83).
  • [14] Para uma avaliação da evolução e coordenação dos investimentos privados nacionais e internacionais, e dos investimentos estatais nos setores produtivos da economia brasileira, ver: Luciano Coutinho e Henri-Philippe Reichstul, op. cit. Desde o governo Kubitschek, e mais especificamente no período militar, até 1972, há um aumento significativo da dependência dos investimentos produtivos de capital internacional. Sobre a evolução da relação entre empresariado nacional e Estado no Brasil, ver: Eli Diniz e Renato Raul Boschi. Empresariado nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1978.
  • [15] Para uma análise conceitual da tecnocracia e da tecnoburocracia e do sentido político das relações de poder burocrático nesse momento histórico, ver: Carlos Estevam Martins, "Tecnocracia e burocracia". Estudos Cebrap, nş 2, out. de 1972, pp. 119-46.
  • [16] Ver Peter Evans. Dependent Development The Alliance of Multinational, State, and Local Capital in Brazil. Princeton: Princeton University Press, 1979, p. 50.
  • [20] O Judiciário sofreu também limitações na sua capacidade de controle da ação regulatória do Estado. Tais limitações decorreram das características políticas da centralização no Executivo e, principalmente, dos reflexos desse fenômeno na forma de operacionalização da dogmática jurídica, conforme procurei discutir em artigo que trata do conceito de discricionariedade administrativa no direito brasileiro (ver: Paulo Todescan Lessa Mattos. O novo Estado regulador no Brasil: direito e democracia. São Paulo: Tese de doutorado, Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo, 2004;
  • e idem, "Autonomia decisória, discricionariedade administrativa e legitimidade da função reguladora do estado no debate jurídico brasileiro". Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, Editora Fórum, vol. 12, out./dez. 2005, pp. 169-95).
  • [21] Ver Fernando Henrique Cardoso. O modelo político brasileiro e outros ensaios. 2a ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973, p. 94.
  • [22] Ver C. Furtado. Dialética do desenvolvimento, ed. cit., p. 83.
  • [26] Ver idem, Autoritarismo e democratização, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 208.
  • [29] Sobre o papel do Legislativo no contexto político de formação do conteúdo das políticas econômicas durante o governo Kubitschek antes, portanto, de seu enfraquecimento no contexto da ditadura militar de 1964-1985 , ver: Maria Victoria de Mesquita Benevides. O Governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956 1961. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976;
  • e Celso Lafer. JK e o programa de metas (1956-1961): processo de planejamento e sistema político no Brasil Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.
  • [30] Ver F. H. Cardoso, Autoritarismo e Democratização, ed. cit., p. 207.
  • [33] Ver José Eduardo Faria. "Legalidade e legitimidade O Executivo como legislador". Revista de Informação Legislativa de Brasília, a. 22, n. 86, abr/jun 1985.
  • [34] Ver F. de Oliveira. "Viagem ao olho do furação...", ed. cit., pp. 64-65.
  • [36] C. Furtado. Desenvolvimento e subdesenvolvimento, ed. cit., pp. 234-36.
  • [37] "As reformas surgem não como uma opção racional, e sim como o abandono de certas posições pelos grupos que controlam o sistema de poder, ou como uma modificação da relação de forças dos grupos que disputam o controle do sistema de poder. Uma vez introduzidas, as reformas podem modificar fundamentalmente o comportamento das variáveis econômicas, sendo necessário redefinir toda a estrutura do modelo. Ainda assim, a técnica de modelos pode ser utilizada para demonstrar a incompatibilidade entre objetivos de uma suposta política de desenvolvimento, pondo a descoberto a necessidade de reformas estruturais, e para estabelecer a amplitude dessas reformas, caso hajam sido definidos os objetivos a alcançar. Dessa forma, supera-se o domínio da política econômica convencional para abordar o das estratégias, visando transformar as estruturas" (C. Furtado. Teoria e política do desenvolvimento econômico. 10Ş ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 281)
  • [38] F. de Oliveira, "Viagem ao olho do furação...", ed. cit., pp. 80-81.
  • [40] Ver Sérgio Henrique Abranches. The Divided Leviathan: State and Economic Policy Formation in Authoritarian Brazil. PhD. Dissertation, Cornell: University of Cornell, 1978;
  • Lourdes Sola. Idéias econômicas e decisões políticas São Paulo: Edusp, 1998;
  • Luis Carlos Bresser Pereira. Reforma do Estado para a cidadania São Paulo: Editora 34, 1998;
  • e L. C. Bresser Pereira, Jorge Wilheim, Lourdes Sola (orgs.). Sociedade e Estado em transformação São Paulo: Editora Unesp; Brasília: ENAP, 1999.
  • [41] Essa intenção foi, inclusive, declarada por Cardoso em ensaio sobre a reforma do Estado ("Notas sobre a reforma do Estado". Novos Estudos Cebrap, n.ş 50, 1998, p. 10).
  • [42] Nesse sentido, ver resultados de pesquisa empírica que realizei sobre o uso de consultas públicas na formulação de normas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ver Paulo Todescan Lessa Mattos. "Regulação econômica e social e participação pública no Brasil". In: Vera Schattan P. Coelho e Marcos Nobre (orgs.). Participação e deliberação. São Paulo: Editora 34, 2004, pp. 313-43.
  • [45] Ver "Lula critica agências e diz que fará mudanças". Folha de S.Paulo, 20/02/2003, pp. A1 e A4, edição São Paulo.
  • [49] Na minha tese de doutorado, O novo Estado regulador no Brasil: direito e democracia (ed. cit.), procurei fazer uma análise crítica do modelo de Estado regulador constituído a partir da reforma do Estado nos anos 1990. Ver também: Paulo Mattos. "Regulação econômica e social e participação pública no Brasil", ed. cit.
  • [50] Ver C. Furtado. Dialética do desenvolvimento, ed. cit., pp 77-78.
  • [51] Ver Charles Sabel. "Beyond Principal-Agent Governance: Experimentalist Organizations, Learning and Accountability", draft discussion paper prepared for WRR meeting, Amsterdam (May 10-14, 2004) and revised July 2004, and to appear in Ewald Engelen & Monika Sie Dhian Ho (eds.), De Staat van de Democratie. Democratie voorbij de Staat, WRR Verkenning 3 (Amsterdam: Amsterdam University Press).
  • [52] Ver Christopher Pollitt e Geert Bouchaert. Public Management Reform. Oxford: Oxford University Press, 2000.
  • [53] Nesse sentido, ver: Dani Rodrik (ed.). In Search of Prosperity: Analytic Narratives on Economic Growth. New Jersey: Princeton University Press, 2003.
  • [54] Ver Jürgen Habermas, Between Facts and Norms. Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy. Cambridge: The MIT Press, 1996;
  • e Charles Sabel. "Design, Deliberation, and Democracy: On the New Pragmatism of Firms and Public Institutions", paper apresentado na Conference on Liberal Institutions, Economic Constitutional Rights and the Role of Organizations. European University Institute, Florença, dezembro de 1995.
  • [1
    ] Agradeço a todas as críticas e comentários que recebi, especialmente de Marcos Nobre, Jean Paul Rocha, Tiago Cortez, José Rodrigo Rodriguez, José Arthur Giannotti e Charles Sabel.
  • [2
    ] Ver Francisco de Oliveira, "A economia brasileira: crítica à razão dualista".
    Estudos Cebrap, nº 2, 1972, pp. 3-82; José Luís Fiori,
    O vôo da coruja — para reler o desenvolvimentismo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2003, e "O nó cego do desenvolvimentismo brasileiro".
    Novos Estudos Cebrap, n.º 40, nov. de 1994, pp. 125-44.
  • [3
    ] Ver Celso Furtado.
    Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 3a ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965, pp. 175-85.
  • [4
    ] A ação regulatória do Estado pode ser considerada como um conjunto de técnicas administrativas de intervenção sobre a economia. Ao definir o conteúdo da regulação, a Administração pode escolher diferentes técnicas para gerar efeitos sobre a economia. Cada técnica tem uma lógica própria que está relacionada ao tipo de estrutura ou relação econômica a ser regulada e aos objetivos da regulação, considerando os efeitos almejados (política industrial, correção de "falhas de mercado", estímulo ao desenvolvimento regional, estímulo à concorrência, etc.). Tendo em vista que a escolha de tais técnicas é feita pela Administração (e não livremente pelos agentes no mercado) e que constituem formas de intervenção (externas) sobre a dinâmica (interna) de funcionamento da economia, preferi adotar genericamente a expressão "regulação" para caracterizar qualquer forma de intervenção do Estado sobre a economia. Nesse sentido, formas de planejamento econômico ou formas de correção de "falhas de mercado", por exemplo, podem ser consideradas técnicas administrativas distintas de regulação da economia. No mesmo sentido, ver: Michael Pior e Charles Sabel.
    The Second Industrial Divide: Possibilities for Prosperity. New York: Basic Books, 1984.
  • [5
    ] C. Furtado.
    Dialética do desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964, pp. 77-78. Em sentido próximo, ver: F. de Oliveira, op. cit; e José Luís Fiori, op. cit.
  • [6
    ] Ver Eli Diniz.
    Empresário, estado e capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978; Otávio Ianni,
    Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971; Carlos Estevam Martis.
    Capitalismo de Estado e modelo político no Brasi. Rio de Janeiro: Graal, 1977.
  • [7
    ] Para uma relação dos órgãos criados entre 1930 e 1968, ver: Alberto Venâncio Filho.
    A intervenção do Estado no domínio econômico: O direito público econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. Para uma relação dos órgãos criados entre 1956 e 1985, ver: Adriano Nervo Codato.
    Sistema estatal e política econômica no Brasil Pós-64. São Paulo: Hucitec, 1997, pp. 347-49.
  • [8
    ] Ver Luciano Coutinho e Henri-Philippe Reichstul. "O setor produtivo estatal e o ciclo". In: Carlos Estevam Martins (org.).
    Estado e capitalismo no Brasil. São Paulo: Hucitec-Cebrap, 1977, pp. 58-59.
  • [9
    ] Ver F. de Oliveira, "Viagem ao olho do furacão: Celso Furtado e o desafio do pensamento autoritário brasileiro". In: F. de Oliveira.
    A navegação venturosa: ensaios sobre Celso Furtado. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003. pp. 59-82; C. Furtado.
    Brasil: tempos modernos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968; e Fernando Henrique Cardoso. "O regime político brasileiro".
    Estudos Cebrap, nº 2, out. 1972, pp. 84-118.
  • [10
    ] Para uma análise das proposições de reformas jurídicas na Era Vargas — principalmente no que diz respeito ao direito público —, período em que se acentuou a intervenção do Estado na economia por meio da criação de órgãos de planejamento e de fiscalização da implementação de políticas setoriais, ver: Bilac Pinto.
    Regulamentação efetiva dos serviços de utilidade pública. Rio de Janeiro: Forense, 1941; Francisco Campos.
    Direito administrativo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943; Oliveira Vianna,
    Instituições políticas brasileiras: fundamentos sociais do Estado. São Paulo: José Olympio, 1949. Ver também as propostas de Alberto Torres, que influenciaram intelectualmente Oliveira Vianna: Alberto Torres.
    A organização nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1914. Para uma análise das mesmas reformas no plano da história do direito, ver: José Reinaldo Lima Lopes.
    O direito na história. São Paulo: Max Limonad, 2000. Para uma análise do pensamento político autoritário que está na base da formação do estado regulador na Primeira República do Brasil, ver: Bolivar Lamounier. "Formação de um pensamento político autoritário na Primeira República — Uma interpretação". In: Boris Fausto (dir.).
    História da civilização brasileira. O Brasil republicano — 2. Sociedade e instituições (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, pp. 345-74.
  • [11
    ] Ver E. Diniz, op. cit., pp. 71-72.
  • [12
    ] Nesse sentido, Raymundo Faoro descreveu a formação dos estamentos burocráticos no Brasil no seu livro clássico
    Os donos do poder — Formação do patronato político brasileiro (Rio de Janeiro: Editora Globo, 1958, p. 267).
  • [13
    ] "O processo político em um país subdesenvolvido com as características indicadas tende a apresentar-se sob a forma de uma permanente luta pelo poder, entre os grupos que compõem a classe dominante, em razão da extraordinária importância que tem o controle da máquina estatal. Inexistindo um processo endógeno no sistema, capaz de provocar a formação da consciência de classe da massa trabalhadora industrial, este grupo permanece tão disponível quanto os assalariados de classe média para serem trabalhados por ideologias da classe dominante, a serviço de suas facções internas em luta" (C. Furtado,
    Dialética do desenvolvimento, ed. cit., p. 83).
  • [14
    ] Para uma avaliação da evolução e coordenação dos investimentos privados nacionais e internacionais, e dos investimentos estatais nos setores produtivos da economia brasileira, ver: Luciano Coutinho e Henri-Philippe Reichstul, op. cit. Desde o governo Kubitschek, e mais especificamente no período militar, até 1972, há um aumento significativo da dependência dos investimentos produtivos de capital internacional. Sobre a evolução da relação entre empresariado nacional e Estado no Brasil, ver: Eli Diniz e Renato Raul Boschi.
    Empresariado nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1978.
  • [15
    ] Para uma análise conceitual da
    tecnocracia e da
    tecnoburocracia e do sentido político das relações de poder burocrático nesse momento histórico, ver: Carlos Estevam Martins, "Tecnocracia e burocracia".
    Estudos Cebrap, nº 2, out. de 1972, pp. 119-46.
  • [16
    ] Ver Peter Evans.
    Dependent Development — The Alliance of Multinational, State, and Local Capital in Brazil. Princeton: Princeton University Press, 1979, p. 50.
  • [17
    ] Idem, p. 47.
  • [18
    ] Idem, p. 49.
  • [19
    ] Na linha da análise de Evans, é igualmente útil a caracterização que José Luiz Fiori faz desse modelo de Estado regulador próprio de economias capitalistas dependentes . Ver José Luís Fiori, op. cit.
  • [20
    ] O Judiciário sofreu também limitações na sua capacidade de controle da ação regulatória do Estado. Tais limitações decorreram das características políticas da centralização no Executivo e, principalmente, dos reflexos desse fenômeno na forma de operacionalização da dogmática jurídica, conforme procurei discutir em artigo que trata do conceito de
    discricionariedade administrativa no direito brasileiro (ver: Paulo Todescan Lessa Mattos.
    O novo Estado regulador
    no Brasil: direito e democracia. São Paulo: Tese de doutorado, Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo, 2004; e idem, "Autonomia decisória, discricionariedade administrativa e legitimidade da função reguladora do estado no debate jurídico brasileiro".
    Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, Editora Fórum, vol. 12, out./dez. 2005, pp. 169-95).
  • [21
    ] Ver Fernando Henrique Cardoso. O modelo político brasileiro e outros ensaios. 2a ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1973, p. 94.
  • [22
    ] Ver C. Furtado.
    Dialética do desenvolvimento, ed. cit., p. 83.
  • [23
    ] Ver R. Faoro, op. cit., pp. 261-71.
  • [24
    ] Ver F. H. Cardoso, op. cit., pp. 99-100.
  • [25
    ] Idem, pp. 101-02.
  • [26
    ] Ver idem,
    Autoritarismo e democratização, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 208.
  • [27
    ] Idem, p. 213.
  • [28
    ] Idem, p. 207.
  • [29
    ] Sobre o papel do Legislativo no contexto político de formação do conteúdo das políticas econômicas durante o governo Kubitschek — antes, portanto, de seu enfraquecimento no contexto da ditadura militar de 1964-1985 —, ver: Maria Victoria de Mesquita Benevides.
    O Governo Kubitschek: desenvolvimento econômico e estabilidade política, 1956 — 1961. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976; e Celso Lafer.
    JK e o programa de metas (1956-1961): processo de planejamento e sistema político no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.
  • [30
    ] Ver F. H. Cardoso,
    Autoritarismo e Democratização, ed. cit., p. 207.
  • [31
    ] Conforme aparecem nas análises de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda ou mesmo de Raymundo Faoro.
  • [32
    ] Ver J. L. Fiori, op. cit.
  • [33
    ] Ver José Eduardo Faria. "Legalidade e legitimidade — O Executivo como legislador".
    Revista de Informação Legislativa de Brasília, a. 22, n. 86, abr/jun 1985.
  • [34
    ] Ver F. de Oliveira. "Viagem ao olho do furação...", ed. cit., pp. 64-65.
  • [35
    ] Idem, p. 64.
  • [36
    ] C. Furtado.
    Desenvolvimento e subdesenvolvimento, ed. cit., pp. 234-36.
  • [37
    ] "As reformas surgem não como uma opção racional, e sim como o abandono de certas posições pelos grupos que controlam o sistema de poder, ou como uma modificação da relação de forças dos grupos que disputam o controle do sistema de poder. Uma vez introduzidas, as reformas podem modificar fundamentalmente o comportamento das variáveis econômicas, sendo necessário redefinir toda a estrutura do modelo. Ainda assim, a técnica de modelos pode ser utilizada para demonstrar a incompatibilidade entre objetivos de uma suposta política de desenvolvimento, pondo a descoberto a necessidade de reformas estruturais, e para estabelecer a amplitude dessas reformas, caso hajam sido definidos os objetivos a alcançar. Dessa forma, supera-se o domínio da política econômica convencional para abordar o das estratégias, visando transformar as estruturas" (C. Furtado.
    Teoria e política do desenvolvimento econômico. 10ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 281)
  • [38
    ] F. de Oliveira, "Viagem ao olho do furação...", ed. cit., pp. 80-81.
  • [39
    ] Os pontos de aproximação seriam o foco de preocupação intelectual na
    organização política da burocracia estatal brasileira quando da intervenção do Estado na economia, e a adoção de modelos analíticos que procuram formular críticas ao pensamento autoritário brasileiro e, ao mesmo tempo, se afastar das análises culturalistas que marcaram a antropologia e a sociologia da formação da sociedade brasileira.
  • [40
    ] Ver Sérgio Henrique Abranches.
    The Divided Leviathan: State and Economic Policy Formation in Authoritarian Brazil. PhD. Dissertation, Cornell: University of Cornell, 1978; Lourdes Sola.
    Idéias econômicas e decisões políticas. São Paulo: Edusp, 1998; Luis Carlos Bresser Pereira.
    Reforma do Estado para a cidadania. São Paulo: Editora 34, 1998; e L. C. Bresser Pereira, Jorge Wilheim, Lourdes Sola (orgs.).
    Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Editora Unesp; Brasília: ENAP, 1999.
  • [41
    ] Essa intenção foi, inclusive, declarada por Cardoso em ensaio sobre a reforma do Estado ("Notas sobre a reforma do Estado".
    Novos Estudos Cebrap, n.º 50, 1998, p. 10).
  • [42
    ] Nesse sentido, ver resultados de pesquisa empírica que realizei sobre o uso de
    consultas públicas na formulação de normas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Ver Paulo Todescan Lessa Mattos. "Regulação econômica e social e participação pública no Brasil". In: Vera Schattan P. Coelho e Marcos Nobre (orgs.).
    Participação e deliberação. São Paulo: Editora 34, 2004, pp. 313-43.
  • [43
    ] Além do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 8.884/94), ambos anteriores às reformas realizadas na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, o seguinte quadro de leis compõe o que podemos chamar de "reforma regulatória": (i) Lei de Concessão de Serviços Públicos (Lei nº 8.987/95); Lei de Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784/ 99); (iii) Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/ 97) — a qual criou a Agência Nacional de Telecomunicações; (iv) Lei nº 9.427/96 — a qual estabeleceu as regras para a prestação de serviços de geração e transmissão de energia elétrica e criou a Agência Nacional de Energia Elétrica; e (v) Lei no 9.478/97 — a qual estabeleceu regras para a prestação de serviços de gás canalizado e para o funcionamento da indústria do petróleo e criou a Agência Nacional do Petróleo. Posteriormente foram criadas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei no 9.782/ 99), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (Lei no 9.961/2000), a Agência Nacional de Águas (Lei no 9.984/2000), a Agência Nacional de Transportes Aquáticos (Lei no 10.233/2001) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (Lei no 10.233/01). Cabe mencionar também a criação da Agência Nacional do Cinema (Medida Provisória no 2.228-1/2001).
  • [44
    ] Como exemplos temos as Emendas número 5, 6, 7 e 8 (todas de 15/08/ 95), 9 (de 9/11/95) e 19 (de 4/06/98). A Emenda número 5 estabelece o regime legal de prestação de serviços de gás natural pelos estados; a Emenda número 6 estabelece o regime de pesquisa e extração de recursos minerais; a Emenda número 7 estabelece o regime legal de transportes aéreo, aquático e terrestre; a Emenda número 8 estabelece o regime legal de serviços de telecomunicações e define a criação de um órgão regulador para o setor; a Emenda número 9 elimina o monopólio legal de óleo e gás natural e define a criação de um órgão regulador para o setor; e a Emenda 19, dentre outras alterações, introduz o princípio da eficiência na organização e ação da administração pública e estabelece que mecanismos de participação pública devem ser previstos no processo e em procedimentos administrativos.
  • [45
    ] Ver "Lula critica agências e diz que fará mudanças".
    Folha de S.Paulo, 20/02/2003, pp. A1 e A4, edição São Paulo.
  • [46
    ] Projeto de Lei nº 3.337, de 2004, do Poder Executivo — dispõe sobre a gestão, a organização e o controle social das Agências Reguladoras, acresce e altera dispositivos das Leis nº 9.472, de 16 de julho de 1997, nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, nº 9.961, de 28 de janeiro de 2000, nº 9.984, de 17 de julho de 2000, nº 9.986, de 18 de julho de 2000, e nº 10.233, de 5 de junho de 2001, da Medida Provisória nº 2.228-1, de 6 de setembro de 2001, e dá outras providências.
  • [47
    ] Criada pela Lei n.º 11.080, de 30 dezembro de 2004.
  • [48
    ] Daí os ecos de pouca duração de figuras como Carlos Lessa, que insistiu, enquanto presidente do BNDES, até ser afastado pelo presidente Lula, no retorno ao modelo de
    Estado planejador desenvolvimentista anterior às reformas dos anos 1990.
  • [49
    ] Na minha tese de doutorado,
    O novo Estado regulador
    no Brasil:
    direito e democracia (ed. cit.), procurei fazer uma análise crítica do modelo de Estado regulador constituído a partir da reforma do Estado nos anos 1990. Ver também: Paulo Mattos. "Regulação econômica e social e participação pública no Brasil", ed. cit.
  • [50
    ] Ver C. Furtado.
    Dialética do desenvolvimento, ed. cit., pp 77-78.
  • [51
    ] Ver Charles Sabel. "Beyond Principal-Agent Governance: Experimentalist Organizations, Learning and Accountability", draft discussion paper prepared for WRR meeting, Amsterdam (May 10-14, 2004) and revised July 2004, and to appear in Ewald Engelen & Monika Sie Dhian Ho (eds.), De Staat van de Democratie. Democratie voorbij de Staat, WRR Verkenning 3 (Amsterdam: Amsterdam University Press).
  • [52
    ] Ver Christopher Pollitt e Geert Bouchaert.
    Public Management Reform. Oxford: Oxford University Press, 2000.
  • [53
    ] Nesse sentido, ver: Dani Rodrik (ed.).
    In Search of Prosperity: Analytic Narratives on Economic Growth. New Jersey: Princeton University Press, 2003.
  • [54
    ] Ver Jürgen Habermas,
    Between Facts and Norms. Contributions to a Discourse Theory of Law and Democracy. Cambridge: The MIT Press, 1996; e Charles Sabel. "Design, Deliberation, and Democracy: On the New Pragmatism of Firms and Public Institutions", paper apresentado na Conference on Liberal Institutions, Economic Constitutional Rights and the Role of Organizations. European University Institute, Florença, dezembro de 1995.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Fev 2007
    • Data do Fascículo
      Nov 2006

    Histórico

    • Recebido
      20 Maio 2006
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