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Ao leitor

AO LEITOR

Em "Amor sem uso", texto de abertura do primeiro número desta revista, Roberto Schwarz chamava a atenção para a necessidade de reavivar o debate intelectual. Num ambiente de reflexão combalido e carente de interlocução, em busca de meios para reorganizar uma atividade obstruída e desarticulada ao longo de quase duas décadas de ditadura militar, o surgimento de Novos Estudos, em 1981, sinalizava uma auspiciosa mudança de perspectiva.

A publicação, seguia o texto de Schwarz, seria ferramenta valiosa para dar vazão a uma produção intelectual desejosa de participação, mas em sua maior parte dispersa e restrita ao âmbito universitário. Se os ventos ajudassem, estaria ali uma arena para estimular os hábitos de confronto e sobretudo ampliar o alcance da reflexão social num país que cambaleava rumo à abertura democrática. "A situação é péssima, excelente para fazer uma revista", sintetizava a frase final.

Os ventos, ao menos, ajudaram. Vinte e cinco anos depois, é possível dizer que poucas foram as publicações capazes de corresponder de modo tão fiel à proposta inicial. Arroubos publicitários à parte, é raro encontrar no campo das humanidades no Brasil uma iniciativa semelhante tão longeva, coesa, regular e consistente em seus propósitos.

As razões para isso são inúmeras. A solidez da produção dos autores convidados, de seu corpo de fundadores e dos integrantes do Conselho Editorial é sem dúvida a principal – com a destreza de hábito, Rodrigo Naves descreve a dinâmica dessa participação em texto neste número. O suporte institucional do Cebrap e o empenho dos editores Perseu Abramo, Juarez Rubens Brandão Lopes, Chico de Oliveira, Rodrigo Naves, Álvaro Comin, Omar Ribeiro Thomaz e Flávio Pierucci, nessa ordem os responsáveis pela direção da revista desde sua fundação, garantiram a continuidade do projeto editorial e seu constante aperfeiçoamento.

Fazer a revista nesse início de século xxi, porém, impõe dilemas distintos daqueles da época de seu lançamento. E o primeiro diz respeito a sua própria história. Como qualquer veículo incapaz de se reinventar, a revista perde se quiser viver à sombra da época em que surgiu, até porque isso equivaleria a ignorar as transformações por que passou o país, bem como a necessidade de renovação dos pontos de vista. Em contrapartida, trair a proposta inicial, exemplarmente delineada no texto de Schwarz, equivale a descaracterizá-la no que tem de melhor e descambar ou para a ligeireza das revistas de divulgação, ou para a selva impenetrável do pensamento social duro, segmentado e sem imaginação.

Numa revista em que as disciplinas canônicas das ciências sociais convivem com ensaios sobre economia, filosofia, artes visuais e literatura, há sempre o risco de dispersão e perda de identidade. Contra isso, a tentativa é buscar artigos de fundo capazes de iluminar temas do momento e oferecer um mínimo de perspectiva, ordem e contexto à profusão de palpites e informações que se volatilizam pela grande imprensa.

Se nem todos os textos respondem ao objetivo, isso se deve não apenas às transformações da pesquisa acadêmica, mas também à natureza institucional da publicação. E é bom que seja assim. Descolar-se completamente da produção elaborada pelos grupos de pesquisa do Cebrap e pelo Centro de Estudos da Metrópole seria, além de uma esquizofrenia editorial digna de nota, ignorar uma produção sólida e variada, capaz de apontar novos caminhos à pesquisa social no Brasil. O oposto, contudo, também tem de ser levado em conta. Fazer da revista um mero escoadouro de papers, de modo a abandonar o diálogo com setores não contemplados pelo Cebrap e desprezar novas vozes, equivale a trair sua outra natureza, de pluralidade, interdisciplinaridade e principalmente de intervenção.

Fazer Novos Estudos hoje, portanto, é procurar um fio entre a produção específica e o interesse geral, entre a pesquisa aplicada e o comentário generalista, entre o rigor monográfico e a leveza do ensaísmo. Num contexto de crescente especialização das ciências humanas e de pressão incessante das agências de fomento e instâncias avaliadoras sobre os departamentos universitários e centros de pesquisa, não se trata de tarefa simples. Daí a convivência algo dissonante entre indicadores macroeconômicos e a poesia brasileira, entre os sociogramas e as fotos, desenhos e gravuras do ensaio visual.

As constrições financeiras são outra questão a afinar. Apesar do inestimável apoio de agências como a Finep, o CNPq e, mais recentemente, da Fundação Carlos Chagas, a revista faz o que pode para acompanhar a modernização dos meios editoriais, com apuro no trato do texto e visual mais atraente, e ao mesmo tempo para intensificar a interface com a mídia eletrônica. Desdobra-se também para transpor gargalos de assinatura, sua razão de ser, e garantir a disponibilidade em livrarias, sempre exígua e dependente dos ânimos insondáveis dos livreiros. Isso sem mencionar a lentidão bovina do editor para executar tarefas administrativas, como ler planilhas de venda, planejar o orçamento com eficiência ou pensar estratégia de marketing.

Fazer Novos Estudos é costurar tudo isso num país que não cessa de impor desafios à interpretação. Seria um evidente disparate listar o que mudou nesse tempo. Basta mencionar que há pelo menos doze anos governantes comprometidos com o restabelecimento do regime democrático e com a redução das disparidades sociais ocupam o Executivo federal. E nem por isso o momento parece promissor. Pelo contrário: tomando de empréstimo uma formulação do mesmo Schwarz, a social-democracia vai se mostrando, também ela, uma espécie de idéia fora do lugar.

Mas assunto não falta. Se a situação ainda é péssima, ao menos continua ótima para fazer uma revista.

FLÁVIO MOURA - EDITOR

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2008
  • Data do Fascículo
    Jul 2006
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