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COLETIVOS NEGROS E NOVAS IDENTIDADES RACIAIS

Black Collectives and New Racial Identities

RESUMO

Coletivos negros passaram a ter papel decisivo na recepção de estudantes cotistas e no controle das ações afirmativas nas universidades públicas, tornando-se atores relevantes no combate ao racismo sistêmico no ensino superior. Neste artigo, analisamos estratégias, organização, perfis e discursos em coletivos atuantes em três universidades para propor hipóteses interpretativas sobre a formação de novas identidades negras no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
coletivos negros; ações afirmativas; universidades públicas e identidade racial

ABSTRACT

Black collectives started to play a decisive role in the reception of quota students and in the control of affirmative actions in public universities, becoming relevant actors in the fight against systemic racism in higher education. In this article, we analyze strategies, organization, profiles and discourses in collectives active at three universities to propose interpretive hypotheses about the formation of new black identities in Brazil.

KEYWORDS:
black collectives; affirmative action; public universities and racial identity

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos - de forma mais precisa a partir de 2016, quando diversas universidades brasileiras, por pressão de organizações negras e do Ministério Público (MP), passaram a formar comissões de heteroidentificação da raça/cor dos candidatos inscritos para preencher as cotas raciais -, começamos a nos dar conta de que isso poderia começar a mudar o modo de identificar-se como negro no Brasil. Passamos, então, a seguir com mais atenção o que estava acontecendo nas três universidades a que estávamos ligados, a fim de reunir dados, observações e intuições que se nos apresentavam, com o intuito de desenvolver, em seguida, um projeto de pesquisa.

As três universidades - Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade de São Paulo (USP) - tiveram trajetórias bastante distintas quanto à admissão de estudantes negros, lançando mão de estratégias diferentes para ampliação do ingresso destes. A UFBA foi uma das primeiras universidades a adotar uma política de cotas raciais para ingresso: em 2004, estabeleceu um patamar mínimo de 42% de ingressantes negros por curso a cada ano. A USP, ao contrário, apenas recentemente adotou uma política de cotas: o número de estudantes negros matriculados por ano aumentou de 11%, em 2007, para 25,7% em 2019. A UFF, por sua vez, também tardia na adoção de cotas raciais, viu, entretanto, o número de alunos negros admitidos por cotas nos últimos anos dar um salto fantástico: de 407, em 2014, para 7.761, no segundo semestre de 2018, ou seja, um crescimento de 1.906%. Outro fator relevante para a análise foi a mobilização dentro das universidades em prol da introdução de políticas de ações afirmativas. Assim, se a UFBA e a USP têm maior tradição de mobilização negra, seja pela composição demográfica no caso da primeira, seja pelo histórico de baixa presença de negros no caso da segunda,1 1 Como veremos adiante, na USP, a mobilização negra estudantil tem espaço próprio desde o final dos anos 1980, quando os estudantes conseguiram organizar o Núcleo de Consciência Negra no campus Butantã. a UFF experimenta uma mudança de política muito mais abrupta.2 2 É bem verdade que foi na UFF que surgiu o Grupo de Trabalho André Rebouças, ainda sob a ditadura militar. Organizado por estudantes negros e liderado pela historiadora Beatriz Nascimento, esse grupo teve papel relevante para o debate sobre as relações raciais entre as décadas de 1970 e 1980, estabelecendo diálogos profícuos com pesquisadores como Carlos Hasenbalg, Peter Fry, Kabengele Munanga, Eduardo de Oliveira e Oliveira, entre outros (Ratts, 2011).

Considerando os fatores de morfologia social que influenciam o modo de mobilização negra nessas três universidades, escolhemos concentrar-nos a princípio nessas novas formas de organização negra que se autointitulam coletivos, presentes nas três instituições, para entender melhor sua organização, sua pauta de reivindicações, seu repertório de ação e sua representação no espaço público. Este artigo apresenta os primeiros resultados de uma investigação em curso e seu intuito é dialogar com outras pesquisas que tenham objetivos semelhantes. O texto se organiza desta maneira: começamos por traçar um breve histórico dos coletivos negros, para, em seguida, explorar mais profundamente sua atuação e sua agenda e depois principalmente as reivindicações que têm alcançado maior êxito. Finalizamos discutindo alguns pontos para uma agenda futura de pesquisa.

BREVE HISTÓRICO DOS COLETIVOS NEGROS

Entidades tradicionais como a Educafro,3 3 Na verdade, a Educafro, que está envolvida particularmente com o acesso de negros nas universidades e nos postos no mercado de trabalho, tem ela mesma um braço nesse novíssimo movimento, o Coletivo Juventude Educafro - SP. ou novas organizações como a Balanta4 4 Balanta é um movimento surgido em 2016 durante a ocupação da reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que reivindicava maior fiscalização nas ações afirmativas implantadas por aquela universidade. do Rio Grande do Sul, têm visibilidade na mídia pela atuação no acompanhamento de concursos públicos com cotas raciais, além dos concursos de ingresso para as universidades, com o objetivo de evitar as “fraudes de declaração racial”. Já nos ambientes universitários brasileiros dos dias que correm, são as novas entidades que se autodenominam coletivos que procuram agenciar, formar e organizar politicamente estudantes negros e cotistas, além de acompanhar a implementação das políticas de ações afirmativas e apoiar a carreira universitária estudantil.

Cabe esclarecer o que são coletivos, nomeação largamente presente nas formas organizativas no Brasil contemporâneo, especialmente depois das chamadas Jornadas de Junho de 2013 (Perez, 2019Perez, Olívia C. “Relações entre coletivos com as Jornadas de Junho”. Opinião Pública, v. 25, n. 3, pp. 577-96, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www.cesop.unicamp.br/vw/1IMr0RqkwNQ_MDA_cb302_/Revista%20Completa%20vol%2025%20n%203%20(1).pdf >. Acesso em: 27/05/2020.
https://www.cesop.unicamp.br/vw/1IMr0Rqk...
). O ambiente político de forte mobilização civil nas ruas deu visibilidade às formas de organização que vinham sendo gestadas em diferentes espaços sociais, dentro e fora das universidades públicas brasileiras, sobretudo após a segunda onda de expansão das ações afirmativas motivada pela Lei Federal de 2012, sancionada pela então presidenta da República Dilma Rousseff.5 5 É fato que universidades privadas ou confessionais também apresentam coletivos de estudantes negros. A título de exemplo citamos o Coletivo Alma Negra, da PUC-Rio, o Coletivo 20 de Novembro da Fundação Getulio Vargas (FGV) e o Coletivo Negro da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Coletivos não são um nome novo, nem estão completamente desligados das formas antigas de organização de lutas sociais. No contexto da redemocratização brasileira é possível localizar um conjunto de grupos políticos autonomeando-se coletivos, assim como uma grande variedade de entidades que se intitulam coletivos, mas que são parte do movimento sindical ou de partidos políticos. O sindicato dos servidores da UFBA, por exemplo, lançou desde 2011 o Negrufba, Coletivo de Negros e Negras da UFBA, “visando a ampliar sua contribuição nas discussões sobre as relações raciais na contemporaneidade”.6 6 Disponível em: <www.agenda.ufba.br>. Acesso em: 11/08/2017.

Alguns estudiosos da ação coletiva nomeiam as formas recentes de mobilização de novíssimos movimentos sociais (Gohn, 2016Gohn, Maria da Gloria M. “Manifestações de protesto nas ruas no Brasil a partir de junho de 2013: novíssimos sujeitos em cena”. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 16, n. 47, jan.-abr. 2016, pp. 125-46. doi 10.7213/dialogo.educ.16.047.DS06.
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; Mesquita, 2008Mesquita, Marcos Ribeiro “Cultura e política: a experiência dos coletivos de cultura no movimento estudantil”. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 81, 2008. doi 10.4000/rccs.660.
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; Maia, 2013Maia, Gretha Leite. “A juventude e os coletivos: como se articulam novas formas de expressão política”. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 8, n. 1, 2013. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/8630>. doi https://doi.org/10.5902/198136948630.
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; Perez; Souza, 2017______; Souza, Bruno Mello. “Velhos, novos ou novíssimos movimentos sociais? As pautas e práticas dos coletivos”. Anais do 41-º Encontro Anual da Anpocs, 2017.; Borelli; Aboboreira, 2011Borelli, S. H. S.; Aboboreira, A. “Teorias/metodologias: trajetos de investigação com coletivos juvenis em São Paulo/Brasil”. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v. 1, n. 9, 2011, pp. 161-72.). À diferença das entidades tradicionais, os coletivos seriam marcados por um novo ideário organizacional mais horizontalizado, por novo repertório de ação, pelo uso sistemático de redes sociais da internet, recusando-se a denominar-se militantes, como nos partidos e sindicatos, e preferindo intitular-se ativistas. Os mesmos estudiosos alertam, no entanto, para o fato de que muitas vezes os grupos apenas se denominam coletivos, sem apresentarem todas aquelas características. De fato, como veremos adiante, os grupos estudados em nossa pesquisa nem sempre se opõem aos termos militantes ou cotistas. Ambos são nominações largamente usadas nas postagens e nas reuniões coletivas.

Os coletivos negros universitários tratados nesta investigação mobilizam uma tradição já consolidada pelo movimento negro e pelo feminismo negro, adquirida nas universidades e nos espaços formativos de organizações mais tradicionais e nas redes sociais.7 7 As organizações mais tradicionais, especialmente as organizações não governamentais de mulheres negras, costumam realizar cursos e oficinas presenciais sobre vários temas. Esses são eventos que formam política e intelectualmente muitas jovens. Em 2017, por exemplo, houve no interior paulista um encontro de mulheres negras. Cerca de trezentas pessoas, com forte presença de jovens universitárias, encontraram-se com ativistas de outras gerações, como Sueli Carneiro, Jurema Werneck, Rosane Borges etc. Para mais detalhes sobre a relação entre o movimento de mulheres negras e o feminismo mais tradicional no Brasil, ver Rodrigues (2010); e para diferenças geracionais no feminismo negro brasileiro, ver Rios e Maciel (2018). No tocante às universidades brasileiras, desde a primeira década do século XXI, foram intensificadas as políticas que resultaram em maior presença de pesquisas e pesquisadores no campo das relações raciais. Um exemplo foi o fortalecimento e a consolidação dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (Neabs),8 8 O primeiro Neab foi criado na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) em 1981. Sobre a criação dos Neabs a partir dos anos 1980, ver Ratts (2011). Outras iniciativas nas universidades não assumiram o modelo de Neab, mas funcionam de forma similar, como o Programa A Cor da Bahia, fundado em 1993, na UFBA. além de iniciativas de programas gerenciados com recursos públicos ou de fundações privadas, que resultaram em avanços notáveis na formação pós-graduada em estudos culturais, raciais, feministas e pós-coloniais.9 9 Um dos programas de maior alcance com política afirmativa para ingresso na pós-graduação foi financiado pela Fundação Ford. O Programa Internacional de Bolsas da Fundação Ford (IFP) beneficiou quase 350 bolsistas e durou 12 anos, de 2001 a 2012. (Artes; Mena-Chalco, 2019).

O nome coletivos parece ter sido inspirado nos coletivos negros feministas dos anos 1970 e 1980, que pregavam horizontalidade na tomada de decisões e ausência de hierarquia na forma de organização, constituindo-se como grupos de discussão e de atuação política e intelectual em torno de um ideário libertário e emancipatório (Rothschild-Whitt, 1979Rothschild-Whitt, Joyce. “The Collectivist Organization: an Alternative to Rational-Bureaucratic Models”. American Sociological Review, v. 44, 1979, pp. 509-27.). Naquelas mesmas décadas, em diferentes regiões do Brasil, apareceram vários coletivos de mulheres negras, a exemplo do Nzinga, Aqualtune, Mãe Andresa, dentre outros, conforme lista de Edna Roland (2000Roland, Edna. “O movimento de mulheres negras brasileiras: desafios e perspectivas”. In: Guimarães, Antonio Sérgio Alfredo; Huntley, Lynn. Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000.).

Esses coletivos de feministas negras, ao longo dos anos e das mudanças políticas nacionais e internacionais, passaram por um processo de institucionalização civil, em paralelo ao processo de estabelecimento democrático do Brasil, em particular nos anos 1990 e na primeira década do século XXI. As organizações mais antigas, que emergiram durante a abertura democrática, construíram razão social para existir juridicamente durante o período em que havia as parcerias entre Estado e sociedade civil, além do financiamento de organizações internacionais. O processo de institucionalização foi tão forte e presente nas organizações que até mesmo associações que não mantinham vínculo direto com o Estado, com o mercado ou com organizações civis passaram a ter nome social por meio de CNPJ, como o foi o caso da Educafro, uma das organizações mais ativas na luta pelas ações afirmativas no Brasil, além de ator político influente no Brasil atual (Rios, 2019Rios, Flavia. “Antirracismo, movimentos sociais e Estado”. In: Lavalle, Adrian; Carlos, Euzeneia; Dowbor, Monika; Szwako, José (orgs.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2019, p. 255-83.).

A conferência de Durban, em 2001, foi determinante para impulsionar o debate sobre ações afirmativas no Ensino Superior brasileiro, para promover a negociação da abertura de espaços institucionais pelo governo federal e, consequentemente, para ampliar a agenda da igualdade racial no interior da esfera do Estado. Depois de Durban, o movimento social negro procurou maior institucionalidade para garantir a presença de suas reivindicações e de seus agentes na esfera pública estatal, e não apenas na sociedade civil. Essa nova guinada institucionalista dominante nas organizações tradicionais contrasta com a “forma” de autonomeação e de organização dos coletivos mais recentes vistos nas universidades.

Além do mais, mesmo nos casos de coletivos auto-organizados por estudantes negros, muitos deles, apesar de rejeitarem hierarquias, apresentam alguns critérios internos para a construção das figuras de referência, como a antiguidade na universidade ou mesmo a performance da oratória ou a extensão da rede de relacionamentos, ou ainda a maior disponibilidade de tempo (não trabalhar enquanto estuda, por exemplo). Talvez a característica mais marcante da ruptura com os coletivos mais tradicionais seja a quebra de hierarquia de gênero, que se refletia no perfil cis-heteronormativo das lideranças, já que muitas lideranças desses coletivos são mulheres, gays ou lésbicas,10 10 No caso do Rio de Janeiro, não foi localizado nenhum caso de estudantes transexuais na liderança dos coletivos. o que também pode se justificar pelo fato de as mulheres serem maioria nas instituições de Ensino Superior no Brasil (Inep, 2019). Além do mais, há, de fato, diálogo, mas também distanciamento geracional e diferenças ideológicas em relação a lideranças de organizações tradicionais.

A produção acadêmica que se debruçou mais detidamente no contexto brasileiro mais recente, observando a dinâmica de raça nos ativismos contemporâneos, deixou também algumas considerações mais gerais relevantes para compreendermos a amplitude e os alcances do que estamos investigando. Flavia Rios, Olivia Perez e Arlene Ricoldi (2018Rios, Flavia; Perez, O.; Ricoldi, A. “Interseccionalidade nas mobilizações contemporâneas”. Lutas Sociais, São Paulo, v. 22, 2018, pp. 36-51. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.pucsp.br/ls/article/view/46648 >. Acesso em: 27/05/2020.
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) notaram que as novas gerações ativistas têm articulado de forma mais sistemática e intensa a relação entre gênero, raça e sexualidade, tanto em coletivos de periferia como em coletivos universitários ou mesmo em organizações mais antigas dos movimentos sociais. Mais dedicado à dinâmica do mundo universitário, o trabalho de Rodger Richer (2020Richer, Rodger. A UNE e a questão racial. Dissertação (mestrado em ciência política). Campinas, Unicamp, 2020.) mostra que os coletivos negros foram fundamentais para tensionar a União Nacional dos Estudantes (UNE), tornando-a mais porosa ao ativismo antirracista - a exemplo da construção dos Encontros de Estudantes Negros, Negras e Cotistas da UNE (o Enune) -, muito embora as estruturas de mando dessa instituição permaneçam racialmente intocadas. Aprofundando-se no perfil do movimento universitário nas universidades públicas, Stephanie Lima (2019Lima, Stephanie. “‘Nós os negros e os lgbt estamos aqui!’: raça, gênero, sexualidade e ação política nas universidades”. Revista Conexão Política, v. 8, 2019, pp. 71-90.) demonstra que a questão racial tem ganhado força entre as populações LGBT nas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas, indicando que as experiências e identidades dos estudantes cotistas perfazem múltiplos pertencimentos, os quais são interseccionados em suas formas de mobilização na universidade.

O fato é que, com a abertura das universidades brasileiras a novos e maiores contingentes de estudantes negros, em grande parte admitidos pela política de cotas, os coletivos passaram a ser uma forma de aglutinação desses estudantes. De modo geral, pelo que observamos em reuniões presenciais, em conversas informais com estudantes ou em páginas de Facebook ou mesmo em gravações em audiovisual,11 11 A exemplo da série documental Travessias negras, filmada em 2017 na Universidade Federal da Bahia, que nos foi gentilmente cedida por seu diretor, Antonio Olavo, a quem agradecemos. aglutinam-se em coletivos aqueles que encontram na universidade se não um ambiente hostil, ao menos um ambiente em que sua presença é notada como discrepante - seja pela cor, pela condição econômica, pela formação cultural, pela orientação sexual, seja ainda pela origem territorial (especialmente das periferias dos grandes centros urbanos, do interior dos estados ou mesmo de outras regiões do país), isto é, algo frequentemente interpretado por esses alunos como sentimento de deslocamento. Mas pode ser também o caso de estudantes que desenvolveram tal sentimento de deslocamento social e racial ainda no Ensino Médio ou em cursos de preparação para os exames nacionais de admissão nas instituições de terceiro grau, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou os vestibulares geridos pelas próprias unidades administrativas.

O certo é que esses estudantes visam criar um espaço próprio, onde possam construir e exercer algumas das múltiplas formas de representar as identidades negras. Ou seja, constroem o coletivo como um espaço onde criem, celebrem e cultivem sistematicamente uma história do protesto e da mobilização negra no Brasil e no mundo - uma história diaspórica, pois -, onde expressem uma sensibilidade e uma estética próprias, e onde se organizem para reivindicações específicas - em particular contra as discriminações percebidas no sistema universitário e em favor de um currículo que contemple a experiência negra. Ademais, a própria forma de acesso ao Ensino Superior e seus desdobramentos parece ter se tornado a agenda preferencial desses coletivos.

Além dos coletivos atuando em universidades específicas, identificamos outras articulações operando em nível nacional e reunindo grupos que atuam de forma independente em seus contextos regionais. Um exemplo foi o Encontro de Estudantes e Coletivos Negros Universitários, realizado entre 13 e 15 de maio de 2016, na UFRJ.12 12 Disponível em: <http://delegacaoeecunufsc.wixsite.com/2preeecunfloripa/blank-1>. Acesso em: 11/08/2017. À ocasião, foi formulada uma Carta de Princípios com fundamentos para orientação dos coletivos. Primeiro, definiu-se como negro(a) “todo aquele que possui em suas características fenotípicas, como cor da pele, rosto, cabelos que caracterizam a raça negra sendo um fator determinante da sua identificação social”. Depois, foram elencados seus princípios pétreos: (a) a afrocentricidade, que eles entendem como “método político”, explicitando a seguir: “compreendemos a inaplicabilidade de todo e qualquer método que destoe da perspectiva afrocentrada tendo como égide formas de relação política condicionadas por sindicatos ou encontros governistas, tais qual como conferência e métodos utilizados em congressos sindicais e movimentos estudantis ditos tradicionais que atuam sob base eurocêntrica”; (b) o suprapartidarismo, que significa não alinhamento ou dependência financeira com nenhum partido político ou entidade a eles ligada; e o alinhamento “contra todas as formas de opressões”, em que se listam “LGBTfobia, machismo e sexismo”.

As definições do Encontro são uma fotografia do conjunto de questões flagrantes nas ações e nos discursos dos estudantes negros organizados na última década. Desde a implementação das cotas, em 2002, a juventude negra universitária conseguiu fazer apenas um encontro nacional, do qual participaram centenas de estudantes de diferentes partes do país. Um dos pontos que mais chamaram a atenção de uma das organizadoras do evento foi justamente a quantidade de estudantes negros cotistas do curso de medicina.13 13 Declaração de uma estudante na reunião de coletivos negros ocorrida na UFF, em 2 de outubro de 2018. Para ela, a presença expressiva de cursos de prestígio no evento revelava o novo perfil dos estudantes negros universitários; não eram mais apenas estudantes dos cursos das humanidades, como em outros momentos históricos.

O grande número de estudantes de medicina no evento provavelmente tem relação com o NegreX - Coletivo de Estudantes Negres de Medicina, criado em 2015 durante o Congresso Brasileiro dos Estudantes de Medicina (Cobrem), em Belo Horizonte. Se, ao substituir no nome e na escrita tanto o “o” masculino como o “a” feminino pelo “e” neutro, o coletivo se alinha à tendência atual de interseccionalidade das lutas raciais e de gênero, seu objetivo parece ser também a busca de reconhecimento de uma identidade particular. Escrevem:

O NegreX no espaço acadêmico da medicina se configura enquanto marco importante para a discussão sobre a pauta racial no tocante às opressões que estamos submetides dentro e fora da Universidade, se referenciando na não exclusividade da problemática dessa pauta a um espaço restrito entendendo, no entanto, a relevância do debruçar-se sobre a medicina, reiterando suas demandas e particularidades para es estudantes negres, e dos muitos avanços que ainda nos dias atuais se fazem necessários no âmbito da pautal racial.

Quanto à ação dos coletivos, pudemos observar por postagens na internet um grande elenco. De comum, ressalte-se a necessidade de estabelecer um conflito simbólico, que paute o reconhecimento dos temas, das experiências e das sensibilidades dos novos segmentos estudantis de origem periférica e negra. A disrupção simbólica começa por nomear a dimensão racial. É o que parece ter sido a motivação de um grupo da Escola de Teatro da UFBA ao fundar o PRETato:

O PRETato é baseado no projeto de extensão chamado ATO DE 4, criado em Novembro de 1996 pelos professores Ney Wendel e Berto Filho, em comemoração aos 40 anos da escola de teatro da UFBA, a primeira do Brasil. [...] O que acontece é que, mesmo com ou sem dificuldade, a estrutura do evento não propõe e não reconhece o tema da CENA PRETA como forma de compreensão das mazelas vividas por nós. Chegamos a propor criar um ATO DE 4 PRETO, mas os alunos coordenadores repudiaram a ideia porque não querem temáticas mensais no projeto. Justificam que cada pessoa tem liberdade para fazer a cena que achar melhor, acreditamos nisso também, mas solicitamos apenas um mês, sem exigir nada além de ter uma garantia de ver pretas e pretos em cena fazendo o debate racial. Negaram e aí criamos um outro ato, O pretato e do nosso jeito, com nossa cara. 14 14 Disponível em: <https://www.facebook.com/events/688700381285716>. Acesso em: 11/08/2017.

Passaremos, a seguir, a explorar o modo como esses coletivos se organizam, os seus meios de comunicação e como formam sua agenda.

ATUAÇÃO E AGENDA DOS COLETIVOS NEGROS

Uma marca significativa desses coletivos é sua forte presença no ambiente virtual, especialmente nas redes sociais - Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp. Como resultado, o alcance dos coletivos em suas páginas na internet, em termos numéricos, é muito maior que o número de integrantes que de fato se engajam na organização e execução das atividades. Uma busca no Facebook usando os descritores “coletivo negro” e “coletivo estudantes negros” revela a existência de centenas de páginas e grupos. Observando-se as curtidas, os coletivos negros universitários alcançam centenas e, por vezes, milhares de seguidores. A diferença entre página e grupo na rede social torna a primeira um veículo prioritário para divulgar as ações dos coletivos, enquanto o segundo costuma ser usado como espaço de articulação, resolução de demandas internas e tarefas, e é restrito a membros e pessoas mais próximas e conhecidas dos participantes mais ativos dos grupos.

A visibilidade dos coletivos negros depende do tempo de atuação, das pautas levantadas e das instituições onde esses coletivos se formaram. Um dos grupos com maior número de seguidores é o Coletivo Negro da USP, que no início de 2020 contava com mais de 8.300 curtidas em sua página no Facebook.15 15 Depois do Coletivo Negro, inúmeros coletivos surgiram na USP, como o Ocupação Preta (2015) e outros, formados por estudantes de diferentes áreas, como direito (Coletivo de Negros da Faculdade de Direito da USP, 2015) e engenharias (Poli Negra, 2016); e de outros campi (Coletivo Negro da USP Ribeirão Preto, 2014)

O Coletivo Negro foi uma das primeiras associações desse tipo organizadas na USP. Formado em 2013, inicialmente era composto por cerca de sessenta estudantes e tinha como foco o debate sobre acesso e permanência na instituição. Uma de suas ações inaugurais foi a recepção de candidatos negros na segunda fase do vestibular da Fuvest, no início de 2014, com a entrega de kits e dicas úteis para a realização da prova.16 16 Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/01/filho-de-cozinheira-do-bandejao-da-usp-presta-fase-final-da-fuvest.html>. Acesso em: 27/05/2020. Ao longo de cinco anos de existência, o coletivo multiplicou as ações promovidas (como saraus e festas para recepção de calouros) e ampliou sua área de atuação, com pautas voltadas sobretudo para a organização de mulheres negras e o debate sobre violência contra a população negra, tornando-se presença constante em atos organizados na capital paulista.

O Coletivo Negro na USP surgiu em um contexto de aumento do ingresso de estudantes negros na instituição, ainda que em número menor que em outras IES públicas que já haviam adotado políticas de ação afirmativa. Na carta de apresentação do Coletivo Negro são elencados os fatores que motivaram os estudantes a se organizar. Vão desde a baixa presença de estudantes negros na instituição até os casos de violência contra eles e a população negra em geral, na universidade e em seu entorno, o que faz da violência urbana um dos eixos de combate do coletivo.17 17 Disponível em: <https://www.facebook.com/1427894940759124/photos/a.1428273727387912.1073741828.1427894940759124/1428273730721245/?type=3&theater>. Acesso em: 27/05/2020.

A novidade da organização dos coletivos pode ser percebida de forma mais detida comparando-se o Coletivo Negro da USP com o Núcleo de Consciência Negra (NCN), entidade fundada na USP em 1987 por servidores técnico-administrativos, docentes e estudantes de graduação e pós-graduação da universidade. O primeiro é marcado pelo modelo de organização horizontal e pela autogestão, não conta com mecanismos formais para indicação de lideranças e está apoiado em um discurso de autonomia em relação a entidades representativas do setor universitário, como sindicatos e associações, e mesmo partidos políticos. Já o NCN adota um modelo de organização mais tradicional, com a presença de estatuto, formalização jurídica, com equipe de coordenação formada a partir de eleições representativas e vinculação a entidades de representação de servidores e estudantes da USP.18 18 As entidades de classe são: Associação dos Funcionários da USP (atual Sintusp), Associação dos Docentes da USP (Adusp), Diretório Central dos Estudantes (DCE) e Associação dos Pós-graduandos da USP (APG). Embora seja uma organização suprapartidária, o ncn mantém relações de alianças com partidos e organizações estatais.

Na UFBA, há coletivos criados com base em interesses variados no interior da instituição.19 19 Atualmente a UFBA tem cerca de dez coletivos em atuação, em sua maioria formados por estudantes negros e outros membros da comunidade acadêmica, com pautas específicas, a exemplo do Coletivo de Estudantes Quilombolas da UFBA (Codequi) e o Coletivo Dandara Gusmão, fundado por estudantes do curso de teatro. Como mencionado, há ainda o coletivo Negrufba - Coletivo de Negros e Negras da UFBA, formado por servidores técnico-administrativos da universidade. O de maior visibilidade nas redes sociais é o Coletivo Luiza Bairros, que agrega mais de 2.500 seguidores. Seu manifesto de fundação, de 2016, propõe reunir docentes, discentes e servidores técnico-administrativos da universidade em ações denominadas “aprofundamento das políticas de ações afirmativas”, ampliando o debate na docência e na pós-graduação.20 20 Disponível em: <https://medium.com/@coletivoluizabairros/manifesto-de-funda%C3%A7%C3%A3o-do-coletivo-luiza-bairros-44848741911e>. Acesso em: 27/05/2020. O caráter de seu recrutamento, agregando transversalmente docentes, discentes e técnicos com um discurso de auto-organização e independência, aliado à proposta de atuação em espaços de instâncias decisórias da universidade (reitoria, conselho universitário, conselhos departamentais) são elementos que fizeram desse coletivo um ator central na política da UFBA nos anos seguintes a sua criação e que lhe deram visibilidade externa.21 21 Um exemplo da visibilidade alcançada pelo Coletivo Luiza Bairros foi a divulgação de dados de um levantamento sobre o corpo docente da UFBA em 2018. Um levantamento realizado pelo grupo indicava que a universidade contava com apenas 2% de docentes negros, o que foi divulgado amplamente pela imprensa baiana. Disponível em: <https://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1968259-coletivo-aponta-que-so-ha-2-de-professores-negros-na-ufba>. Acesso em: 27/05/2020.

O Coletivo Luiza Bairros se organiza em duas frentes principais: fiscalização e acompanhamento das ações afirmativas e das ações de combate ao racismo. O coletivo forma uma espécie de gabinete gestor universitário paralelo, o que transparece na seguinte declaração: “A [nossa] atuação será em regime de colegiados, buscando a formulação de propostas que possibilitem aos professores, técnicos e estudantes negros interferir na democratização da UFBA”.22 22 Disponível em: <http://flordedende.com.br>. Acesso em:11/08/2017.

Outro grupo que se organizou na UFBA, em 2003, e que guarda semelhanças com o atual modelo de coletivos de estudantes negros é o Núcleo de Estudantes Negras e Negros da UFBA (Nenu). Em sua página, o núcleo é apresentado como “uma associação apartidária, sem fins lucrativos, gerida por jovens estudantes”.23 23 Disponível em: <http://www.adm.ufba.br/pt-br/entidade-estudantil/nucleo-estudantes-negros-ufba-nenu>. Acesso em: 27/05/2020. No mesmo documento são indicadas as áreas de atuação da associação, destacando-se a formação intelectual de seus integrantes, a mobilização política e o combate ao racismo e à discriminação racial. Apesar da proposta política diversificada, o Nenu ganhou reconhecimento na universidade no contexto dos crescentes debates sobre ações afirmativas na UFBA, no início dos anos 2000, o que rendeu a seus membros uma ativa participação no Comitê Pró-Cotas, formado por representantes da comunidade universitária e de organizações de movimentos sociais para definir a política de ações afirmativas da universidade, implementada a partir de 2005 (Santos, 2009Santos, Dyane Brito Reis. Para além das cotas: a permanência de estudantes negros no Ensino Superior como política de ação afirmativa. Tese (doutorado em educação). Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2009.).24 24 O Nenu surgiu em um contexto nacional de formação de grupos de estudantes negros em universidades brasileiras, os quais se organizavam no período inicial das políticas de ações afirmativas no Ensino Superior, no início dos anos 2000. Assim como o Nenu, grupos como o DeNegrir (Coletivo de Estudantes Negros e Negras da UERJ) e o EnegreSer (Coletivo dos Estudantes Negros do Entorno e do Distrito Federal) foram atores relevantes na implementação das cotas nas universidades em que atuavam.

Na Universidade Federal Fluminense, o Coletivo de Estudantes Negros da UFF (Cenuff), gestado desde 2012, tomou a forma de uma rede ampla, seguindo em certa medida a estrutura descentralizada da instituição: do campus de Niterói para as diferentes regiões do estado em que há campi da UFF. O coletivo se autodenomina Iolanda Oliveira, em homenagem à professora de sua Faculdade de Educação, pioneira no desenvolvimento de linhas de pesquisa articulando relações raciais e políticas públicas educacionais. No site oficial da UFF, o coletivo apresenta seu objetivo: “dar visibilidade para as demandas dos estudantes negros e negras, fomentar os debates sobre relações raciais e ampliar a representatividade negra na Universidade”.25 25 Disponível em: <http://www.uff.br/?q=entidadeestudantil/coletivo-de-estudantes-negrxs-da-uff-iolanda-oliveira>. Acesso em: 28/07/2020.

Apesar de se inserirem em uma linhagem de mobilização de estudantes negros em espaços universitários, nem sempre os coletivos têm profundo conhecimento do histórico de organização em suas instituições. No caso da UFF, no histórico de organização estudantil negra, o exemplo mais emblemático é o Grupo de Trabalho André Rebouças, criado em meados da década de 1970 e um importante centro de referência para a luta antirracista na instituição e no Brasil. O atual coletivo negro da UFF conhecia muito pouco desse legado e, para sua fundação, estabeleceu poucos vínculos com essa história pregressa.

REIVINDICAÇÕES E TENSÕES PROMOVIDAS PELOS COLETIVOS NEGROS

No campo das reivindicações, uma pauta comum dos coletivos negros é supervisionar a aplicação da política de cotas, garantindo reserva de vaga a candidatos fenotipicamente negros (pretos e pardos).26 26 Apesar de o foco dos coletivos ser a população negra, não se pode esquecer que as políticas de ações afirmativas também são voltadas para a população indígena. Essa pauta é de certo modo incorporada aos coletivos em sua interação com a sociedade civil (outras organizações negras) e com o Estado (em particular o Ministério Público). O estabelecimento de comissões de heteroidentificação racial surge como a principal demanda, com base no argumento da existência de “fraude nas cotas”, compreendida como falsidade na declaração racial por pessoas brancas, ou seja, pessoas que não são socialmente negras ou indígenas e que usariam de má-fé no processo seletivo para conquistar uma vaga pública, uma vez que a única exigência para acessar a referida política seria a ficha de autodeclaração. Sem mecanismos de controle de possíveis burlas, a burocracia universitária se viu pressionada pelas ações coletivas estudantis.27 27 Essas ações geralmente se valiam de escrachos coletivos, reuniões ampliadas com o corpo discente e docente nas calouradas, campanhas de conscientização, até denúncias nas redes sociais, no Ministério Público e nos grandes meios de comunicação.

Os coletivos lutam também por cotas nos concursos públicos para docentes, empenhando-se principalmente na abertura de concursos para especialistas em áreas de pesquisa e ensino do interesse da formação comunitária negra, como aconteceu em alguns concursos públicos recentes na Universidade Federal do abc (UFABC), na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), na UFF e na UFBA, para citar alguns exemplos. Essas experiências, por meio da implementação das cotas nos concursos públicos ou pela abertura de editais específicos para a área das relações étnico-raciais, procuram corrigir a forte desigualdade de representação no quadro docente universitário, majoritariamente formado por brancos.28 28 Segundo Candido, Feres Junior e Campos (2018), 77% dos professores cadastrados nos cursos de ciências sociais (sociologia, antropologia, ciência política e relações internacionais) em 2017 são brancos, enquanto 12% são pardos e 3% são pretos, além de 8% de docentes considerados “outros”. Consultar o boletim das ciências sociais, que divulgou em 2018 o perfil dos docentes (por gênero e raça) dos cursos de pós-graduação brasileiros, com base nos dados da plataforma Sucupira, da Capes.

Nessa direção, quando demandam a contratação de professores pesquisadores na área das relações étnico-raciais, os estudantes argumentam que o corpo docente atual das universidades brasileiras, além de apresentar flagrante desigualdade por cor, favorecendo explicitamente pesquisadores brancos, não tem formação adequada para trabalhar assuntos que emergem da curiosidade acadêmica do novo alunado. Segundo relatos de integrantes desses coletivos, muitos estudantes abandonam seus temas originais de pesquisa ou mesmo precisam buscar alternativas em outros cursos ou em outros centros universitários para conseguir desenvolver seus trabalhos - muitas vezes considerados de menor importância pelo establishment acadêmico, na avaliação desses discentes.

No campo da pós-graduação, a atuação inovadora é a formação de cursos preparatórios para os processos seletivos. No caso da UFF, os coletivos negros organizam cursos ministrados por seus integrantes, que já cursam a pós-graduação em diferentes áreas. Além de orientações básicas sobre o funcionamento da pós-graduação, são apresentadas estratégias para a escrita de projetos, postura perante as bancas de seleção e, sobretudo, a discussão da lista dos textos apresentados nos concursos para mestrado e doutorado. Com chamadas nas redes sociais e uso de grupos de WhatsApp, integrantes dos coletivos acompanham os estudantes nas etapas preparatórias, mas também ficam atentos aos resultados das provas, eventualmente denunciando práticas de endogenia institucional.

No que toca aos conteúdos disciplinares, há duas reivindicações flagrantes na nova onda universitária negra. A primeira delas gira em torno da luta pela presença de autores e autoras negros nas referências bibliográficas das disciplinas. Nesse sentido, realizam com frequência eventos de extensão e de organização política em que discutem o pensamento de autores negros conhecidos nacional ou internacionalmente. A segunda reivindicação diz respeito às temáticas estudadas no currículo. Para esse novo público universitário (Artes; Ricoldi, 2015Artes, Amélia; Ricoldi, Arlene Martinez. “Acesso de negros no ensino superior: o que mudou entre 2000 e 2010”. Cadernos de Pesquisa, v. 45, n. 158, 2015, pp. 858-81. doi 10.1590/198053143273.
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), as temáticas relacionadas à história e às culturas negras e africanas, assim como assuntos referentes às desigualdades e formas de discriminação raciais deveriam estar presentes na grade curricular obrigatória, seja em forma de disciplina independente, seja na reformulação dos conteúdos de disciplinas já estabelecidas. Exemplos de como essas demandas aparecem no sistema universitário estão no aumento de monografias e trabalhos de conclusão de curso, assim como na produção da pós-graduação nas temáticas supracitadas (Artes; Mena-Chalco, 2017Artes, Amélia; Mena-Chalco, Jesús. “Expansão da temática relações raciais no banco de dados de teses e dissertações da Capes”. Educação e Pesquisa, v. 43, n. 4, São Paulo, 2017. doi 10.1590/s1517-9702201702152528.
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; Mattos et al., 2020Mattos, Bianca; Santos, Heloisa; Mattos, Suzana. “Os estudos sobre mulheres negras no Brasil: um estudo quantitativo sobre o estado da arte das pesquisas sobre o tema no Brasil”. In: Johas, B.; Amaral, M.; Marinho, R. (orgs.). Violências e resistências: estudos de gênero, raça e sexualidade. Teresina: EDUFPI, 2020.). Embora essas demandas sejam evidentes nas áreas das humanidades, tanto nas ciências sociais e na história como no direito, também é possível encontrar reivindicações similares em áreas das exatas ou das ciências naturais. No primeiro caso, há forte tendência dos estudantes a buscar formas não ocidentais de representação matemática ou filosófica e, no caso das ciências da natureza, a evidenciar as autorias negras na história da ciência.

Por isso, cada vez mais se vê no mundo universitário a presença de eventos, encontros e rodas de conversa que trazem para o centro do debate agentes sociais não convencionais no mundo acadêmico. Aumentaram os eventos com palestrantes negros e cresceu a demanda por encontros com temáticas consideradas importantes para a vida cultural, política, econômica e social da população negra. Reivindicam-se espaços e momentos para reflexão com produtores de conhecimento tradicional e saberes não acadêmicos, em geral com a participação de sacerdotes religiosos, mestres de jongo, da capoeira, do samba, lideranças do movimento negro, feministas ou líderes comunitários.

Expressiva, a nova onda universitária atua em diferentes frentes, inclusive nas representações estudantis clássicas, como centros e diretórios acadêmicos, conselhos universitários, entre outros. Diferentemente das formas de intervenção negra no ambiente social geral, sua presença diversificada no ambiente acadêmico parece imprimir com mais força uma “nova cara” para as universidades brasileiras, antes vistas como espaços elitizados e majoritariamente brancos.

Como o modelo do sistema de ações afirmativas federal está totalmente vinculado às cotas étnico-raciais de estudantes oriundos de escolas públicas, os efeitos da precarização do Ensino Médio se fazem sentir na trajetória e no desempenho de todos os estudantes cotistas, sendo este problema ainda mais notável em cursos da área de exatas, nos quais há tradicionalmente alto grau de reprovação em algumas disciplinas, como a de cálculo. No campo das ciências humanas, é um fato que a universidade é uma instituição em que se transmite e se perpetua, por meio da pesquisa e da criação, uma tradição europeia muito rica e erudita, mas distante e desconhecida de boa parte dos alunos e professores de Ensino Médio em geral. Por sua vez, conhecimentos não europeus, de outras regiões do planeta, e também saberes dos meios populares de onde esses alunos provêm são cotidianamente menosprezados pela instituição universitária.

No caso dos alunos negros, em busca de reforço da identidade racial, a decalagem entre o ensino dos clássicos europeus, transmitido nas aulas da universidade, e a realidade da vida fora da universidade é relida de um modo específico, seja como enquadramento numa cultura eurocêntrica, seja como perpetuação da herança colonial. O currículo, portanto, passa a ser objeto de bastante discussão dos coletivos, que se apoiam na leitura de autores descoloniais, pós-coloniais, subalternos, fanonianos, afrocentrados, pan-africanistas, feministas e queers, que vão lastrear um novo discurso político e subsidiar exigências por mudanças epistemológicas na academia. A descolonização dos currículos e uma maior aproximação entre a universidade e as comunidades pobres, periféricas e negras passa a nutrir, portanto, toda uma agenda de reivindicações que orienta a inserção de referências bibliográficas que envolvam nomes nacionais e estrangeiros não vinculados à academia, a exemplo de Carolina de Jesus (2019Jesus, Carolina Maria de. Quarto de despejo. 10. ed. São Paulo: Ática, 2019.) e Antônio Bispo dos Santos (2015Santos, Antônio Bispo dos. Colonização, quilombos: modos e significações. Brasília: Editora da UnB, 2015.), para citar alguns autores brasileiros.29 29 Alguns desses movimentos mais inclusivos já se fazem notar nos vestibulares, como foi o caso do exame da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que inseriu Quarto de despejo na lista dos livros obrigatórios. Disponível em: <https://www.unicamp.br/unicamp/clipping/2017/09/04/quarto-de-despejo-de-carolina-maria-de-jesus-e-leitura-obrigatoria>. Acesso em: 28/01/2018. Do mesmo modo, em muitos desses coletivos tem sido central a luta pela contratação de professores negros que ministrem disciplinas e conduzam pesquisas mais próximas dos interesses dos estudantes.

Um segundo ponto crítico de estranhamento e deslocamento entre os estudantes e o novo meio universitário é a ausência de uma política sólida de permanência que contrabalance a falta de recursos materiais da grande maioria dos cotistas. Estes geralmente moram longe das universidades, têm pouco recursos para compra de material escolar, precisam trabalhar para se sustentar e, às vezes, sustentar a família. Toda a dificuldade que alunos pobres enfrentam para se manter na universidade - a falta de bolsas de estudos, de restaurantes e alojamentos universitários razoáveis, a rigidez da disciplina escolar (com seus horários, testes etc.) - explicita, para os ativistas, o racismo institucional. Isto é, são lidos como formas de expulsá-los, como recusa em acolhê-los, como incompreensão racialmente motivada. A denúncia de racismo, entretanto, não vem desacompanhada, como apenas denúncia, mas, ao contrário, enseja formas de resistência organizada - e por isso os coletivos se apresentam às vezes como quilombos.

O terceiro ponto, mas não menos importante, é sem dúvida o próprio corpo e seus fenótipos - a cor e os cabelos crespos, principalmente, e o sentimento de subordinação ou inferioridade que o corpo negro desperta em espaços brancos ou branqueados. Movimentos como Geração Tombamento, que realçam uma nova estética negra, de cabelos crespos, turbantes, roupas coloridas etc., ocupam, portanto, lugar central na agenda de construção identitária e de gênero, sobretudo - mas não unicamente - entre as mulheres e LGBTI.30 30 Sobre Geração Tombamento e intercruzamentos entre discursos sobre corpo, espaço, identidade e estética, ver Almeida (2019). Não raro, os estudantes cotistas vivenciam verdadeira transformação visual ao chegarem nas universidades. Se antes prendiam, alisavam ou cortavam os cabelos, no correr do primeiro ano, às vezes ainda no primeiro semestre do curso, passam a se sentir encorajados a deixar seus cabelos naturais, sem química ou simplesmente com penteados afro, que podem envolver uso de turbantes ou tranças em modelos afro-brasileiros. Essas mudanças, ainda que passem por dimensões profundamente subjetivas, podem ser atravessadas por reações negativas por parte dos mais conservadores no corpo docente e dos demais profissionais da educação. Nesse sentido, a percepção do preconceito racial não seria apenas a releitura das desigualdades socioeconômicas, mas também uma sensibilidade mais atenta às formas antes entendidas como preconceitos moderados ou sutis da cultura brasileira. Hoje, no entanto, são vistas como formas de violência simbólica e verdadeiras agressões de caráter racial. Elogios excessivos e clichês, como “beleza exótica”, passam a ser interpretados como interpelações racistas, e não como uma etiqueta racial de vetor positivo, frequentemente usual em contextos de deslocamento do lugar social do negro.

CONCLUSÕES PARA UMA AGENDA DE PESQUISA

Não há dúvidas de que as mudanças no Ensino Superior tiveram grande impacto sobre o perfil estudantil e trouxeram novas questões que merecem investigações sociológicas mais aprofundadas. Refletimos aqui sobre uma das dimensões dessa mudança, que se refere às formas de agência, identidade e estratégias políticas dos estudantes negros organizados em coletivos, mas não foram objeto deste artigo os impactos de tais ações no ambiente universitário. Entendemos que, para além dos estudos que versam sobre as desigualdades e as políticas públicas que visem ao acesso à universidade e à permanência nela, esse estudo indica que as ações afirmativas reconfiguraram os movimentos sociais negros. Eles passaram a ter formas de organizações menos institucionalizadas, com novas demandas e formas de representação social, tendo as universidades como espaços privilegiados para atuar, embora não se restrinjam a eles.

Uma das dimensões mais interessantes das últimas duas décadas é a entrada em cena de uma nova geração de estudantes negros, a qual ainda precisa ser investigada. Essa juventude - em sua grande maioria egressa de escolas públicas, muitas vezes os primeiros a obter diploma universitário na família -, longe de negar sua origem social ou racial, diluindo-se em organizações estudantis clássicas ou buscando viver no anonimato, articula-se de forma autônoma no meio universitário. O objetivo é garantir a efetividade das políticas de ações afirmativas e sua expansão, problematizando também a experiência de ser negro, destacando mais seus atributos fenotípicos em um ambiente no qual se consideram deslocados ou outsiders.

Estudos mais pormenorizados poderiam averiguar diferenças no engajamento político de estudantes cotistas levando em conta sua identidade racial - não apenas em universidades públicas, como também nas instituições privadas, em especial por causa do efeito do Programa Universidade para Todos (Prouni). Ao que tudo indica, estudantes cotistas não negros não se organizam politicamente nas universidades em coletivos independentes ou algo que lhes remeta a determinada origem social. Talvez busquem evitar a marcação das cotas em sua trajetória acadêmica, o que sugere que o marcador racial tornou-se atributo relevante no processo de diferenciação social no ensino de terceiro grau.

É notável que, de uma forma ou de outra, além da dimensão racial, as de gênero e sexualidade permeiem ações, estratégias e valores dos integrantes desses coletivos. Seja na forma de autonomeação, com preferência por trazer à cena intelectuais negros e negras, seja na conduta, quando enfrentam situações de machismo ou de homofobia nas práticas universitárias, seja ainda na incorporação de integrantes que tenham sexualidade mais fluida, que não necessariamente se vejam a partir de uma identidade de gênero binária. Nesse sentido, práticas e discursos interseccionais estão mais visíveis nas formas de representação e nas experiências universitárias, em especial quanto à articulação entre raça, gênero e sexualidade, como tem sido observado em estudos contemporâneos sobre juventude nas periferias e nas universidades (Medeiros, 2016Medeiros, J. M. S. “O feminismo periférico na Zona Leste de São Paulo: a centralidade da questão racial para o ativismo de mulheres jovens”. Anais do 40--º Encontro Anual da Anpocs, 2016.; Rios; Maciel, 2018______; Maciel, Regimeire. “Feminismo negro em três tempos”. Labrys: Études Fèministes/Estudos Feministas, jul. 2018. Disponível em: <https://www.labrys.net.br/labrys31/black/flavia.htm>. Acesso em: 27/05/2020.
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). Mas é preciso compreender como esse imbricamento acontece de forma propositiva em termos de políticas públicas. Uma das ações percebidas tem sido, por exemplo, a demanda por abertura de cotas na graduação e em cursos de pós-graduação para transexuais, transgêneros e travestis.

Entre os impactos das ações dos coletivos negros, um que merece maior investigação refere-se à produção de conhecimento. As linhas de pesquisa, linhas editoriais e mesmo a produção de trabalhos de conclusão de curso ou mestrados e doutorados sobre a temática racial precisam ser estudados em aspectos quantitativos e qualitativos. Essa geração de estudantes, até onde conseguimos capturar, não evita tratar do tema das relações raciais, em termos acadêmicos e científicos. Nesse sentido, parte expressiva desses estudantes, principalmente os que estão inseridos em coletivos, busca estudar temas relacionados às questões que afetam a vida da população negra ou que afetam as subjetividades de pessoas de grupos socialmente discriminados e subjugados. Esse interesse de pesquisa se constrói para além dos currículos acadêmicos, já que estes são considerados tradicionais, engessados e pouco representativos para essa nova juventude negra universitária.

Uma das indagações centrais de nosso projeto continua sem resposta adequada: que efeitos têm a nova forma de organização em coletivos sobre as identidades negras? De certo modo, muito do que observamos nas reivindicações e nas falas está intimamente relacionado a dois pontos: a pauta internacional da mobilização negra, como a descolonização dos currículos escolares e a valorização da estética negra, que se encontram na agenda dos países do Norte e de outros países do Sul Global; e a defesa de conquistas brasileiras recentes, como as cotas para estudantes de graduação. Com respeito a esse último ponto, três novas linhas se abriram: (i) as cotas para alunos de pós-graduação; (ii) a contratação, também por cotas, de professores negros; (iii) a movimentação contra fraudes no recrutamento de negros, seja na docência, seja na discência.

Todavia, o fato de a luta e a defesa das cotas para negros terem levado o ativismo a questionar vividamente o que é a negritude, encaminhando a resposta positiva para a heteroidentificação e sua definição com base em fenótipos e marcadores corporais, abre também novas questões. Primeiramente, até que ponto a coesão comunitária étnica - o sentir-se parte de uma agenda cultural negra - não sai esvaziada ao fixar a negritude em critérios fenotípicos? Até que ponto, ao contrário, trata-se de uma redefinição da negritude que, mesmo ao custo de restringir sua abrangência - ao perderem-se os pardos, que não são aceitos como negros -, acaba justamente por reforçar a comunidade étnica?

Tais questões, infelizmente, não podem ser discutidas em abstrato ou através de exercícios puramente estatísticos. A melhor maneira de encaminhar uma resposta nos parece ser mediante estudos etnográficos completamente abertos, porém rigorosamente críticos e autocríticos, que focalizem não apenas coletivos, mas também estudantes, funcionários e professores negros e brancos em seu percurso universitário e acadêmico.

Outra questão em aberto é de caráter político - e sobre a qual não nos debruçamos ainda de modo satisfatório. Que força política, que capacidade de mobilização de alianças, e que base social de apoio e consentimento os movimentos negros perdem ou ganham com a nova pauta de denúncia de fraudes nas cotas raciais? Entre professores e estudantes universitários e também na opinião pública, qual é o grau de resistência ou de aceitação à descolonização dos currículos? A resposta a essas perguntas, ao contrário de etnografias, exige um esforço mais abrangente de pesquisa atitudinal, por meio de surveys.

Com este artigo, pretendemos, portanto, mais que apresentar resultados, contribuir para uma nova agenda de pesquisas que possa orientar debates políticos nos quais os movimentos sociais negros se engajem com dados coletados, analisados e discutidos de modo sistemático e crítico.

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  • ______; Maciel, Regimeire. “Feminismo negro em três tempos”. Labrys: Études Fèministes/Estudos Feministas, jul. 2018. Disponível em: <https://www.labrys.net.br/labrys31/black/flavia.htm>. Acesso em: 27/05/2020.
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  • Rios, Flavia; Perez, O.; Ricoldi, A. “Interseccionalidade nas mobilizações contemporâneas”. Lutas Sociais, São Paulo, v. 22, 2018, pp. 36-51. Disponível em: <Disponível em: https://revistas.pucsp.br/ls/article/view/46648 >. Acesso em: 27/05/2020.
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  • Richer, Rodger. A UNE e a questão racial Dissertação (mestrado em ciência política). Campinas, Unicamp, 2020.
  • Rodrigues, Cristiano S.; Prado, M. A. M. “Movimento de mulheres negras: trajetória política, práticas mobilizatórias e articulações com o Estado brasileiro”. Psicologia e Sociedade, Florianópolis, v. 22, n. 3, set.-dez. 2010. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/psoc/v22n3/v22n3a05.pdf >. Acesso em: 27/07/2020.
    » https://www.scielo.br/pdf/psoc/v22n3/v22n3a05.pdf
  • Roland, Edna. “O movimento de mulheres negras brasileiras: desafios e perspectivas”. In: Guimarães, Antonio Sérgio Alfredo; Huntley, Lynn. Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil São Paulo: Paz e Terra, 2000.
  • Rothschild-Whitt, Joyce. “The Collectivist Organization: an Alternative to Rational-Bureaucratic Models”. American Sociological Review, v. 44, 1979, pp. 509-27.
  • Santos, Antônio Bispo dos. Colonização, quilombos: modos e significações Brasília: Editora da UnB, 2015.
  • Santos, Dyane Brito Reis. Para além das cotas: a permanência de estudantes negros no Ensino Superior como política de ação afirmativa Tese (doutorado em educação). Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2009.
  • Venturini, Anna C. Ações afirmativas na pós-graduação: os desafios da expansão de uma política de inclusão Tese (doutorado). Rio de Janeiro, Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), 2019.
  • 1
    Como veremos adiante, na USP, a mobilização negra estudantil tem espaço próprio desde o final dos anos 1980, quando os estudantes conseguiram organizar o Núcleo de Consciência Negra no campus Butantã.
  • 2
    É bem verdade que foi na UFF que surgiu o Grupo de Trabalho André Rebouças, ainda sob a ditadura militar. Organizado por estudantes negros e liderado pela historiadora Beatriz Nascimento, esse grupo teve papel relevante para o debate sobre as relações raciais entre as décadas de 1970 e 1980, estabelecendo diálogos profícuos com pesquisadores como Carlos Hasenbalg, Peter Fry, Kabengele Munanga, Eduardo de Oliveira e Oliveira, entre outros (Ratts, 2011Ratts, Alex. “Corpos negros educados: notas acerca do movimento negro de base acadêmica”. Nguzu - Revista do Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Estadual de Londrina (NEAA-UEL), ano 1, n. 1, mar.-jul. 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.uel.br/neaa/sites/default/files/revistas/nguzu_miolo_final.pdf >. Acesso em: 27/05/2020.
    http://www.uel.br/neaa/sites/default/fil...
    ).
  • 3
    Na verdade, a Educafro, que está envolvida particularmente com o acesso de negros nas universidades e nos postos no mercado de trabalho, tem ela mesma um braço nesse novíssimo movimento, o Coletivo Juventude Educafro - SP.
  • 4
    Balanta é um movimento surgido em 2016 durante a ocupação da reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que reivindicava maior fiscalização nas ações afirmativas implantadas por aquela universidade.
  • 5
    É fato que universidades privadas ou confessionais também apresentam coletivos de estudantes negros. A título de exemplo citamos o Coletivo Alma Negra, da PUC-Rio, o Coletivo 20 de Novembro da Fundação Getulio Vargas (FGV) e o Coletivo Negro da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
  • 6
    Disponível em: <www.agenda.ufba.br>. Acesso em: 11/08/2017.
  • 7
    As organizações mais tradicionais, especialmente as organizações não governamentais de mulheres negras, costumam realizar cursos e oficinas presenciais sobre vários temas. Esses são eventos que formam política e intelectualmente muitas jovens. Em 2017, por exemplo, houve no interior paulista um encontro de mulheres negras. Cerca de trezentas pessoas, com forte presença de jovens universitárias, encontraram-se com ativistas de outras gerações, como Sueli Carneiro, Jurema Werneck, Rosane Borges etc. Para mais detalhes sobre a relação entre o movimento de mulheres negras e o feminismo mais tradicional no Brasil, ver Rodrigues (2010Rodrigues, Cristiano S.; Prado, M. A. M. “Movimento de mulheres negras: trajetória política, práticas mobilizatórias e articulações com o Estado brasileiro”. Psicologia e Sociedade, Florianópolis, v. 22, n. 3, set.-dez. 2010. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/psoc/v22n3/v22n3a05.pdf >. Acesso em: 27/07/2020.
    https://www.scielo.br/pdf/psoc/v22n3/v22...
    ); e para diferenças geracionais no feminismo negro brasileiro, ver Rios e Maciel (2018______; Maciel, Regimeire. “Feminismo negro em três tempos”. Labrys: Études Fèministes/Estudos Feministas, jul. 2018. Disponível em: <https://www.labrys.net.br/labrys31/black/flavia.htm>. Acesso em: 27/05/2020.
    https://www.labrys.net.br/labrys31/black...
    ).
  • 8
    O primeiro Neab foi criado na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) em 1981. Sobre a criação dos Neabs a partir dos anos 1980, ver Ratts (2011Ratts, Alex. “Corpos negros educados: notas acerca do movimento negro de base acadêmica”. Nguzu - Revista do Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Estadual de Londrina (NEAA-UEL), ano 1, n. 1, mar.-jul. 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.uel.br/neaa/sites/default/files/revistas/nguzu_miolo_final.pdf >. Acesso em: 27/05/2020.
    http://www.uel.br/neaa/sites/default/fil...
    ). Outras iniciativas nas universidades não assumiram o modelo de Neab, mas funcionam de forma similar, como o Programa A Cor da Bahia, fundado em 1993, na UFBA.
  • 9
    Um dos programas de maior alcance com política afirmativa para ingresso na pós-graduação foi financiado pela Fundação Ford. O Programa Internacional de Bolsas da Fundação Ford (IFP) beneficiou quase 350 bolsistas e durou 12 anos, de 2001 a 2012. (Artes; Mena-Chalco, 2019______. “O Programa de Bolsas da Fundação Ford: 12 anos de atuação no Brasil”. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 44, n. 3, 2019, e81653. doi 10.1590/2175-623681653.
    https://doi.org/10.1590/2175-623681653...
    ).
  • 10
    No caso do Rio de Janeiro, não foi localizado nenhum caso de estudantes transexuais na liderança dos coletivos.
  • 11
    A exemplo da série documental Travessias negras, filmada em 2017 na Universidade Federal da Bahia, que nos foi gentilmente cedida por seu diretor, Antonio Olavo, a quem agradecemos.
  • 12
    Disponível em: <http://delegacaoeecunufsc.wixsite.com/2preeecunfloripa/blank-1>. Acesso em: 11/08/2017.
  • 13
    Declaração de uma estudante na reunião de coletivos negros ocorrida na UFF, em 2 de outubro de 2018.
  • 14
    Disponível em: <https://www.facebook.com/events/688700381285716>. Acesso em: 11/08/2017.
  • 15
    Depois do Coletivo Negro, inúmeros coletivos surgiram na USP, como o Ocupação Preta (2015) e outros, formados por estudantes de diferentes áreas, como direito (Coletivo de Negros da Faculdade de Direito da USP, 2015) e engenharias (Poli Negra, 2016); e de outros campi (Coletivo Negro da USP Ribeirão Preto, 2014)
  • 16
  • 17
  • 18
    As entidades de classe são: Associação dos Funcionários da USP (atual Sintusp), Associação dos Docentes da USP (Adusp), Diretório Central dos Estudantes (DCE) e Associação dos Pós-graduandos da USP (APG).
  • 19
    Atualmente a UFBA tem cerca de dez coletivos em atuação, em sua maioria formados por estudantes negros e outros membros da comunidade acadêmica, com pautas específicas, a exemplo do Coletivo de Estudantes Quilombolas da UFBA (Codequi) e o Coletivo Dandara Gusmão, fundado por estudantes do curso de teatro. Como mencionado, há ainda o coletivo Negrufba - Coletivo de Negros e Negras da UFBA, formado por servidores técnico-administrativos da universidade.
  • 20
  • 21
    Um exemplo da visibilidade alcançada pelo Coletivo Luiza Bairros foi a divulgação de dados de um levantamento sobre o corpo docente da UFBA em 2018. Um levantamento realizado pelo grupo indicava que a universidade contava com apenas 2% de docentes negros, o que foi divulgado amplamente pela imprensa baiana. Disponível em: <https://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/noticias/1968259-coletivo-aponta-que-so-ha-2-de-professores-negros-na-ufba>. Acesso em: 27/05/2020.
  • 22
    Disponível em: <http://flordedende.com.br>. Acesso em:11/08/2017.
  • 23
  • 24
    O Nenu surgiu em um contexto nacional de formação de grupos de estudantes negros em universidades brasileiras, os quais se organizavam no período inicial das políticas de ações afirmativas no Ensino Superior, no início dos anos 2000. Assim como o Nenu, grupos como o DeNegrir (Coletivo de Estudantes Negros e Negras da UERJ) e o EnegreSer (Coletivo dos Estudantes Negros do Entorno e do Distrito Federal) foram atores relevantes na implementação das cotas nas universidades em que atuavam.
  • 25
  • 26
    Apesar de o foco dos coletivos ser a população negra, não se pode esquecer que as políticas de ações afirmativas também são voltadas para a população indígena.
  • 27
    Essas ações geralmente se valiam de escrachos coletivos, reuniões ampliadas com o corpo discente e docente nas calouradas, campanhas de conscientização, até denúncias nas redes sociais, no Ministério Público e nos grandes meios de comunicação.
  • 28
    Segundo Candido, Feres Junior e Campos (2018Candido, Marcia R.; Feres Junior, João; Campos, Luiz A. “Gênero e raça nas ciências sociais: o perfil da pós-graduação no Brasil”. Boletim OCS, n. 1, set. 2018. Disponível em: <Disponível em: http://ocs.iesp.uerj.br/boletins/boletim1 >. Acesso em: 27/07/2020.
    http://ocs.iesp.uerj.br/boletins/boletim...
    ), 77% dos professores cadastrados nos cursos de ciências sociais (sociologia, antropologia, ciência política e relações internacionais) em 2017 são brancos, enquanto 12% são pardos e 3% são pretos, além de 8% de docentes considerados “outros”. Consultar o boletim das ciências sociais, que divulgou em 2018 o perfil dos docentes (por gênero e raça) dos cursos de pós-graduação brasileiros, com base nos dados da plataforma Sucupira, da Capes.
  • 29
    Alguns desses movimentos mais inclusivos já se fazem notar nos vestibulares, como foi o caso do exame da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que inseriu Quarto de despejo na lista dos livros obrigatórios. Disponível em: <https://www.unicamp.br/unicamp/clipping/2017/09/04/quarto-de-despejo-de-carolina-maria-de-jesus-e-leitura-obrigatoria>. Acesso em: 28/01/2018.
  • 30
    Sobre Geração Tombamento e intercruzamentos entre discursos sobre corpo, espaço, identidade e estética, ver Almeida (2019Almeida, Adriele Regine dos Santos. “Não toleramos mais o seu xiu...”: Geração Tombamento, moda e política identitária. Dissertação (mestrado em estudos étnicos e africanos). Salvador, Universidade Federal da Bahia, 2019.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Out 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2020
  • Aceito
    12 Jun 2020
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