Open-access MARTÍ VERSUS MARTÍ: NACIONALISMO E HEGEMONIA EM HAVANA E MIAMI1

RESUMO

Este artigo examina a produção de imaginários nacionalistas hegemônicos entre cubanos de Havana e Miami, no contexto da luta entre o Estado socialista cubano e seus opositores exilados. O artigo argumenta que, depois de mais de cinco décadas de um conflito intenso que saturou os espaços públicos dessas duas cidades com referências nacionalistas, as ideologias das duas elites políticas cubanas não se tornaram hegemônicas em nenhuma das duas metrópoles, mas que as premissas ideológicas profundas que elas compartilham gozam de validade quase inconteste entre os cubanos das duas cidades. O artigo focaliza a celebração do herói nacional José Martí - a quem ambas as elites tomam como predecessor e inspirador - para argumentar que o conflito político ajuda a tornar imaginários nacionais hegemônicos ao naturalizar símbolos, concepções e narrativas que as partes em conflito compartilham e tomam por tácitos.

PALAVRAS-CHAVE: Nacionalismo; hegemonia; socialismo real; Cuba; Miami

ABSTRACT

This article examines the production of hegemonic historical imaginaries among Cubans in Havana and Miami in the context of the struggle between Cuba’s socialist state and its exiled opponents. It argues that, after five decades of an intense conflict that have saturated the public spaces of these cities with nationalistic historical references, the adversary political ideologies of the two Cuban elites have not become hegemonic in either city, but that the deep ideological assumptions that they share enjoy uncontested currency among Cubans in both locales today. The article focuses on the celebration of national hero José Martí - whom both Cuban elites claim as their predecessor and inspirer - and analyzes this case to make the more general point that political conflict helps make forms of historic consciousness hegemonic by naturalizing symbols, conceptions, and narratives that the contending parties share and take for granted.

KEYWORDS: Nationalism; hegemony; state socialism; Cuba; Miami

Uma piada popular em Miami diz que, assim que chega à cidade, um migrante cubano vê uma estátua do maior herói nacional de seu país - José Martí -, suspira desesperado e lamenta: “Ah, não! Aqui também! Tanto esforço por nada!”. Essa piada critica a presença ubíqua do mesmo herói nacional cubano tanto no país socialista quanto na capital de seu exílio.Ela salienta que,apesar do conflito que os opõe há mais de cinco décadas, tanto o Estado socialista cubano quanto seus opositores exilados na Flórida estão comprometidos com a celebração do mesmo herói nacional. Ademais, esses grupos adversários articulam seu conflito como uma disputa sobre o legado desse intelectual e líder independentista do século XIX. Cada lado se representa como o verdadeiro continuador da luta nacionalista de Martí: o Estado o reivindica como o “autor intelectual” da revolução socialista, e o exílio organizado, como um defensor de uma democracia liberal ao estilo estadunidense.Por mais que as ideologias nacionalistas oficiais dessas duas elites políticas sejam antagonistas, ambas promovem Martí como o símbolo central da soberania cubana. Elas discordam sobre a interpretação dos ideais políticos de Martí, mas concordam que tais ideais são o padrão normativo pelo qual se deve avaliar o exercício do e a luta pelo poder soberano em Cuba. Devido a essa disputa, desde 1959 as esferas públicas de Havana e Miami têm sido saturadas com referências a Martí, e representações visuais do herói e citações de seus textos têm permeado a vida em ambas cidades.

Baseado em 38 meses de pesquisa etnográfica e de arquivo divididos entre Havana e Miami, este artigo examina os efeitos de mais de cinco décadas da comemoração disputada de José Martí nas capitais da Cuba socialista e diaspórica2. Argumento aqui que as ideologias políticas rivais do Estado cubano e da liderança do exílio não se tornaram hegemônias3 em nenhuma das duas cidades, mas que seus profundos pressupostos compartilhados - explicitados no culto de José Martí - gozam de um valor quase inconteste entre os cubanos que vivem nessas cidades4.

O uso maciço da história nacional por parte dessas elites políticas rivais não levou à esperada adesão unânime a seus projetos, pois seus públicos em Havana e Miami são altamente cínicos a respeito das ideologias oficiais promovidas por agentes estatais e líderes do exílio. Ambos os grupos fracassaram naquela missão educacional e ética que Antonio Gramsci via no centro dos esforços do Estado e da sociedade civil por criar hegemonia: levar os dominados a adotar voluntariamente a ideologia de um grupo dominante. Em contraposição, os cubanos em ambas as cidades raramente questionam o valor de Martí como personificação da soberania nacional e da autoridade política. Ao contrário, eles usam amiúde o próprio mito do herói como a base discursiva a partir da qual criticam as ideologias que o utilizam.Isso é exemplificado pelos frequentes comentários que podem ser parafraseados assim: “Se Martí ressuscitasse hoje, ele detestaria ver como é usado na política”.Ou seja,ao contrário das ideologias políticas rivais centradas na imagem de Martí, o valor dessa imagem como símbolo fundamental da soberania é amplamente aceito por cubanos em Havana e Miami como uma verdade tácita. Tal valor se naturalizou entre eles a ponto de fazer parte daquilo que Stuart Hall chama de “horizon of the taken-for-granted5.

Neste artigo, uso o caso cubano para defender dois argumentos gerais sobre a produção do nacionalismo através do conflito político6.

Primeiramente, argumento que o conflito político ajuda a consolidar imaginários nacionalistas ao naturalizar símbolos,ideias e narrativas que as partes em conflito compartilham e tomam por pressupostos. Os fundamentos ideológicos que constituem os termos de um conflito político e que não são contestados por nenhuma das partes obtêm um caráter de verdade através do próprio processo de disputa,que projeta tais fundamentos em um pano de fundo de premissas implícitas que define os limites das imaginações possíveis. Katherine Verdery7 e Nadia Abu El-Haj8 mostraram, de forma semelhante, que debates entre intelectuais na Romênia e em Israel, respectivamente, reforçaram as premissas nacionalistas compartilhadas pelos participantes desses debates. Contudo, ambas as autoras estudaram controvérsias esotéricas entre experts,e não o impacto desses debates sobre uma audiência mais ampla. Em contraste, examino aqui um conflito exotérico e público que tem sido central para o nacionalismo cubano - um conflito que envolve não apenas intelectuais, mas também agentes do Estado e ativistas políticos. Ademais, minha análise focaliza cubanos em Havana e Miami que não participam dessa disputa, mostrando que esse conflito político tem sido criativamente consumido - no sentido de Michel de Certeau9 - por cidadãos que não são parte de nenhuma das duas elites políticas em conflito10.

Minha segunda contribuição consiste em explorar também a maneira pela qual o conflito produz hegemonia - ou seja, como a saturação de Havana e Miami com a celebração de Martí levou não à rejeição de seu valor político,mas à sua aceitação generalizada.Para responder a essa pergunta, me inspiro nas análises de Edmund Leach sobre o mito11. Em Genesis as myth, o antropólogo britânico ressalta que as narrativas bíblicas transmitem uma mesma mensagem de forma repetitiva, em várias ocasiões. Para ele, essa redundância ajuda a corrigir os erros de comunicação causados por “ruídos”, ou informações excessivas, entre o emissor e o receptor de uma mensagem:

[…] the redundancy of myth is a very reassuring fact. Any particular myth in isolation is like a coded message badly snarled up with noisy interference.Even the most confident devotee might feel a little uncertain as to what precisely is being said. But, as a result of redundancy, the believer can feel that, even when details vary, each alternative version of a myth confirms his understanding and reinforces the essential meaning of all the others12.

Esse raciocínio ajuda a entender o processo que discuto neste artigo. Tanto os havaneses quanto os cubanos de Miami têm sido longamente expostos às ideologias rivais das duas elites cubanas e a sua utlização de Martí. Os cubanos de Miami, é claro, já conheciam a ideologia estatal antes mesmo de emigrarem. Por sua vez, os cubanos da ilha têm sido expostos à ideologia da liderança do exílio de Miami pelo menos desde o final dos anos 1970,quando emigrados começaram a visitar a ilha regularmente. Essa exposição apenas cresceu em intensidade e extensão com desenvolvimentos posteriores, como crescentes comunicações por rádio, correios, telefone, televisão e arquivos de computador13.

Em termos leachianos, argumento que a exposição dos cidadãos cubanos a ambas as ideologias oficiais produz, por um lado, um alto nível de “ruído” para cada uma das versões rivais do culto de Martí e, por outro, um alto nível de redundância para os elementos que elas compartilham.Ou seja,através de sua mútua contradição,cada versão cria uma forte interferência que impede que a outra seja aceita sem críticas. Mas os elementos do culto comuns a ambas as versões são repetidamente reforçados por ambos os lados, de forma que cada um deles confirma os sentidos essenciais que compartilha com seu rival.Como duas vozes falando simultaneamente, essas ideologias criam uma cacofonia quando proclamam suas diferenças, mas produzem um uníssono quando afirmam suas semelhanças básicas. Dessa forma, elas comunicam juntas o fundamento que têm em comum. A análise de Leach, portanto, ajuda a entender não apenas como um mito vem a ser aceito e reproduzido, mas também como ideologias contrapostas podem contribuir à aceitação das bases que compartilham e se furtam a discutir. Essa análise enriquece a interpretação contemporânea da hegemonia, ao apontar uma maneira pela qual o conflito entre ideologias ajuda a naturalizar seus elementos essenciais ao mesmo tempo que tais ideologias em si mesmas são rechaçadas.

Encontro inspiração também em outro argumento de Leach sobre o mito. Em sua monografia sobre os Kachin, ele demonstra que um mito só existe em diferentes versões que respondem a interesses e projetos em um campo de conflito,sendo portanto “a language in which to maintain social controversy14. Seguindo essa ideia, concebo a celebração de Martí como a linguagem em que as lutas políticas cubanas se desenvolvem e se tornam inteligíveis: suas várias versões fornecem uma língua comum em que se articulam os conflitos entre interesses e projetos. Note-se que não estou aqui conceitualizando o culto a Martí como um mito, mas mostrando o valor heurístico das análises de Leach (tanto sobre os Kachin como sobre o Gênesis) para além do estudo de mitos propriamente ditos. É claro que existe um mito em torno da figura de Martí em Havana e Miami, narrado em diferentes versões, mas prefiro utilizar a categoria “mito” para designar uma narrativa padronizada de valor prático e contada repetidamente. Em contraposição,os meios de celebração que aqui analiso vão muito além do componente narrativo, incluindo também imagens, rituais, aforismos etc. O que importa para mim é salientar que as ideias de Berkeley: University of California Press, 1993; Grenier, Guillermo e Pérez, Lisandro. The legacy of exile: Cubans in the United States. Boston: Allyn and Bacon, 2003).

Leach sobre a redundância semiótica do mito e sobre seu valor como linguagem de controvérsia valem também para entender os efeitos de um conflito entre ideologias políticas.

O HERÓI

Para fundamentar meu argumento, começo com um resumo da vida de José Martí - uma tarefa dificultada pela vastidão dos escritos sobre ele e por seu discurso glorificador. De acordo com Paul Estrade15, a taxa de publicação de trabalhos sobre Martí nos cem primeiros anos depois de sua morte foi de mais de 140 títulos por ano e, como analisou Ottmar Ette16, as múltiplas interpretações da vida e dos textos de Martí têm tipicamente um caráter hagiográfico e respondem a várias estratégias de legitimação de posições políticas e estéticas. Para evitar me perder nesse labirinto, baseio minha apresentação da vida de Martí em uma leitura crítica dos trabalhos mais acadêmicos sobre ele17 e a restrinjo ao mínimo necessário para informar os que não estão familiarizados com a história de Cuba. Evito deliberadamente fornecer uma interpretação dos escritos e das visões políticas de Martí e busco assim me posicionar fora do campo de disputas cujos efeitos quero problematizar.

José Martí (1853-1895) teve um papel crucial na luta anticolonial cubana e ocupa um lugar preeminente na literatura de língua espanhola graças a sua prosa e poesia inovadoras. Nascido em Havana de pais espanhóis humildes, Martí foi um poeta e jornalista muito prolífico. Seus escritos e ativismo anticoloniais o forçaram a viver a maior parte de sua vida adulta no exílio - sobretudo em Nova York, onde se estabeleceu definitivamente em 1880. Seus anos nessa cidade foram seu período mais frutífero tanto como escritor como líder político,pois ali produziu seus escritos mais maduros e organizou aquela que seria a última guerra de independência de Cuba.Além de trabalhar como cônsul da Argentina,Uruguai e Paraguai,Martí publicou frequentemente em jornais sul-americanos. Seu trabalho tem tido grande influência na América hispanófona, onde até hoje intelectuais se inspiram em seus ensaios e crianças na escola memorizam e recitam seus poemas.

Martí dedicou muito de seus esforços intelectuais à denúncia do colonialismo espanhol em Cuba, defendendo um sacrifício romântico no combate pela independência nacional. Nos Estados Unidos acabou se dedicando completamente à luta anticolonial, fundando um partido que uniu a maioria das facções e líderes independentistas e fazendo propaganda intensiva nas comunidades cubanas de Nova York, Tampa e Key West. Segundo a historiadora Lilian Guerra, Martí apresentava seus planos para uma Cuba independente de forma propositalmente vaga e ambígua para obter sucesso junto a uma comunidade emigrada dividida por diferenças ideológicas, sociais, raciais e geográficas: “Martí crafted a message of liberation and revolution that could be and was meant to be interpreted in more than one way”18. Depois de anos de preparação, a rebelião armada contra a Espanha começou, em 1895. O próprio Martí desembarcou em sua ilha natal para se unir à luta, mas foi morto em pouco mais de um mês, em seu primeiro encontro com as tropas coloniais.

A guerra de independência terminou apenas em 1898, quando os Estados Unidos intervieram com sucesso no conflito. Depois de ocupar Cuba por quatro anos, o poderoso vizinho do norte lhe concedeu soberania oficial em 1902. Quase imediatamente Martí foi convertido no maior herói nacional da nova república e, em uma intensa vida post-mortem, se tornou um de seus símbolos nacionais mais celebrados19.Desde o início do século XX,todos os movimentos políticos que emergiram em Cuba,das mais variadas orientações,reivindicaram Martí como sua inspiração e se apresentaram como seus verdadeiros sucessores. As ambiguidades e os silêncios dos trabalhos de Martí não apenas lhe permitiram unir vários grupos independentistas durante sua vida,como também possibilitaram que depois de sua morte atores das persuasões políticas mais diversas pudessem reivindicá-lo como seu predecessor.

Ao longo do século XX, ocorreu um reforço mútuo entre a disputa sobre o legado de Martí, por um lado, e sua exaltação como personificação da soberania nacional e da autoridade política, por outro. Ao lutar pela interpretação do herói, distintos grupos proclamavam sua grandeza em diversos meios: monumentos, museus, livros escolares, concursos literários, poemas, artes visuais, discursos políticos e rituais cívicos.Mas nada incentivou tanto a celebração de Martí como a revolução de 1959,a partir da qual tanto o governo revolucionário quanto seus opositores públicos - crescentemente baseados em Miami - começaram a investir fortemente em sua autorrepresentação como os verdadeiros herdeiros de José Martí.

Isso se explica pelo caráter profundamente nacionalista da disputa entre o Estado socialista e os líderes do exílio. Dos dois lados do estreito da Flórida, esse conflito é imaginado e apresentado como um conflito a respeito da nacionalidade, em que o “outro” sistema - capitalista ou socialista - é retratado como um ataque à soberania cubana. Enquanto em Havana o socialismo é enaltecido como o único caminho para a afirmação nacional e a decorrência da luta contra o imperialismo norte-americano, em Miami ele é denunciado como estranho à nação cubana e um produto primeiro do imperialismo soviético, e depois da interferência venezuelana. Ou seja, o que está consensualmente em disputa é a própria soberania nacional. Nesse contexto,nenhuma figura poderia ser mais valiosa que a daquele herói que por décadas tinha sido identificado com a soberania nacional e a autoridade política.

Isso levou a uma saturação da esfera pública de Havana e Miami com referências a Martí, de 1959 ao presente. Em Havana, discursos políticos amplamente reproduzidos a todo tempo o citam como fonte de autoridade política e moral. Muitos desses discursos são feitos em frente ao gigantesco monumento a Martí localizado na praça da Revolução, sede do poder executivo cubano, onde os espetáculos políticos mais importantes do país têm tido lugar durante o período socialista. Nas escolas, as crianças recitam poemas de Martí inúmeras vezes e toda manhã se juntam ritualmente junto a um busto dele para proclamar sua lealdade como “pioneiros pelo comunismo”.Imagens e citações de Martí também aparecem frequentemente em programas de rádio e televisão, bem como nos certificados concedidos a estudantes, trabalhadores ou centros de trabalho premiados por sua excelência e produtividade. Vinhetas na imprensa escrita, falada e televisada lembram seus públicos de datas “importantes” da vida de Martí, como o dia que ele enviou certa carta a sua mãe ou o dia em que visitou alguma cidade específica. Em um país onde roupas são caras demais ou difíceis de encontrar,muitos cubanos de baixa renda usam camisetas com imagens e citações do herói,distribuídas gratuitamente por organizações estatais.O rosto do herói também aparece com destaque em um mural gigante na rodoviária de Havana, entre pinturas dos guerreiros independentistas e dos revolucionários dos anos 1950. Imagens e citações de Martí aparecem ainda em numerosos pôsteres e outdoors, chamando os cubanos a participar de trabalhos voluntários, a se preparar para a defesa nacional, a lutar contra o imperialismo estadunidense, a apoiar o governo e até mesmo a se calar se não concordam com ele. Em todos esses meios, a mensagem básica é a mesma: o regime socialista é a culminação do pensamento e da luta anti-imperialista de Martí e a revolução socialista é a continuação das guerras anticoloniais20.

A imagem de José Martí também permeia a vida dos imigrantes cubanos de Miami. Nessa metrópole, três ruas diferentes levam o nome de Martí e pelo menos cinco monumentos são dedicados a ele. Seu rosto e citações são encontrados em murais e pôsteres orgulhosamente exibidos em restaurantes,lanchonetes e mercados,junto a nostálgicas paisagens da ilha e outros símbolos patrióticos,como o mapa eoescudonacionais.Nomesdediversasescolas,lojaseatéagênciasde correios fazem referência ao nome,à vida e ao trabalho de Martí.Lojas de lembranças especializadas em artigos de temática cubana vendem calendários e chaveiros que evocam o herói e reproduções de retratos seus. O rádio e a televisão locais de língua espanhola fazem constantes referências a Martí, e seu aniversário é comemorado em paradas escolares e banquetes. Ele é citado com frequência em discursos de políticos cubano-americanos,e ocasionalmente também por músicos como Gloria Estefan e Pitbull. A vida e os trabalhos do herói são estudados nas escolas públicas e em cursos de cultura cubana oferecidos por igrejas e associações cívicas. Grupos políticos de exilados e associações profissionais cubanas promovem atos cívicos em sua homenagem, e suas sedes invariavelmente exibem representações visuais do herói. O principal santuário cubano da cidade, a Ermita de la Caridad,tem um mural atrás de seu altar principal que retrata personagens da história política e religiosa de Cuba, no qual o rosto de Martí só perde em visibilidade para a própria padroeira de Cuba21. Camisetas com imagens de Martí são vendidas em lojas de desconto e distribuídas gratuitamente por algumas empresas.Todos esses meios afirmam a mesma mensagem básica:os imigrantes de hoje revivem a condição de exílio que Martí experimentou nos Estados Unidos e continuam hoje a luta pela liberdade e democracia que ele liderou no século XIX.

Assim,ao usar o herói nacional em seu conflito,as duas elites cubanas saturaram as esferas públicas de Havana e Miami com o culto de Martí. Esse culto, fundamental para suas ideologias e projetos políticos oficiais,dá a essas elites a linguagem de controvérsia social de que fala Edmund Leach. Como Martí é apresentado de um lado como o inspirador do regime socialista e do outro como o inspirador da oposição ao regime, ele é o símbolo não apenas do nacionalismo de cada lado da cisão política cubana como da própria cisão. Dois exemplos evocam isso eloquentemente. O primeiro é uma estátua no litoral de Havana. Inaugurada em 2000, ela representa Martí segurando um menino e apontando acusativamente para a sede da representação diplomática em Cuba. O segundo é a Radio Martí, criada pelo governo Reagan e de propriedade do governo estadunidense, mas inspirada e administrada por poderosos líderes cubano-americanos. A partir de um subúrbio industrial de Miami, essa estação transmite a Cuba, em uma programação diversificada,conteúdos de oposição radical ao governo. Tanto o monumento em Havana quanto a rádio em Miami exemplificam o uso de Martí como símbolo fundamental do conflito entre os dois lados da cisão política cubana, através do qual eles se acusam mutuamente.

Ademais, o culto compartilhado a Martí revela algumas semelhanças fundamentais nas ideologias oficiais das esferas públicas de Havana e Miami. Martí está no centro de duas narrativas teleológicas e românticas da história nacional, que sustentam duas posições políticas opostas, mas que compartilham vários pressupostos profundos que nunca questionam. Ambas as elites adversárias retratam seu conflito como uma repetição das guerras anticoloniais oitocentistas. O viés de gênero de ambas as narrativas é explícito, pois as duas mostram a nação como uma figura feminina a ser salvaguardada por homens “corajosos” e “honrados”, que a devem proteger da “penetração” estrangeira. A celebração comum de um intelectual branco e de classe média como a maior personagem histórica nacional também reforça concepções sobre as aptitudes políticas de distintos sujeitos racializados e diferenciados por classe. E cada uma das elites pressupõe que o que está em questão é a “independência” de Cuba em relação a poderes “imperialistas”. Ambas veem seu conflito como algo irreconciliável, em que os cubanos do outro lado são definidos como “traidores” sem legitimidade, e ambas têm discursos beligerantes que valorizam o “sacrifício” pelo bem da “liberdade” nacional.

Invocando pensadores tão diversos como Sigmund Freud e Georg Simmel, pode-se mesmo argumentar que esse antagonismo intransigente é incentivado pela própria base ideológica comum das partes nele envolvidas. Freud criou o conceito de “narcisismo das pequenas diferenças” para designar o fato de que “it is precisely the little dissimilarities in persons that are otherwise alike that arouse feelings of strangeness and enmity among them”22. Certamente para alguém dentro da cisão política cubana,as diferenças entre as versões opostas da celebração de Martí não parecem tão pequenas, mas o ponto de vista externo que adoto aqui revela semelhanças fundamentais entre dois lados que geralmente são vistos apenas como antagonistas. Um argumento semelhante ao de Freud se encontra na interpretação simmeliana do conflito. Para Simmel, “a hostility must excite consciousness the more deeply and violently, the greater the parties’ similarity against the background of which the hostility rises”23. É exatamente isso que acontece entre as elites políticas de Havana e Miami, que disputam violentamente a mesma figura histórica e concordam sobre os termos básicos de sua luta. Agora argumentarei que é precisamente esse substrato comum - e não as ideologias políticas baseadas nele - que se tornou hegemônico entre seus públicos naquelas cidades.

CRÍTICA

TantoemHavanaquantoemMiamicomenta-semuitoqueháuma crescente desilusão com os projetos e ideologias das elites políticas das duas cidades. Essa visão predomina igualmente entre os que lamentam e os que celebram tal situação, e minha experiência etnográfica mostrou que ela de fato reflete uma realidade em ambas as cidades.Ademais,cubanos de todas as idades interpretam esse fenômeno como uma mudança geracional, em que os mais jovens tendem a ser mais críticos e cínicos em relação às ideologias oficiais do Estado e do exílio. Mais uma vez, meu trabalho de campo me convenceu de que, ainda que exagerado, esse diagnóstico popular é bem fundamentado empiricamente. A maioria dos cubanos que conheci em ambos os locais que são comprometidos com a ideologia oficial de suas cidades têm mais de cinquenta anos de idade, e poucos cubanos de vinte a cinquenta anos são mobilizados pelo assim chamado conflito entre Havana e Miami. Essa diferença entre gerações é a manifestação mais clara da falta de adesão generalizada às ideologias políticas que dominam as esferas públicas das duas cidades. O cinismo dos cubanos nascidos dos anos 1960 em diante mostra que os projetos do governo e do exílio estão longe de gozar do caráter tácito e naturalizado que Hall24 e Comaroff e Comaroff25 descrevem como hegemonia.

Apresento três vinhetas etnográficas que exemplificam esse processo em Havana. Pablo26, um contador aposentado de sessenta e poucos anos, tem o hábito de decorar os prédios da rua onde mora em Havana dependurando pôsteres e pintando palavras de apoio ao governo.Ele me explicou que o objetivo dessas intervenções é chamar a atenção dos jovens cubanos, que ele acha politicamente apáticos, e convencê-los da importância de apoiar a “Revolução” (termo pelo qual o governo é normalmente designado por cubanos na ilha e na diáspora). Como tantos cubanos de seu grupo etário, Carlos lamenta que “os jovens de hoje só pensam em seu bem-estar, em comprar roupas, em se divertir. Eles não têm o fervor revolucionário de nossa geração. Eles não entendem que Cuba está permanentemente ameaçada pelo imperialismo”.

Em um final de tarde, ao chegar à casa de Tania, uma havanesa de seus 35 anos, percebi que sua avó estava assitindo à televisão na sala de visitas. Tania me levou para a cozinha com uma cara de desgosto e me disse: “Ela gosta de ver essas coisas porque ela é da velha guarda, você sabe”. “Essas coisas” eram os eventos oficiais repetidamente mostrados nas mídias cubanas.Em outra ocasião,Caridad,de 63 anos, ardorosa defensora do governo, me contava como o ímpeto revolucionário dos cubanos havia diminuído nas últimas décadas, e como os jovens não querem mais participar de trabalhos voluntários, desfiles patrióticos e organizações de massa.Yoel,seu sobrinho de 27 anos, que até então se limitava a ouvir nossa conversa, interveio enfadado:“Claro que no,esas cosas no resuelven nada”.O verbo que ele usou - resolver - tem um significado especial em Cuba,significando “conseguir” alguma coisa difícil de obter,especialmente de modo criativo e não oficial27. Sua tia respondeu rispidamente: “Nada disso é para resolver coisa alguma, isso é para construir um futuro para este país!”. Suspirando,ela se voltou para mim e acrescentou:“Os jovens de hoje não se importam com o país, eles só se importam consigo mesmos”.

Essas anedotas ilustram uma situação comum em Cuba hoje em dia, similar ao cinismo político descrito por estudiosos de diferentes regimes autoritários que falharam em seu propósito de recontruir a consciência e a moralidade dos cidadãos28,29. Enquanto Pablo e Caridad são “revolucionários” convictos,Yoel e Tania são muito críticos do regime. Como a maioria dos jovens de sua geração, eles não são precisamente contra o governo, e nem remotamente cogitam mobilizar-se politicamente; ele simplesmente não estão envolvidos no projeto oficial.Como os jovens soviéticos dos anos 1980 descritos por Yurchak30, a maioria dos jovens cubanos não se posiciona nem contra nem a favor do discurso oficial, mas apenas fora dele. Eles não têm qualquer entusiasmo pelo discurso ou projeto estatais, que veem como fracassados, e fazem o possível por buscar seus objetivos pessoais com o mínimo de envolvimento político. Em um sistema político que continuamente convoca a uma participação dedicada em projetos coletivos, essa atitude pode ser até mais subversiva que uma oposição real ao governo. Mais que isso, esse ceticismo escapa aos limites do conflito entre defensores e opositores da “Revolução” que tem sido a base ideológica do poder das elites de Havana e Miami.

Essa situação de declínio de comprometimento político se encontra também em Miami - no caso, é claro, com relação à luta contra o socialismo cubano. Minha etnografia mostrou que, como em Cuba, a ideologia oficial cubana predominante em Miami - definida por migrantesque chegaram nosanos 1960 e 197031 - goza de muito menos apoio entre cubanos jovens e de meia-idade que entre os mais velhos32. Mas a situação aqui é mais complexa ainda devido às diferentes ondas migratórias e ao lugar de nascimento dos cubano-americanos. Ainda que tendam a ser críticos ao regime cubano, os nascidos nos Estados Unidos raramente concordam com a intransigência dos líderes do exílio e ainda mais raramente se envolvem em suas atividades políticas. A maioria daqueles com quem conversei não tem dúvida quanto aos problemas do socialismo, mas me disseram que só não visitam Cuba para não magoar seus pais.Mais que isso,eles tendem a ser críticos das atitudes oficiais do exílio organizado com relação à ilha, declarando que a oposição radical e a recusa de diálogo não são eficientes nem eticamente corretas.Um bom exemplo é o de um homem de quarenta anos nascido em Miami que tem pouca paciência com as opiniões de seus pais. Ele me afirmou que Cuba era sua heritage, mas não tinha qualquer papel na determinação de sua posição política (que tendia à ala esquerda do Partido Democrata).

Um hiato semelhante entre cubanos de diferentes ondas migratórias levou Alejandro Grenier e Lisandro Pérez33 a diferenciar os “guardiões do exílio” - vindos nas primeiras décadas após 1959 - dos cubanos “imigrantes” - chegados mais recentemente e menos politizados. Susan Eckstein34 faz uma separação ainda mais radical entre os “exilados” (chegados até 1989) e os “novos cubanos” (migrantes da era pós-soviética). Tais cortes cronológicos claros tendem a simplificar uma situação mais complexa,e concordo com o argumento de Silvia Pedraza35 de que, de 1959 até hoje, é quase impossível separar motivações políticas de econômicas para a migração cubana. Porém, é inegável que,uma vez chegados à Flórida,os cubanos que migraram a partir de 1980 e sobretudo na década de 1990 tendem a se mobilizar muito menos contra o regime cubano que os migrantes que vieram em momentos anteriores.

Esse fenômeno é bem exemplificado pelas diversas reações ao show que o cantor e compositor cubano Pablo Milanés deu em Miami em 27 de agosto de 2011. A própria realização do show foi tomada como uma ofensa pela militância exilada da cidade.Impedir que artistas residentes em Cuba se apresentem em Miami é uma importante bandeira para os militantes, que veem tais artistas como “mercenários”, traidores egoístas que dão apoio político e financeiro ao governo dos Castro.Ademais,Milanés é particularmente problemático para os exilados: figura central do movimento musical nueva trova, que deu ao socialismo cubano uma espécie de trilha sonora romântica, ele tem apoiado a “Revolução” e a celebrado em várias canções bem conhecidas.Assim,sua apresentação em Miami provocou a ira dos opositores radicais do governo cubano,alguns dos quais vandalizaram anúncios do concerto e quebraram CDs do músico publicamente.Testemunhei seu protesto mais visível, realizado imediatamente antes e durante o show, em frente ao estádio onde este se realizou, no centro de Miami. Por volta de cem pessoas participaram da manifestação, muitos carregando cartazes e gritando palavras de ordem contra o socialismo cubano e seus defensores.Os participantes cantavam o hino nacional cubanorepetidamente,eváriosevocavamJoséMartígritandocitações de seus textos e usando camisetas que mostravam sua face - um jovem carregava até mesmo um retrato emoldurado do herói.O protesto ocupou um lugar altamente visível na paisagem urbana e repetiu o histriônico discurso anticastrista e anticomunista que tem dominado Miami por décadas.

Mas o próprio evento indicou como esse discurso está se tornando cada vez menos popular entre os cubanos da cidade,pois a maioria dos manifestantes - minha estimativa é de mais de 70% - tinha bem mais de cinquenta anos de idade. E, segundo o jornal de língua espanhola mais importante de Miami, a maioria dos assistentes ao show eram cubanos,que o receberam com “muito calor e conexão”36.De fato, todos os cubanos com quem falei quando saíam do estádio tinham adorado o show,e muitos disseram que ele lhes tinha trazido caras memórias de sua vida em Cuba.Em contraste com o protesto,a multidão que saía do show era majoritariamente jovem e de meia-idade - não consegui encontrar ali ninguém com mais de 45 anos. O show criou muita controvérsia na imprensa miamense, na qual muitos cubanos (inclusive preeminentes intelectuais públicos exilados) defenderam o direito de Milanés de se apresentar na cidade.

A manifestação também provocou reações negativas entre migrantes mais recentes e cubanos mais jovens que não assistiram ao show. Quase todos desses grupos com quem conversei nos dias anteriores e posteriores ao show se disseram “envergonhados” pela manifestação e a criticaram duramente - mesmo quando não aprovavam a presença de Milanés em Miami. Uma cubana de 38 anos, que se mudara para a cidade cinco anos antes,me disse que achava a apresentação do músico na cidade un descaro, mas que descaro ainda maior era o protesto contra o show. Em suas palavras, “não me mudei de um país de palavras de ordem [unpaísdeconsignas] para encontrar mais palavras de ordem e mais intolerância aqui”. Como o migrante da piada com que abri este artigo, ela criticava as semelhanças entre as duas elites adversárias que controlam as esferas públicas de Havana e Miami. Mesmo pessoas de gerações anteriores reclamaram que acontecimentos como esse davam má reputação a seus compatriotas da cidade.O taxista que me levou ao protesto tinha sessenta anos e migrara para Miami ainda criança, mas ele também achava que a manifestação era um papelazo e me disse que se alegrava de ver que esses protestos atraíam cada vez menos gente.Ainda que tivesse deixado a ilha em 1961,comentou que a situação em Miami era similar à de Cuba: “Lá também as pessoas percebem que aquelas marchas não servem para nada. Eles vão a um protesto e voltam para casa para encontrar uma geladeira vazia. Aqui pelo menos a geladeira não vai estar vazia, mas a frustração com essa política é a mesma”.

HEGEMONIA

Essas múltiplas expressões de fadiga com os projetos nacionalistas oficiais do Estado socialista cubano e do exílio organizado contrastam fortemente com a aceitação quase inconteste do valor da figura de José Martí. Mesmo manifestando seu desgosto pelos discursos que utilizam o herói,cubanos em Havana e Miami tendem a pressupor de forma naturalizada que ele encarna a soberania nacional e a moralidade política.Em ambas as cidades ouvi inúmeros comentários que afirmam, usando palavras diversas, que “se Martí ressuscitasse hoje ele odiaria ver o que fazem com ele”.Ao longo de mais de cinco décadas,o conflito entre as elites políticas das duas cidades e a saturação de suas esferas públicas com um discurso repetitivo corroeram o comprometimento da maioria dos cubanos com as duas elites antagonistas,mas reproduziram e mantiveram intacta a validade do símbolo maior que elas têm disputado. Como a análise de Leach sobre o mito ajudou a esclarecer, esses discursos oficiais antagônicos se negam reciprocamente nos detalhes em que se opõem, mas são redundantes no que concerne a seus fundamentos. Assim, eles se anulam naquilo em que discordam e se reforçam mutuamente naquilo em que concordam. O fato de que os dois lados envolvidos na disputa tomam tal validade como pressuposto a tornou inquestionável, uma parte do horizonte hegemônico que define a própria comunidade imaginada.

Os efeitos desse processo podem ser exemplificado por Yadilson, um estudante de música de 22 anos que vive em uma casa de madeira em um bairro pobre da periferia de Havana. Autodescrito como “apolítico,nem desse lado nem do outro”,ele desliga a televisão ou o rádio quando começa algum programa de cunho político. Ele se diz muito cansado da machacadera - literalmente, “amassação”, gíria que denota uma conversa repetitiva e cansativa - sobre Martí, mas afirmou o seguinte sobre o herói: “Ele era um orador talentoso, e acho que ele nunca teve problemas com mulher.Era um gênio,com tantas habilidades, em poesia, em jornalismo etc.”. Perguntei se isso significava que ele gostava de Martí, e ele respondeu: “É claro, sou cubano!”. Porém, Yadilson criticava a visão oficial de Martí como o inspirador da “Revolução”: “Eles estão sempre dizendo que Cuba hoje é o que Martí sonhou um século atrás,mas isso é mentira.Se Martí ressuscitasse hoje e visse o que Cuba se tornou,acho que ele teria um infarto,porque isso não tem nada a ver com o que ele queria”. Sua namorada, de dezoito anos,interveio:“É verdade,Martí deve estar se revolvendo no túmulo”. Eu lhes perguntei o que viam em Cuba que Martí não aprovaria, e eles apontaram vários problemas: autoritarismo, injustiça social, pobreza, hipocrisia, desonestidade. Indaguei se sabiam que os exilados de Miami também reivindicavam Martí como seu inspirador e eles disseram que sim, pois assistiam à televisão de Miami37. Mas também reprovavam o uso retórico de Martí no exílio, como Yadilson explicou: “Lá eles também usam Martí politicamente, mas fazem isso só para promover seus interesses”.O jovem resumia,assim,tanto a disseminada visão negativa sobre as duas elites cubanas quanto a avaliação positiva, igualmente disseminada, de Martí como herói nacional.

Uma atitude muito similar foi expressa por Larisa, uma médica havanesa de pouco mais de trinta anos, muito crítica do governo e do exílio cubanos. Ainda que reprovando “como usam Martí para seus interesses em Miami”, ela condena sobretudo as “mentiras” com que, segundo ela,o governo tem tentado “enganar” os cubanos por mais de cinco décadas. Isso a incomoda profundamente devido a sua admiraçãoeamorporMartí:“Eleeraumhomemexcepcional.Elefeztantoem tão pouco tempo.Para mim Martí é...”.Ela suspirou,olhou para o teto como se procurando por uma palavra,e completou animadamente:“... uma luz! Martí é uma luz! Ele é a referência fundamental para nosso país”. Outra jovem,Yoneisis, uma professora de 26 anos, me relatou que tinha muita raiva da forma como o governo falava de Martí. “Ele lutou tanto pela liberdade,pela democracia”,disse,“e é horrível pensar que celebramos seu centenário de nascimento e de morte sob duas ditaduras,primeiro uma de direita [a de Fulgencio Batista] e depois uma de esquerda [a de Fidel Castro].” Referindo-se ao líder histórico do país através de xingamentos vulgares, ela adicionou: “Como ele pode dizer que é martiano,se tem uma ilha com 11 milhões de escravos? Isso é um absurdo!”.

Mesmo quando não elaboram tanto suas visões sobre Martí, os havaneses expressam sua reprovação do seu uso ideológico oficial.Por exemplo, quando um amigo meu, de seus 45 anos, ligou a televisão e a tela exibiu uma citação de Martí por trinta segundos, ele se virou para mim com uma cara de desgosto e comentou: “Tá vendo o que fazem com o coitado do Martí?”. Ele estava ao mesmo tempo se solidarizando com Martí e criticando o uso político de suas palavras. O modelo de televisor chinês de meu amigo - o único vendido em Cuba nos anos 1990 - vinha das lojas irreversivelmente programado para exibir, antes de qualquer outra imagem, a frase Ser cultos para ser libres, o slogan do Ministério da Educação e uma das citações de Martí mais reproduzidas na propaganda estatal.Uma vez também ouvi essa frase sendo usada por uma dona de casa de 32 anos contra o próprio Estado. Casada com um europeu que a visita regularmente, ela não se mudou com ele para fora porque o Estado não lhe permite levar seu filho (de um casamento anterior) com ela. Quando me explicou essa situação, ela comentou sarcasticamente:“Esse é o grande país martiano que nos deram. Martí queria que fôssemos cultos para sermos livres, e eles [o governo] não nos deixam ser nem cultos nem livres!”.

O status de autoridade de Martí é igualmente aceito entre os cubanos de Miami, inclusive entre os mais críticos ao projeto político oficial do exílio organizado. Uma tarde eu estava mostrando o Parque José Martí, junto ao rio Miami, a uma amiga de 27 anos que se mudara de Cuba havia alguns meses e que criticava os nacionalismos oficiais predominantes na ilha e em Miami. A princípio ela adorou o parque, que lhe pareceu um “pedacinho de Cuba”, e até me pediu que tirasse uma foto dela junto ao busto de Martí. Mas ela ficou chocada quando reparou que a piscina e a academia de ginástica do parque levavam o nome de Martí: “Como podem dar o nome de Martí a coisas assim? Martí é uma figura tão sublime, tão pura; eles não deviam usar o nome dele em coisas tão mundanas!”. Ela reclamou que tanto em Cuba quanto em Miami “usam Martí para tudo, e eu não gosto nada disso. Martí em uma academia! É o cúmulo!”. Para essa jovem professora,Martí pertencia à ordem etérea da mente e não deveria ser associado a preocupações corporais. Ao contrário do migrante da piada que citei, que ficou desesperado ao ver uma estátua de Martí em Miami,ela ficou feliz de ver ali uma efígie do herói. Contudo,como a personagem,ela via no uso de Martí nos dois lados do estreito da Flórida um exagero condenável.

Muitos cubanos em Miami compartilham com minha amiga tanto o seu respeito por Martí como figura de autoridade e corporificação do nacionalismo quanto sua rejeição das ideologias nacionalistas oficiais. E, como tantos em Havana, eles também costumam usar Martí para criticar as duas elites adversárias e o conflito entre elas, mas muitos são mais aversos à ideologia do governo. Uma mulher de meia-idade, por exemplo, me contou que estava cansada dos dois discursos oficiais, porque “no fundo eles são a mesma coisa. Os dois lados politizam Martí de acordo com seus interesses”. Segundo ela, “Martí é um grande escritor, a figura mais importante da história cubana, o apóstolo de nossa independência, e não o que os políticos dizem aqui ou em Cuba”.Mas ela logo acrescentou que via uma vantagem em Miami: a machacadera ali era mais evitável. “Aqui posso simplesmente mudar de canal e ver outras coisas, e ninguém vai me obrigar a ir a um evento político. Mas lá você não tem opção; lá você não pode escapar da política.” Ironicamente, como tantos informantes,ela estava fazendo uma leitura profundamente política de Martí enquanto negava sua relação com o que ela chamava de “política” - que nesse e nos demais casos designava o conflito entre as duas elites cubanas.E,como outros cubanos de Miami, ela deixou claro que achava o uso político em Havana menos aceitável que aquele feito no exílio.

Mas outros cubanos miamenses são igualmente virulentos contra os dois discursos martianos oficiais. Uma das melhores articulações dessa visão me foi dada por dois médicos quarentões que entrevistei logo depois de sua saída do show de Pablo Milanés. Ambos tinham deixado a ilha no final dos anos 1990 porque “aquilo ali é uma merda, um regime mentiroso e opressor”. Perguntei se isso não os fazia rejeitar Milanés,e responderam que não,pois tinham crescido “na Revolução”, ouvindo suas músicas em momentos cruciais de suas vidas. Eum deles disse sobre os manifestantes que estiveram ali mais cedo:“Esses são os responsáveis por Fidel ainda estar no poder. Não suporto essa gente. Eles são o mesmo tipo de gente que governa Cuba, que lhe dão [a Fidel Castro] uma desculpa para permanecer no poder”.Seu amigo adicionou: “São uns velhos. E assim como Cuba é o país mais subdesenvolvido da América por causa dos comunistas, Miami é a cidade mais subdesenvolvida deste país por causa dessa gente” - e apontou para a calçada onde o protesto tinha ocorrido algumas horas antes.

Nesse ponto lhes perguntei quem eles viam como o personagem mais importante da história de Cuba. O mais eloquente dos dois respondeu imediatamente:“José Martí,é claro!”,e o outro aquiesceu:“É claro!”. Perguntados por quê, o primeiro explicou que “ele é o poeta nacional, um grande intelectual que deu sua vida pela independência de Cuba”. À minha indagação sobre sua opinião a respeito das narrativas sobre Martí do Estado e da liderança do exílio, ele respondeu que não gostava de nenhuma das duas versões, pois “ele é politizado demais pelos dois lados.Lá e aqui só contam mentiras sobre Martí que os possam favorecer”. O outro acrescentou: “Não gosto dessa politização de Martí porque o põem desse lado ou do outro,e isso não é bom. Martí é nossa história. Ele é um grande poeta, ele é a história de Cuba. Martí pertence a todos os cubanos”. Esses dois homens resumiam melhor que ninguém a visão comum em Havana e Miami que rejeita as elites adversárias das duas cidades enquanto enaltece o herói nacional que elas disputam.Os nacionalismos oficiais do Estado socialista e da liderança do exílio são crescentemente impopulares nas capitais do socialismo e da diáspora cubanos,mas o mesmo não ocorre com o status heroico de José Martí.Para os cubanos de ambas as cidades,Martí ainda é o símbolo maior da autoridade política e da soberania nacional.

CONCLUSÃO

“Os exilados de Miami são comunistas azuis”, um engenheiro havanês me disse um dia. Com isso ele quis dizer que via muitas semelhanças entre o exílio cubano organizado e a elite política de Cuba - que ele pejorativamente chamava de “comunistas” -, apesar do antagonismo entre os dois grupos.O que mudaria para ele seria apenas a cor da mesma atitude intolerante e radical:vermelhos na ilha,azuis na diáspora. Neste artigo eu quis discutir algumas dessas semelhanças apontando o culto de Martí como sua linguagem comum de controvérsia. Analisei ainda os efeitos dessas semelhanças, salientando que um número crescente de cubanos em Havana e Miami rejeita ambas as versões oficiais desse culto enquanto aceita seus pressupostos compartilhados.Esse foi o resultado da saturação das esferas públicas das duas cidades com duas ideologias oficiais opostas, graças à qual se reproduziu e naturalizou a premissa comum de que José Martí encarna a soberania nacional e que suas visões políticas são os padrões morais corretos de avaliação política.

Um processo similar de naturalização dos termos nacionalistas do conflito foi analisado por Katherine Verdery em seu estudo de disputas intelectuais na Romênia socialista. A autora persuasivamente argumenta que as lutas pela definição da nação por críticos literários, filósofos e historiadores ajudaram a produzir imaginários nacionais não pela vitória de uma das visões em conflito, mas por gerar um consenso básico que pressupõe a existência e o valor na comunidade imaginadanacional. O que teve um efeito permanente sobre a definição da Romênia não foram as afirmações específicas dentro desses debates, mas a base comum da discussão que todas as partes compartilhavam, que não era questionada e assim definia o horizonte de imaginações possíveis:“By not making explicit the premises on which a debate was occurring, participants reinforced those premises as grounds for disputes and claims”38.

Nadia Abu El-Haj apresenta um argumento parecido ao examinar os debates de arqueólogos israelenses sobre quando e como aconteceu a ocupação israelita da Palestina na Antiguidade. A antropóloga demonstra que diferentes posições sobre essa questão histórica estão relacionadas a diferentes posições políticas a respeito de estratégias de colonização israelense na atualidade,mas que o principal resultado do debate foi a naturalização daquilo que ambos os lados tomavam por tácito: que a colonização contemporânea era justificada pela ocupação antiga do território. Ressaltando o conteúdo político daquilo que Thomas Kuhn39 chamou de “ciência normal”,Abu El-Haj explica: “It was precisely through this dispute over details that a tale best understood as the modern nation’s origin myth was transported into the realm of history - that an ancient Israelite social collectivity emerged as a historical fact”40.

Meu objetivo aqui foi complementar essas análises mostrando como o processo de naturalização do consenso subjacente a um conflito explícito opera em lutas políticas mais amplas que vão além de controvérsias entre especialistas. Discutindo o significado das visões políticas de Martí por mais de cinco décadas, defensores e opositores do regime socialista cubano se furtaram a perguntar se o debate político cubano deve ser guiado pelos ideais imaginados pelo herói nacional. Nenhum lado questionou se algum indivíduo deve representar a soberania nacional, se esse indivíduo deveria ser José Martí, ou se seus “sonhos” de uma Cuba livre estavam certos ou não.Através de seu próprio conflito, ambas as elites cubanas tornaram os termos do discurso político indissociável da celebração romântica de um homem intelectual branco e heterossexual. Adicionei ainda às contribuições de Verdery e de Abu El-Haj a discussão de como se deu esse processo de naturalização, usando para isso a análise do mito realizada por Edmund Leach. Constantemente bombardeados por duas versões alternativas do mesmo mito,os cubanos que não fazem parte das elites de Havana e Miami aceitaram a mensagem enviada conjuntamente por ambas as versões e rejeitaram os conteúdos em que elas se contradizem mutuamente. A redundância das duas versões explica a naturalização de sua estrutura comum, e sua dissonância parcial explica a rejeição dos elementos em que elas se opõem.

Mas talvez isso nos convide a repensar o quê ou quem pode se tornar hegemônico. No caso que analisei aqui,o conflito entre o Estado socialista e seus opositores exilados produziu um consenso em que nenhuma das duas partes teve sucesso em seus esforços de autolegitimação. Nenhum dos dois lados se tornou o “príncipe moderno” que, de acordo com Gramsci, seria capaz de criar uma nova cultura política; nenhum dos dois grupos se tornou hegemônico. Para ser mais claro, nesse conflito nenhum sujeito humano obteve hegemonia. O que se tornou hegemônico foi um discurso que os agentes criaram e utilizaram,mas que se reproduziu e se fortaleceu para além das suas intenções.

  • 1
    Este artigo faz parte do projeto de pós-doutorado desenvolvido no Departamento de Antropologia da USP com financiamento da Fapesp, processo no 2013/23833-8. Agradeço à Fapesp e aos colegas e amigos que comentaram versões anteriores do artigo: Stephan Palmié, Susan Gal, Kerry Chance, Gregory Duff Morton e Lilia Schwarcz.
  • 2
    Desenvolvi essa pesquisa ao longo de vários períodos nas duas cidades: em Havana, em vinte meses distribuídos entre 2000 e 2013, e, em Miami, em dezoito meses distribuídos entre 2003 e 2011. Dentre esses se destacam dois períodos ininterruptos de doze meses, um em cada uma dessas cidades. Resumidamente, a pesquisa etnográfica em ambos os lugares consistiu em observação participante em inúmeras atividades quotidianas e rituais, públicas e privadas,em diversos ambientes e locais, bem como em incontáveis conversas informais e cem entrevistas semiestruturadas com cubanos das mais diversas características sociais (ocupação, idade, cor, local de moradia, procedência geográfica etc.). A pesquisa de arquivo envolveu a consulta de periódicos das duas cidades, de 1959 até o presente, bem como de livros de ficção e não ficção, folhetos turísticos,livros de visitas de museus, pôsteres, fotografias etc.
  • 3
    Ver Gramsci, Antonio. Selections from the Prison Notebooks. Nova York: International Publishers, 1971; Hall, Stuart. “The toad in the garden: Thatcherism amog the theorists”. In: Nelson, C. e Grossberg, L. (orgs.). Marxism and the interpretation of culture. Urbana: University of Illinois Press, 1988; Comaroff, Jean e Comaroff,John.Of revelation and revolution, v. 1. Chicago: University of Chicago Press, 1991.
  • 4
    Ao longo deste artigo, quando falo de Havana me refiro à região metropolitana da capital cubana, que coincide com a província de Ciudad de La Habana. Quando falo de Miami, refiro-me à região metropolitana definida pelo US Census Bureau como a Primary Statistical Metropolitan Area of Miami, cujos limites coincidem com os do condado de Miami-Dade.
  • 5
    Hall, op. cit., p. 44.
  • 6
    Baseado em Benedict Anderson, Imagined communities: reflections on the origin and spread of nationalism (Nova York: Verso, 1991, ed. revista), Roger Brubaker, Nationalism reframed: nationhood and the national question in the new Europe (Cambridge: Cambridge University Press, 1996) e Étienne Balibar, We, the people of Europe? Reflections on transnational citizenship (Princeton: Princeton University Press, 2004), defino nacionalismo como a concepção cultural segundo a qual a humanidade se divide em “povos” concebidos como sujeitos coletivos dotados de direito a autonomia política e que supõe que deve haver uma unidade entre esses povos e os Estados que os governam, sendo ambos imaginados como territorialmente limitados.
  • 7
    Verdery, Katherine. National ideology under socialism: identity and cultural politics in Ceausescu’s Romania.Berkeley:University of California Press, 1991.
  • 8
    Abu El-Haj, Nadia. Facts on the ground: archeological practice and territorial self-fashioning in Israeli society.Chicago:University of Chicago Press, 2001.
  • 9
    Certeau, Michel de. The practice of everyday life.Berkeley:University of California Press, 1984.
  • 10
    Devo esclarecer que ao falar da elite política de Havana me refiro aos ocupantes de posições médias e elevadas no aparato conjunto do Estado e do Partido Comunista de Cuba (ver Domínguez, Jorge. Cuba: order and revolution. Cambridge: Harvard University Press, 1978; Eckstein, Susan. Back from the future: Cuba under Castro. Londres: Routledge, 2003). A definição da elite política de Miami é mais complexa: ela engloba tanto os líderes das miríades de organizações políticas, associações profissionais e grupos cívicos cubanos que proliferaram naquela metrópole desde 1959 (ver García, María Cristina. Havana, USA: Cuban-Americans in South Florida, 1959-1994.Berkeley:University of California Press, 1996; Torres, María de los Angeles. In the land of mirrors: Cuban exile politics in the United States. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1999) quanto os cubanos que têm ocupado vários cargos eletivos e administrativos na região metropolitana (prefeitos, vereadores, chefes de polícia, secretários municipais, juízes) ou cargos eletivos representando seus distritos eleitorais (legisladores estaduais e federais). Os cubanos se tornaram o grupo étnico dominante na política formal miamense depois de se organizarem na política partidária norte-americana, processo que teve início nos anos 1980 (ver Portes, Alejandro e Stepick, Alex. City on the edge: the transformation of Miami.
  • 11
    Leach,Edmund.Genesis as myth, and other Essays. Londres: Jonathan Cape, 1969; e Political systems of highland Burma: a study of Kachin social structure. Nova York: Berg, 2004.
  • 12
    Leach, Genesis as Myth, and Other Essays, p. 9.
  • 13
    Cf. Pedraza, Silvia. Political disaffection in Cuba’s revolution and exodus. Cambridge: Cambridge University Press, 2007; Eckstein, Susan. The immigrant divide: how Cuban Americans changed the U.S. and their homeland. Nova York: Routledge, 2009.
  • 14
    Leach, Political systems of highland Burma: a study of Kachin social structure, p. 85.
  • 15
    Estrade, Paul. José Martí 18531895, ou, Des fondements de la démocratie en Amérique Latine. Paris: Editions Caribéennes,1995,pp.19-20.
  • 16
    Ette, Otmar. José Martí: apóstol, poeta, revolucionario; una historia de su recepción. México, DF: Unam, 1995.
  • 17
    Poyo, Gerald. “With all, and for the Good of all”: the emergence of popular nationalism in the Cuban communities of the United States, 1848-1898. Durham: Duke University Press, 1989; Rodríguez, Pedro Pablo. De las dos Américas: aproximaciones al pensamiento martiano. Havana: Centro de Estudios Martianos, 2002; Guerra, Lilian. The myth of José Martí: conflicting nationalisms in early twentieth-century Cuba. Chapel Hill: University North Carolina Press, 2005.
  • 18
    Guerra, The myth of José Martí: conflicting nationalisms in early twentieth-century Cuba, p. 25.
  • 19
    Cf. Iglesias Utset, Marial. Las metáforas del cambio en la vida cotidiana: Cuba 1898-1902. Havana: Ediciones Unión, 2003; Guerra, The myth of José Martí.
  • 20
    Essa saturação ocorre em toda a ilha, mas limito minha discussão a Havana para permitir uma comparação simétrica com Miami e porque foi naquela cidade que desenvolvi a maior parte de meu trabalho de campo em Cuba.
  • 21
    Cf. Tweed, Thomas A. Our Lady of the Exile: diasporic religion at a Cuban catholic shrine in Miami. Nova York: Oxford University Press, 1997.
  • 22
    Freud, Sigmund. “The taboo of virginity”. In: Rieff, Philip (org.). Sexuality and the psychology of love. Nova York: Touchstone, 1997, p. 66.
  • 23
    Simmel, Georg. “Conflict”. In: Levine, Donald (org.). Georg Simmel on individuality and social norms: selected writings. Chicago: The University of Chicago Press, 1971, p. 91.
  • 24
    Hall, op. cit.
  • 25
    Comaroff e Comaroff, op. cit.
  • 26
    Todos os nomes de informantes citados aqui são pseudônimos.
  • 27
    Weinreb, Amelia Rosenberg. Cuba in the shadow of change: daily life in the twilight of the revolution. Gainesville: University Press of Florida, 2009.
  • 28
    Ver Borneman, John. Belonging in the two Berlins: kin, state, nation. Cambridge: Cambridge University Press, 1992; Wedeen, Lisa. Ambiguities of domination: politics, rhetoric, and symbols in contemporary Syria. Chicago:University of Chicago Press,1999.
  • 29
    Ironicamente, quando criou o conceito de “hegemonia”, Gramsci estava em grande medida tentando entender como uma liderança revolucionária organizada como partido — “o príncipe moderno” — poderia criar uma nova forma de consciência e uma nova cultura política. Há portanto uma coincidência de objetivos entre um de meus referenciais analíticos centrais e uma das elites políticas cubanas que analiso aqui. Ademais, tanto Gramsci quanto os líderes do governo cubano encontraram inspiração nos ideais soviéticos de uma nova pessoa socialista.
  • 30
    Yurchak, Alexei. Everything was forever, until it was no more: the last Soviet generation. Princeton: Princeton University Press, 2006.
  • 31
    Ver Portes e Stepick, op. cit.; García, op. cit.; Torres, op. cit.
  • 32
    Esse fato também é documentado estatisticamente pelas surveys (chamadas Cuban polls) que a Florida International University tem conduzido regularmente desde 1991 para medir as atitudes dos cubanos e cubano-americanos da região de Miami em relação a questões políticas cubanas. Essas pesquisas têm encontrado um declínio contínuo na adesão a bandeiras que tradicionalmente definem o exílio cubano histórico: o apoio ao embargo estadunidense a Cuba e de restrições das viagens a Cuba,a oposição a negociações e relações diplomáticas com a ilha etc. Ver Cuban Research Institute, Florida International University. Disponível em: http://cri.fiu.edu/research/ cuba-poll/. Acesso em: 16/8/2015.
  • 33
    Grenier e Pérez, op. cit.
  • 34
    Eckstein, The Immigrant Divide: How Cuban Americans changed the U.S. and their homeland.
  • 35
    Pedraza, op. cit.
  • 36
    Bustamante, Paula. “Pablo Milanés dedicó concierto en Miami a los cubanos fuera de la isla”. El Nuevo Herald, 29/8/2011.
  • 37
    Existem em Cuba inúmeras antenas domésticas clandestinas que permitem assistir a canais de televisão estadunidenses, especialmente de Miami. Muitos programas de televisão estrangeiros circulam em Cuba também através de arquivos eletrônicos armazenados em memórias portáteis de computador.
  • 38
    Verdery, op. cit., p. 247.
  • 39
    Kuhn, Thomas. The structure of scientific revolutions. Chicago: University of Chicago Press, 1996.
  • 40
    Abu El-Haj, op. cit., p. 104.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul 2015

Histórico

  • Recebido
    11 Jun 2015
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