RESUMO
A financeirização sempre esteve ausente do debate público do ponto de vista do setor estatal. Este artigo discute o relatório do Senado da França Financiarisation de l’offre de soins: une opa sur la santé?, de 2024, que quebrou esse silêncio. Por meio de análise documental, o estudo de caso rastreou a interpretação dos legisladores franceses sobre o fenômeno e seus possíveis impactos na implementação de uma Política Nacional de Cuidados no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE:
financeirização; Política Nacional de Cuidados; saúde; envelhecimento populacional; França
ABSTRACT
Financialization has always been absent from the public debate from the perspective of the state sector.This article discusses the French Senate report Financiarisation del’offre de soins:uneopa sur la santé?, from 2024, which broke this silence. Through document analysis, the case study traced French legislators’ interpretation of the phenomenon and its possible impacts on the implementation of a National Care Policy in Brazil.
KEYWORDS:
financialization; National Care Policy; health; population aging; France
INTRODUÇÃO
Uma ampla literatura econômica, principalmente aquela situada além das fronteiras do pensamento hegemônico ou mainstream, considera a financeirização a característica principal ou mesmo o ponto definidor do novo padrão de acumulação da economia contemporânea (Martins, 2024, p. 38; Paludetto; Felipini, 2019). Desde o fim do século XX, diversos autores se preocuparam em conceituar o fenômeno, suscitando uma profícua produção. Depois de Karl Marx e John Maynard Keynes, os economistas franceses reiniciaram a reflexão do capital portador de juros com a clássica análise de François Chesnais (1996), publicada na França em 1994, sobre a mundialização do capital, então impulsionada pelas facilidades digitais e pela retomada da liberalização do fluxo de recursos em todo o planeta a partir da desregulamentação neoliberal iniciada em 1979.
Se, por um lado, a produção de literatura demonstrou a força e a aceitação da ideia da financeirização, por outro, dificultou o consenso em torno de um conceito. Como aponta Norberto M. Martins (2024, p. 72), as reflexões feitas pelas teorias heterodoxas analisaram o fenômeno com um objetivo exclusivamente teórico para desvendar as transformações do capitalismo, por isso se restringiram apenas aos termos abstratos. As perguntas principais diziam respeito a: a financeirização seria uma tendência imanente ao capitalismo? Seria um estágio? Ou subproduto?
Os autores apresentaram consenso, sempre segundo Norberto M. Martins (2024, p. 73), quanto ao risco ou viés numa economia financeirizada à estagnação ou crescimento cronicamente baixo e exacerbação da instabilidade do produto (com períodos de boom e crises bastante voláteis e mais curtas). No entanto, para responder às questões teóricas, mais tarde, houve necessidade de investir em análise empírica e/ou histórico-institucional, sobretudo para captar o papel do Estado na construção do fenômeno (Chesnais, 2005, p. 35) e de novos atores sociais, em particular os investidores institucionais, como fundos de private equity, fundos mútuos, fundos de pensão, seguradoras etc., aqueles batizados money managers por Hyman Minsky (1990).
Essa demanda de empirismo se faz ainda mais urgente, hoje, com a evolução da própria financeirização para um processo agora denominado financeirização 2.0 ou “assetização”, isto é, a transformação dos “mais variados tipos de coisas em ativos” (Paulani, 2024, pp. 104-5). Esses novos ativos, mesmo com menor liquidez, cumprem o papel de acelerar ganhos ou rendimentos futuros fundamentais para a reprodução de “capitais ociosos” (Chesnais, 2005, p. 45) que vagam pelo planeta. Dizem respeito à riqueza financeira antecipada por meio de avaliação do valor presente do fluxo esperado de rendimentos, descontado da taxa de juros. O processo gera uma liquidez muito maior do que aquela, por exemplo, do aluguel de um imóvel para renda monetária, pois tem inúmeras possibilidades no mercado secundário quando opera como fundo de investimentos (Paulani, 2024, p. 107). A “assetização” impõe, portanto, contornos materiais para a análise da financeirização, pois atravessa a fronteira de ativos meramente financeiros circulando em espaço digital para invadir a reprodução da vida cotidiana. Segundo Leda Paulani (2024, p. 111), a “assetização” prefere, principalmente, se cristalizar nos setores imobiliários e de infraestrutura, mas também em utilities (água e saneamento, energia e internet), graças às privatizações, e em serviços de utilidade pública de todo tipo, como universidades, sistemas de aposentadorias e serviços de saúde e cuidado, o ponto que nos interessa aqui, pois:
em todos esses casos, quem paga a conta é a população em geral, sobretudo os mais pobres, que assistem a um cortejo sem fim de perda de direitos e de acesso a bens e serviços. A violência dos processos financeiros que impelem ao endividamento e depois cobram draconianamente esses débitos, bem como os surtos de desvalorização de ativos provocados pela especulação financeira, principalmente nos territórios mais vulneráveis, vão na mesma direção, privando milhões das raras posses que eventualmente detenham... (Paulani, 2024, pp. 110-1).
As pesquisas empíricas fizeram emergir categorias como a “financeirização do cuidado” (Horton, 2017), a partir de uma investigação sobre a participação de fundos de investimentos nas três maiores redes de residências para idosos no Reino Unido, e a “financeirização da velhice” (Debert; Félix, 2024a; 2024b), com uma análise sobre o elevado endividamento da população idosa no Brasil, levando em conta três fatores: a participação de private equities em residências para pessoas idosas na França e no Brasil; os gastos catastróficos em saúde provocados pela mercantilização do setor pelos seguros privados; e ainda o endividamento por crédito consignado, modalidade brasileira cuja clientela é formada em grande parte por pessoas idosas. E esse mergulho na realidade ainda permitiu constatar o fenômeno em inúmeras outras esferas da vida contemporânea, como a “financeirização da filantropia” (Sklair, 2024), “financeirização da agricultura” (Leite, 2024), “financeirização da água” (Mader, 2024), “financeirização da saúde” (Bayliss, 2016), entre tantas outras. Isso possibilitou a Paul Langley (2020) moldar a “financeirização da vida” a partir de uma inesperada leitura foucaultiana e deleuziana.
A despeito de um trabalho profícuo na literatura científica interdisciplinar, essas categorias estavam e ainda estão de certa forma ausentes do debate público (em particular na imprensa) e, sobretudo, das análises realizadas por setores estatais, governamentais ou legislativos. A análise do papel atuante do Estado na construção do fenômeno explica, em parte, esse desprezo aos achados teóricos e empíricos por parte dos setores públicos e privado à teoria da financeirização.
No entanto, no dia 25 de setembro de 2024, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado da França divulgou um relatório intitulado Financiarisation de l’offre de soins: une opa sur la santé?.2 O documento quebra o silêncio sobre o tema da financeirização na esfera pública. Assinado por dois senadores e uma senadora,3 o texto discute o provimento mais do que mercantilizado, financeirizado do cuidado, em virtude dos modelos de negócio e participação de fundos de investimento nos setores da saúde e do cuidado. O relatório obteve ampla divulgação na mídia francesa, como nos jornais Le Monde (25/9/2024), Libération (25/9/2024) e muitos outros veículos de imprensa, sem dúvida em razão da repercussão em toda a sociedade do escândalo da Orpéa (Castanet, 2022).
O impacto do relatório justifica uma análise detalhada e uma reflexão sobre o tema a partir dos argumentos e evidências fornecidas pelos relatores com o intuito de verificar se a interpretação do processo de financeirização e seus efeitos na área do cuidado (entendido aqui como autocuidado, cuidar e ser cuidado) por parte do setor público coincidem com os achados científicos. Se a financeirização é conceituada como uma etapa, um subproduto ou um fenômeno intrínseco à economia capitalista, como será possível mitigar ou erradicar seus efeitos na vida cotidiana, sobretudo na perspectiva da transição demográfica, isto é, do envelhecimento da população? O objetivo deste artigo é analisar de que forma o contexto descrito no relatório francês nos permite captar tendências em curso no Brasil, sem nenhuma intencionalidade comparativa dada as disparidades entre os dois modelos de proteção social. O texto é dividido em seis seções, incluindo esta introdução. Na segunda, apresentamos uma breve justificativa metodológica. A terceira seção trata da escolha da França como estudo de caso. A quarta seção detalha o conteúdo do relatório sob o ponto de vista teórico da financeirização. A quinta seção problematiza possíveis implicações para o Brasil no desafio de implementação da Política Nacional do Cuidado (PNC). Por último, as considerações finais.
QUESTÕES METODOLÓGICAS: POR QUE A FRANÇA?
Ao analisar a desigualdade social no século XXI, Thomas Piketty (2014, p. 11) lembra que a economia política clássica nasceu no Reino Unido e na França, no fim do século XVIII e início do XIX, por necessidade de se encontrar soluções para a questão da distribuição de renda. As transformações radicais da época foram impulsionadas, segundo o autor, pelo crescimento demográfico, pelo êxodo rural e, obviamente, pela Revolução Industrial.
Quais seriam as consequências dessas mudanças para a estrutura social? A França era, de longe, o país europeu mais populoso na época e constituía “um ponto de observação ideal” (Piketty, p. 12), com seus 20 milhões de habitantes. No fim do século XVIII, a França alcançou 30 milhões de habitantes, “um dinamismo demográfico desconhecido nos séculos anteriores” que colocou a questão no âmago dos debates e inspirou obras econômicas clássicas, notadamente a escrita por Thomas R. Malthus (1996).4
No nosso século, a França, embora não seja o país com maior percentual de idosos em sua população, continua a ser o laboratório ideal para se observar os desdobramentos da terceira fase da transição demográfica, qual seja, o envelhecimento da população. Ao enumerar os motivos que o levam a tomar a França como matriz para os seus estudos sobre as desigualdades de renda, Piketty explica:
Certos leitores sem dúvida se espantarão com a importância que atribuo ao estudo do caso francês e podem vir a suspeitar de que se trata de uma análise com viés nacionalista. Então, devo me justificar. Trata-se, em primeiro lugar, de uma questão de fontes. [...] os dados de herança franceses parecem ser os mais completos do mundo. O segundo motivo é que a França, por ser o país que sofreu a transição demográfica mais precocemente, é uma boa referência para se refletir sobre o que o resto do mundo espera (Piketty, 2014, p. 35).
É preciso destacar ainda que a França é um dos países mais resistentes ao avanço do modelo neoliberal e, embora mantenha boa parte de seu Estado de bem-estar social, ao longo das últimas décadas assistiu a constantes intervenções do mercado em seu sistema de seguridade e atos capazes de provocar redução, mesmo que pontual, de muitos de seus benefícios sociais, como relatam Robert Castel (2012), Anne-Marie Guillemard (2008), Bruno Palier (2005) e Serge Paugam (2000).
Por fim, cabe acrescentar que a metodologia de análise documental adotada aqui segue os critérios apontados por André Cellard (2008), isto é, identificar informações factuais em documentos de diversas naturezas, desde que confiáveis, a partir de questões de interesse ou hipóteses. Seguiram-se, assim, as etapas de estabelecimento de problemática, contexto, interesses, confiabilidade, natureza e conceitos-chave para a análise de discurso.
“UM FENÔMENO EM CRESCIMENTO”: CONTEXTO E CONTEÚDO DO RELATÓRIO FRANCÊS
Ao ser divulgado, em 25 de setembro de 2024, o relatório de 280 páginas trazia como título Financiarisation de l’offre de soins: une opa sur la santé?, conforme sua versão preliminar e resumida (Sénat, 2024). O questionamento do título original foi amplamente divulgado pela imprensa, pois emprestava à abordagem do tema uma crítica à coinvocação de Estado e mercado.
Uma oferta pública de aquisição (OPA) ou initial public offer (IPO) é uma operação lançada por uma empresa para adquirir títulos de outra empresa cotada em bolsa (AMF, 2024), em outras palavras, o título do relatório questionava se o Estado estaria vendendo “ações” do setor de saúde pública para o mercado financeiro. No entanto, ao ser registrado oficialmente como documento público no Senado, o questionamento crítico desapareceu do título, que passou a ser Financiarisation de l’offre de soins (Imbert; Jomier; Henno, 2024).
É preciso observar que o relatório foi divulgado no contexto da discussão sobre o orçamento do país para 2025, quando existia uma forte pressão do mercado sobre o governo do presidente Emmanuel Macron para reduzir os recursos destinados à seguridade social (Le Monde, 2024b; Bourdillon et al., 2024), responsabilizada pelo endividamento público, que hoje alcança 112% do pib, quase o dobro do limite estipulado como teto pela União Europeia (60%).
Resultado de quase nove meses de trabalho da comissão, quando foram realizadas diversas audiências públicas, o relatório é dividido em duas partes e quatro capítulos, além de uma introdução intitulada “La Financiarisation de l’offre de soins: un enjeu nouveau dans le débat public” [“A financeirização da prestação de cuidados: uma questão nova no debate público”]. No fim, são feitas dezoito proposições. A introdução começa com a constatação de que, apesar de a financeirização do sistema de cuidados ter invadido o debate público, em razão da aceleração das operações financeiras e da consolidação de capital, só agora as autoridades estão se interessando pelo tema. Em seguida, o texto se preocupa em diferenciar entre “a simples mercantilização e a privatização” do fenômeno da financeirização. Com base em trabalho intitulado Financiarisation dans le secteur de la santé: tendances, enjeux et perspectives, de autoria de Yann Bourgueil e Daniel Benamouzig (2023), o relatório adota a seguinte definição: “processo pelo qual atores privados capazes de investir significativamente, [e] que não são diretamente profissionais de saúde, entram no setor de cuidado com o objetivo principal de remunerar o investimento realizado” (Imbert, Jomier; Henno, 2024, p. 25). Ou seja, estaria distante dos objetivos dos investidores oferecer cuidado (soin) de qualidade. A atividade fim (o cuidado) perde prioridade em benefício da maximização do investimento (rentabilidade e lucro).
O relatório acrescenta que a financeirização caracteriza uma transformação profunda do modelo de organização da prestação de cuidados, que estaria transitando de um capitalismo dito “profissional”, em que os profissionais de saúde detêm o controle dos meios de produção e da evolução das práticas clínicas, para um “capitalismo financeirizado”, no qual os investidores externos assumem o controle financeiro e estratégico das empresas. Dessa maneira, a transferência da propriedade dos meios de produção do cuidado para atores financeiros não profissionais é “progressiva” e adquire uma influência crescente na economia, pois tendem a exacerbar a concentração de mercado (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 25).
Num contexto orçamentário limitado, alerta o texto, a financeirização pode surgir como uma nova resposta às necessidades de investimento e financiamento do sistema de saúde. Os setores da saúde e de cuidado representam um mercado potencial “rentável e seguro” (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 25), pelo fato de o envelhecimento da população provocar um aumento da demanda. No caso da França, o financiamento é garantido pelo Estado, por meio de inúmeros programas sociais ou direitos no escopo da seguridade social.
Nesse ambiente, desde o início da década de 2000 o setor de saúde é o terceiro mais visado por fundos private equity na França, impulsionados por operações de fusões e aquisições envolvendo investidores institucionais. Entre 2014 e 2023, 18% de um total de 30 bilhões de euros operados por esses atores foram para o setor de cuidados, atrás apenas da indústria (26%) e bens de consumo e serviços (22%) (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 26).
Se a prestação de cuidados (care) representa apenas um quinto do montante do investimento no setor da saúde, em comparação com quase dois terços (60%) nos subsetores de equipamentos médicos, produtos farmacêuticos e biotecnologias, segmentos de atividade mais rentáveis, diz o texto, “a dinâmica observada demonstra o crescente interesse dos investidores” (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 26).
Segundo a France Invest,5 citada no relatório, o setor de saúde inclui os seguintes subsetores: indústria de equipamentos médicos, farmacêutica, farmácias, centros de saúde e análises laboratoriais, consultórios especializados (radiologia, odontologia, oftalmologia, veterinária etc.), clínicas privadas, residência para idosos (maisons de retraite), serviços pessoais, serviços dedicados (centros de saúde, pesquisa e desenvolvimento, testes clínicos), biotecnologias, investimentos em tecnologia médica. O relatório destaca que o segmento de cuidados de longa duração inaugurou o processo de financeirização do cuidado na França, ainda no século passado, precisamente nos anos 1990 (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 29). As primeiras participações de fundos de private equity foram observadas em “estabelecimentos privados médico-sociais”, que incluem os établissement d’hébergement pour personnes âgées dépendantes (Éhpad), similares às instituições de longa permanência para pessoas idosas (ilpis) no Brasil.
O relatório cita os “principais grupos financeirizados do setor médico-social”, como Korian, LNA, DomusVi, Coliseu e Orpéa (Imbert, Jomier e Henno, 2024, p. 29). Este último, que também atua no Brasil, foi protagonista do escândalo de maus-tratos a pessoas idosas residentes em suas unidades. O caso foi revelado pelo trabalho de reportagem do jornalista Victor Castanet (2022) e suscitou investigação por parte do governo e do Senado francês (Debert; Félix, 2024). Depois de grande repercussão na mídia, a empresa foi estatizada, passou por um processo de marketing para recolocação da marca (rebrand) e foi rebatizada de Emeis, que significa “nós” em grego (Les Echos, 2024).
A Orpéa seguiu o caminho da Korian, que também foi acusada de crime de má qualidade na prestação de cuidados e já havia mudado sua marca para Clariane (SilverEco, 2024). Ao anunciar a nova marca, a empresa prometeu remodelar sua gestão e se adequar ao modelo de société à mission, promovendo a valorização dos trabalhadores e trabalhadoras do cuidado. Esse estatuto jurídico insere-se no Plano de Ação para o Crescimento e Transformação Empresarial (Pacte), lei editada pelo governo francês em 2019 (França, 2022) no âmbito da chamada agenda esg (Environment, Social and Governance) e visa criar uma melhor partilha do valor gerado pelas empresas com seus empregados, além de uma série de compromissos éticos.
A financeirização no segmento médico-social impulsionou o mesmo processo na área da saúde (Cordilha, 2020; 2023). O modelo de negócio estende-se agora a novos campos em busca de rentabilidade elevada. O peso dos investimentos de fundos em laboratórios de biologia médica aumentou significativamente a partir de 2018, bem como, mais recentemente, em consultórios especializados e, em particular, em consultórios de imagiologia e centros de cuidados dentários.
Os autores do relatório alertam para a percepção na sociedade do processo de financeirização por meio de uma certa retórica adotada para definir o modelo e os riscos inerentes, sobretudo a dificuldade de regulação:
A priori, o tema da financeirização da prestação de cuidados tende a disseminar representações ideológicas e muitas vezes pejorativas. O termo, imbuído de uma conotação negativa no debate público, é contestado por grupos financeirizados, que preferem outras fórmulas: investimento necessário para apoiar a oferta, consolidação financeira etc. A invasão do setor de saúde pela lógica financeira é acompanhada de um vocabulário técnico, medidas legais e assuntos financeiros relativos ao direito societário aos quais os profissionais e as autoridades reguladoras da área estão pouco habituados. Complexa e multiforme, a financeirização continua mal compreendida e desperta medos que são tanto mais fortes porque o fenômeno parece escapar a toda supervisão e controle (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 26; grifos nossos).
Lembramos que a dificuldade de regulamentação e o risco de interferência dos interesses financeiros desconectados de questões de saúde pública levaram o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos (Cnom) a tomar uma “posição forte” e divulgar uma nota oficial exigindo das autoridades a “suspensão total do processo de financeirização” do setor (Cnom, 2024). De forma mais ampla, vozes estão se levantando na imprensa para denunciar a “socialização dos riscos” e a “privatização dos lucros”, destacando a imposição de uma nova organização do trabalho pelos investidores institucionais: “Os médicos que se tornaram funcionários não têm mais controle sobre suas ferramentas de trabalho e não influenciam mais as orientações estratégicas. As novas estruturas assim rentabilizadas podem então ser revendidas, em particular aos fundos de pensões” (Bourdillon; Grimaldi; Michka, 2024).
Os médicos chamam a atenção para as limitações da regulação, muitas vezes moldada para servir ao capital (Pistor, 2019), e fazem referência às consequências da financeirização para o cuidado, citando como exemplo o escândalo da Orpéa/Emeis:
Estando essa financeirização na origem do crescimento das desigualdades, não há dúvida de que as desigualdades na saúde, em particular as relacionadas ao acesso a cuidados, vão crescer, porque o capital só investe no que é rentável ou rentabilizável. Esses grupos selecionam suas atividades, pressionam pela multiplicação de atos que não são clinicamente relevantes, mas financeiramente lucrativos, obrigam os pacientes a pagar custos adicionais não reembolsáveis pelo plano de saúde ou mesmo degradam a qualidade dos cuidados (ver o escândalo Orpéa) (Bourdillon; Grimaldi; Michka, 2024).
O “abuso”, de acordo com os autores-médicos, é ainda mais escandaloso porque o plano ou seguro de saúde (assurance maladie) reembolsa a maior parte dos gastos com cuidados, o que leva à já referida socialização dos riscos e privatização dos lucros.6
Outra manifestação pública defendeu o retorno à exclusividade da prestação de serviço de saúde pelo setor público e alertou para a imbricação entre cuidado e saúde, isto é, quanto menos saúde, maior a demanda por cuidado (Bizard, 2024).
Na primeira parte do relatório, intitulada “Un phénomène en progression, mais encore mal appréhendé” [“Um fenômeno em crescimento, mas ainda mal compreendido”], os autores se preocupam em mostrar como a financeirização varia no espaço-tempo e se constitui em um “fenômeno proteiforme”, que se estende “a muitos setores prestadores de cuidados” e é alimentado por “determinantes poderosos” (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 29).
O texto apresenta a genealogia, o histórico e o mapeamento da financeirização do cuidado e da saúde, apontando como principais acionistas de fundos de investimento privados os grupos Ramsay Santé, Elsan, Vivalto e Amalviva. Mas alerta que esses atores estão longe de constituir um bloco monolítico: eles seguem modelos financeiros e apresentam estruturas acionárias distintas, que variam de acordo com setores nos quais operam e como se localizam no país o que é detalhado à exaustão no artigo, graças a mapas e dados.
Ao mostrar a diversidade de modos de atuação desses grupos para avançar sobre novos segmentos e prestadores de cuidado, os autores do relatório incluem na lista o setor de distribuição ou varejo de medicamentos, no qual o endividamento é central. Na seção “La financiarisation par la dette: l’exemple des pharmacies d’officine” [“A financeirização pelo endividamento: o exemplo das farmácias comunitárias”], é analisado o risco de endividamento das farmácias, ou seja, todos os estabelecimentos credenciados para venda no varejo de medicamentos e produtos de saúde, assim como manipulação de fórmulas e aconselhamento, atribuições regidas pelo código de saúde. Várias normas regulam a atividade das farmácias e, em tese, deveriam impedir a financeirização ou a concentração no setor, pois exigem a figura de um farmacêutico responsável.
O Conselho Nacional da Ordem dos Farmacêuticos (Cnop) e os sindicatos que representam os farmacêuticos comunitários denunciaram a existência de um risco de perda de independência profissional em razão de dívidas. Alguns farmacêuticos, sobretudo os mais jovens, recorrem a fundos de investimentos ou são cooptados por estes para reduzir os riscos financeiros relacionados à aquisição de uma farmácia ou rede de farmácias.
Segundo o Cnop, no entanto, os fundos exigem contrapartidas de várias espécies e/ou taxas de rentabilidade que acabam comprometendo a independência profissional do farmacêutico e a prestação do serviço.7 Aguardando desenvolvimentos regulatórios que os autorizem a se tornar acionistas, alguns desses fundos também emitem títulos conversíveis em ações, permitindo uma antecipação de capital oriundo de participação futura no negócio, assim empurrando a farmácia para uma situação de endividamento (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 47). Sendo a criação de valor consubstancial à atividade dos operadores financeiros, o investimento na prestação de cuidados tem como prioridade a rentabilidade, sem qualquer relação de compromisso com o cuidado em si, e “não difere de um banco”, mesmo quando justifica seu investimento com uma retórica repleta de objetivos altruístas, estímulo à inovação, parceria com o Estado e redução da desigualdade social, alertam os autores do relatório (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 53).
O texto destaca as altas margens de rentabilidade exigidas pelos investidores institucionais que optam pelo setor de cuidado e saúde: entre 10% e 30%.8 Essa rentabilidade é ainda mais hipertrofiada, acrescentam os autores, por ser o cuidado, a despeito de restrições regulatórias, um setor com “garantia de previsibilidade e, portanto, de segurança para os investidores financeiros” (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 57).
As agências reguladoras e outros órgãos de fiscalização ora são coniventes com as empresas no que diz respeito à qualidade do cuidado, ora são incapazes de exercer uma intervenção juridicamente justificável, pois não tem nível técnico para destrinçar a complexidade das operações. Além disso, no debate público, os investidores defendem “a financeirização como alavanca para a modernização da oferta de cuidado” (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 91).
Um dos efeitos mal compreendidos da financeirização é o risco de seleção de procedimentos e pacientes segundo cálculos de custo/benefício. Quem pode receber cuidados ou mesmo quem vai sobreviver se há restrições para a prescrição de medicamentos, uso de exames sofisticados e terapias inovadoras e custosas (Imbert; Jomier; Henno, 2024, pp. 93-4)? Isso foi experimentado no Brasil e em outros países durante a emergência sanitária da Covid-19 (Debert; Félix, 2020).
Na segunda parte do relatório, os senadores discutem as melhores formas de controlar e frear o processo de financeirização e seus efeitos sobre o cuidado, apresentando dezoito propostas de alteração da regulação, principalmente para garantir novas formas de financiamento, com menos riscos. As propostas visam: a) facilitar o acesso a métodos de financiamento que preservem a independência das estruturas de saúde e cuidado; b) remunerar melhor por qualidade e relevância dos cuidados; c) adaptar ferramentas de monitorização e regulação de despesas em ambientes financeirizados; d) construir uma regulação da oferta adaptada ao risco de financeirização; e) combater as desigualdades territoriais de oferta de cuidado; f) rever regularmente os custos hospitalares para combater os efeitos de seleção que levam a desequilíbrios na prestação de cuidados de saúde; g) aumentar o número de laboratórios de análise e definir por decreto uma lista mínima de exames a realizar em cada laboratório; h) impedir investimentos puramente especulativos no setor de saúde e evitar retiradas imprevistas de capital, estabelecendo um período mínimo de investimento; i) formar estudantes e jovens profissionais para a gestão das estruturas administrativas de cuidado; j) apoiar os profissionais de saúde e os atores locais, em particular as autoridades municipais, na consolidação de uma oferta independente e diversificada; k) reforçar o controle ordinal e jurisdicional, consagrando na lei a noção de “controle efetivo” dos profissionais sobre as empresas do setor, e especificar o alcance do princípio de independência nas condições de governança das estruturas de saúde; l) estabelecer, com órgãos de classe, empresas e sindicatos dos profissionais de saúde, uma doutrina clara sobre os métodos de funcionamento para garantir que os profissionais em exercício tenham controle efetivo das empresas praticantes; m) proibir qualquer cláusula que submeta a transmissão de documentos contratuais de órgãos de classe à concordância prévia do investidor; n) estabelecer unidades regionais de apoio jurídico aos órgãos de classe para exame dos contratos com investidores.
O relatório também apresenta, nos anexos, um estudo comparativo com a legislação sobre a financeirização do cuidado na Alemanha, onde já foram aprovadas leis para conter a participação de fundos de investimento no setor de saúde e cuidado (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 264), e na Suécia, onde historicamente os serviços de saúde eram prestados exclusivamente pelo Estado e, desde 2010, após a privatização parcial,9 o percentual privado alcançou um terço da oferta, com participação de fundos de investimento (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 269). A consequência dessa financeirização na Suécia foi um serviço de atenção primária “em duas velocidades” e a “degradação da qualidade do cuidado em benefício da lucratividade” (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 276). O relatório sublinha uma característica do modelo: quase todos esses atores operam com financiamento público, isto é, o Estado continua presente, a despeito da privatização, remunerando o privado e assegurando uma fonte regular e segura de lucros para os investidores. Dito de outra maneira, o Estado deixa de ser a antítese de mercado.
No debate público e acadêmico:
os opositores [da financeirização da saúde e do cuidado] destacam que os lucros gerados por essas empresas são frequentemente transferidos para acionistas privados, muitas vezes em paraísos fiscais, em vez de serem reinvestidos na melhoria dos serviços públicos, denunciando ao mesmo tempo um desvio na utilização dos fundos públicos. Além disso, essas empresas são criticadas por encontrar formas de diminuir seus impostos, aumentando assim o custo para os contribuintes. A priorização dos lucros também pode levar a cortes orçamentários em áreas essenciais, como a mão de obra e a qualidade dos serviços (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 276).
Vale a pena reproduzir aqui outro trecho do relatório sobre a qualidade dos serviços prestados pelas empresas, uma questão presente no debate público na Suécia desde 2013:
Foram revelados problemas de má gestão e negligência no cuidado às pessoas idosas. Sobre a questão da rentabilidade do mercado dos cuidados de saúde, os opositores também salientaram que as empresas de capital privado têm, muitas vezes, uma perspectiva de curto prazo, procurando maximizar rapidamente os lucros, antes da venda [dos ativos], o que pode prejudicar a sustentabilidade dos serviços. Os defensores, por outro lado, salientam que as empresas privadas podem ser mais flexíveis e receptivas às novas necessidades dos usuários, fazendo melhorias contínuas nos serviços oferecidos (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 277).
O relatório também sublinha a resistência dos fundos de investimento a qualquer tipo de regulação, sob a justificativa de que a constituição de instrumentos jurídicos ou normas poderia “sufocar a inovação e a diversidade” (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 277) que eles poderiam levar ao sistema de saúde e de cuidado, beneficiando a toda a sociedade. No entanto, embora o texto cite estudos que dão conta de uma relação satisfatória entre o objetivo de fins lucrativos e a qualidade dos serviços, outros estudos citados constataram um aumento da desigualdade de acesso à saúde na Suécia e um risco maior de seleção de pacientes, ou seja, o setor privado estaria priorizando a pacientes mais lucrativos, segundo a European Public Health Association (apud Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 277). O mesmo efeito tem sido verificado na França e nos Estados Unidos (Winant, 2024).
IMPLICAÇÕES PARA O BRASIL: OS RISCOS PARA A POLÍTICA NACIONAL DE CUIDADOS
Em dezembro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei n. 15.069 (Brasil, 2024), instituindo a Política Nacional de Cuidados (PNC). Essa lei foi desdobramento de um projeto apresentado pelo Executivo, primeira vez que a iniciativa de legislar sobre o tema partiu desse poder e não do Legislativo. A apresentação do projeto de lei se deu depois de uma discussão de mais de um ano no âmbito de um grupo de trabalho composto por representantes de vinte ministérios, sob a liderança do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome e do Ministério das Mulheres (Abramo, 2024).
O fato inédito ganhou relevância no debate público porque as ações reivindicadas por parte da sociedade são vistas como necessárias para garantir o bem-estar das pessoas idosas em particular, num momento de envelhecimento acelerado da população brasileira. Outro fator que impulsionou a iniciativa foi a ausência de reconhecimento jurídico do trabalho de cuidado no Brasil, tendo consequências interseccionais de desigualdades de gênero, etnia e classe social.10 Tratar do tema do cuidado é procurar abarcar uma ampla gama de interpretações (Guimarães; Pinheiro, 2023). O cuidado tem sido abordado historicamente pelo campo das economistas feministas, como relata Marilyn Waring (1988) em seu clássico If Women Counted, sob o ponto de vista socioeconômico do público e do privado, no qual, em termos marxianos, o primeiro é trabalho produtivo e o segundo é não produtivo. Em outras palavras, por não produzir uma mercadoria concreta passível de troca, o trabalho de cuidado do lar e do outro realizado pelas mulheres seria improdutivo, não remunerado e não valorizado. Sob essa perspectiva marxiana, as economistas introduziram em suas análises o conceito de reprodução social, propondo o cuidado como a base sine qua non da economia capitalista.11
Assim o analisaram autoras feministas (Boserup, 1970; Nelson; Ferber, 1993) consideradas fundadoras da disciplina Economia Feminista, e também autoras com concepções mais contemporâneas, como Viviana Zelizer (2012), balizadora da economia do cuidado (care). No entanto, num contexto de capitalismo financeirizado, os recortes epistêmicos baseados na crítica ao patriarcalismo, ao machismo, à exploração do trabalho de cuidado etc. ganharam ainda mais complexidade em virtude da presença, no campo do cuidado, de outros atores, sobretudo investidores institucionais (fundos de private equity, fundos mútuos, seguradoras etc.), como destacam, no caso do Reino Unido, Emma Dowling (2022), Kate Bayliss e Jasmine Gideon (2024), no caso dos Estados Unidos, Gabriel Winant (2024), no caso da França, Victor Castanet (2022) e, no caso do Brasil, Lena Lavinas e Denise Gentil (2018), Lena Lavinas et al. (2023) e Guita G. Debert e Jorge Félix (2024a).
A configuração desse novo padrão de acumulação capitalista amplia a questão da reprodução social para além do binômio produtivo-improdutivo ou para a “financeirização da reprodução”, no dizer de Silvia Federici (2023, p. 18). A financeirização, portanto, impõe um desafio a mais à PNC no Brasil, pois os investidores institucionais, extremamente atuantes no país, em escala proporcionalmente maior do que no hemisfério norte (em razão da nossa dependência de investimento estrangeiro direto), representam um risco de comprometimento dos princípios e objetivos da PNC. A influência do capital financeirizado sobre a qualidade da prestação de serviços de cuidado tem sido constante e intensa, desafiando as ações a favor da equidade de acesso demandada pela população, em particular de segmentos mais vulnerabilizados e da população idosa, e trazendo riscos de superendividamento (Debert; Félix, 2024a).
A atuação dos atores da financeirização tem dominado as ações de regulamentação e fiscalização da saúde (Sestelo, 2018; Bahia et al., 2022; Braga; Oliveira, 2022; Théret, 2024), colocado em xeque o modelo de Estado regulador implementado no país desde os anos 1990, com as privatizações. É o caso, por exemplo, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) quando defende posições favoráveis às seguradoras privadas (Félix, 2022). Ou seja, de um lado, o mercado atua para limitar a abrangência do sus e, de outro, age para impedir ações reguladoras que possam reduzir seus lucros.
É preciso sublinhar que, no Brasil, a financeirização tem afetado indistintamente a saúde e o cuidado, uma vez que as fronteiras entre uma e outro são tênues, sobretudo dentro do amplo leque de abordagem do care. Portanto, é legítimo analisá-los em conjunto, apesar da cisão institucional. Prova dessa necessidade de análise em bloco é, por exemplo, a falta de equipamentos de proteção individual (EPI) nas ILPIS durante a pandemia de Covid-19, porque estas são configuradas normativamente como equipamentos de assistência social e não de saúde.
É necessário lembrar ainda que programas de cuidado em domicílio exitosos no país, como o Maior Cuidado, em Belo Horizonte, ou o Programa de Acompanhamento de Idosos (PAI) em São Paulo, são administrados conjuntamente pelas secretarias municipais ou estaduais de Saúde e Assistência Social. No caso do pai, o acesso é feito estritamente pela Avaliação Multidimensional da Pessoa Idosa (AMPI) em uma Unidade Básica de Saúde ou Unidade de Referência de Saúde do Idoso do Sistema Único de Saúde (SUS), não obstante, do ponto de vista orçamentário, esses programas pouco representam no total de gastos do SUS, pois as despesas com cuidado são legadas ao orçamento familiar.
Outro fato relevante para a defesa da tese de que o cuidado está interconectado à saúde e ambos se sobrepõem nas tomadas de decisão políticas é a declaração do então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, quando, em reunião com pesquisadores e ativistas da área do envelhecimento, prometeu criar um serviço de cuidado domiciliar para pessoas idosas, mas, para isso, existe “a necessidade de uma nova política tributária e do fortalecimento do SUS” (Canal Lula, 2022).
Logo, é difícil, no âmbito do cuidado formal ou informal, desassociar o trabalho de cuidado da saúde, até mesmo porque a lei n. 15.069/2024 não propõe a criação de um sistema de cuidado, consequentemente as ações deverão ser desenvolvidas nos sistemas existentes, isto é, SUS e SUAS (Sistema Único de Assistência Social). Se a saúde estiver dominada pela lógica da financeirização, todo o cuidado, mesmo o cuidado de crianças em creches, será regido pela mesma lógica, como já ocorre na França (Hamon; Jézéquel; Laville, 2024). No Brasil, o sistema de cuidados é essencialmente não mercantil, familiar, com o apoio do trabalho doméstico, mal remunerado, mas os custos e a forma como estes são absorvidos pelos domicílios são financeirizados, pois implicam endividamento para 46,60% da população adulta (Serasa, 2025).
Os riscos de financeirização para a implementação de uma PNC crescem na medida em que a defesa de uma coinvocação Estado e mercado, na forma de uma gestão mista do SUS, faz-se cada vez mais presente no debate público no Brasil. O diagnóstico de gestores de fundos, com grande influência da consolidação dessa ideia em parte da sociedade, é que o SUS segue um modelo inviável dentro de uma política de austeridade fiscal, e o caminho ou solução é a transformação do SUS em modelo não universal, adotado em países como Estados Unidos, Chile e Japão.
No debate público, uma das vozes mais ativas a favor da transformação do SUS em um modelo fortemente segmentado, dual, de tipo estadunidense, é a do líder da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil, Armínio Fraga, também presidente do Instituto de Estudos para Política de Saúde. Em 2016, o private equity de Fraga foi um dos primeiros investidores institucionais no Grupo São Francisco de Hospitais, em São Paulo, considerado um “prestador de serviços de saúde com rápido crescimento” (Gávea, 2024). O grupo São Francisco possui cinco hospitais e criou um plano de saúde próprio, apenas na modalidade empresarial. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Fraga declarou: “Não acredito que seja possível voltar ao modelo original do SUS. Acho que seria mais fácil caminhar para um modelo que seja mais um híbrido de alguns modelos europeus” (Fraga, 2024). Quando lhe pediram exemplos, respondeu:
Vários. A Espanha tem um sistema que funciona muito bem, a França também. Estão vivendo crise e por quê? Porque todos estão vendo a mesma demanda crescente [de necessidades em saúde] e isso é universal. Cada um tem um diferente, são nuances, mas existem sistemas. Aqui no Brasil nós temos um ponto que é imensamente diferente, que é uma colossal informalidade. [...] aqui um pedaço do sistema ser mais inglês é desejável e inevitável. Isso conversa com outros aspectos da nossa economia que são relevantes também. Em especial, a monumental desigualdade. Uma coisa é o Estado bancar certos custos, outra é o Estado fazer a gestão. Então, onde é possível terceirizar, delegar, vale a pena explorar (Fraga, 2024, p. A 45).
Sem analisar as inúmeras medidas responsáveis por um desfinanciamento do SUS ao longo de décadas, o entrevistado culpa a demanda crescente pela “crise”, seja nos sistemas europeus, seja no brasileiro. A crise, portanto, numa retórica reproduzida sem questionamentos, deixa de ser criada, produzida por escolhas dentro do orçamento da União e passa a ser efeito de uma oferta que não acompanha a demanda. Quanto à gestão, é preciso lembrar que ela é terceirizada desde os anos 1990, quando foram criadas as organizações sociais de saúde (OSS).
Por fim, o investidor ataca novamente o caráter de universalidade do SUS e faz uma defesa do setor privado, em consonância com o que se observou na ANS:
A Constituição diz que é dever do Estado assegurar o direito à saúde. Mas é possível assegurar tudo para todos?
Não, não é. E eu penso que vai além. Hoje a judicialização da saúde está acontecendo num ambiente em que o judiciário tem sido muito favorável e obriga um certo tratamento a acontecer, mesmo em casos em que são tratamentos que sequer estão incluídos no rol. O que dá para fazer do jeito que as coisas estão, para não ter fila, para ter uma alocação melhor dos gastos que existem? Eu acho que é preciso pensar em alguma coisa que poderia ser chamada de um plano básico, que seria um tijolo fundamental do sistema, que não ia incluir muita coisa. Isso é muito difícil, porque tem o preço político disso e eu acho até um certo preço de alma, sabe? Você fala assim, a pessoa está doente, tem um tratamento e você não vai oferecer? É, mas não vai oferecer porque se eu oferecer aqui para essa pessoa, eu vou prejudicar cem pessoas do outro lado, na prevenção talvez. Mas é um exercício que eu acho que teria que ser feito. A gente precisa saber quanto que a gente consegue economizar e quanto mais pode ser possível também incluir no orçamento nacional ou estadual (Fraga, 2024, p. A 45).
Uma informação relevante no contexto brasileiro de investimentos em saúde e cuidado, acentuando o que diz o relatório francês sobre esse setor ser hoje um dos mais cobiçados pelos fundos de investimento: na lista elaborada pela revista Forbes (2024), o setor de saúde aparece cada vez mais e, atualmente, é responsável pela fortuna de quinze bilionários, cujo patrimônio declarado é de 51,8 bilhões de reais. A saúde no Brasil aparece como o décimo setor mais pujante para a acumulação de riqueza, a despeito de o país ter o maior sistema público do mundo e políticas nacionais de saúde.
O cuidado pode ser compreendido como um subsetor ou um setor transversal da saúde e, portanto, a PNC é um marco normativo de interesse dos mesmos investidores institucionais atuantes em quase todo o planeta, como destaca o relatório francês. No que tange ao Brasil, além da Orpéa, investidora inicial da rede Cora, o mesmo modelo financeirizado começou a surgir em outras redes, como, por exemplo, a rede Terça da Serra, em São Paulo e no Rio de Janeiro, do fundo SMZTO, que possui 2 mil acomodações e declarou 115 milhões de reais de faturamento em 2023, com previsão de crescimento de 30% em 2024 (Setti, 2023).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo tinha como objetivo discutir a financeirização da saúde e do cuidado a partir da análise documental do relatório Financiarisation de l’offre de soins: une opa sur la santé?, apresentado pelo Senado da França em setembro de 2024. A importância do documento é o ineditismo da aparição do conceito de financeirização da perspectiva do poder legislativo de um país desenvolvido.
Em face de um estágio capitalista marcado por esse novo padrão de acumulação, é necessário acompanhar globalmente as inovações financeiras, os modelos de organização das corporações, as regulações e outras formas de interação entre economia e sociedade, Estado-mercado, pois são pontos-chave para captar a realidade sem concessão às percepções ingênuas de um mecanismo socioeconômico complexo.
A intenção desta análise era verificar de que forma o contexto descrito no relatório francês nos permite captar tendências em curso no Brasil que possam ampliar os riscos políticos e econômicos para a implementação da PNC, recentemente sancionada. Nos estudos do cuidado, se a intenção é uma interferência efetiva na realidade, é preciso acompanhar o processo de operação do capital, pois, no fim, o trabalho de cuidado e as políticas públicas para atender à demanda, sobretudo a suscitada pelo envelhecimento da população, sempre estarão sujeitas às contradições do capitalismo.
A partir do documento francês e da realidade brasileira, é legítimo afirmar que o setor de saúde é disputado pelos investidores institucionais globais, atores principais do processo de financeirização. É imprescindível considerar que cuidado e saúde são partes de um mesmo sistema de bem-estar, mesmo sendo independentes do ponto de vista institucional. Portanto, a PNC estará submetida às mesmas pressões observadas na saúde, principalmente em relação à disputa orçamentária. A relevância do relatório francês é a visão coincidente dos legisladores com a teoria, inaugurando uma sintonia em torno da financeirização e seus efeitos no debate público. As proposições do texto servem de alerta para a PNC no Brasil, notadamente aquelas relativas à regulamentação, uma vez que os investidores institucionais globais se capitalizam com o processo de financeirização da saúde e do cuidado em países desenvolvidos e desembarcam nos países em desenvolvimento e em processo de envelhecimento para implementar ou estimular as mesmas práticas, como ocorreu com a United Health e a Orpéa, no Brasil.
O texto francês suscita questionamentos para o caso brasileiro. Como uma PNC pode ser promissora, se é submetida a um SUS e a um SUAS enfraquecidos pelo subfinanciamento e pelos interesses privados e/ou em pleno enfrentamento contra o avanço de propostas de metamorfose em um sistema focalizado? Quais as ações políticas necessárias, além do projeto de lei n. 2.762/2024, para garantir o direito ao cuidado e reduzir desigualdades sociais interseccionais, como diz seu artigo 1º, se o processo de financeirização sobrevive alimentado por uma intrínseca violência de gênero, etnia e classe social (Federici, 2023)?
No caso brasileiro, em nome dos objetivos e princípios apresentados na PNC, é preciso ainda destacar outro ponto do relatório francês, aquele que diz respeito à retórica. A coinvocação de Estado e mercado, alertam os senadores franceses, é sempre acompanhada de argumentos altruístas, como a preocupação com a desigualdade social, e oferece soluções privadas à guisa de contribuição para um Estado incapaz de atender à demanda de serviços sociais. No entanto, uma vez que os objetivos dos money managers são o de ser atendidos, a experiência (nacional e internacional) mostra o quanto a altiloquência está distante da realidade vivida na construção cotidiana do bem-estar social, sobretudo diante do envelhecimento da população.
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1
O presente artigo foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), processo n. 2024/19433-9.
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Em tradução livre: “Financeirização da prestação de cuidados: uma oferta pública de aquisição da saúde?”.
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Corine Imbert, do partido Republicanos, Bernard Jomier, do Praça Pública (Ecologistas), e Olivier Henno, do União dos Democratas e Independentes (UDI).
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Em reforço ao argumento de Piketty, o envelhecimento da população francesa se desenvolveu um século ou dois terços de século antes da Alemanha e da Grã-Bretanha. A França começou a envelhecer no século XIX e os outros no século XX. Em 1870, já registrava 12% da população acima de sessenta anos. Se tomarmos o critério de pessoa idosa a partir de 65 anos, a França estava 125 anos à frente (Bourdelais, 1993, pp. 174-5).
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A France Invest é uma associação privada de investidores de capital que reúne mais de 450 sociedades de gestão e cerca de 200 empresas de consultoria. Permite que investidores institucionais, bem como poupadores privados, tenham acesso a dados e informações para viabilizar investimentos.
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A seguridade social na França reembolsa integralmente 70% de todas as despesas médicas do contribuinte e os 30% restantes são reembolsados em grande parte pelas “mutuelles” (associações de contribuição coletiva, sem fins lucrativos, baseadas no princípio de ajuda mútua). Na França, existe a Puma (Protection Universelle Maladie) que atende a todos.
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Segundo o Cnop, os fundos de investimento podem ameaçar os farmacêuticos com penalidades financeiras significativas, como reembolso antecipado de obrigações quando eles: i) não respeitarem o “plano de negócios” estabelecido durante o empréstimo ou decidirem, contra o conselho do fundo, desenvolver uma nova atividade dentro da farmácia ou contratar pessoal adicional; ii) permitir a entrada de um novo sócio no capital; iii) não respeitar o compromisso assumido de utilizar um fornecedor predeterminado; iv) não alcançar objetivos inicialmente definidos, como desempenho financeiro ou horário de funcionamento (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 47).
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8
Reforçando o que já foi defendido pela teoria da financeirização, isto é, que são perseguidos “níveis de rendimento estáveis muito elevados (os 15% de rendimento sobre fundos próprios, que tem como um de seus componentes o valor nominal das ações em bolsa)” (Chesnais, 2005, p. 54).
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9
Desde a reforma de 2010, o sistema sueco é caracterizado pela livre escolha entre prestadores de cuidados públicos e privados e pela liberdade de estabelecimento, permitindo que os prestadores possam se estabelecer em diferentes regiões do país. O setor sem fins lucrativos é menor na Suécia, em comparação com países vizinhos, como Dinamarca, Noruega e Finlândia. Em todos os países o setor privado está em crescimento sob um processo de financeirização (Imbert; Jomier; Henno, 2024, p. 274).
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No Brasil, depois de doze anos de tramitação no Congresso Nacional, o projeto de lei n. 1.385/2007, que cria e regulamenta a profissão de cuidadora ou cuidador, foi aprovado (como projeto de lei da Câmara n. 11/2016) e em seguida totalmente vetado, em 8 de julho de 2019, pelo então presidente Jair Bolsonaro. O projeto de lei reconhecia as profissões de cuidador de pessoa idosa, cuidador de pessoa com deficiência, cuidador infantil e cuidador de pessoa com doenças raras.
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Marx também falou da reprodução social, da dimensão não mercantil e fora do assalariamento da força de trabalho, sem, contudo, reconhecer o papel das mulheres e da divisão sexual e social do trabalho (Marx, 1987, p. 420; Hirata, 2002; Bhattacharya, 2019).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
17 Out 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
05 Nov 2024 -
Aceito
06 Jun 2025
