RESUMO
O artigo analisa os limites das teorias democráticas que buscam interpretar os efeitos da digitalização sob uma ótica teórica e normativa. Defende que perspectivas deliberativas e agonistas são restritas,impedindo diagnósticos políticos e sociais mais complexos do problema.Assim,propõe uma visão ampliada da digitalização e sua relação com a teoria democrática, sugerindo uma agenda de pesquisa mais abrangente.
PALAVRAS-CHAVE:
esfera pública; teoria política; deliberação; agonismo; digitalização
ABSTRACT
The article examines the limitations of democratic theories that seek to interpret the effects of digitalization from a theoretical and normative perspective. It argues that deliberative and agonistic approaches are too restrictive,hindering more complex social and political diagnoses.Therefore,it proposes an expanded view of digitalization and its relationship with democratic theory, suggesting a broader research agenda.
KEYWORDS:
public sphere; political theory; deliberation; agonism; digitalization
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é mostrar que as teorias normativas da democracia tendem a enxergar os temas da digitalização da esfera pública e da sociabilidade de uma perspectiva reducionista. Fazem isso ao abordar a questão a partir da mudança do padrão e da forma de comunicação pública como aspecto primordial da relação entre tecnologias digitais e democracia.
Essa perspectiva, no entanto, tende a apresentar uma versão que não aborda as mudanças trazidas pelos processos de digitalização de forma suficientemente complexa. A digitalização da sociabilidade não é apenas uma mudança na forma de comunicação entre as pessoas: implica alterações mais amplas e profundas de diversos ramos da vida social, como as relações pessoais, o mercado de trabalho e a política. Dessa forma, de um lado, a digitalização da sociabilidade deve ser entendida para além do mero aumento da conectividade e das possibilidades de comunicação entre as pessoas; de outro, é possível defender que uma concepção abrangente de democracia do que aquela proposta pelos paradigmas deliberativos e agonistas possuiria, também, um maior potencial para a proposição de diagnósticos políticos mais aptos a lidar com as complexidades do presente.
Este artigo toma como fio condutor o livro de Jürgen Habermas, Uma nova mudança estrutural da esfera pública e da política deliberativa (2023b), no qual o autor admite que aproveita a pesquisa de outros colegas para defender a atualidade de sua teoria democrática, proposta nos anos 1990. Autores defendem o modelo teórico de Habermas porque ele coloca em primeiro plano o caráter comunicativo da democracia. Essa característica faria o modelo mais adequado para compreender os efeitos da tecnologia digitais na contemporaneidade. Ao mesmo tempo, esse foco exclusivo na comunicação é encontrado também em autores que negam o modelo deliberativo. Por outra via, esses autores têm déficits similares em suas proposições teóricas. É o caso, por exemplo, da proposta de democracia reativa, que Paolo Gerbaudo defende a partir da teoria agonista proposta por Chantal Mouffe. Por outro caminho argumentativo, em oposição à democracia deliberativa, Gerbaudo apresenta uma versão restrita do que se entende por digitalização, equiparando-a ao aumento da comunicação e da conexão entre as pessoas.
A partir da identificação desse foco demasiadamente restrito tanto no campo deliberativo quanto no campo da teoria agonista, defendemos que o fenômeno da digitalização e a teoria democrática devam ser entendidos a partir da apresentação de perspectivas advindas de estudos sociológicos e de mídia sobre a transversalidade do processo de digitalização. Sustentamos que propostas alinhadas ao pragmatismo e à teoria crítica contemporânea podem trazer ganhos analíticos para a relação entre digitalização e democracia.
A NOVA MUDANÇA ESTRUTURAL DA ESFERA PÚBLICA: DILEMAS PARA UMA CONCEPÇÃO DELIBERATIVA DA POLÍTICA
Há, na trajetória de Habermas, uma mudança na forma como é articulada a relação entre teoria, política e tecnologia. Em escritos dos anos 1960, como Técnica e ciência como “ideologia” (2014a), o objetivo de Habermas era mostrar a impossibilidade de se auferir a ideia de uma “nova técnica”,1 apresentando como contrapartida a necessidade de um novo tipo de racionalidade para justificar a construção da mudança do quadro institucional e cultural das sociedades modernas (Habermas, 2014a). Em uma interpretação do capitalismo tardio que possui pontos de contato e proximidade com a leitura que Theodor Adorno e Max Horkheimer fizeram de Friedrich Pollock e sua teoria do capitalismo de Estado (Adorno; Horkheimer, 2006),2 o autor aponta:
Na medida em que a atividade estatal é direcionada à estabilidade e ao crescimento do sistema econômico, a política assume um peculiar caráter negativo: ela se orienta pela eliminação de disfuncionalidades e prevenção dos riscos que possam ameaçar o sistema, ou seja, ela não é direcionada à realização de finalidades práticas, mas à resolução de problemas técnicos (Habermas, 2014a, p. 105).
O período do capitalismo tardio é marcado pela “cientificização da técnica”, em que técnica e ciência “se transformam na primeira força produtiva que escapa às condições de aplicação da teoria do valor trabalho de Marx” (2014a, p. 108). Habermas vê, de forma conexa com a crítica da tecnologia, a formação de uma consciência tecnocrática, garantida pela ocultação da diferença da ação racional com respeito a fins e interação (2014a, p. 112).3 Com isso, a possibilidade de uma política democrática é constantemente ameaçada pela suspensão do levantamento de questões práticas, que passam a ser tratadas como um problema técnico a ser resolvido e isso leva à possibilidade de erosão do quadro institucional.
De certa forma, mesmo que com modificações relevantes, é possível enxergar uma afinidade desse diagnóstico com o de Teoria da ação comunicativa (Habermas, 2023a). Por mais que, após a publicação de Problemas de legitimação do capitalismo tardio (Habermas, 2004), haja a oficialização da teoria habermasiana a partir de um modelo dual de sociedade que a divide em “sistema” e “mundo da vida”,4 é possível afirmar que a preocupação com a colonização do mundo da vida pelo sistema é uma expansão e uma reformulação da tese da tecnocracia (Honneth, 1989), mesmo que o debate da relação com a tecnologia saia do primeiro plano.5
Após a publicação da Teoria da ação comunicativa, Habermas apresenta uma mudança que pode ser identificada como uma transição “da ética à teoria do discurso”, tanto por razões conceituais quanto pela necessidade de “acomodar a teoria do direito e a teoria política dentro de seu novo quadro teórico” (Cenci, 2020, p. 100). O resultado dessa transformação é o programa apresentado em Facticidade e validade (Habermas, 2020), que, se comparado com Mudança estrutural da esfera pública (Habermas, 2014b),6 revela mudanças significativas também no que concerne à função da esfera pública política.
Essa breve reconstrução permite enquadrar a hipótese interpretativa que propomos para o livro Uma nova mudança estrutural da esfera pública e da política deliberativa. Nessa obra, Habermas foi instado a comentar uma coletânea de artigos cujo ponto em comum era a reflexão sobre o potencial de sua primeira obra de auxiliar a produção de diagnósticos e críticas do atual processo de intermediação da esfera pública por meio de plataformas digitais (Seeliger; Sevignani, 2021). O autor pouco havia escrito sobre a esfera pública após Facticidade e validade, ou proposto atualizações em sua teoria.7
Portanto, o recente livro de Habermas pode ser interpretado como uma tentativa de defender as posições teóricas desenvolvidas em Facticidade e validade, apresentando um diagnóstico apto a legitimar a sua versão de democracia deliberativa e, ao mesmo tempo, apontar os elementos da realidade tecnológica e política que implicam determinadas crises do tempo presente.8 Como admitiu em uma entrevista, Habermas agiu de forma “parasitária” em relação ao trabalho de colegas mais jovens e aproveitou a oportunidade para, “mais uma vez”, explicitar o conteúdo normativo da sua teoria do direito e da democracia (Habermas; Müller-Doohm; Yos, 2024, pp. 61-2).
Ao mesmo tempo, o seu esforço para reconstruir o que se deve entender como democracia deliberativa permite avaliar os potenciais e os entraves dessa abordagem teórica para um diagnóstico político do tempo presente. Afinal, muito da literatura atual sobre a democracia digital defende que é possível aplicar o modelo de teoria deliberativa para a “nova realidade digital”, “porque o paradigma deliberativo foca no coração da revolução digital: comunicação, informação e influência social” (Chambers; Gastil, 2021, p. 3).
Habermas inicia as suas considerações apontando que uma teoria da democracia deve reconstruir racionalmente9 as normas e práticas que, desde as revoluções constitucionalistas do século xviii, adquiriram validade e tornaram-se parte da efetividade histórica: desde então, haveria um potencial cognitivo moral dos direitos fundamentais sancionados pelo Estado na forma do direito positivo. Portanto, além do processo de longo prazo de efetivação dos direitos fundamentais, interessa a Habermas a regra geral de uma idealização conectada com o status de liberdade e igualdade entre os cidadãos de um Estado de direito:
O núcleo normativo da constituição democrática deve estar ancorado na consciência dos cidadãos, ou seja, nas convicções implícitas dos próprios cidadãos, especialmente do ponto de vista da estabilidade do sistema política. Não são os filósofos, mas os cidadãos e as cidadãs que, em sua grande maioria, precisam estar intuitivamente convencidos dos princípios da constituição (Habermas, 2023b, p. 34).
Por outro lado, para o autor, os cidadãos devem poder confiar que suas vozes e seus votos contarão nas eleições democráticas. Mesmo que essas expectativas sejam idealizações, elas constituem fatos sociais: para Habermas, o que há de problemático nessas práticas não são as suposições idealizadas que os participantes fazem por meio de suas lutas políticas, mas, sim, a credibilidade e o desempenho das instituições, que reiteram que essas idealizações podem ser negadas. A teoria política que está alinhada a esse tipo de Estado constitucional deve estar atenta a ambas as perspectivas. Assim, destaca-se o excedente idealizado, próprio de uma ordem dos direitos fundamentais de conteúdo moral na qual os cidadãos têm consciência do exercício do envolvimento em uma ordem de dominação democrática legítima, e, ao mesmo tempo, questionam-se as premissas sociais e institucionais sob as quais as idealizações necessárias podem permanecer críveis para os cidadãos e cidadãs de uma comunidade política.
Habermas afirma, nesse contexto, que a teoria não deve construir e justificar os princípios de uma ordem política justa, mas, sim, reconstruir racionalmente tais princípios a partir do direito válido e das expectativas e representações de legitimidade dos cidadãos. A teoria deve tornar explícitos os conteúdos de significado principiológico historicamente estáveis e preconcebidos como ordens constitucionais suficientemente estáveis, além de esclarecer as razões justificadoras que fornecem a força legitimadora da dominação fática exercida sobre os cidadãos. Trata-se de um processo teórico de elucidação da consciência implícita dos cidadãos que participam da vida política e, por isso, Habermas considera a política deliberativa não um ideal inalcançável, mas uma precondição de existência de “qualquer democracia digna desse nome” (Habermas, 2023b, p. 36).
No entanto, o sistema democrático enfrenta ainda o desafio de legitimar a si mesmo por meio da força geradora dos procedimentos juridicamente institucionalizados da formação da vontade democrática, em oposição às ideias de legitimação de caráter religioso. É sob essa perspectiva que a esfera pública política aparece em posição central: a comunicação política na esfera pública cumpre um papel essencial, apesar de limitado, no âmbito do processo democrático. Sob um ponto de vista normativo, o destino de uma democracia se dá a partir do momento que a formação da vontade se institucionaliza, de forma que os cidadãos vejam confirmados, em sua própria experiência, os princípios de consenso que agem como pano de fundo da Constituição. Assim, a democracia deve ser percebida pelos seus destinatários como capaz de resolver problemas no fluxo da política deliberativa (Habermas, 2020). Sob essa perspectiva, a esfera pública política tem uma dependência do sistema de mídia para criar opiniões públicas concorrentes. Afinal, segundo o autor, tais opiniões só são relevantes para o sistema político quando capazes de provocar uma ação responsiva de diversos atores da sociedade civil. Ao mesmo tempo, só são efetivas quando os temas e contribuições dos produtores de opinião chegam à esfera pública e conseguem chamar a atenção de uma parcela maior da população, o que ocorre por meio da mídia de massas. Habermas enxerga a influência das mídias digitais para uma nova mudança estrutural da esfera pública política a partir de uma diferença de escopo e modo de uso da mídia. Sob um ponto de vista político, para interpretar de que maneira houve uma mudança de qualidade no âmbito da esfera pública política, deve-se avaliar quão mais inclusivas são a formação da opinião pública e a racionalidade das opiniões exercidas. Para o autor, o caráter revolucionário das novas mídias digitais é comparável à invenção da imprensa, excedendo a mera extensão da oferta de mídia. A diminuição das fronteiras comunicativas a partir da disseminação do uso privado da internet possibilitou a superação de uma limitação da comunicação entre pessoas fisicamente reunidas. Há uma clara vantagem para os cidadãos e a sua participação política, mas também com consequências ambivalentes. A estrutura midiática da esfera pública é radicalmente afetada pelo caráter de plataforma das mídias sociais. Uma das principais mudanças é o empoderamento de todos os potenciais usuários como autores autônomos em pé de igualdade. O aspecto novo das mídias digitais em relação à mídia tradicional, para Habermas, é a possibilidade de as empresas digitais empregarem a tecnologia para que todos os usuários as utilizem como espaço de publicação. Não há, como no caso das editoras e da imprensa em geral, como se responsabilizar pela editoria de todo o conteúdo apresentado. A ausência de produção, redação e seleção de conteúdo faz com que as plataformas não possuam responsabilidade para além do oferecimento de novas redes de comunicações em âmbito global.
Programas tradicionais constituem uma conexão linear e unilateral entre um emissor e muitos receptores em potencial e ambos os lados contrapõem-se em papéis diferentes e podem ser identificados, de um lado, como produtores, redatores e autores responsabilizáveis e, de outro, um público anônimo de leitores, ouvintes e espectadores.10 Em contrapartida, as plataformas fornecem uma conexão comunicativa multilateral para a troca espontânea de uma miríade de conteúdos possíveis entre muitos usuários em potencial. Assim, os usuários se confrontam entre iguais, como participantes responsáveis em uma troca comunicativa espontânea sobre temas escolhidos. A conexão descentralizada entre esses usuários de mídia se dá, diferentemente da relação assimétrica na mídia tradicional, sem nenhum regramento ou regulação de conteúdo. Portanto, o caráter igualitário e não regulado da relação entre os participantes constrói o critério de comunicação que as novas mídias originalmente defendiam.
Segundo Habermas, por um lado, essa nova configuração aparenta finalmente concretizar a pretensão igualitária-universal da esfera pública burguesa de inclusão de todos os cidadãos. Por outro lado, os potenciais antiautoritário e igualitário também são capazes de oferecer a redes radicais de direita um espaço de organização. O paralelo que o autor faz com a invenção da imprensa fica claro quando ele afirma que, se com a invenção da imprensa todos se tornaram potenciais leitores, com as mídias digitais todos se tornam autores potenciais.
Trata-se da identificação da erosão do modelo das mídias de massa como gatekeepers.11 O modelo tradicional não significava, segundo o autor, necessariamente uma incapacitação do usuário das mídias tradicionais, mas descrevia uma forma de comunicação na qual o cidadão poderia se capacitar para formar um juízo próprio sobre os problemas políticos relevantes. A separação dos papéis de consumidor e de autor é algo que também deve ser aprendido: no caso das redes sociais, corre-se o perigo da fragmentação concomitante com uma perda de limites e fronteiras da esfera pública. As redes de comunicação sem fronteiras que se estruturam de forma espontânea em volta de determinados temas e pessoas correm o risco de uma compartimentalização dogmática entre elas.
As plataformas digitais, enquanto empresas cujo lucro depende do uso e da exploração dos dados pessoais dos seus usuários, diferenciam-se dos jornais e das mídias tradicionais privadas que, embora também se orientem para o lucro, não são elas mesmas as portadoras dos anúncios comerciais que veiculam. Assim, diferentemente das plataformas digitais e das redes sociais, as mídias tradicionais não exploram estratégias individualizadas de anúncios que permeiam de maneira muito mais mercantilizada os contextos do mundo da vida.
Um aspecto particularmente interessante é a pressão adaptativa exercida pelas mídias sociais sobre a mídia tradicional. Isso porque, nas mídias tradicionais, as propagandas só chegavam ao público na medida em que os programas e os produtos conseguissem alcançar determinados padrões cognitivos, normativos ou estéticos. Com seu fluxo cotidiano de informações e interpretações renovadas, tais padrões podiam confirmar, corrigir e suplementar uma imagem cotidiana e vaga como um mundo objetivo que poderia ser apreendido e aceitado por todos os contemporâneos de determinada sociedade.
Por outro lado, uma das maiores consequências do fenômeno da “plataformização da esfera pública” (Staab; Thiel, 2021) seria a pressão exercida sobre a mídia clássica, tanto no sentido econômico quanto no padrão esperado de publicação. A consequência é a precarização das relações de trabalho, com reflexos na qualidade e no modo do trabalho jornalístico, combinada com uma tendência de desprofissionalização e a compreensão do jornalismo como um centro que coordena os assuntos que estão sendo discutidos na internet (no lugar de investigações e interpretações jornalísticas direcionadas). A mudança dos padrões profissionais se reflete em um reajuste da imprensa, que perde o seu caráter discursivo de formação da vontade e da opinião dos cidadãos e passa a agir pela lógica das plataformas digitais, visando à atenção dos consumidores. Assim, segundo Habermas, com as mídias sociais, fortaleceu-se a tendência de despolitização observada desde a década de 1930.
Um aspecto que está em aberto na argumentação de Habermas é se há uma mudança, trazida pelas redes sociais, na forma como os seus usuários experienciam e percebem a esfera pública política. Não em termos do uso das redes sociais para fins políticos, profissionais ou privados, mas, sim, de avaliação de como o uso das redes influencia a percepção da esfera pública política como um todo. Habermas apresenta a hipótese de que, em esferas públicas espontâneas, autorreguladas e fragmentadas, há uma tendência autorreferenciada de confirmação recíproca de posições e interpretações. No entanto, quando se alteram a experiência e a percepção dos participantes na esfera pública política, veem-se consequências que atingem a diferença conceitual entre esfera pública e privada, o que impacta a autocompreensão dos consumidores da internet como cidadãos.
O objetivo da metáfora espacial, segundo Habermas, é equilibrar as clivagens entre questões públicas e privadas, sempre disputadas politicamente.12 Para Habermas, as redes sociais não alteraram a separação de esfera pública e vida privada, mas introduzem uma mudança na percepção da esfera pública, com o “declínio do sentido inclusivo da esfera pública” (Habermas, 2023b, p. 75). Para o autor, “em determinadas subculturas, a esfera pública não é mais percebida como inclusiva e a esfera pública política não é mais percebida como um espaço de comunicação para uma universalização de interesses que abranja todos os cidadãos” (Habermas, 2023b, p. 75).
Ao mesmo tempo, o aumento das oportunidades de autoria no âmbito das redes sociais fez surgir novos espaços públicos, em que todos os usuários podem se fazer presentes livremente como autores: esses espaços acabam permitindo o ganho de uma “intimidade propriamente anônima”, que não seria “nem pública nem privada”. Esse fenômeno implica a formação de “espaços de eco”. Essas “bolhas” compartilham com a imagem clássica da esfera pública o caráter poroso para a criação de novas conexões entre os cidadãos. Por outro lado, diferenciam-se de seu caráter fundamentalmente inclusivo por representarem uma tendência de rejeitar as opiniões dissonantes e assimilarem vozes consonantes. Habermas identifica essa cisão da esfera pública por meio de “bolhas” ou espaços de eco com a formação de uma esfera “semipública”. Com esse diagnóstico, afirma:
Na perspectiva limitada desse tipo de esfera semipública, a esfera pública política dos Estados constitucionais democráticos não pode mais ser percebida como um espaço inclusivo para um possível esclarecimento discursivo acerca de pretensões de validade da verdade e da consideração universal de interesses que competem entre si; é precisamente essa esfera pública que surge como inclusiva que, então, é rebaixada para esferas semipúblicas que competem em pé de igualdade (Habermas, 2023b, p. 78).
Para o autor, o fato de as ciências sociais e a ciência da comunicação atestarem a existência de esferas públicas plurais e disruptivas não significa que suas consequências e sintomas não sejam relevantes para as questões da teoria democrática:
um sistema democrático como um todo é prejudicado quando a infraestrutura da esfera pública não puder mais chamar a atenção dos cidadãos para as questões relevantes que exigem a tomada de decisão e não for mais capaz de garantir a formação de opiniões públicas concorrentes, ou seja, opiniões qualitativamente filtradas (Habermas, 2023b, p. 79).
O ensaio de Habermas se encerra como uma tomada de posição pela qual ele defende a atualidade do seu modelo normativo, que, como dissemos, foi desenvolvido nos anos 1990. A reconstrução dos argumentos do autor mostra que suas preocupações focalizam as alterações no processo de comunicação devido à plataformização das mídias, como a falta de mediação e a erosão dos gatekeepers, a queda do hábito da leitura cotidiana e diversas maneiras de manipulação e criação de uma esfera pública de caráter plebiscitário que erode a distinção entre a esfera pública e a privada (Thiel, 2023, p. 3). Assim, mesmo que seja explícita a intenção de Habermas de se apropriar de pesquisas de outros para defender a sua posição sobre a teoria deliberativa da democracia e do direito, é possível fazer algumas críticas à seleção e interpretação do material utilizado pelo autor para a atualização do seu diagnóstico.
Segundo Tobias Thiel (2023), a perspectiva habermasiana possui alguns déficits, como a subvalorização da agência dos cidadãos, compreendidos como facilmente manipuláveis pelos algoritmos. Thiel defende que Habermas cede exageradamente à descrição do capitalismo de vigilância feita por Shoshana Zuboff (2021), que dá menos atenção à posição das empresas na estrutura do capitalismo contemporâneo e mais à descrição “onipotente” das práticas algorítmicas das empresas.13 Mesmo a relação entre desinformação digital e crise da democracia poderia ser mais bem compreendida como um “pânico moral” do que como um efeito empírico verificável (Jungherr; Schroeder, 2022). Isso pode ser feito a partir do desenvolvimento de pesquisas empíricas que colocam em dúvida a ideia de que as câmeras de eco e a criação de bolhas sejam uma verdade incontestável (Ross Arguedas et al., 2022). A posição de Habermas, no entanto, nos ajuda a compreender alguns aspectos do paradigma deliberativo para fornecer diagnósticos dos efeitos da digitalização na esfera pública. No campo das teorias democráticas deliberativas, é possível identificar duas abordagens que evidenciam o foco excessivamente restrito na comunicação e na conexão via redes sociais.
A primeira abordagem é a de pensar off-line, análoga ao que aponta Habermas: o ambiente digital influencia, negativa ou positivamente, as relações humanas que ocorrem em outros espaços. O que ocorre no mundo digital influencia o modo como os Estados e a sociedade civil devem reagir “na realidade”. Portanto, a resposta a um suposto determinismo tecnológico identificado por um “derrotismo técnico-distópico” (Cohen; Fung, 2020, p. 24) seria que “atores maus [bad actors] exploram uma tecnologia neutra para propósitos nefastos”:
os perigos para a democracia trazidos pelas novas tecnologias da informação têm mais a ver com maus atores políticos mirando intencionalmente a democracia do que com a própria tecnologia ou com as forças econômicas direcionando os desenvolvimentos e expansão de tais tecnologias (Chambers; Kopstein, 2023, p. 225).
Sob essa perspectiva, a neutralidade da tecnologia é colocada como instrumento de cultura política degradada, na qual o comportamento dos cidadãos on-line reproduziria fragmentações e polarizações que ocorrem off-line (Lafont, 2023, p. 80). Assim, o olhar da teoria política sobre a esfera pública tem de focar muito mais o diagnóstico dos motivos pelos quais a cultura política se degradou, a ponto de impactar o funcionamento de uma esfera pública capaz de proporcionar o desenvolvimento de uma forma de vida democrática. Com isso, além do foco em possíveis reformas regulatórias envolvendo as redes sociais e arranjos institucionais que permitam a manutenção de uma esfera pública inclusiva, como os “minipúblicos” (Lafont, 2020), é preciso desenvolver as virtudes dos cidadãos como condição necessária para que uma esfera pública cumpra os seus requisitos (Chambers, 2021, p. 148). A digitalização da esfera pública, nesse diagnóstico, pode ser definida como a entrada de um instrumento e de uma tecnologia neutra que pode ser utilizada de forma positiva ou negativa, a depender dos atores envolvidos e de arranjos institucionais que regulem o funcionamento dessa esfera pública.14
A segunda abordagem perpassa a interpretação do próprio espaço digital como espaço de realização da democracia. Para isso, seria necessário investigar o design de cada rede social que viabiliza o contato entre as pessoas. Assim, diferentes redes sociais teriam impactos diversos nas práticas políticas e o desenho dessas plataformas importaria para a compreensão do comportamento das pessoas como suas usuárias. Para Jennifer Forestal (2022, p. 4), por exemplo, tecnologias digitais podem constituir “espaços democráticos” que possibilitam as chamadas affordances15 democráticas: cidadãos têm de reconhecer a si mesmos como membros de comunidades, formar vínculos (attachments) com essas comunidades e trabalhar colaborativamente com elas para melhorá-las. Segundo a autora,
ao invés de iniciar com problemas individuais associados às tecnologias digitais, a abordagem que desenvolvo [...] - o quadro do espaço democrático - começa com a questão do que a democracia requer e avalia as tecnologias digitais de acordo com isso (Forestal, 2022, p. 6).
O que ambas as abordagens têm em comum é a definição de princípios e condições funcionais para a esfera pública democrática que, posteriormente, devem ser aplicados às tecnologias digitais - interpretadas somente a partir da característica de ampliação das possibilidades de comunicação, sem mais - ou aos supostos efeitos que tais tecnologias têm sobre o debate público. Com isso, a literatura tenta adaptar princípios e expectativas formuladas de maneira relativamente distante da prática política contemporânea, de forma que há uma imposição constante de demandas e obrigações normativas à realidade, que deve se adaptar aos requisitos funcionais e normativos atrelados à esfera pública.
ESFERA PÚBLICA DAS REDES SOCIAIS COMO DEMOCRACIA REATIVA - ATUALIZAÇÃO DO MODELO AGONISTA
Segundo Paolo Gerbaudo (2022), a própria natureza da democracia contemporânea implica repensar suas promessas e ameaças subjacentes. O autor afirma ser necessário ir além dos fenômenos sociais e virtuais específicos e mirar a lógica geral e a configuração estrutural do ambiente de comunicação pública, com foco em uma “esfera pública das mídias sociais” (Gerbaudo, 2022, p. 120). O argumento de Gerbaudo procura identificar na esfera pública das mídias sociais um caráter de uma esfera pública plebeia, aproximando-a dos contra públicos das classes populares, como se verificou no passado. 16
Para o autor, mudar a perspectiva de uma esfera pública burguesa para uma esfera pública plebeia tem algumas consequências. Dentre elas: (i) os atores coletivos da mídia social são “multidões” (crowds),17 ao invés de “públicos”, e sua lógica de intervenção é mais afetiva do que informacional ou cognitiva; (ii) há uma lógica de mobilização emocional, ao invés da argumentação por razões que Habermas (2014b) teria atribuído aos públicos burgueses; e (iii) a lógica democrática que predomina nessa esfera pública é mais plebiscitária do que deliberativa, com uma normatividade diferente da proposta por um modelo “habermasiano” (Gerbaudo, 2022, p. 122).
Gerbaudo sugere que a democracia absorve uma das características principais das redes sociais, a da “reação”. A linguagem das redes é fortemente baseada em dispositivos pelos quais os usuários reagem a conteúdos, como o like, o compartilhamento e diversas outras formas de reação com pouco engajamento. Há um acúmulo de reações individuais de diferentes usuários a todo o tipo de conteúdo que são agregados coletivamente e podem medir a popularidade de determinado conteúdo e, ao mesmo tempo, alimentar os algoritmos que determinam a influência e as perspectivas de monetização das redes sociais (Gerbaudo, 2022, p. 122). A própria democracia, nesse sentido, teria se tornado reativa. Discussões virtuais se tornam “microrreferendos” e reações adquirem o caráter de pequenas votações em diversas questões (Gerbaudo, 2022, p. 123). A lógica da democracia digital seria plebiscitária e poucos atores produziriam conteúdo com alta intensidade, enquanto uma massa de usuários se engaja de forma simplificada por meio de diferentes reações à multiplicidade de temas e conteúdos que circulam nas redes.
O desenvolvimento da internet e das redes sociais fez com que uma primeira perspectiva otimista do potencial para o aumento das formas de comunicação e participação cidadã, pela maior possibilidade de conexão, cedesse lugar à mercantilização e ao uso comercial, marcados por uma forte concentração econômica de empresas privadas estadunidenses (“GAFA”: Google, Apple, Facebook e Amazon) e chinesas (“BATX”: Baidu, Alibaba, Tencent e Xiaomi) (Gerbaudo, 2022, p. 126). A popularização das mídias sociais apresentou, segundo o autor, consequências ambíguas para a democracia. Se, por um lado, houve alguma democratização pela possibilidade de pessoas comuns se tornarem autoras e capazes de publicar conteúdo, esquivando-se dos gatekeepers característicos das mídias de massa, a ausência de tais barreiras à autoria também promoveu muito dos efeitos negativos associados às redes sociais. A categoria da multidão (crowd) aparece para Gerbaudo (2022) como forma de caracterizar a esfera pública como plebeia. De forma interessante, ele busca diferenciá-la da esfera pública proletária, conforme Oskar Negt e Alexander Kluge (2016).18 Visa mostrar, assim, que o sujeito que intervém na esfera pública das mídias sociais é mais uma “massa” do que uma “classe”, pois aqueles que se reúnem em multidões digitais (online crowds) não dividem necessariamente as mesmas condições de classe; além disso, a multidão digital não se reúne em espaços de produção, mas, sim, em espaços de socialização, entretenimento e discussão informal, “assim como na esfera pública plebeia antiga” (Gerbaudo, 2022, p. 128).
A lógica das plataformas de redes sociais oferece oportunidades para o surgimento de fenômenos com aspecto de multidão (Gerbaudo, 2022, p. 129). Nesses ambientes, indivíduos que pensam e agem de forma similar são agrupados em volta de conteúdo digital de interesse comum e podem atuar por meio da ação coletiva. Exemplos dados pelo autor são: coordenação de hackers para atacar sites com propósitos políticos; campanhas digitais com apoio maciço; coordenação de comunidades capazes de alterar o rumo dos mercados mundiais e outros (Gerbaudo, 2022, p. 129).
A consequência mais visível dessa nova lógica são os atores que podem surgir tão rapidamente quanto saem de cena:
a lógica da democracia que domina a esfera pública das mídias sociais precisa ser entendida à luz dessa polaridade social entre usuários individualizados e multidões efervescentes, e o papel das reações das mídias sociais como um mecanismo-chave pelo qual a emergência das redes se torna publicamente visível (Gerbaudo, 2022, p. 130).
As reações, portanto, seriam importantes para entender a lógica geral da esfera pública digital, porque se trata da forma mais comum de interação, em razão de sua alta assimetria (entre produtores de conteúdo e usuários menos ativos) e seu mecanismo de baixa intensidade (uma reação não exige que algum conteúdo seja produzido). Reações em plataformas digitais não são determinadas apenas pela tecnologia, pois seus usos e significados são moldados pelos processos simbólicos tanto na perspectiva do designer quanto do usuário. Além dessa perspectiva quantitativa, que é a principal, há um aspecto qualitativo: combinadas, as diversas formas de reação podem ser entendidas como se fossem um voto, de forma que líderes políticos, observadores e analistas passam a empregar likes e reações a determinados posts como medida de popularidade de discursos (Gerbaudo, 2022, p. 132).
Gerbaudo argumenta que esse tipo de democracia plebiscitária precluiria qualquer condição de voz dos cidadãos ou levaria, necessariamente, à manipulação política. Trata-se de uma negação da possibilidade de uma concepção deliberativa da democracia.
Em oposição, o autor defende a adoção de um modelo normativo da esfera pública inspirado pela proposta antagonista de Chantal Mouffe (1999; 2015). Pensando a esfera pública digital a partir desse modelo, o autor afirma que “multidões digitais e indivíduos dentro delas têm alguma voz na sua possibilidade de emprestar apoio para uma das opções antagonistas diferentes que são oferecidas uma de cada vez” (Gerbaudo, 2022, p. 134).
Embora esse modelo envolva escolher entre opções já “pré-fabricadas” por líderes políticos e influencers,19 a lógica de participação da esfera pública das mídias sociais é diferente daquelas pregadas por teorias da democracia digital. Isso se dá em razão do seu caráter hierárquico e da participação volumosa, que é, contudo, de baixa intensidade e desigual. No entanto, o potencial democrático dessa prática serve como possibilidade de expressão da parte dos usuários, cujos sentimentos e afetos podem ser agregados no formato de métricas capazes de apontar a relevância de determinado assunto. Gerbaudo encerra o seu texto com este destaque:
Quer se goste ou não das mídias sociais, elas se tornaram um grande tribunal no qual ideias, conteúdos e políticas públicas são constantemente julgados por meio de reações variadas. O estado atual das coisas não pede o mero criticismo e a condenação moral, embora sejam necessários em algumas circunstâncias, mas destaca a necessidade de estratégias políticas que aproveitem o poder das multidões digitais [online crowds] e o mecanismo de reações digitais como meios de construir e mostrar apoio a causas progressistas (Gerbaudo, 2022, p. 135).
A posição de Gerbaudo é interessante por mostrar como a digitalização altera a prática democrática, impulsionando a necessidade da revisão das teorias e dos modelos utilizados para analisar o fenômeno. Não se trata apenas de utilizar a teoria como meio de cobrar reformas ou analisar consequências, mas sim como forma de alterar o vocabulário empregado para a produção de diagnósticos e identificar novas dinâmicas estruturais.
Ao mesmo tempo, reduzir a esfera pública digital à esfera pública das redes sociais padece de um limite analítico. Se Gerbaudo prefere um modelo agonista de democracia porque, a seu ver, há uma falta de conexão entre a forma como os indivíduos agem nas redes sociais e o modelo de indivíduo racional que deveria ocupar a esfera pública, a versão de crítica da tecnologia que ele apresenta é limitada e não supera o paradigma deliberativo, que ele julga inadequado.
A análise de Gerbaudo das redes sociais é, segundo a definição de Andrew Feenberg (2010, p. 6), exageradamente determinista. O autor apresenta como argumento contra modelos alternativos de democracia digital o desenvolvimento de fato da internet comercial. Dessa forma, seu modelo normativo acaba dependente de determinado caminho tecnológico, o que dificulta um diagnóstico mais profundo, que vá além da interpretação das consequências imediatas do uso superficial de algumas redes sociais.
Por exemplo, o autor se baseia no funcionamento de redes sociais como o Twitter e o Facebook, uma experiência que não é universalizável, se considerarmos a gama de usuários da internet. Trata-se de um viés comum na literatura a respeito das esferas públicas digitais (Eisenegger; Schafer, 2023, pp. 62-3), mas que limita a experiência digital dos usuários: há maneiras de empregar affordances muito diversas quando pensamos no maior número de plataformas e redes sociais, como, por exemplo, WhatsApp, YouTube, TikTok ou Instagram. A formulação de um modelo teórico normativo precisa ser capaz de abarcar uma compreensão mais ampla dos problemas relacionados às plataformas digitais, com suas diferenças e semelhanças (Van Dijck, 2013). Tal análise limita compreensões sobre a forma como o poder é exercido nas e pelas plataformas, com um foco exagerado na comunicação política como objeto primordial de análise de uma teoria política da digitalização, e sobre o fenômeno das esferas públicas digitais (Van Dijck; Nieborg; Poell, 2019).
Ao mesmo tempo, Gerbaudo mantém o foco muito restrito em um modo específico de comunicação política para pensar a democracia e os efeitos da digitalização. Como dissemos a respeito de Habermas e da posição deliberativa, a redução do uso da internet à comunicação nas redes sociais é criticável em ambas as posições, pois limita a experiência digital à mudança do modo de comunicação entre as pessoas, como se o restante de sua vida social se mantivesse constante, ou melhor, como se as redes sociais alterassem apenas um aspecto da vida social, o que não parece ser verdade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das discussões acima, pode-se perguntar: o que se quer dizer quando se critica as teorias normativas da democracia, tanto em sua versão deliberativa quanto agonista, a partir da ideia de um enfoque exagerado no papel da comunicação política?
Para elaborar uma resposta adequada, parece-nos necessário acompanhar os diagnósticos do campo de estudos de mídia, da teoria social e da economia política que apontam que empresas de economia digital não apenas oferecem determinados serviços, como as redes sociais, mas se espraiam em nosso cotidiano a ponto de influenciar de maneira decisiva a nossa sociabilidade. Autores como Phillipp Staab (2019) identificam a dominância das empresas GAFA como uma tendência à criação de “mercados proprietários”, no qual a ficção de um mercado neutro, capaz de alocar interesses distintos, tão caro à teoria econômica neoclássica, perde o seu objeto. Sob a ótica da teoria social, Marion Fourcade e Kieran Healy (2024) apontam como a tendência de organizações sociais atuarem sob um “imperativo de dados”, no qual o acúmulo de dados por meio de tecnologias digitais torna-se um fim em si mesmo, faz com que diversos campos da vida social sejam reformulados por meio da classificação e ordenação constante dos sujeitos. Já Rogers Brubaker (2023) afirma que vivemos uma era de hiperconectividade, no qual o grau e a extensão com que as pessoas se encontram conectadas promovem alterações na constituição das subjetividades e do campo social.
Essas pesquisas são apenas alguns exemplos de um dos traços marcantes da sociabilidade e da experiência digitais, que é o seu aspecto transversal em múltiplos contextos de vida, quebrando uma linha divisória clara e concreta entre o ambiente digital, virtual, on-line e o mundo analógico, off-line ou “real”. Dada a amplitude do que se pode entender por “sociabilidade digital”, uma fórmula que sintetiza esse aspecto de forma interessante é a “cultura da digitalidade”, de Felix Stalder (2016).
Digitalidade significa qualquer conjunto de relações que hoje, baseando-se na infraestrutura das redes digitais, ocorre na produção, na utilização e na transformação de bens materiais e imateriais, assim como na constituição e coordenação da ação coletiva. Com isso, há menos predominância de uma classe determinada de artefatos tecnológicos, como o Computador, e ainda menos separação do “digital” e do “analógico”, do “imaterial” e do “material”. Sob a digitalidade, o analógico não desaparece, mas é avaliado de forma diferente ou parcial. O imaterial não ocorre sem a materialidade, ao contrário, o impulso volátil da comunicação digital se dá em infraestruturas cada vez mais materiais, que alcançam desde as profundezas da Terra em busca de minerais até os metais que a orbitam no espaço. Digitalidade também se refere às novas possibilidades históricas de constituição e união de diversos atores humanos e não humanos. O conceito, portanto, não é limitado às mídias digitais, mas emerge como um padrão relacional geral e altera o espaço de possibilidade de muitos materiais e atores (Stalder, 2016, p. 14).
Interpretar a sociabilidade digital por meio da ideia de digitalidade proposta por Stalder apresenta alguns ganhos. Ao não privilegiar uma característica técnica específica do que se entende pelas consequências sociais do processo atual de digitalização do capitalismo, é possível interpretar alguns desenvolvimentos da esfera pública independentemente de determinado fator técnico específico (“algoritmos”, “plataformas”, “inteligência artificial” etc.) e evitar uma separação entre o mundo digital e uma contraposição “real” a esse mesmo mundo, o que é um dos principais déficits, como mostramos até o momento, das perspectivas da teoria democrática sobre o tema.
No que tange ao tema da teoria democrática, seguindo a interessante reconstrução de Sebastian Berg, Norman Rakowski e Tobias Thiel (2020), o tratamento do tema da digitalização no âmbito da ciência política em geral e da teoria política em particular é limitado e reduzido. É possível verificar que, a partir dos anos 1990 e início dos anos 2000, o debate foi marcado pela possibilidade de novas formas de comunicação e pela esperança em uma “democratização da democracia” (Bohman, 2004), mas também se questionava se a internet podia de fato ser considerada uma esfera pública (Dean, 2003). No decorrer da década de 2010, em conexão com os grandes protestos urbanos, houve uma discussão a respeito do uso “tático” das redes sociais para as manifestações políticas (Celikates, 2016; Gerbaudo, 2012; 2017; Tufekci, 2017). Em comum, considerava-se que a digitalização da democracia e da política podia ser definida apenas pelo uso de tecnologias de comunicação e a conexão propiciadas pela internet comercial e as redes sociais.
Em comparação, principalmente depois da pandemia de Covid-19, tornou-se muito mais penoso separar a sociabilidade em “digital” e “analógica”, dada a pressão econômica e social para que todos se mantenham conectados o tempo todo. Plataformas digitais medem a esfera do trabalho, da educação e das relações pessoais a todo o instante. O uso e a popularização dos smartphones tornaram os momentos de fruição da vida social dificilmente separáveis, a partir do papel social como “participante” da esfera pública ou da vida privada (Miller et al., 2021). Não se trata de uma confusão entre esses papéis por parte dos agentes, mas de uma tendência à sua dissolução.
Ao mesmo tempo, tais tecnologias não são neutras e simplesmente passíveis de reformas democráticas em seu design. O fato de a sociabilidade digital se dar por intermédio de empresas capitalistas ainda é pouco considerado no campo de uma teoria democrática que não tenha a pretensão de apenas fornecer um modelo teórico alternativo, sem ancoramento em um diagnóstico econômico e social.20 Como consequência, uma teoria democrática que almeje identificar os processos de digitalização apenas como capaz de propiciar ou bloquear potenciais deliberativos, participativos ou agonistas tenderá a propor diagnósticos reduzidos do problema.
Portanto, ao ampliar o que se entende por processos de digitalização para além do aumento da conexão e da capacidade de comunicação entre as pessoas, deve-se ampliar também o próprio conceito de democracia. Nesse sentido, propostas que entendem a democracia de forma ampla - segundo a tradição pragmatista, como padrões diversos de interação social e formas cooperativas de organização social (Frega, 2019, p. 23; Honneth, 2012) ou como uma forma de vida expandida para diversas arenas da vida social (Honneth, 2015; Jaeggi, 2014; Melo, 2020; Nobre, 2021) - trazem benefícios para a compreensão das relações entre democracia e digitalização, pois permitem ampliar o escopo dos aspectos políticos da digitalização da sociabilidade.
Como agenda de pesquisa, é possível transcrever em termos de teoria democrática elementos diversos da mediação das plataformas digitais em contextos da vida social. Por exemplo, a resistência de trabalhadores e consumidores à mediação de sua vida pelos algoritmos (Bonini; Treré, 2024), a compreensão dos algoritmos como arranjos institucionais passíveis de democratização (Mendonça; Almeida; Filgueiras, 2023), as relações de dominação de raça e gênero e suas atualizações por meio de processos de digitalização (Silva, 2021; Steele, 2021; Valente, 2023) e a conexão entre as crises da democracia e a do mundo do trabalho potencializada pelo trabalho mediado pelas tecnologias digitais (Anderson, 2017; Honneth, 2023; Jarrett, 2022; Woodcock; Graham, 2020) são campos profícuos para relacionar a necessidade de ampliar os limites daquilo que se entende tanto por democracia quanto por efeitos da digitalização.
Dessa forma, não se trata apenas de pensar as mudanças no modo de comunicação e qual teoria democrática é mais adequada para a sua compreensão, mas buscar, teoricamente, ampliar o limite daquilo que podemos entender como processos de digitalização e como limites da própria teoria democrática.
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1
Ideia apresentada por Herbert Marcuse (1964). O interlocutor mais contundente de uma atualização do projeto marcuseano é Andrew Feenberg, em diálogo crítico direto com Habermas, como é possível identificar em seu livro mais recente (Feenberg, 2023).
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2
Para uma discussão dessa apropriação crítica de Habermas, ver o primeiro capítulo de Marcos Nobre (1998).
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3
Para uma reconstrução pormenorizada do diagnóstico, ver Luiz Repa (2008, pp. 42-54).
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4
Para uma reconstrução dos sentidos da ideia de capitalismo em Habermas, ver a sistematização de Alessandro Pinzani (2022).
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5
Como criticou duramente Andrew Feenberg (2017, pp. 41-5). Para o autor, a introdução de um modelo dual de sociedade dividido em “sistema” e “mundo da vida” relegou a discussão sobre a tecnologia à ideia de sistema, regido apenas pela ação racional com respeito a fins, sendo neutro em relação a valores éticos ou morais. Com isso, perde-se espaço para uma crítica da tecnologia. Ao mesmo tempo, há interpretações que apontam que, a partir de Facticidade e validade, a tendência de pensar o sistema dessa forma foi matizada (Repa, 2021a).
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6
Para uma síntese dessas mudanças, ver o prefácio do autor à edição de 1990 (Habermas, 2014c).
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7
A exceção se encontra em Jürgen Habermas (2009).
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8
Esse ponto foi mais bem desenvolvido em outro contexto (Silva; Gretschischkin, 2024).
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9
Sobre o significado do conceito de reconstrução na obra de Habermas e as consequências para sua função política, ver Daniel Gaus (2013) e Luiz Repa (2008; 2021b).
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10
Uma concepção influente sobre o status da mídia atualmente é o de seu caráter híbrido, a partir de uma relação de dependência mútua entre a mídia tradicional e as redes sociais, com efeitos de retroalimentação para a prática política (Chadwick, 2013; Schroeder, 2018).
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11
Uma análise abrangente de tal processo é feita por Ralph Schroeder (2018), cuja abordagem é amplamente comentada por Marcos Nobre (2022).
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12
Trata-se de um aspecto essencial do modelo habermasiano em Facticidade e validade, como apontado por Felipe Silva (2016).
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13
Esse argumento é baseado na influente resenha de Evgeny Morozov (2019) sobre o livro de Shoshana Zuboff (2021), ampliada em argumentação teórica em ensaio posterior (Morozov, 2022).
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14
Vale apontar que há estudos e argumentos desenvolvidos no campo amplo da democracia deliberativa que possuem maior complexidade explicativa e normativa para o estudo de fenômenos amplamente rubricados como parte das “fake news”. Nesses termos, Ricardo Mendonça et al. (2023) apresentam forte argumento para pensar o uso e a disseminação de “fake news” como repertório da ação política de grupos sociais antagônicos, e não apenas como um “defeito” da esfera pública.
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15
Entende-se por affordances a estrutura relacional multifacetada entre um objeto ou tecnologia e o usuário, a qual possibilita ou constrange um comportamento potencial em um contexto particular (Evans et al., 2017, p. 36).
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16
Gerbaudo não faz uma discussão pormenorizada do conceito de esfera pública plebeia na tradição do pensamento político, como nas leituras contemporâneas de Maquiavel (Mccormick, 2011; Vergara, 2020).
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17
A palavra “crowd” é de difícil tradução e a escolha por “multidão” possui algumas sobreposições com o uso de multitude, que ganhou expressão após as manifestações do início da década de 2010, com o movimento Occupy Wall Street e a sua teorização por Antonio Negri e Michael Hardt (2004). No entanto, acredito que “multidão” é a melhor tradução, apesar dessa ambiguidade conceitual.
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18
Há tentativas interessantes de atualizar o conceito central de Oskar Negt e Alexander Kluge de esfera pública proletária, como a proposta por Heiner Heiland, Martin Seeliger e Sebastian Sevignani (2023).
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19
O que se alinha às constatações do autor sobre o “partido digital” (Gerbaudo, 2019). Para uma análise, ver Marcos Nobre (2022, pp. 113-22).
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20
Uma proposta criticável nesses termos é a tentativa de Roberta Fischli e James Muldoon de “empoderar” a democracia digital, enunciando os “potenciais” e os “desafios” do uso de tecnologias democráticas (Fischli; Muldoon, 2024).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Ago 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
06 Fev 2024 -
Aceito
11 Fev 2025
