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ENTRE A FENOMENOLOGIA E O HISTORICISMO AMILCAR DE CASTRO ENQUANTO PONTO CEGO DA TEORIA DO NÃO-OBJETO1 1 Uma versão ligeiramente diferente deste artigo foi publicada em inglês em Third Text (n. 114, pp. 79-90, jan. 2012); a versão atual tem como base a tradução realizada por Marcela Oliveira e pelo autor. Diferentes versões ou seções deste artigo foram apresentadas como conferências em: Sub-objects and Studiowork (University College London e Camden Arts Centre, 6/2/2010); Meeting Margins International Conference: Transnational Art in Latin America and Europe 1950-1978 (University of Essex, 4/12/2010); e como comunicação em Smart Lecture Series (University of Chicago, 6/1/2011). Agradeço aos organizadores que me convidaram para esses eventos e também aos valiosos comentários que recebi nessas ocasiões, em especial a Briony Fer, Michael Asbury e Christine Mehring.

Between Phenomenology and Historicism: Amilcar de Castro as a Blind Spot of the Theory of the Non-Object

RESUMO

Este artigo analisa a Teoria do não-objeto (1959), de Ferreira Gullar. O artigo discute a dívida desse texto para com a tese de Mário Pedrosa sobre teoria da Gestalt, de 1949, e sua origem nos debates acerca da arte concreta nos anos 1950. Num segundo momento, a partir da obra de Amilcar de Castro, é questionada a correspondência imediata entre a posição de Gullar e a produção artística neoconcreta.

PALAVRAS-CHAVE:
neoconcretismo; Ferreira Gullar; Amilcar de Castro; Mário Pedrosa; Gestalt

ASBTRACT

This article undertakes a critical analysis of Ferreira Gullar’s 1959 Theory of the Non-Object. It historically accounts for its indebtedness to Mário Pedrosa’s 1949 thesis on Gestalt theory and for the debates apropos of concrete art in the 1950s. It also challenges the supposedly neat correspondence between Gullar’s formulations and the neoconcrete artistic production it was supposed to read, emphasising its limits vis-à-vis the work of sculptor Amilcar de Castro.

KEYWORDS:
neoconcretism; Ferreira Gullar; Amilcar de Castro; Mário Pedrosa; Gestalt

Pôr em questão o conceito de não-objeto passa menos por perguntar o que ele é do que como ele vem a ser. O sentido da ambiciosa tese de Ferreira Gullar reside,em grande medida,naquilo a que ela responde,isto é,no arcabouço histórico que o poeta estabelece para poder levar a cabo sua operação conceitual. Sigo aqui uma pista deixada pelo próprio Gullar: passadas apenas umas poucas frases iniciais, dedicadas sobretudo a estipular tudo que o não-objeto não é, o texto da Teoria do não-objeto2 2 Referida daqui em diante simplesmente como “a Teoria”. adentra uma longa reavaliação da história da arte moderna segundo a perspectiva fornecida pelo próprio conceito (e sob o subtítulo “morte da pintura”). Pois a “questão posta”, afirma o poeta, “obriga-nos a um retrospecto”.3 3 Gullar, 2007, p. 90.

Mas,antes de enveredar por esse retrospecto,é preciso esboçar minimamente o teor da Teoria. A anedota repetida por Gullar ao longo das últimas cinco décadas acerca da origem do não-objeto não deixa de ser uma boa introdução ao conceito.4 4 Há inúmeras versões dessa anedota disponíveis em textos e entrevistas do poeta. Por exemplo, abrangendo três diferentes décadas, ver Cocchiarale; Geiger, 1987, pp. 98-99; “A Trégua — Entrevista com Ferreira Gullar”, 1998, p. 36; e Gullar, 2007, pp. 43-44. Ela invariavelmente começa com um jantar oferecido por Lygia Clark, em 1959, com o intuito de apresentar aos seus convidados um novo trabalho.As inúmeras descrições que o próprio Gullar faz desse trabalho são um tanto discordantes, mas tendem a convergir em alguns pontos: uma construção de placas de madeira pintadas,conectadas pelas extremidades e superpostas na diagonal - algo no meio do caminho entre um Casulo e um Contrarrelevo de Clark, mas que, como seus Bichos, já não era mais afixado na parede. Ter-se-ia seguido à apresentação uma contenda entre o poeta e o já experiente crítico Mário Pedrosa sobre o termo que melhor definiria a peça, com Pedrosa propondo chamá-la de relevo e Gullar protestando que relevo “pressupõe uma superfície”,um fundo contra o qual o arranjo formal se destaca.5 5 Gullar, 2007, p. 43. O poeta se recorda de ter passado algum tempo sozinho com o trabalho antes de finalmente propor uma alternativa: não-objeto. Seria então a vez de Pedrosa levantar objeção, declarando que “não-objeto seria alguma coisa que não é objeto do conhecimento e logo não é nada”.6 6 Gullar, 2007, p. 44. Em sua tréplica,Gullar finalmente esclarece o conceito:seu uso da palavra “objeto” se refere estritamente ao âmbito das coisas ordinárias - como “caneta, mesa, cadeira, livro” -, âmbito esse que o prefixo vem então suspender. Em suma, o não-objeto é produto de uma dupla negação: por um lado, a própria palavra objeto nega uma especificidade dos meios artísticos tradicionais - pintura e escultura -; por outro lado, o prefixo não nega uma possível consequência da primeira negação, a saber, que a percepção da obra de arte termine por se igualar à dos objetos cotidianos, que mantém relação puramente instrumental com o sujeito.7 7 Em seu “Diálogo sobre o não-objeto”, Gullar explica que, por um lado, o objeto orginário “se esgota na referência de uso e sentido”, isto é, ele é completamente determinado por sua função instrumental ou conceitual (nossa relação com uma pera seria determinada por ela ser nomeada assim). Por outro lado, se um objeto é arrancado dessa determinação linguística, isso retrocede à “opacidade de coisa”, tornando-a “impenetrável, inabordável, clara e insuportavelmente exterior ao sujeito”. O não-objeto, então, seria uma saída desse impasse (Gullar, 2007, pp. 94-95). Dessa dupla negação - precisamente o tema do presente artigo - erguem-se os dois pilares constitutivos da Teoria:o fenomenológico e o histórico (ou historicista, como veremos).

Por mais difícil que seja precisar a identidade desse não-objeto originário, uma coisa é certa: suas camadas são não só de madeira, mas também de memória.É sem dúvida perigoso adentrar a anedota de Gullar em busca de exatidão factual ou descritiva, mas os seus próprios termos não deixam de indicar uma importante tomada de posição por parte do poeta. Ao alegar que um relevo sempre pressupõe uma superfície da qual se destaca, Gullar toca no problema da diferenciação entre forma e fundo, questão central da teoria da Gestalt.8 8 Esses termos também aludem, obviamente, aos Contrarrelevos de Clark. Ora, esta era nada menos que a expertise teórica de Pedrosa. O não-objeto aparece, portanto, como pivô da complexa relação de Gullar com a primazia de Pedrosa enquanto crítico (e não custa lembrar que o trabalho de Clark é,nesse contexto,um foco de conflito).9 9 O entusiasmo de Gullar ao ver no trabalho de Lygia Clark o exemplo do não-objeto não foi correspondido pela própria artista. Em seus escritos, Clark revela ter tido outras conversas com Pedrosa (cuja opinião ela tinha em conta mais alta do que a de Gullar) após o episódio do jantar, quando ambos teriam questionado a adequação do termo. De acordo com Clark, Pedrosa teria chegado a propor o nome alternativo transobjeto, que é exatamente o termo empregado mais tarde por Oiticica em relação aos seus Bólides. Ver Lygia Clark, 1998, pp. 139-143.

Em resumo, a anedota do jantar é também parte de uma história de sucessão. É como que um instantâneo imaginário do momento em que o crítico mais jovem, armado com o aparato teórico conferido a ele por seu mentor (Gullar jamais negou sua dívida crítica e teórica com Pedrosa), toma deste o posto de legítimo porta-voz de uma vanguarda em franco processo de redefinição.10 10 Ver “A Trégua — Entrevista com Ferreira Gullar”, 1998, pp. 31-55.

Tudo isso se passa dez anos após a conclusão da inovadora tese de Pedrosa acerca da Gestalt,Da natureza afetiva da forma,que,apesar de ainda inédita, já circulava entre artistas e intelectuais próximos a ele. Gullar, por exemplo, recorda que a tese lhe chegou às mãos através de uma amiga em comum antes mesmo de sua mudança de São Luís para o Rio de Janeiro.11 11 “A Trégua — Entrevista com Ferreira Gullar”,1998,p.38.Igualmente o artista Almir Mavignier recorda que o crítico chegou a ler partes de sua tese para ele próprio, Abraham Palatnik e Ivan Serpa — artistas que compartilhavam o interesse de Pedrosa pelo trabalho dos pacientes psiquiátricos — também com o intuito de testar suas reações ao material. Ver o filme de Nina Galanternick Formas do afeto: um filme sobre Mário Pedrosa. Levar essa cronologia a sério significa reconhecer que a tese de Pedrosa situa o impacto da Gestalt nas vanguardas construtivas dos anos 1950 para além das coordenadas familiares - e problemáticas - da oposição entre concretismo e neoconcretismo. Em seu pioneiro estudo sobre o neoconcretismo, Ronaldo Brito chega a tomar a crítica de Merleau-Ponty à teoria da Gestalt como análoga à crítica do concretismo empreendida pelo neoconcretismo.12 12 Ver Brito, 1985. O juízo de Brito está correto, como os escritos de Gullar confirmam, mas é preciso questionar sua redução da teoria da Gestalt no Brasil apenas ao papel de um dogma sobredeterminante.13 13 Num texto desenvolvido aproximadamente ao mesmo tempo que o meu, o crítico Cauê Alves nota como o concretismo e o neoconcretismo falharam, respectivamente, em mobilizar e reconhecer a teoria da Gestalt nos termos de Pedrosa e argumenta que Gullar, finalmente, falhou em considerar o interesse de Merleau-Ponty em reabilitar as importantes contribuições da Gestalt, distinguindo-as de suas premissas problemáticas acerca do isomorfismo perceptivo. O de Alves é filosoficamente rico e, em vários aspectos, próximo ao meu, mas nós diferimos em aspectos importantes. Por um lado, Alves propõe ligações sugestivas entre a emergência das vanguardas construtivas e os debates políticos das décadas de 1940 e 1950. De outro lado, ele não discute o não-objeto, que, ao meu ver, e a despeito dos comentários desdenhosos de Gullar, é uma forma de apropriação dialética do paradigma de experiência aberto que Pedrosa enxergava na Gestalt. Ver Alves, C. 2010, pp. 9-46. Meus agradecimentos a Clarissa Diniz por trazer esse artigo ao meu conhecimento. Pois tomar a Gestalt como pouco mais do que um aparato teórico “importado” junto a outros princípios concretistas internacionais, como faz o crítico, é ignorar a intervenção realizada por Pedrosa na tese de 1949.14 14 Essa falha torna-se ainda mais significativa devido ao fato de o texto de Brito ter sido profundamente (e merecidamente) influente, mas pode ser explicada: a tese de Pedrosa foi publicada apenas em 1979, dois anos após seu retorno do exílio, quando já não estava mais interessado na Gestalt. Isso ocorre após Brito terminar de escrever seu estudo, em 1975. Brito elogia Pedrosa em outro artigo de 1975,mas,novamente,não menciona o trabalho deste último com a Gestalt. Ver Brito, 2005, pp. 48-52. O fato de que o interesse de Pedrosa na teoria da Gestalt gradualmente desapareceu foi revelado pelo próprio a Otília Arantes quando se conheceram, em 1979. Ver o prefácio à segunda edição de Arantes, 2004, p. 9. Se esta se deu em condições muito diferentes daquelas que cercaram a emergência da Teoria, ela contudo estabelece os termos - ou assim me parece - do debate que domina a década seguinte, e que desemboca nos escritos do próprio Gullar.

Na medida em que a abstração gradualmente deixa de ser domínio de praticantes isolados para ganhar amparo institucional, no final da década de 1940 (por exemplo,com a exposição de 1949 “Do figurativismo ao abstracionismo”, no recém-inaugurado Museu de Arte Moderna de São Paulo), ganha corpo uma inflamada polêmica envolvendo Pedrosa e outros, como o futuro líder concretista Waldemar Cordeiro, que defendem ferozmente a abstração contra os ataques de artistas e críticos associados à geração modernista anterior, francamente partidária da arte figurativa.15 15 Otília Arantes data o engajamento de Pedrosa com a abstração em 1944-1945, com seu retorno ao Brasil e a publicação de uma série de artigos sobre Alexander Calder. Ver Arantes, 1991, p. 33. Em tal contexto, o recurso de Pedrosa à teoria da Gestalt mostra-se mais estratégico que dogmático, uma vez que ela vai de encontro a uma crítica comumente feita à abstração, a saber, seu suposto solipsismo.

Tomemos, por exemplo, o ataque que o pintor Emiliano Di Cavalcanti desfere em 1948, ao tachar a abstração de “especialização estéril”.16 16 Di Cavalcanti, 2002, p. 17. A tese de Pedrosa não era sobre abstração (isto é, não explicitamente): ela inicialmente rejeita que a “percepção seja precedida por um ato virtual de reconhecimento”, o que corresponderia ao reconhecimento de objetos úteis.17 17 Pedrosa, 1979, p. 14. Ainda assim, contra o pano de fundo do debate entre figurativistas e abstracionistas, isso inevitavelmente implica que a figuração vem sempre depois da forma, revertendo assim os termos de Di Cavalcanti (é como se a figuração, esta, sim, fosse um uso “especializado” da forma). Em suma, o que Pedrosa inicialmente interroga nada mais é do que a determinação da forma: “Se certas formas nos lembram as de objetos mais diretamente ligados à nossa atividade prática, o fato é então uma consequência, um efeito, e não causa de organização”.18 18 Pedrosa, 1979, p. 16. Ou, tornando a inversão ainda mais esclarecedora: “Se damos significação afetiva a esses todos figurais, isso resulta de fato anterior: a sua existência preliminar, como objeto sensível”.19 19 Pedrosa, 1979. O partido de Cordeiro em 1949 é, de início, similar: “Apenas ao objetivar, ao despersonalizar a forma, alguém pode fazer dela um meio de reflexão, determinando a inteligibilidade de um trabalho”. À maneira de Theo van Doesburg, o pintor defende uma “linguagem real da pintura” baseada na “cor e nas linhas,que são cor e linhas,e não aspiram ser peras e homens”.20 20 Cordeiro, 2002, p. 17. Até que, finalmente, num golpe de misericórdia retórico, Cordeiro inverte os sinais: “Nós, os abstracionistas, denunciamos a insociabilidade e o solipsismo da arte figurativa”.21 21 Cordeiro, 2002. Note-se, no entanto, que a Gestalt, como defendida por Pedrosa, não chega a justificar tal inversão nem qualquer prescrição formal; ela simplesmente invalida a tese do solipsismo.

Em uma passagem de crucial importância, Pedrosa propõe uma comparação entre a universalidade do reconhecimento de um rosto e aquela de um trabalho de arte, rejeitando a teoria de que a criança distingue o rosto humano passo a passo, a partir de um suposto caos de sensações primordiais. A Gestalt, ao contrário, defende o reconhecimento espontâneo do rosto, num processo que Pedrosa compara ao da apreensão da obra de arte: “[A obra de arte] é dotada precisamente desse poder fisionômico que tão bem compreendemos, que o animal compreende, que a criança compreende, num rosto”.22 22 Pedrosa, 1979, p. 64. Lembremos que os ataques à abstração, nessa mesma época, tomavam-na justamente como caótica e desprovida de sentido.Para Di Cavalcanti,“esses artistas constroem um mundozinho ampliado, perdido em cada fragmento das coisas reais:são visões monstruosas de resíduos amebianos ou atômicos, revelados pelos microscópios de cérebros doentios”.23 23 Di Cavalcanti, 2002, p. 17.

Di Cavalcanti não estava sozinho, claro. Em 1947, o historiador da arte Quirino Campofiorito já havia criticado a arte produzida por “instintos vivos sem o controle da razão”.24 24 Campofiorito, apud Villas Bôas, 2008, pp. 197-219, 206. Mas Campofiorito não tinha como alvo primário a abstração modernista, e sim uma exibição de pinturas do ateliê do hospital psiquiátrico do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Não há qualquer coincidência nisso: o ateliê, que contava com o apoio entusiasmado de Pedrosa,cumpria,entre outros, o papel de refúgio em meio a um universo de instituições artísticas profundamente conservadoras.25 25 Almir Mavignier, Ivan Serpa e Abraham Palatnik, artistas que viriam a desempenhar um papel-chave na emergência do movimento construtivo, também estavam envolvidos com o workshop, o qual havia sido fundado por Mavignier. Para uma explicação completa sobre o papel do workshop como um dos catalisadores da arte concreta no Brasil, ver Campofiorito. A vivência diária do ateliê e as discussões que esta propiciava foram essenciais para a escrita da tese de Pedrosa. Não espanta, portanto, que o crítico tenha reagido a comentários como o de Campofiorito; naquele momento, como sustenta a socióloga Glaucia Villas Bôas, a polêmica sobre a arte feita pelos pacientes do hospital e o debate figuração versus abstração eram companheiros inseparáveis.26 26 Conforme explica Villas Bôas (2008, p.208), “a polêmica Quirino Campofiorito versus Mário Pedrosa tornou-se referência de posições respectivamente conservadora e inovadora no campo das artes”.

Eis o nó da questão: se por um lado a Gestalt permitiu a Pedrosa teorizar a validade artística do ateliê, por outro ela também lhe permitiu tomar de empréstimo a produção do ateliê como demonstração exemplar da universalidade das formas abstratas.27 27 Villas Bôas também ressalta a importância do workshop na construção de relações entre aqueles que viriam a se tornar artistas construtivos. No tocante à percepção da forma, as mediações da razão, como no caso da representação de objetos reconhecíveis, eram secundárias. Acreditando que bons trabalhos de arte poderiam ser criados igualmente por artistas modernos e por internos psiquiátricos, Pedrosa defendia uma estética da recepção. Posição que o crítico sintetiza em fórmula elegante: “O objeto realizado é o ponto terminal da ação do artista, mas o ponto de partida do apreciador”.28 28 Pedrosa, 1979, p. 57.

Entretanto, com o manifesto Ruptura, de 1952, o sabor do debate muda. Cordeiro deixa de defender “nós, os abstracionistas”, para finalmente distinguir aqueles “que criam formas novas de princípios velhos” dos “que criam formas novas de princípios novos”.29 29 Cordeiro, 1987a, p. 219. No bojo do primeiro grupo, o pintor denuncia tanto o “não figurativismo hedonista” quanto, entre outros, a arte dos “loucos”. Tratava-se de uma virada programática;não surpreende,portanto,que ele mais tarde viesse a ecoar e reverter a fórmula de Pedrosa a fim de defender a “universalidade do objeto”, argumentando que “o conteúdo não é um ponto de partida, mas o ponto de chegada”.30 30 Cordeiro, 1987b, pp. 223-224. A obra de arte se tornaria assim o produto de um programa preestabelecido e cujo sentido deveria ser universalmente comunicável. Tal condição, segundo Cordeiro, jaz na base da condição utópica da arte: “Arte poderá participar do trabalho espiritual contemporâneo quando dotada de princípios próprios”.31 31 Cordeiro, 1987a, pp. 220-222. Esse ensaio polêmico foi escrito em resposta aos ataques do crítico Sérgio Milliet. Cordeiro respondeu contra- -atacando o abstracionismo de Cícero Dias, um dos pintores preferidos de Milliet. Ronaldo Brito resume claramente essa posição ao afirmar que o paradigma do artista concretista era o do “designer superior”. Ver Brito, 1985. O ideal da comunicabilidade explica por que pintores alinhados ao Grupo Ruptura tendiam a desdobrar seus repertórios formais ao longo de séries de trabalhos, aplicando em cada obra individual um número reduzido de princípios claros de organização. Como destaca o crítico Lorenzo Mammì, a estética concretista favorecia “um exercício contínuo do olhar, e não uma experiência intensa e singular”.32 32 Mammì, 2006, pp. 23-50.

Isso não quer dizer em absoluto que o concretismo paulista fosse desprovido de inventividade. As esculturas de Luiz Sacilotto, por exemplo, são casos claros do “exercício contínuo” de que fala Mammì - daí que seus títulos venham acompanhados de índices cronológicos de quatro dígitos.Trabalhos em metal,como Concreção 5942 (1959) e Concreção 5839 (1958),partem de um plano quadrado. É essa forma original - o quadrado - que é mantida e multiplicada ao longo de toda uma elaborada série de operações de corte, dobra e solda que visam criar, entre as faixas de metal, intervalos regulares e equivalentes em largura às próprias faixas. Com isso, a oposição entre matéria opaca e espaço vazio é superada pela cooperação imediata entre faixa e intervalo na formação de gestalts íntegras. Em outras palavras, essas obras instigam a percepção do espectador a completar as linhas e os contornos de seus quadrados, triângulos e círculos virtuais.Ou, como resume a historiadora da arte Ana Maria Belluzzo, Sacilotto tinha por objetivo “atualizar uma figura permanente, em revelar a complexidade do simples”.33 33 Belluzzo, 1998, pp. 95-141.

É um procedimento fiel ao rigor estético e ao ideário concretistas? Sem dúvida: na verdade, a inventividade de Sacilotto é uma afirmação da elasticidade do repertório visual concretista e, consequentemente, de sua validade e versatilidade.34 34 É crucial entender o significado de inventividade como a expansão de um repertório que pretende não desafiar a sua predeterminação geral, mas, ao contrário, confirmar continuamente a validade e o alcance de seu princípio generativo; algo como uma proliferação criativa de exemplos. No relato de Brito, esse tipo de inventividade é colocado em oposição à imaginação neoconcreta. Ver Brito, 1985, p. 76. O limite da multiplicação planar em Sacilotto permanece rígido: é essencial que os planos resultantes permaneçam inteligivelmente reversíveis - virtualmente, é claro - à figura geométrica em sua origem. Como observa Belluzzo, Sacilotto “cria vários planos a partir de uma única superfície, que é definitivamente o quadrado”, e “nunca perde a referência da forma original”.35 35 Belluzzo, 1998, p. 128. Seu trabalho depende tanto de sua capacidade de multiplicar a forma que lhe serve de origem quanto da manutenção dessa referência original. O alinhamento das formas em planos ortogonais contribui para que o espectador possa remetê-las ao seu ponto de partida. Essa é a mágica de sua operação, para tomar de empréstimo um termo de Belluzzo: de fato, deciframos o passo a passo de seus cortes e dobras como quem acompanha um mágico revelando seu truque, a fim de compreender e admirar a simplicidade da operação. Se a proliferação formal ultrapassasse esse limite, o exercício perderia seu sentido. Chegaríamos ao ponto sem volta no qual as esculturas abandonariam sua condição de “produtos” (inteligíveis) para se tornarem uma forma de “expressão” (arbitrária ou intuitiva) - pelo menos, segundo a doutrina de Cordeiro.

Tal inventividade leva Belluzzo a declarar que as “formas plurais que caracterizam a produção concretista revelam uma estrutura orgânica, funcional, quando se dobram e desdobram sobre si mesmas. Não se reduzem a formas seriais mecânicas”.36 36 Belluzzo, 1998, p. 118. É um equívoco, no entanto, tomar a crítica neoconcreta ao mecanicismo concreto apenas como uma contenda acerca da serialidade. Basta lembrar que o vocabulário de Gullar, nesse caso, foi tomado diretamente da sua principal referência teórica na época, A estrutura do comportamento, de Merleau-Ponty, da qual gostaria de citar uma passagem deveras elucidativa:

Uma ação mecânica, quer tomemos a palavra no sentido restrito, quer no sentido amplo, é aquela em que a causa e o efeito são decomponíveis em elementos reais que se correspondem um a um. Nas ações elementares, a dependência é de mão única, a causa é condição necessária e suficiente do efeito considerado na sua existência e na sua natureza e, mesmo quando se fala de ação recíproca entre dois termos,esta se deixa reduzir a uma série de determinações de mão única. 37 37 Merleau-Ponty, 2006, p. 250.

Por mais “dobradas e desdobradas” que sejam as esculturas de Sacilotto, elas nunca perdem de vista um dado conjunto de princípios generativos (e é importante que não percam).38 38 Vale comparar a passagem de Merleau-Ponty com esta do teórico Max Bense (2009, pp. 63-64), ex-integrante da Escola de Ulm: “Tomamos por objeto absolutamente construtivo aquele que pode ser produzido metodicamente numa série exata e finita de passos conscientes, de decisão e manipulação. E tomamos por objeto absolutamente não construtivo aquele que não pode ser produzido metodicamente numa série exata e finita de passos seguramente executáveis, objeto cuja existência não se origina de um ato passível de decomposição e recomposição”. A temporalidade implícita nessa passagem de Merleau-Ponty é pois semelhante à da obra concreta: trata-se de um inventário analítico de “correspondências um a um”,de causas e efeitos.É uma temporalidade que,em síntese, faz da experiência um duplo de mão invertida da produção, uma vez que ambas são decomponíveis numa “série de determinações de mão única”. É isso que permite a Cordeiro argumentar que, na arte, o objeto não oferece “ponto de partida”: não há nada “além” dele; experimentá-lo significa decodificá-lo (isto é, reconstituir a série de determinações em sua raiz) de um modo que nada tem a ver com sua continuidade no tempo da experiência subjetiva. E é exatamente esta que Gullar tenta resgatar ao inverter, em 1957, a noção concretista de objeto:

Opoemacomeçaquandoaleituraacaba[…]. Assim,nopoemaconcreto, o leitor é levado ao encontro de um objeto durável - e isto coloca o poema em oposição ao anúncio e aos processos publicitários em geral - onde a linguagem pretende apenas precipitar uma reação do leitor e não criar um objeto para ele.39 39 Gullar; Bastos; Jardim, 1987, pp. 229-230.

Embora Gullar esteja sabidamente reagindo aqui contra posições concretistas, isso não significa que o alcance de sua reação deva ser medido exclusivamente pela régua da polarização entre concretos e (futuros) neoconcretos; o que importa, no contexto do presente argumento, é notar como o regime aberto de experiência que o poeta defende se aproxima daquele que Pedrosa teoriza em sua tese sobre a Gestalt.40 40 A esse respeito, o artigo de Gullar foi uma resposta direta à noção de composição matemática do poeta concreto de São Paulo Haroldo de Campos. No entanto, desde que Gullar se envolveu praticamente sozinho em trocas polêmicas tanto com os poetas de São Paulo quanto com Cordeiro, é justo pressupor que as suas posições estéticas eram relativas ao concretismo em geral. Além disso, ao afirmar que o poema “deve valer como uma experiência cotidiana”, mas uma que vise a “totalidade transcendente”, Gullar introduz o embrião da tensão fenomenológica da qual vai brotar a Teoria, a saber, a matriz inquieta de uma obra de arte cuja experiência rejeita tanto o espaço privilegiado das belas-artes quanto a dimensão cotidiana dos objetos utilitários (é nesse ponto,diga-se de passagem,que o não-objeto se diferencia mais fundamentalmente do posterior objeto minimalista).

OBJETO PERDIDO

Passemos agora ao problema do historicismo teleológico neoconcreto,isto é,ao retrospecto proposto por Gullar no primeiro parágrafo da Teoria.Era cara ao concretismo a eleição de seus predecessores artísticos, e a poesia concreta, em particular, tratou de organizá-los numa constelação. No entanto, ao propor como mote central do modernismo a crítica aos meios artísticos tradicionais, a Teoria substitui essa organização por uma minuciosa narrativa historicista.

Valendo-se da posição de editor de artes visuais do suplemento de domingo do Jornal do Brasil (SDJB), Gullar deu início, em 1959, a uma série de artigos sobre movimentos e artistas modernistas sob o título geral de Etapas da arte contemporânea.41 41 Para um estudo completo sobre a história do suplemento de domingo, ver Varela, 2009. Um dos objetivos desses artigos era desdobrar o relato histórico esboçado no Manifesto neoconcreto e desenvolvido na Teoria.Nesta,Gullar alega que “a pintura e a escultura atuais convergem para um ponto comum”, no qual “as denominações de pintura e escultura já talvez não tenham muita propriedade”.42 42 Gullar, 2007, p. 93. Para o poeta, base e moldura eram equivalentes enquanto circunscrições que tanto a escultura quanto a pintura estavam prestes a superar - ou,mais precisamente, que as suas formas abstratas estavam prestes a “transbordar”.43 43 A “obra como se transborda de si”,diz Gullar sobre Brancusi.Seu argumento nesse ponto é que as formas abstratas se tornam tão similares à moldura e à base que “o suporte inevitavelmente se inclui” na obra, que supera assim o espaço “metafórico” das belas-artes e afirma sua presença fenomenológica no mundo. Ver Gullar, 1960. Descartadas base e moldura - e,com estas,a especificidade de seus respectivos meios -, permaneceria como parâmetro artístico apenas a não objetividade do trabalho, isto é, a tensão fenomenológica por ele instaurada em meio ao mundo dos objetos cotidianos. Num artigo sobre Brancusi, como em outros, Gullar explicita o inequívoco telosdessa operação:“Está,em Brancusi,também,o caminho para o não-objeto”.44 44 Gullar, 1960. Embora o artigo sobre Brancusi não seja nominalmente parte da série Etapas da arte contemporânea, ele foi publicado no mesmo período. Para um exemplo do mesmo tipo de análise na série Etapas, ver Gullar, 1998, p. 148. Mas cabe perguntar:até que ponto é possível falar,como quer Gullar,em pintura e em escultura como equivalentes no contexto dessa narrativa? Em outras palavras,será que o não-objeto realmente nega ambas as categorias com igual vigor a fim de se constituir? Não só creio que não como creio também que esse desequilíbrio é fundamental para que se possa pensar o não-objeto para além de seu historicismo original.45 45 Já em 1960, Lygia Clark questiona se a supressão da base na escultura era realmente equivalente à da moldura na pintura, preferindo se concentrar, em vez disso, no problema da destruição do plano (que abordarei em breve).Ver Clark,1998,pp.139-141.

A diferença da inflexão histórica da Teoria em relação ao Manifesto neoconcreto é bem resumida pelo historiador da arte Michael Asbury: “[Não] mais diretamente preocupado com o estabelecimento de parâmetros de distinção para o neoconcretismo,o texto de Gullar enfoca o desdobramento do plano bidimensional no espaço como um desenvolvimento da história da arte em geral”.46 46 Asbury, 2005, p.176. Com o não-objeto já situado dentro de seu horizonte teórico,Gullar é capaz de abordar grupos e artistas que ele havia antes descartado, o que lhe permite situar o neoconcretismo como síntese dialética da arte moderna.O ready-made de Duchamp, por exemplo, é agora reconhecido como uma evidente, mas fracassada, expressão do impulso histórico de superação da centralidade do objeto representado na arte:

A limitação desse processo de transfiguração do objeto está em que ele se funda menos nas qualidades formais do objeto que na sua significação, nas suas relações de uso e hábito cotidianos. Em breve aquela obscuridade característica da coisa volta a envolver a obra, reconquistando-a paraonível comum. Nesse front,os artistas foram batidos pelo objeto. 47 47 Gullar, 2007, p. 92.

A leitura é idiossincrática e historicamente equivocada (vide a consagração institucional e consequente estetização do ready-made), mas é preciso seguir seu fio. De tão extrema, Gullar conclui, a ofensiva do ready-made contra o objeto representado não teria deixado pedra sobre pedra, reduzindo o terreno da arte, que a vanguarda esperava revolucionar, ao beco sem saída dos objetos ordinários. Uma conquista tão infrutífera quanto compreender Mondrian como “o destrutor da superfície, do plano e da linha, se não atentamos para o novo espaço que essa destruição construiu”.48 48 Gullar, 1977, pp. 80-84. Este é um ponto da maior importância: se o não-objeto afirma um novo sentido de transcendência (ou seja, uma redentora relação sujeito-objeto, em consonância com o seu éthos utópico), é precisamente por ser fruto de uma exigência construtiva que depende, como tal, de sua articulação inequívoca através de formas construtivas.A passagem obrigatória por tais formas - e por seu fundamento metafísico, o plano - seria evidência da posição, duramente conquistada pelo não-objeto, de ponto culminante de uma história dialética do modernismo. Daí que ele fosse capaz agora de incorporar e superar até mesmo episódios históricos antes tidos como antitéticos, como o ready-made (e assegurar, assim, sua superioridade e distinção).49 49 É a esse respeito que os concretistas de São Paulo “acusaram” com frequência Gullar de estar no encalço do surrealismo. Ver, por exemplo, Campos, 1996, pp. 251-261.

A metafísica do plano está na raiz tanto da proeminência explícita da pintura nessa história do modernismo quanto da ascendência desta sobre a teoria neoconcreta (é notável, aliás, que o título da série Etapas da arte contemporânea acabe por se transformar em Etapas da pintura contemporânea).50 50 A série Etapas começa uma semana depois da publicação do Manifesto neoconcreto e muda seu título dois meses após, isto é, poucos meses antes da publicação da Teoria. Ver Varela, 2009, pp. 24-25. O caso de Amilcar de Castro é exemplar nesse sentido, uma vez que a simplicidade enganosa de suas esculturas as torna particularmente vulneráveis a projeções interpretativas.Daí que uma forma de descrever suas esculturas tenha se tornado, ao longo dos anos, um clichê em torno do qual a crítica parece girar às cegas. Refiro-me à ideia de que essas esculturas - sua marca registrada51 51 Castro chegou a desenvolver outras linhas de trabalho, mas esse procedimento em particular, que ele adotou pela primeira vez em meados de 1950 (primeiro ao cortar e depois soldar pedaços de ferro/aço, e mais tarde dobrando a chapa em vez de soldar), acompanhou-o por toda a carreira. - têm origem numa operação de corte e dobra que abre o plano bidimensional para a tridimensionalidade (à qual irei me referir, por motivo de concisão, como a narrativa 2d-3d).52 52 Para uma compilação de declarações desse tipo, extraída da bibliografia crítica sobre Castro compilada pelo historiador da arte José Francisco Alves, ver Alves, 2005, pp. 236-237. Atentemos para algumas questões importantes a esse respeito. Em primeiro lugar, ainda que a ênfase no corte e na dobra seja indubitavelmente precisa (enquanto inventário de atos escultóricos),ela é também,como o crítico Rodrigo Naves foi um dos poucos a apontar, demasiado esquemática, já que pouco nos diz da complexidade que trespassa a experiência desses trabalhos.53 53 Para Naves (2007, p. 108), esse esquematismo ignora o fato de que “a experiência proporcionada pelas peças de Amilcar é rigorosamente a reversão da simplicidade e clareza de seu método”. Ele afirma claramente em outro texto que “de fato defrontamos objetos que repelem a ideia de procedimentos passíveis de serem reconstituídos perceptivamente”. (Naves, 1996, p. 241). Em segundo lugar, e mais importante, a narrativa 2d-3d afirma que o movimento de origem dessas esculturas é estritamente análogo ao da história neoconcretista da pintura modernista: a passagem do plano bidimensional para o espaço tridimensional.54 54 Alves (ver nota 52) não é exceção: “Portanto, a operação do corte e dobra do plano sob formas geométricas elementares (circular e quadrangular) é o que faz surgir a terceira dimensão”. Até o próprio Gullar, que não mencionava essa passagem com frequência durante o neoconcretismo, é citado exclamando: “A placa bidimensional, com esse simples movimento, tornara-se tridimensional — volume!” (Alves, 2005, pp. 236-237). Para o crítico Tadeu Chiarelli (2003,p.25),do mesmo modo, “o corte nessas esculturas é recurso de estruturação da forma final, assumida quando de sua passagem de sua condição bidimensional para a condição tridimensional”. Ora, não surpreende que a trajetória de Lygia Clark, desde os seus Casulos e Contrarrelevos, passando pelos Bichos (e vale relembrar que é nessa trajetória que Gullar encontra seu não-objeto primordial), praticamente sugira tal leitura, ou então que Hélio Oiticica tenha descrito sua própria trajetória neoconcreta como “transição da cor do quadro para o espaço”55 55 Oiticica, 1986, pp. 50-63. - afinal, ambos eram originalmente pintores. Mas qual é o sentido de interpretar uma obra escultórica a partir de uma perspectiva tão marcadamente pictórica?

Reconheça-se, à guisa de objeção, que o próprio Amilcar endossava essa leitura.56 56 De um modo,Castro estava muito envolvido com o espaço discursivo do neoconcretismo:ele era o designer gráfico do SDJB, sendo responsável por sua reconfiguração completa e revolucionária. Para mais sobre Castro enquanto designer gráfico, ver Aguilera, 2005. Suas esculturas,segundo o próprio,são “de chapa de ferro. De chapa porque pretendo, partindo da superfície, mostrar o nascimento da terceira dimensão”.57 57 Citado em Amaral, 1977, p. 243. Como lembra o historiador da arte José Francisco Alves, Castro era obcecado pela origem de suas esculturas no desenho; com lápis duro, o escultor costumava desenhar várias linhas em uma folha de papel branco, a fim de vislumbrar contornos e maneiras de cortar suas placas e chapas de aço.58 58 Alves J., 2005, p. 236. Mas é por isso mesmo que a objeção é insuficiente. Não espanta que o próprio artista pudesse imaginar uma passagem gradual e progressiva do início da produção até o trabalho final, mas isso não significa que tal passagem seja igualmente clara do ponto de vista do espectador. Especialmente no contexto de uma sensibilidade, como é a neoconcreta, na qual a primazia fenomenológica (“por ser o aparecimento primeiro de uma forma, [o não-objeto] funda em si mesmo sua significação”59 59 Gullar, 2007, p. 96. ) tende a relegar para um segundo plano o aspecto produtivo do fazer artístico.60 60 A respeito da discussão sobre a rejeição neoconcreta da produção,ver Brito, 1985, pp. 60-63. Não que esses desenhos preparatórios sejam irrelevantes; não só não são como pretendo retomá-los mais adiante. No entanto, determinar o sentido da experiência a partir deles é ignorar que este, no neoconcretismo, jamais se reduz à reconstituição do processo produtivo (a teoria neoconcreta é profundamente devedora da ênfase que a Gestalt de Pedrosa dava à recepção). Repito: igualar o sentido da experiência ao da produção é um princípio concreto, mas não neoconcreto.

As vicissitudes do plano no trabalho de Amilcar transparecem na comparação com Sacilotto.É evidente,por exemplo,que os intervalos vazios nas Concreções do artista paulista não são pensados nem como aberturas para a contemplação nem como molduras para o espaço além.O vazio não contribui para a escultura como algo significativoemsi. Vale recapitular: as lacunas são equivalentes aos segmentos materiais da escultura,isto é,ambos pertencem ao mesmo registro planar.É por causa de sua complementaridade e regularidade que ambos contribuem para a formação de uma gestalt, de um todo perceptivo; ambos participam da definição de uma forma geométrica plana.A experiência torna-se assim um círculo (ou quadrado) fechado. Em Amilcar, por outro lado, o plano participa como um elemento estrutural a um só tempo indispensável e inatingível para a experiência como tal. É evidente que o temos como referência, mas é igualmente evidente que o que está em jogo nesses trabalhos não é a possibilidade de voltar mentalmente à chapa original (cujo aspecto maciço e enferrujado resiste ao registro abstrato do plano). O plano não chega nunca a se apresentar, mas permanece indissociável, de algum modo, da experiência dessas esculturas - é como se ele nunca chegasse (ou que nunca chegássemos a ele), mas permanecesse à espreita.61 61 A crítica Sônia Salzstein (1988, p. 78) fala da “memória do plano primordial” na raiz das esculturas de Castro, mas acrescenta: “cria-se para o olhar/corpo um estado de ambiguidade sempre referido à unidade original, a qual, entretanto, nunca deve estar lá plenamente”. Acredito, como veremos brevemente, que o plano insiste mais como a repetição de um encontro fracassado do que como uma memória de uma unidade original. Do mesmo modo, Rodrigo Naves argumenta que “sabemos recompor as chapas de ferro que estão na origem das peças, mas uma camada espessa de trabalho bloqueia essa reaproximação. E justamente por isso o conhecimento dos passos empregados na construção das obras é insuficiente para apreendê-las ou pacificá-las”. A figura de uma “camada de trabalho” é, de fato, sugestiva, pois indica precisamente um corte transversal na temporalidade mais convencional de experiência, assim como a noção psicanalítica de trabalho também interrompe a linearidade aparentemente mecânica da experiência consciente. Ver Naves, 1996, p. 238. Tanto real quanto virtualmente,o plano reluta em ganhar forma;ele atua,por assim dizer,como uma referência negativa, como uma espécie de fundo (e fundamento) ausente, mas que ainda assim é o que confere consistência formal e fenomenológica à obra. Não se mede uma escultura de Amilcar diretamente em relação ao plano (como se ele fosse uma régua visível), mas em relação a sua ausência (como se ele fosse uma função estrutural fracassada). Longe de determinar positivamente a forma escultórica, o plano nomeia a tensão insolúvel que a anima.Não conseguimos nos livrar dela, mas também não logramos dissipá-la.62 62 Essa questão não ignora de forma alguma a pura materialidade desses trabalhos, que é crucial, já que a escolha de aço Corten por Castro mostra que ele estava evidentemente interessado no aspecto enferrujado que mencionei. Na verdade, o plano já se perde desde o início por conta de tal materialidade opaca. Afinal, por que deveríamos atribuir a essas placas e chapas aço denso — enferrujadas, além do mais — a identidade inequívoca e abstrata de planos?

É preciso distinguir, consequentemente, a multiplicação em Sacilotto da repetição em Amilcar. No primeiro, os intervalos são positivados (isto é, tornam-se partes constitutivas dos planos que eles ajudam a multiplicar), enquanto, no segundo, o negativo permanece como tal (uma vez que o plano nunca está de fato à vista). A famosa coerência de Amilcar, sua insistência numa mesma matriz escultórica ao longo de quase toda a sua carreira, pode ser reinterpretada a partir desse ponto de vista. A razão pela qual suas esculturas são estranhamente lidas como sendo todas a mesma coisa, mas, ainda assim,diferentes umas das outras,é que sua relação com o plano,justamente por ser negativa, não se deixa fixar. A confiança com que Amilcar repetia o mesmo procedimento por tantas e tantas vezes se apoiava, paradoxalmente, na certeza de que cada escultura iniciada haveria de esbarrar na mesma e irredutível incompletude - o que é fundamentalmente constante nelas não é propriamente o seu repertório formal, mas a ausência que elas articulam sem nunca representar.

Essa fenomenologia do negativo, por assim dizer, pode estar em desacordo com o Merleau-Ponty de Gullar, mas encontra-se devidamente teorizada noutro corpo teórico, a saber, no da psicanálise. O que tenho em mente aqui é a sugestão da teórica norte-americana Joan Copjec de que a consistência fenomenológica (ou “teste de realidade”, para Freud) não é uma questão de encontrar “um objeto na percepção real que corresponda ao apresentado,mas de reencontrar tal objeto, convencer-se de que ele ainda está lá”.63 63 Copjec, 1994, pp. 16-44. O objeto “reencontrado”, em Freud, nunca é um objeto real uma vez experimentado pelo sujeito, mas um objeto desde sempre perdido.O “teste da realidade” é,portanto,o nome paradoxal de uma “perda permanente dessa realidade - ou Real: uma realidade que nunca esteve presente como tal - e que é a precondição para se determinar o estatuto objetivo de nossas percepções”.64 64 Copjec, 1994. Objetos percebidos são, então, “percepções fugazes” que parecem adquirir “o peso da objetividade apenas quando são lastreadas ou ancoradas pelo objeto real excluído”.65 65 Copjec, 1994, p. 40. A negatividade articulada pelas esculturas de Amilcar está, desse ponto de vista, em desacordo com o não-objeto: são esculturas que adquirem consistência na medida em que se encontram ancoradas negativamente por uma planeza inatingível. Já é bem conhecida a ideia de que o neoconcretismo representa um limite crítico do “projeto construtivo brasileiro”, ou seja, que prefigura sua implosão.66 66 Falo,claro,da tese lapidar de Ronaldo Brito, inscrita no subtítulo de Brito, 1985. O que proponho aqui nada mais é do que uma volta a mais no mesmo parafuso: o grau de radicalidade de Amilcar é tal que sua escultura chega ao ponto de assumir o plano geométrico - pilar do vocabulário construtivo - como um objeto desde sempre perdido. Seu trabalho constitui um limite crítico do projeto construtivo não apenas porque participa de seu ocaso, mas por levá-lo além dos limites da representação; ele aceita e afirma a ruptura da forma construtiva, excluindo-a da realidade perceptiva,e entretanto a mantém como referência negativa dessa mesma realidade.

Posso agora retornar aos desenhos preparatórios de Amilcar e finalmente sugerir que eles na verdade reforçam meu argumento.Citando Paul Valéry, o teórico Ricardo Fabbrini imagina a relação de Castro com essa malha de linhas traçadas no papel “sem cálculo prévio algum”, assim como sugere que o escultor

“avança, recua, debruça-se, pisca os olhos, comporta-se com todo o seu corpo como um acessório de seu olho, torna-se inteiro um órgão de mira, de pontaria, de regularem ou focalização” para, então, com olho certeiro, destacar desse labirinto de linhas um projeto de obra. 67 67 Fabbrini, 2005, pp. 159-163.

É após o trabalho do olhar que desponta o projeto - se é que ainda se pode chamar de projetivo um desenho dessa natureza. As linhas entrelaçadas de Amilcar formam um campo que o olho percorre em busca da forma escultórica. Mas o que ele encontra? Não um plano nem uma gramática planar,mas a forma parcial de uma escultura futura que ele ainda terá que verdadeiramente encontrar ao cortar e dobrar outro pedaço de papel.68 68 Num texto escrito em 1967, no momento em que a mostra Nova Objetividade Brasileira traz a noção de objeto de volta ao centro das atenções, Pedrosa (1975, p. 166) também enfatiza o caráter não planejado dessas esculturas: “O que há de específico na sua démarche operacional é que não parte de um a priori mas de um desenho vago no papel para depois,em face do quadrado,círculo ou retângulo plano, abri-lo, desdobrá-lo; ele não constrói violentamente; ou não constrói na realidade. Obedece a um todo misterioso que não está para ele em nenhum a priori”. O crítico questiona, mas não completamente, o plano como um ponto de partida, e termina por aderir à narrativa 2d-3d, mas fica claro que ele foi afetado (assim como Salzstein e Naves seriam mais tarde) pela resistência das esculturas de Castro a essa mesma narrativa. Em outras palavras, Amilcar não transforma o papel bidimensional em uma escultura tridimensional; antes disso, ele tenta capturar uma escultura já formada - um vislumbre dela - no momento exato em que ela se insinua em meio à malha por ele traçada.Para tanto - e complicando um pouco a posição do sujeito na citação de Valéry -,o artista entrega seu olhar como se este fosse uma isca, permitindo sua captura pela trama desenhada no papel; a forma escultórica é içada desse encontro. A trama de Amilcar se opõe ao grid modernista,cujo sentido reside na originalidade do plano pictórico.69 69 Segundo o célebre argumento de Rosalind Krauss (1985,p.160),a grade modernista cimenta a ilusão “do estatuto originário da superfície pictórica” ao criar um duplo, um “texto representacional” que logra se tornar ainda mais originário que as próprias telas em branco. Assim, em vez de tomar os desenhos como evidência a favor da narrativa 2D-3D, posso agora sugerir que o plano encontra-se igualmente excluído deles. Em lugar de fazer as vezes de uma superfície vazia e receptiva para um olhar de cunho projetivo,os desenhos atuam como um anteparo que captura um olhar imantado pela angústia, no sentido psicanalítico do termo: os desenhos são o palco de um reencontro fracassado com o objeto perdido.

As esculturas de Amilcar, portanto, evidenciam o ponto cego da teoria do não-objeto.Elas colocam em questão sua tentativa de fazer coincidir abertura fenomenológica e encerramento historicista. É um equívoco vê-las como meras expressões da heterodoxia do projeto construtivo brasileiro. Ao erguerem-se sobre o plano enquanto objeto perdido, elas revelam um impasse que é nada menos que o cerne histórico desse projeto.Dito de outra forma:e se substituirmos a “satisfação real”,supostamente oferecida pelo objeto perdido (na teoria de Freud),por algo como uma “satisfação histórica”? Ou seja, pelo objeto perdido do ímpeto utópico que impelia as principais vanguardas artísticas brasileiras nos anos 1950? Em retrospecto, é possível sugerir que, do neoconcretismo em diante, as esculturas de Amilcar dão corpo à perda da identidade entre abstração geométrica e realização histórica (é esse o sentido da angústia no olhar que as procura nos desenhos). Tratar-se-ia então da reencenação melancólica e repetitiva de uma utopia perdida? Não exatamente.Se o neoconcretismo efetivamente introduziu a negatividade no coração doprojetoconstrutivobrasileiro-éatesedeRonaldoBrito-,issonão querdizerqueelesimplesmenteolevouaseufim.Issosignificaqueessa negatividade tornou-se ela própria objetiva,e que,como tal,poderia ser novamente mobilizada,ainda que sob outro manto - como aconteceu com o não-objeto no final da década de 1960.É verdade que a identidade construtiva foi rapidamente perdendo sua capacidade de sustentar legitimamente o sentido histórico da prática artística. Mas não se trata de um desserviço: a mesma negatividade que se infiltrou no neoconcretismo e fez cair por terra uma certa noção do construtivo também foi a condição de possibilidade para que outra,bem diferente,viesse a emergir.70 70 Para uma discussão sobre o desenvolvimento artístico e conceitual da noção de construtivo nos trabalhos e escritos de Hélio Oiticica após o fim do neoconcretismo, ver Martins, 2012.

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  • 1
    Uma versão ligeiramente diferente deste artigo foi publicada em inglês em Third Text (n. 114, pp. 79-90, jan. 2012); a versão atual tem como base a tradução realizada por Marcela Oliveira e pelo autor. Diferentes versões ou seções deste artigo foram apresentadas como conferências em: Sub-objects and Studiowork (University College London e Camden Arts Centre, 6/2/2010); Meeting Margins International Conference: Transnational Art in Latin America and Europe 1950-1978 (University of Essex, 4/12/2010); e como comunicação em Smart Lecture Series (University of Chicago, 6/1/2011). Agradeço aos organizadores que me convidaram para esses eventos e também aos valiosos comentários que recebi nessas ocasiões, em especial a Briony Fer, Michael Asbury e Christine Mehring.
  • 2
    Referida daqui em diante simplesmente como “a Teoria”.
  • 3
    Gullar, 2007Gullar, Ferreira. “Brancusi e o problema da base na escultura”. Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, 9 abr. 1960., p. 90.
  • 4
    Há inúmeras versões dessa anedota disponíveis em textos e entrevistas do poeta. Por exemplo, abrangendo três diferentes décadas, ver Cocchiarale; Geiger, 1987Cocchiarale, Fernando; Geiger, Anna Bella (Org.). “Ferreira Gullar” (entrevista). In: Abstracionismo geométrico e informal:a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: Funarte, 1987., pp. 98-99; “A Trégua — Entrevista com Ferreira Gullar”, 1998“A Trégua - Entrevista com Ferreira Gullar”. In: Cadernos da Literatura Brasileira - Ferreira Gullar. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1998., p. 36; e Gullar, 2007______. “Manifesto neoconcreto”. In: Aracy Amaral (Org.). Projeto construtivo brasileiro na arte (1950-1962). Rio de Janeiro: MAM; São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977., pp. 43-44.
  • 5
    Gullar, 2007______. Etapas da arte contemporânea:do cubismo à arte neoconcreta. Rio de Janeiro: Revan, 1998., p. 43.
  • 6
    Gullar, 2007______. Experiência neoconcreta. São Paulo: Cosac Naify, 2007., p. 44.
  • 7
    Em seu “Diálogo sobre o não-objeto”, Gullar explica que, por um lado, o objeto orginário “se esgota na referência de uso e sentido”, isto é, ele é completamente determinado por sua função instrumental ou conceitual (nossa relação com uma pera seria determinada por ela ser nomeada assim). Por outro lado, se um objeto é arrancado dessa determinação linguística, isso retrocede à “opacidade de coisa”, tornando-a “impenetrável, inabordável, clara e insuportavelmente exterior ao sujeito”. O não-objeto, então, seria uma saída desse impasse (Gullar, 2007Gullar, Ferreira; Bastos, Oliveira; Jardim, Reynaldo. “Poesia concreta: experiência intuitiva”. In: Cocchiarale, Fernando; Geiger, Anna Bella (Org.). Abstracionismo geométrico e informal: a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: Funarte, 1987., pp. 94-95).
  • 8
    Esses termos também aludem, obviamente, aos Contrarrelevos de Clark.
  • 9
    O entusiasmo de Gullar ao ver no trabalho de Lygia Clark o exemplo do não-objeto não foi correspondido pela própria artista. Em seus escritos, Clark revela ter tido outras conversas com Pedrosa (cuja opinião ela tinha em conta mais alta do que a de Gullar) após o episódio do jantar, quando ambos teriam questionado a adequação do termo. De acordo com Clark, Pedrosa teria chegado a propor o nome alternativo transobjeto, que é exatamente o termo empregado mais tarde por Oiticica em relação aos seus Bólides. Ver Lygia Clark, 1998Lygia Clark. Catálogo. Barcelona: Fundació Antoni Tàpies, 1998., pp. 139-143.
  • 10
    Ver “A Trégua — Entrevista com Ferreira Gullar”, 1998, pp. 31-55.
  • 11
    “A Trégua — Entrevista com Ferreira Gullar”,1998,p.38.Igualmente o artista Almir Mavignier recorda que o crítico chegou a ler partes de sua tese para ele próprio, Abraham Palatnik e Ivan Serpa — artistas que compartilhavam o interesse de Pedrosa pelo trabalho dos pacientes psiquiátricos — também com o intuito de testar suas reações ao material. Ver o filme de Nina Galanternick Formas do afeto: um filme sobre Mário PedrosaFormas do afeto: um filme sobre Mário Pedrosa. Direção: Nina Galanternick. Rio de Janeiro: Gala Filmes, 2010. HDV NTSC, 35 minutos, colorido..
  • 12
    Ver Brito, 1985Brito, Ronaldo. Neoconcretismo:vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. Rio de Janeiro: Funarte, 1985..
  • 13
    Num texto desenvolvido aproximadamente ao mesmo tempo que o meu, o crítico Cauê Alves nota como o concretismo e o neoconcretismo falharam, respectivamente, em mobilizar e reconhecer a teoria da Gestalt nos termos de Pedrosa e argumenta que Gullar, finalmente, falhou em considerar o interesse de Merleau-Ponty em reabilitar as importantes contribuições da Gestalt, distinguindo-as de suas premissas problemáticas acerca do isomorfismo perceptivo. O de Alves é filosoficamente rico e, em vários aspectos, próximo ao meu, mas nós diferimos em aspectos importantes. Por um lado, Alves propõe ligações sugestivas entre a emergência das vanguardas construtivas e os debates políticos das décadas de 1940 e 1950. De outro lado, ele não discute o não-objeto, que, ao meu ver, e a despeito dos comentários desdenhosos de Gullar, é uma forma de apropriação dialética do paradigma de experiência aberto que Pedrosa enxergava na Gestalt. Ver Alves, C. 2010Alves, Cauê. “Concretismo, neoconcretismo e filosofia: projeto e falência da utopia construtiva”. In: Conversas itinerantes. Florianópolis: Funarte, 2010., pp. 9-46. Meus agradecimentos a Clarissa Diniz por trazer esse artigo ao meu conhecimento.
  • 14
    Essa falha torna-se ainda mais significativa devido ao fato de o texto de Brito ter sido profundamente (e merecidamente) influente, mas pode ser explicada: a tese de Pedrosa foi publicada apenas em 1979, dois anos após seu retorno do exílio, quando já não estava mais interessado na Gestalt. Isso ocorre após Brito terminar de escrever seu estudo, em 1975. Brito elogia Pedrosa em outro artigo de 1975,mas,novamente,não menciona o trabalho deste último com a Gestalt. Ver Brito, 2005______. Experiência crítica. Organização de Sueli de Lima. São Paulo: Cosac Naify, 2005. Campos, Haroldo de. “Arte construtiva no Brasil”. Revista USP, n. 30, 1996., pp. 48-52. O fato de que o interesse de Pedrosa na teoria da Gestalt gradualmente desapareceu foi revelado pelo próprio a Otília Arantes quando se conheceram, em 1979. Ver o prefácio à segunda edição de Arantes, 2004Arantes, Otília. Mário Pedrosa:itinerário crítico. São Paulo: Scritta, 1991; Cosac Naify, 2004., p. 9.
  • 15
    Otília Arantes data o engajamento de Pedrosa com a abstração em 1944-1945, com seu retorno ao Brasil e a publicação de uma série de artigos sobre Alexander Calder. Ver Arantes, 1991, p. 33.
  • 16
    Di Cavalcanti, 2002Di Cavalcanti, Emiliano. “Realismo e abstracionismo”. In: Bandeira, João (Org.). Arte concreta paulista:documentos. São Paulo: Cosac Naify; Centro Universitário Maria Antonia USP, 2002., p. 17.
  • 17
    Pedrosa, 1979Pedrosa, Mário. Mundo,homem,arte em crise.São Paulo: Perspectiva, 1975., p. 14.
  • 18
    Pedrosa, 1979______. Arte,forma e personalidade:3 estudos. São Paulo: Kairós, 1979. Salzstein, Sônia. “Amilcar de Castro”. Guia das Artes Plásticas, n. 8/9, 1988., p. 16.
  • 19
    Pedrosa, 1979.
  • 20
    Cordeiro, 2002Cordeiro, Waldemar. “Ruptura”. In: Cocchiarale, Fernando; Geiger, Anna Bella (Org.). Abstracionismo geométrico e informal:a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: Funarte, 1987a., p. 17.
  • 21
    Cordeiro, 2002______.“O objeto”. In: Cocchiarale, Fernando; Geiger, Anna Bella (Org.). Abstracionismo geométrico e informal: a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: Funarte, 1987b.. Note-se, no entanto, que a Gestalt, como defendida por Pedrosa, não chega a justificar tal inversão nem qualquer prescrição formal; ela simplesmente invalida a tese do solipsismo.
  • 22
    Pedrosa, 1979, p. 64.
  • 23
    Di Cavalcanti, 2002, p. 17.
  • 24
    Campofiorito, apud Villas Bôas, 2008Villas Bôas, Glaucia.“A estética da conversão:o ateliê do Engenho de Dentro e a arte concreta carioca (1946-1951)”. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 20, n. 2, 2008., pp. 197-219, 206.
  • 25
    Almir Mavignier, Ivan Serpa e Abraham Palatnik, artistas que viriam a desempenhar um papel-chave na emergência do movimento construtivo, também estavam envolvidos com o workshop, o qual havia sido fundado por Mavignier. Para uma explicação completa sobre o papel do workshop como um dos catalisadores da arte concreta no Brasil, ver Campofiorito.
  • 26
    Conforme explica Villas Bôas (2008, p.208), “a polêmica Quirino Campofiorito versus Mário Pedrosa tornou-se referência de posições respectivamente conservadora e inovadora no campo das artes”.
  • 27
    Villas Bôas também ressalta a importância do workshop na construção de relações entre aqueles que viriam a se tornar artistas construtivos.
  • 28
    Pedrosa, 1979, p. 57.
  • 29
    Cordeiro, 1987a______.“Ainda o abstracionismo”.In:Bandeira,João (Org.).Arteconcretapaulista:documentos. São Paulo:Cosac Naify; Centro Universitário Maria Antonia USP, 2002., p. 219.
  • 30
    Cordeiro, 1987b, pp. 223-224.
  • 31
    Cordeiro, 1987a, pp. 220-222. Esse ensaio polêmico foi escrito em resposta aos ataques do crítico Sérgio Milliet. Cordeiro respondeu contra- -atacando o abstracionismo de Cícero Dias, um dos pintores preferidos de Milliet. Ronaldo Brito resume claramente essa posição ao afirmar que o paradigma do artista concretista era o do “designer superior”. Ver Brito, 1985.
  • 32
    Mammì, 2006Mammì, Lorenzo. Concreta ’56:a raiz da forma. Catálogo. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2006., pp. 23-50.
  • 33
    Belluzzo, 1998Belluzzo, Ana Maria. “Rupture and Concrete Art”. In: Arte construtiva no Brasil:coleção Adolpho Leirner. Organização de Aracy A. Amaral, tradução de Izabel Burbridge. São Paulo: DBA Melhoramentos, 1998., pp. 95-141.
  • 34
    É crucial entender o significado de inventividade como a expansão de um repertório que pretende não desafiar a sua predeterminação geral, mas, ao contrário, confirmar continuamente a validade e o alcance de seu princípio generativo; algo como uma proliferação criativa de exemplos. No relato de Brito, esse tipo de inventividade é colocado em oposição à imaginação neoconcreta. Ver Brito, 1985, p. 76.
  • 35
    Belluzzo, 1998, p. 128.
  • 36
    Belluzzo, 1998, p. 118.
  • 37
    Merleau-Ponty, 2006Merleau-Ponty, Maurice. A estrutura do comportamento. São Paulo: Martins Fontes, 2006., p. 250.
  • 38
    Vale comparar a passagem de Merleau-Ponty com esta do teórico Max Bense (2009Bense, Max. Inteligência brasileira: uma reflexão cartesiana. Tradução de Tercio Redondo. São Paulo: Cosac Naify, 2009., pp. 63-64), ex-integrante da Escola de Ulm: “Tomamos por objeto absolutamente construtivo aquele que pode ser produzido metodicamente numa série exata e finita de passos conscientes, de decisão e manipulação. E tomamos por objeto absolutamente não construtivo aquele que não pode ser produzido metodicamente numa série exata e finita de passos seguramente executáveis, objeto cuja existência não se origina de um ato passível de decomposição e recomposição”.
  • 39
    Gullar; Bastos; Jardim, 1987, pp. 229-230.
  • 40
    A esse respeito, o artigo de Gullar foi uma resposta direta à noção de composição matemática do poeta concreto de São Paulo Haroldo de Campos. No entanto, desde que Gullar se envolveu praticamente sozinho em trocas polêmicas tanto com os poetas de São Paulo quanto com Cordeiro, é justo pressupor que as suas posições estéticas eram relativas ao concretismo em geral.
  • 41
    Para um estudo completo sobre a história do suplemento de domingo, ver Varela, 2009Varela, Elizabeth. Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e neoconcretismo:relações e manifestações. 2009. Dissertação (Mestrado em História e Crítica da Arte) - Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009..
  • 42
    Gullar, 2007, p. 93.
  • 43
    A “obra como se transborda de si”,diz Gullar sobre Brancusi.Seu argumento nesse ponto é que as formas abstratas se tornam tão similares à moldura e à base que “o suporte inevitavelmente se inclui” na obra, que supera assim o espaço “metafórico” das belas-artes e afirma sua presença fenomenológica no mundo. Ver Gullar, 1960.
  • 44
    Gullar, 1960. Embora o artigo sobre Brancusi não seja nominalmente parte da série Etapas da arte contemporânea, ele foi publicado no mesmo período. Para um exemplo do mesmo tipo de análise na série Etapas, ver Gullar, 1998, p. 148.
  • 45
    Já em 1960, Lygia Clark questiona se a supressão da base na escultura era realmente equivalente à da moldura na pintura, preferindo se concentrar, em vez disso, no problema da destruição do plano (que abordarei em breve).Ver Clark,1998,pp.139-141.
  • 46
    Asbury, 2005Asbury, Michael. “Neoconcretism and Minimalism”. In: Mercer, Kobena. Cosmopolitan Modernisms. Boston: MIT Press, 2005., p.176.
  • 47
    Gullar, 2007, p. 92.
  • 48
    Gullar, 1977, pp. 80-84.
  • 49
    É a esse respeito que os concretistas de São Paulo “acusaram” com frequência Gullar de estar no encalço do surrealismo. Ver, por exemplo, Campos, 1996Campos, Haroldo de. “Arte construtiva no Brasil”. Revista USP, n. 30, 1996., pp. 251-261.
  • 50
    A série Etapas começa uma semana depois da publicação do Manifesto neoconcreto e muda seu título dois meses após, isto é, poucos meses antes da publicação da Teoria. Ver Varela, 2009, pp. 24-25.
  • 51
    Castro chegou a desenvolver outras linhas de trabalho, mas esse procedimento em particular, que ele adotou pela primeira vez em meados de 1950 (primeiro ao cortar e depois soldar pedaços de ferro/aço, e mais tarde dobrando a chapa em vez de soldar), acompanhou-o por toda a carreira.
  • 52
    Para uma compilação de declarações desse tipo, extraída da bibliografia crítica sobre Castro compilada pelo historiador da arte José Francisco Alves, ver Alves, 2005Alves, João Francisco. Amilcar de Castro: uma retrospectiva. Porto Alegre: Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, 2005., pp. 236-237.
  • 53
    Para Naves (2007Naves, Rodrigo. A forma difícil:ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Ática, 1996., p. 108), esse esquematismo ignora o fato de que “a experiência proporcionada pelas peças de Amilcar é rigorosamente a reversão da simplicidade e clareza de seu método”. Ele afirma claramente em outro texto que “de fato defrontamos objetos que repelem a ideia de procedimentos passíveis de serem reconstituídos perceptivamente”. (Naves, 1996______. O vento e o moinho:ensaios sobre arte moderna e contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 2007., p. 241).
  • 54
    Alves (ver nota 52) não é exceção: “Portanto, a operação do corte e dobra do plano sob formas geométricas elementares (circular e quadrangular) é o que faz surgir a terceira dimensão”. Até o próprio Gullar, que não mencionava essa passagem com frequência durante o neoconcretismo, é citado exclamando: “A placa bidimensional, com esse simples movimento, tornara-se tridimensional — volume!” (Alves, 2005, pp. 236-237). Para o crítico Tadeu Chiarelli (2003Chiarelli, Tadeu. Amilcar de Castro:corte e dobra. São Paulo: Cosac Naify, 2003.,p.25),do mesmo modo, “o corte nessas esculturas é recurso de estruturação da forma final, assumida quando de sua passagem de sua condição bidimensional para a condição tridimensional”.
  • 55
    Oiticica, 1986Oiticica, Hélio. “A transição da cor do quadro para o espaço e o sentido de construtividade”. In: Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986., pp. 50-63.
  • 56
    De um modo,Castro estava muito envolvido com o espaço discursivo do neoconcretismo:ele era o designer gráfico do SDJB, sendo responsável por sua reconfiguração completa e revolucionária. Para mais sobre Castro enquanto designer gráfico, ver Aguilera, 2005Aguilera, Yanet (Org.). Preto no branco: a arte gráfica de Amilcar de Castro. São Paulo: Discurso Editorial; Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005..
  • 57
    Citado em Amaral, 1977Amaral, Aracy (Ed.).Projeto Construtivo Brasileiro na Arte (1950-1962).Catálogo.Rio de Janeiro e São Paulo: Museu de Arte Moderna e Pinacoteca do Estado, 1977., p. 243.
  • 58
    Alves J., 2005, p. 236.
  • 59
    Gullar, 2007, p. 96.
  • 60
    A respeito da discussão sobre a rejeição neoconcreta da produção,ver Brito, 1985, pp. 60-63.
  • 61
    A crítica Sônia Salzstein (1988Salzstein, Sônia. “Amilcar de Castro”. Guia das Artes Plásticas, n. 8/9, 1988., p. 78) fala da “memória do plano primordial” na raiz das esculturas de Castro, mas acrescenta: “cria-se para o olhar/corpo um estado de ambiguidade sempre referido à unidade original, a qual, entretanto, nunca deve estar lá plenamente”. Acredito, como veremos brevemente, que o plano insiste mais como a repetição de um encontro fracassado do que como uma memória de uma unidade original. Do mesmo modo, Rodrigo Naves argumenta que “sabemos recompor as chapas de ferro que estão na origem das peças, mas uma camada espessa de trabalho bloqueia essa reaproximação. E justamente por isso o conhecimento dos passos empregados na construção das obras é insuficiente para apreendê-las ou pacificá-las”. A figura de uma “camada de trabalho” é, de fato, sugestiva, pois indica precisamente um corte transversal na temporalidade mais convencional de experiência, assim como a noção psicanalítica de trabalho também interrompe a linearidade aparentemente mecânica da experiência consciente. Ver Naves, 1996, p. 238.
  • 62
    Essa questão não ignora de forma alguma a pura materialidade desses trabalhos, que é crucial, já que a escolha de aço Corten por Castro mostra que ele estava evidentemente interessado no aspecto enferrujado que mencionei. Na verdade, o plano já se perde desde o início por conta de tal materialidade opaca. Afinal, por que deveríamos atribuir a essas placas e chapas aço denso — enferrujadas, além do mais — a identidade inequívoca e abstrata de planos?
  • 63
    Copjec, 1994Copjec, Joan. “Sex and the Euthanasia of Reason”. In: Copjec, Joan (Org.). Supposing the Subject. Londres: Verso, 1994., pp. 16-44.
  • 64
    Copjec, 1994.
  • 65
    Copjec, 1994, p. 40.
  • 66
    Falo,claro,da tese lapidar de Ronaldo Brito, inscrita no subtítulo de Brito, 1985.
  • 67
    Fabbrini, 2005Fabbrini, Ricardo.“Pulsões do construtivismo”.In: Aguilera, Yanet (Org.).Preto no branco:a arte gráfica de Amilcar de Castro. São Paulo: Discurso Editorial; Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005., pp. 159-163.
  • 68
    Num texto escrito em 1967, no momento em que a mostra Nova Objetividade Brasileira traz a noção de objeto de volta ao centro das atenções, Pedrosa (1975, p. 166) também enfatiza o caráter não planejado dessas esculturas: “O que há de específico na sua démarche operacional é que não parte de um a priori mas de um desenho vago no papel para depois,em face do quadrado,círculo ou retângulo plano, abri-lo, desdobrá-lo; ele não constrói violentamente; ou não constrói na realidade. Obedece a um todo misterioso que não está para ele em nenhum a priori”. O crítico questiona, mas não completamente, o plano como um ponto de partida, e termina por aderir à narrativa 2d-3d, mas fica claro que ele foi afetado (assim como Salzstein e Naves seriam mais tarde) pela resistência das esculturas de Castro a essa mesma narrativa.
  • 69
    Segundo o célebre argumento de Rosalind Krauss (1985Krauss, Rosalind. The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths.Cambridge, MA: MIT Press, 1985.,p.160),a grade modernista cimenta a ilusão “do estatuto originário da superfície pictórica” ao criar um duplo, um “texto representacional” que logra se tornar ainda mais originário que as próprias telas em branco.
  • 70
    Para uma discussão sobre o desenvolvimento artístico e conceitual da noção de construtivo nos trabalhos e escritos de Hélio Oiticica após o fim do neoconcretismo, ver Martins, 2012Martins, Sérgio Bruno. “Hélio Oiticica: Mapping the Constructive”. Third Text, v. 24, item 4, p. 409-422, 2012..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2015
  • Aceito
    17 Ago 2015
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