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A contribuição da política fiscal para a crise brasileira de 2015-2016: uma análise baseada em multiplicadores de despesas e receitas primárias do governo central no período 1997-2018

The contribution of fiscal policy to the 2015-2016 Brazilian crisis: an analysis based on central government primary expenditure and revenue multipliers in the period 1997-2018

Resumo

Estimamos um VAR estrutural (SVAR) baseado em Blanchard e Perotti (2002) com dados atualizados do governo central de Gobetti e Orair (2017) para estimar multiplicadores fiscais. O resultado sugere um multiplicador maior na amostra completa (1997-2018) em relação à amostra pré-crise (até 2014) para benefícios sociais e investimentos públicos. Nosso primeiro exercício avalia a reorientação da política fiscal para os subsídios entre 2011 e 2014, com base nos multiplicadores estimados a partir do SVAR. O PIB no cenário em que os subsídios são destinados aos investimentos públicos estaria 2.7% acima do PIB verdadeiro em 2014. O segundo exercício projeta que, caso os investimentos públicos mantivessem a mesma taxa média de crescimento de 2006-2010 durante a crise, o produto estaria 6% acima do PIB observado em 2017. Além disso, o PIB estaria 2.53% abaixo do verdadeiro se os benefícios sociais não tivessem crescido em 2016 e 2017.

Palavras-chave:
multiplicadores fiscais; política fiscal; investimento público; benefícios sociais; VAR

Abstract

We estimated a structural VAR based on Blanchard and Perotti (2002)’s methodology with updated data of the central government from Gobetti and Orair (2017) in order to estimate fiscal multipliers. The result suggests a higher multiplier in the complete sample (1997-2018) than in the pre-crisis sample (until 2014) for social benefits and public investments. Our first exercise assesses the reorientation of fiscal policy towards subsidies between 2011 and 2014. GDP in the scenario in which subsidies are destinated to public investments would be 2.7% above the actual GDP in 2014. The second exercise projects that, if public investments had kept the same average growth rate of 2006-2010 during the crisis, GDP would be 6% above the observed GDP in 2017. Also, GDP would be 2.53% below the actual if social benefits had not grown in 2016 and 2017.

Keywords:
fiscal multipliers; fiscal policy; public investment; social benefits; VAR

1 Introdução

A explosão da dívida pública nos países ricos após a crise financeira global de 2008-9 e a impotência da política monetária em estimular economias com taxas de juros já próximas de zero trouxeram a política fiscal de volta ao centro da literatura macroeconômica internacional da última década (Ramey, 2019RAMEY, V. Ten years after the financial crisis: what have we learned from the Renaissance in fiscal research? Journal of Economic Perspectives, v. 33, n. 2, p. 89-114, 2019.; Hagedorn et al., 2019HAGEDORN, M.; MANOVSKII, I.; MITMAN, K. The fiscal multiplier. National Bureau of Economic Research Working Paper Series, n. 25.571, 2019.). Com defasagem de alguns anos, o debate econômico brasileiro acerca das causas da desaceleração iniciada em 2011 e da recessão de 2015-2016 também conferiu centralidade ao papel do expansionismo fiscal do pré-crise e/ou da consolidação fiscal que se seguiu para o fraco desempenho de nossa economia.

Ainda que diversos fatores exógenos, que vão desde o ciclo internacional dos preços de commodities aos impactos econômicos de curto prazo da Operação Lava Jato, possam explicar boa parte da trajetória recente de crescimento econômico brasileiro - aproximadamente 50% segundo estudo de Borges (2017BORGES, B. Debate dos impactos da nova matriz econômica: a visão de que há exagero. Conjuntura Econômica, 2017.) - são muitas as interpretações que atribuem a erros de política macroeconômica e, em particular, de política fiscal, a responsabilidade pela profundidade de nossa crise e lentidão da recuperação. De um lado, estão os que compreendem a crise de 2015-2016 como um “esgotamento fiscal do Estado”, fruto da forte expansão de gastos sociais desde o contrato social de 1988 (Pessôa, 2017PESSÔA, S. Debate dos impactos da nova matriz econômica: a visão mais crítica. Conjuntura Econômica, 2017.). De outro, autores como Orair e Gobetti (2017ORAIR, R.; GOBETTI, S. Brazilian fiscal policy in perspective: from expansion to austerity. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA ANPEC, XLV. Anais XLV Encontro Nacional de Economia Anpec. Natal, 2017.) dão ênfase ao papel da substituição dos investimentos públicos diretos por subsídios fiscais a partir de 2011 e ao corte substancial nesses investimentos a partir de 2015 para a desaceleração e a recessão que se seguiu. Há também trabalhos que destacam o efeito negativo da política fiscal a partir de 2015 sobre a economia brasileira (Rossi; Mello, 2017ROSSI, P.; MELLO, G. Choque recessivo e a maior crise da história: a economia brasileira em marcha à ré. Campinas: Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica/Unicamp, 2017. Nota 1.; Dweck et al., 2018DWECK, E.; ROSSI, P.; OLIVEIRA, A.; ARANTES, F. Impacto da austeridade sobre o crescimento e a desigualdade no Brasil, In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, XXIII. Anais XXIII Encontro Nacional de Economia Política. Niterói, 2018.).

Tal como no debate internacional acerca da hipótese de austeridade fiscal expansionista (Alesina; Ardagna, 2010ALESINA, A.; ARDAGNA, S. Large Changes in Fiscal Policy: Taxes versus Spending. In: BROWN J. R. Tax Policy and the Economy, v. 24, p. 35‐68, 2010.; FMI, 2010b), a análise do impacto das mudanças de composição e magnitude do Orçamento público brasileiro sobre o produto no curto prazo depende em boa medida da estimação dos multiplicadores fiscais para os diversos componentes do gasto e da receita.

Alguns autores descartam o papel da consolidação fiscal iniciada em 2015 para a recessão e a lenta recuperação que seguiu na economia brasileira por considerarem que o multiplicador fiscal em países emergentes é inferior ao das economias avançadas, tal como encontrado em Ilzetzki (2011ILZETZKI, E. Fiscal Policy and Debt Dynamics in Developing Countries. Policy Research Working Paper World Bank, n. 5.666, 2011.) e Ilzetzki et al. (2013), ou até nulo. No caso da América Latina, essa hipótese perdeu força após o estudo de Carrière-Swallow et al. (2018), que analisou os ajustes fiscais implementados nesse grupo de países entre 1989 e 2016 e concluiu que os multiplicadores fiscais são muito similares aos encontrados para países desenvolvidos, levando à queda no produto, no consumo e no investimento privado após a consolidação. Izquierdo et al. (2019IZQUIERDO, A.; LAMA, R.; MEDINA, J.; PUIG, J.; RIERA-CRICHTON, D.; VEGH, C.; VULETIN, G. Is the public investment multiplier higher in developing countries? An empirical investigation. National Bureau of Economic Research Working Paper Series, n. 26.478, 2019.) mostraram que o investimento público, especificamente, assume um papel ainda mais relevante em países em desenvolvimento.

Por outro lado, Matheson e Pereira (2016MATHESON, T.; PEREIRA, J. Fiscal multipliers for Brazil. International Monetary Fund. IMF Working Papers, n. 79, 2016.) estimaram multiplicadores para o Brasil a partir de dois recortes temporais distintos e encontraram evidências de que os gastos públicos deixaram de ter efeito persistente e significante no produto desde a crise de 2009, ao contrário dos impostos e do crédito dos bancos públicos. O resultado contradiz em parte o trabalho de Orair et al. (2016ORAIR, R.; SIQUEIRA, F.; GOBETTI, S. Política fiscal e ciclo econômico: uma análise baseada em multiplicadores do gasto público. XXI Prêmio do Tesouro Nacional, 2016.), que estimou efeitos multiplicadores de investimentos públicos e benefícios sociais mais elevados e persistentes em períodos de recessão. Multiplicadores mais altos para investimentos públicos também foram encontrados por Pires (2011PIRES, M. Controvérsias recentes sobre multiplicadores fiscais. In: BID - BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO. Multiplicadores fiscais no Brasil. Brasília, 2011.), Dutra (2016DUTRA, F. Multiplicadores fiscais no Brasil: estimativas a partir de Modelos STVAR. 2016. TCC (Graduação)- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.), Castelo Branco et al. (2015) e Pires (2014).

Há dois importantes pontos de inflexão na política fiscal brasileira da última década, como apontam Orair e Gobetti (2017ORAIR, R.; GOBETTI, S. Brazilian fiscal policy in perspective: from expansion to austerity. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA ANPEC, XLV. Anais XLV Encontro Nacional de Economia Anpec. Natal, 2017.). Após a forte expansão dos gastos sociais e do investimento público que vigorou entre 2006 e 2010, o período 2011-2014 é marcado por queda da arrecadação de impostos e aumento de subsídios (Carvalho, 2018CARVALHO, L. Valsa brasileira. Do boom ao caos econômico. Editora Todavia, 2018.; Gobetti; Orair, 2017, Orair; Gobetti, 2017), como mostra a Figura 1. O segundo ponto de inflexão ocorre em 2015, com o início da fase de consolidação fiscal pela via dos cortes de despesas, sobretudo de investimentos públicos (Carvalho, 2018; Orair, 2016; Gobetti; Orair, 2017, Orair; Gobetti, 2017).

Nesse contexto, a contribuição deste artigo é mensurar o impacto das alterações de composição e de magnitude do orçamento público federal observadas nos últimos anos sobre o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro a partir de estimações atualizadas dos multiplicadores fiscais para diferentes tipos de gasto com base na metodologia de Blanchard e Perotti (2002BLANCHARD, O.; PEROTTI, R. An empirical characterization of the dynamic effects of changes in government spending and taxes on output. Quarterly Journal of Economics, v. 117, n. 4, p. 1.329-1.368, 2002.).

Figura 1
Taxas de variação anual de componentes do gasto e da receita do governo central (% a.a) obtidas por média geométrica em quatro subperíodos entre 1997 e 2017

Em particular, serão quantificados os efeitos da substituição de investimentos públicos por subsídios a partir de 2011 e do corte de investimentos desde 2015 para o desempenho de nossa economia, bem como do crescimento dos benefícios sociais ao longo de todo o período de análise. Alguns cenários alternativos, de outras formas de ajuste fiscal, serão construídos a partir dos multiplicadores estimados. Para além de incluir o período 2015-2018 - crucial para a compreensão do papel da crise de 2015-2016 sobre os multiplicadores - na amostra que serviu de base para as estimações, este artigo também se diferencia da literatura existente pela desagregação dos multiplicadores do gasto e utilização das séries atualizadas e ajustadas de despesas e receitas primárias de Gobetti e Orair (2017ORAIR, R.; GOBETTI, S. Brazilian fiscal policy in perspective: from expansion to austerity. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA ANPEC, XLV. Anais XLV Encontro Nacional de Economia Anpec. Natal, 2017.), eliminando o ruído causado pela contabilidade criativa, entre outros aspectos descritos na seção 3 deste artigo.

Este artigo conta com cinco seções, além desta introdução. A seção 2 faz um breve resgate da literatura empírica de multiplicadores fiscais. Os dados e a metodologia são explorados na seção 3. A seção 4, por sua vez, apresenta os resultados das estimações. Já a seção 5 realiza as simulações dos efeitos da política fiscal adotada sobre o produto. Por fim, a seção 6 traz algumas conclusões.

2 A literatura empírica sobre multiplicadores fiscais

A abordagem de modelos lineares do tipo VAR (vetores autorregressivos) é a mais convencional para a avaliação de multiplicadores fiscais, com ênfase no artigo seminal de Blanchard e Perotti (2002BLANCHARD, O.; PEROTTI, R. An empirical characterization of the dynamic effects of changes in government spending and taxes on output. Quarterly Journal of Economics, v. 117, n. 4, p. 1.329-1.368, 2002.) para a economia norte-americana. Tomando como base a metodologia por eles desenvolvida, diversos estudos incluíram novas variáveis endógenas, como as taxas de juros e de inflação (Perotti, 2004; Burriel et al., 2010BURRIEL, P.; CASTRO, F.; GARROTE, D.; GORDO, E.; PAREDES, J.; PEREZ, J. Fiscal policy shocks in the euro area and the US an empirical assessment. Fiscal Studies, v. 31, n. 2, p. 251-285, 2010.; Tenhofen et al., 2010TENHOFEN, J.; WOLFF, G.; HEPPKE-FALK, K. The macroeconomic effects of exogenous fiscal policy shocks in Germany: A disaggregated SVAR analysis. Journal of Economics and Statistics, v. 230, n. 3, p. 328-355, 2010.) ou a dívida pública e a taxa de câmbio (Cavalcanti; Silva, 2010CAVALCANTI, M.; SILVA, N. Dívida pública, política fiscal e nível de atividade: uma abordagem var para o Brasil no período 1995-2008. Economia Aplicada, v. 14, n. 4, p. 391-418, 2010.; Ilzetzki, 2011ILZETZKI, E. Fiscal Policy and Debt Dynamics in Developing Countries. Policy Research Working Paper World Bank, n. 5.666, 2011.; Grudtner; Aragon, 2017GRUDTNER, V.; ARAGON, E. Multiplicador dos gastos do governo em períodos de expansão e recessão: evidências empíricas para o Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 71, n. 3, p. 321-345. 2017.). Outras modificações foram feitas a partir de novas formas de identificação dos choques fiscais.

Um ponto importante é que os estudos comumente mostram que multiplicadores de investimento público são geralmente mais altos e mais persistentes (Deleidi et al., 2019DELEIDI, M.; IAFRATE, F.; LEVRERO, E. Public investment fiscal multipliers: an empirical assessment for European countries. Structural Change and Economic Dynamics, v. 52, p. 354-365, 2019.; Izquierdo et al., 2019IZQUIERDO, A.; LAMA, R.; MEDINA, J.; PUIG, J.; RIERA-CRICHTON, D.; VEGH, C.; VULETIN, G. Is the public investment multiplier higher in developing countries? An empirical investigation. National Bureau of Economic Research Working Paper Series, n. 26.478, 2019.; Tenhofen et al., 2010TENHOFEN, J.; WOLFF, G.; HEPPKE-FALK, K. The macroeconomic effects of exogenous fiscal policy shocks in Germany: A disaggregated SVAR analysis. Journal of Economics and Statistics, v. 230, n. 3, p. 328-355, 2010.; Garcia et al., 2013GARCIA, J.; LEMUS, A.; MRKAIC, M. Fiscal Multipliers in the ECCU. IMF Working Paper, n. 13/117, 2013.; Burriel et al., 2010BURRIEL, P.; CASTRO, F.; GARROTE, D.; GORDO, E.; PAREDES, J.; PEREZ, J. Fiscal policy shocks in the euro area and the US an empirical assessment. Fiscal Studies, v. 31, n. 2, p. 251-285, 2010., Ilzetzki et al., 2013ILZETZKI, E.; MENDOZA, E.; VÉGH, C. How Big (Small?) Are Fiscal Multipliers? Journal of Monetary Economics, v. 60, p. 239-254, 2013.; Auerbach; Gorodnichenko, 2012AUERBACH, A.; GORODNICHENKO, Y. Measuring the output responses to fiscal policy. American Economic Journal: Economic Policy, v. 4, n. 2, p. 1-27, 2012.).

Mais recentemente, modelos não lineares vêm sendo utilizados na tentativa de diferenciar os multiplicadores fiscais durante as recessões e expansões econômicas: a política fiscal mostrar-se-ia particularmente eficaz durante recessões (FMI, 2010a). Assim, as especificações econométricas passaram a atentar-se à possibilidade de existência desse tipo de não linearidade (Auerbach; Gorodnichenko, 2012AUERBACH, A.; GORODNICHENKO, Y. Measuring the output responses to fiscal policy. American Economic Journal: Economic Policy, v. 4, n. 2, p. 1-27, 2012.; Fazzari et al., 2015FAZZARI, S.; MORLEY, J.; PANOVSKA, I. State-dependent effects of fiscal policy. Studies in Nonlinear Dynamics and Econometrics, v. 19, n. 3, p. 285-315, 2015.; Orair et al., 2016ORAIR, R.; SIQUEIRA, F.; GOBETTI, S. Política fiscal e ciclo econômico: uma análise baseada em multiplicadores do gasto público. XXI Prêmio do Tesouro Nacional, 2016.; Dutra, 2016DUTRA, F. Multiplicadores fiscais no Brasil: estimativas a partir de Modelos STVAR. 2016. TCC (Graduação)- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.; Baum et al., 2012BAUM, A.; POPLAWSKI-RIBEIRO, M.; WEBER, A. Fiscal multipliers and the state of the economy. IMF Working Paper, n. 12/286, 2012.; Alves, 2017ALVES, R. O impacto da política fiscal sobre a atividade econômica ao longo do ciclo econômico: evidências para o Brasil. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Pesquisas Econômicas, Universidade de São Paulo, 2017.; Grudtner; Aragon, 2017GRUDTNER, V.; ARAGON, E. Multiplicador dos gastos do governo em períodos de expansão e recessão: evidências empíricas para o Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 71, n. 3, p. 321-345. 2017.).

A Tabela 1 apresenta os estudos para o caso brasileiro, resumindo suas principais conclusões. Todos os estudos incluem como variáveis básicas: gasto e receita primários; bem como o PIB.

Tabela 1
Estudos sobre multiplicadores fiscais no Brasil

3 Dados e metodologia

Os dados de receita e gasto do governo central1 1 A escolha por utilizar dados do governo central se deve ao fato de que os dados de Gobetti e Orair (2017) para os governos regionais iniciam apenas em 2002. O uso de dados para o governo central no estudo de multiplicadores fiscal no Brasil é bastante usual na literatura, por exemplo: Peres e Ellery (2009), Peres (2006), Matheson e Pereira (2016), Resende (2019), Restrepo (2020), Alves (2017), Dutra (2016). para o período 1997-2018 foram obtidos na base de Gobetti e Orair (2017ORAIR, R.; GOBETTI, S. Brazilian fiscal policy in perspective: from expansion to austerity. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA ANPEC, XLV. Anais XLV Encontro Nacional de Economia Anpec. Natal, 2017.), atualizados, em frequência mensal (acima da linha), ajustados e desagregados como em Orair et al. (2016). Além de eliminar inconsistências e ruídos de natureza metodológica das estatísticas oficiais e problemas relativos à composição de receitas e despesas e a operações intraorçamentárias, os autores retiraram os efeitos do que ficou conhecido como “pedalada fiscal”2 2 A título de exemplo de “pedalada”, Gobetti e Orair (2017) explicam que, no resultado fiscal de 2015, o valor do subsídio ao Programa de Sustentação ao Investimento (PSI) foi de R$ 30.3 bilhões, valor muito alto devido à quitação de R$ 14.6 bilhões em passivos do governo central com o BNDES. Tais passivos se referem a subsídios efetivamente concedidos ao setor privado em anos anteriores, sobretudo entre 2010 e 2014. A correção dos autores foi considerar essa despesa no ano em que ela efetivamente ocorreu: R$ 1.3 bilhão, em 2010, R$ 2.2 bilhões, em 2011, R$ 2 bilhões, em 2012, R$ 4.1 bilhões, em 2013, e R$ 5.9 bilhões, em 2014, em acordo com o Banco Central. .

Os dados dividem os componentes do gasto público, para o governo central, em: a) pessoal (remuneração e benefícios previdenciários dos funcionários públicos); b) benefícios sociais (benefícios de assistência social e previdência, exceto para funcionários públicos, mais seguro-desemprego, abono salarial e benefícios dos programas Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada); c) aquisições de ativos fixos ou investimentos públicos, incluindo-se as transferências de capital para Estados e Municípios; d) subsídios (inclui subvenções aos fundos regionais, subsídios do programa Proagro, de auxílios à Conta de Desenvolvimento Energético, do Programa Minha Casa Minha Vida e também os subsídios implícitos dos empréstimos do Tesouro ao BNDES, além dos itens assim classificados pelo Tesouro); e) outras despesas (resíduo). Já a receita utilizada é a líquida, que exclui as transferências (como as transferências para estados e municípios).3 3 Sobre os dados da receita, os componentes da receita primária líquida devem ter relação com o ciclo econômico para o cálculo da elasticidade da receita com relação ao produto, que será utilizada na estimação. Dessa forma, este trabalho segue as recomendações de Gobetti et al. (2016) e foram retirados os componentes da receita primária do governo central que possuem baixa correlação com a atividade econômica, ou que possuem caráter regulatório.

Para o produto agregado, a série obtida é a 4380, do Banco Central do Brasil (BCB- Depec), que fornece o Produto Interno Bruto mensal, em valores correntes. Esta série é estimada com base em informações divulgadas da produção da indústria de transformação, do consumo de energia elétrica, da exportação de produtos primários e de índices de preços. As estimativas desses índices de volume são ajustadas aos dados de volume do PIB trimestral divulgado pelo IBGE. Essa escolha possui duas desvantagens: 1) utilização de uma série interpolada; 2) utilização do índice IPCA para deflacionar os dados do PIB. No entanto, há também vantagens: 1) possibilita o aumento do número de observações para a estimação; 2) o arcabouço institucional brasileiro é regulamentado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, cujas metas e revisões são bimestrais. Os exercícios trimestrais também foram realizados, mas não mostraram muita diferença em relação aos mensais, como será mostrado adiante.

Todas as séries de gasto, receita e produto foram deflacionadas com o índice de preços ao consumidor amplo (IPCA), obtido do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a preços de junho de 2018, quando as séries terminam. Posteriormente, as séries foram dessazonalizadas a partir da rotina X-134 4 Ver U.S. Census Bureau (2017). O método X 13 Arima Seats é um programa sazonal desenvolvido por U.S Census Bureau com o apoio do Bank of Spain. É uma junção dos softwares X12 Arima e Tramo/Seats com melhorias de ajuste. Trata-se de um procedimento usual na literatura que utiliza séries de tempo (Ferreira et al., 2015). Arima do Eviews e, finalmente, foram logaritmizadas.

Como visto na revisão de literatura, grande parte dos trabalhos aplicam os modelos do VAR estrutural (ou SVAR) (Lütkepohl, 2005LÜTKEPOHL, H. New Introduction to Multiple Time Series Analysis. Springer, 2005.). O SVAR ficou bastante conhecido na literatura de multiplicadores fiscais por meio de Blanchard e Perotti (2002BLANCHARD, O.; PEROTTI, R. An empirical characterization of the dynamic effects of changes in government spending and taxes on output. Quarterly Journal of Economics, v. 117, n. 4, p. 1.329-1.368, 2002.), para os quais a metodologia VAR é apropriada para a política fiscal pelo fato de que os lags de decisão e implementação das políticas fiscais implicam que, quando temos dados de alta frequência (mensais ou trimestrais), há muito pouca ou nenhuma resposta da política fiscal a choques inesperados no produto, contemporaneamente. Nesse caso, o produto não afeta o gasto público contemporaneamente porque os formuladores de política pública levam mais que um trimestre (ou um mês) para perceber o choque do produto e decidir os próximos passos na política fiscal, bem como para apresentá-la ao Legislativo.

O vetor de variáveis endógenas no VAR (Sims, 1980SIMS, C. Macroeconomics and reality. Econometrica, n. 48, p. 1-48, 1980.) utilizadas no modelo básico do presente estudo é tridimensional com as séries do gasto, da receita e do produto. Conforme Perotti (2007PEROTTI, R. In search of the transmission mechanism of fiscal policy. NBER Macroeconomics Annual, v. 22, 2007.), os choques da forma reduzida podem ser vistos como combinações lineares de três componentes: a) a resposta automática do gasto do governo e receita a mudanças no produto; b) a resposta discricionária em razão de mudanças nas variáveis endógenas (Perotti (2007) dá o exemplo de mudanças nos impostos em resposta a uma recessão); c) choques discricionários aleatórios: os choques estruturais, que são não correlacionados entre si e não observáveis (a serem recuperados). Dessa forma:

u t g = α g y u t y + β g t e t t + e t g (1)

u t t = α t y u t y + β t g e t g + e t t (2)

u t y = γ y t u t t + γ y g u t g + e t y (3)

Onde utg,utt,uty são os movimentos não esperados nas variáveis de gasto, receita e produto, respectivamente. Já etg,ett,ety são os choques estruturais não correlacionados entre si por suposição e refletem a parte dos movimentos surpresa que é exógena, ou seja, que não depende de políticas e da evolução da economia. Os coeficientes αij refletem a resposta da variável i à variável j - os componentes “a” e “b” listados anteriormente são captados pelos coeficientes α. Já βij mede a resposta contemporânea da variável i a um choque estrutural na variável j - isto é, o componente “c” (Perotti, 2007PEROTTI, R. In search of the transmission mechanism of fiscal policy. NBER Macroeconomics Annual, v. 22, 2007.).

Tendo em vista a relação instantânea mútua entre o produto e as variáveis do gasto, parte-se da hipótese de identificação para dados de alta frequência, o que remove o componente “b”, fazendo com que os coeficientes α apenas reflitam o primeiro componente (a resposta de estabilizador automático): “it typically takes longer than a quarter for discretionary fiscal policy to respond to, say, an output shock” (Perotti, 2007PEROTTI, R. In search of the transmission mechanism of fiscal policy. NBER Macroeconomics Annual, v. 22, 2007., p. 176). Em segundo lugar, Perotti (2007) sugere o uso de informações externas ao modelo a fim de se estimarem os coeficientes de αgy e αty.

Dada a hipótese de identificação, não há resposta das variáveis fiscais ao produto de maneira discricionária, de modo que essas elasticidades refletem apenas as respostas de estabilizador automático uma vez que o uso de dados mensais elimina o componente discricionário. Dessa forma, a hipótese de identificação parte da seguinte elasticidade:

α g y = 0 (4)

Já a elasticidade da receita em relação ao produto foi estimada com base em dois métodos: o chamado “método FMI”, tal como em Andreis (2014ANDREIS, A. Balanço Orçamentário Estrutural no Brasil: a política fiscal no Brasil é pró ou anticíclica no período pós-plano real? Finanças Públicas, XIX Prêmio Tesouro Nacional, 2014.), que é uma regressão com o uso de variáveis de dummy para controle de períodos, de outliers e de tendência. Gobetti et al. (2016GOBETTI, S.; DUTRA, F.; ORAIR, R. Resultado estrutural, ciclos econômicos e os desafios para avaliar o desempenho fiscal. XXII Prêmio Tesouro Nacional 2017, 2016.) estimam a elasticidade da receita por meio de Dynamic Ordinary Least Squares (DOLS).5 5 Os valores obtidos para as elasticidades foram os seguintes: 1.25 (DOLS) e 1.2 (FMI) para a amostra inteira e 1.094 (DOLS) e 0.852 (FMI) para a amostra pré-crise. As elasticidades do método FMI foram utilizadas nas estimações, mas os exercícios mostraram-se robustos ao uso da elasticidade DOLS. Tais elasticidades estão em linha com diversos outros estudos para o Brasil: Peres (2006) (em torno de 2), Andreis (2014) (1.084), Gobetti et al. (2016) (1.23), Ribeiro (2016) (1.16), Casalecchi e Barros (2018) (1.13). Além disso, a estimação da elasticidade com dados trimestrais não altera sensivelmente seu valor (estimamos em torno de 1.4). A estimação dos multiplicadores de gasto não é alterada por tal elasticidade, dada a ordenação de Choleski. Já os multiplicadores de receita são sensíveis, mas demonstraram pouca alteração.

A partir dessas estimações, obtêm-se as elasticidades exógenas e constroem-se os resíduos ciclicamente ajustados utg,ca e utt,ca (que são os choques sem os efeitos do ciclo a fim de eliminarmos as respostas de estabilizador automático). Assim, remove-se o componente “a”, de forma a termos exogeneidade em relação ao ciclo:

u t g , c a = u t g α g y u t y = β g t e t t + e t g (5)

u t t , c a = u t t α t y u t y = β t g e t g + e t t (6)

Os choques estruturais etg e ettpodem ser obtidos a partir da hipótese de ordenação das variáveis.

Blanchard e Perotti (2002BLANCHARD, O.; PEROTTI, R. An empirical characterization of the dynamic effects of changes in government spending and taxes on output. Quarterly Journal of Economics, v. 117, n. 4, p. 1.329-1.368, 2002.) apontam para o fato de que não há uma razão para se escolher βgt=0 ou βtg=0a priori; isto é, a partir de um choque no gasto e na receita, não há justificativa teórica ou empírica para sustentar qual das variáveis irá reagir antes. Como a correlação entre os resíduos ajustados é muito pequena,6 6 Nos modelos estimados neste trabalho, em geral, essa correlação é menor que 0.1, em módulo. Perotti (2007) assinala que a ordem não altera o resultado. Parte-se de βgt=0 e estima-se a regressão por MQO (Mínimos Quadrados Ordinários) dos resíduos da receita ajustados sobre os resíduos da forma estrutural dos gastos, a fim de obter βtg, na equação 6 (Burriel et al., 2010BURRIEL, P.; CASTRO, F.; GARROTE, D.; GORDO, E.; PAREDES, J.; PEREZ, J. Fiscal policy shocks in the euro area and the US an empirical assessment. Fiscal Studies, v. 31, n. 2, p. 251-285, 2010.).7 7 Os modelos também foram estimados assumindo βtg=0 (isto é, as decisões referentes às receitas ocorrem antes que as de gasto) e se mostraram robustos à especificação, com pouca variação nas funções impulso-resposta, como é usual na literatura. O propósito dessa regressão é obter as estimações de ette etg. Tais choques são “isolados” da influência do produto, pois foi retirado o componente de resposta automática. Isso, juntamente com a hipótese de identificação, permite tornar os choques exógenos, retirando os componentes “a” e “b” mencionados anteriormente.

Da equação 5, é possível recuperar etg, utilizando-o para estimar a 6 por MQO. A partir disso, obtemos variáveis instrumentais, os choques estruturais ett e etg,para utt e utg, na equação 3, tendo em vista a correlação dos regressores (resíduos da forma reduzida) com o termo de erro (choque estrutural). Os choques estruturais - que se referem aos efeitos contemporâneos - do gasto e da receita etg e ett são utilizados como instrumentos, pois sua correlação é baixa com o choque estrutural do produto ety 8 8 Assim como a correlação entre os resíduos ajustados é baixa (nota de rodapé 6), essa correlação também é baixa, em torno de 0.15, em módulo. .

Sendo a relação que descreve as relações contemporâneas entre os choques da forma reduzida (u) e da forma estrutural (e):

B e t = A u t (7)

Então, a forma matricial:

A = [ 1 0 0 1 γ y g γ y t α g y α t y 1 ]

B = [ σ g β t g β g t σ t 0 0 0 0 σ y ]

Em que os coeficientes αgy, αty, γyg, γyt, βtg, βgt estão explicitados nas equações 1, 2 e 3. A diagonal da matriz B é formada pelo desvio padrão dos choques estruturais.

4 Resultados

O modelo básico é estimado9 9 Os testes de estacionariedade, cointegração, seleção de lags, autocorrelação, heterocedasticidade e estabilidade dos modelos estimados podem ser disponibilizados sob solicitação. Não obtemos evidência de autocorrelação residual e de heterocedasticidade. Todos os modelos apresentaram estabilidade. 10 10 Em Deleidi et al. (2019): “In order to detect whether public investment is influenced by the output level, we follow a procedure similar to that suggested by Born and Muller (2012). More specifically, we use quarterly data to test whether annual government investment is exogenous by evaluating whether the rate of growth of public investment responds to the rate of growth of GDP within the year” (Deleidi et al., 2019; p. 14). Tais testes de endogeneidade foram realizados e confirmaram que é possível considerar o gasto (e todos seus componentes) como exógenos. A única exceção foi o investimento público na amostra menor, que mostrou indício de endogeneidade dentro de um trimestre, mas não dentro de um mês. com o vetor de variáveis endógenas “despesa total primária, receita primária e produto”, logaritmizadas. Serão estimados modelos para a amostra inteira, que vai de 1997 a 2018; e para a amostra pré-crise, de 1997 a 2014 - até março, porque, segundo a CODACE, no relatório de datação dos ciclos econômicos, a recessão teve início no segundo trimestre de 2014. Essa estratégia de estimação para averiguar eventuais alterações no multiplicador durante a crise é similar à de Matheson e Pereira (2016MATHESON, T.; PEREIRA, J. Fiscal multipliers for Brazil. International Monetary Fund. IMF Working Papers, n. 79, 2016.) e à de Deleidi et al. (2019DELEIDI, M.; IAFRATE, F.; LEVRERO, E. Public investment fiscal multipliers: an empirical assessment for European countries. Structural Change and Economic Dynamics, v. 52, p. 354-365, 2019.) e conveniente, pois a amostra ficaria muito pequena se utilizássemos apenas os dados para o período 2014-2018. Os dois recortes temporais permitirão lançar luz sobre uma eventual alteração dos efeitos multiplicadores após a crise iniciada em 2014. A estimação com um método não linear, portanto, não permitiria uma avaliação específica da crise recente.

Os efeitos dinâmicos do gasto público podem ser analisados utilizando o SVAR tridimensional, substituindo a variável de despesa total por seus componentes. Os SVAR serão estimados com as variáveis em primeira-diferença,11 11 De acordo com testes de estacionariedade (aumentado de Dickey-Fuller, de Phillips e Perron e KPSS), as séries são integradas de ordem 1. Logo, os exercícios utilizaram as séries em primeira-diferença para evitar relações espúrias. Para obter as respostas em nível, foram utilizadas as funções impulso-resposta acumuladas, a partir das quais são encontradas as elasticidades de uma variável em relação à outra e, posteriormente, os multiplicadores. dado que as séries são não estacionárias. O número de lags é escolhido com base nos critérios de informação e no teste de autocorrelação LM (Deleidi et al., 2018DELEIDI, M.; DE LIPSIS, D.; MAZZUCATO, M.; AGNOLUCCI, P. Fiscal Multipliers: A SVAR approach for the US. Associazione Italiana per la Storia dell’Economia Politica (STOREP), 2018.).12 12 Os modelos foram estimados com 5 ou 6 lags em acordo com esse critério (e em acordo com o fato de que a maioria dos critérios de informação assim indicou). A estimação com poucos lags, 1 ou 2, apresentou fortes indícios de autocorrelação residual e heterocedasticidade. A inclusão de mais lags se mostrou relevante pelo Teste de Exclusão em todos os modelos, além de apresentar significância na equação do VAR para os itens de gasto que possuem maior persistência no que se refere ao seu efeito sobre o produto (benefícios sociais e investimento público).

Os gráficos apresentados fornecem a resposta acumulada do produto a um choque de um desvio padrão na despesa total primária (ou em seus componentes/ou na receita), com intervalo de confiança de um e de dois desvios padrão. A escolha do intervalo das bandas não tem uma justificativa formal (Ramey, 2011RAMEY, V. Identifying government spending shocks: It’s all in the timing. Quarterly Journal of Economics, v. 126, n. 1, p. 1-50, 2011.), mas significativa parte da literatura fornece a significância estatística usando uma banda de um desvio padrão13 13 Exemplos de estudos que usam uma banda de um desvio padrão incluem: Blanchard e Perotti (2002), Tenhofen et al. (2010), Perotti (2007), Mountford e Uhlig (2009), Burriel et al. (2010), Izquierdo et al. (2019), entre outros. .

De acordo com Spilimbergo et al. (2009SPILIMBERGO, A.; SYMANSKI, S.; SCHINDLER, M. Fiscal multipliers. Technical report. IMF Staff Position Note, 2009.), existem quatro tipos de multiplicador: a) multiplicador de impacto, para análise do impacto de curto prazo da política fiscal: ΔY(t)ΔG(t); b) multiplicador de horizonte, para calcular o multiplicador em um dado período: ΔY(t+n)ΔG(t); c) multiplicador de pico, que representa o maior valor no período: maxΔY(t+n)ΔG(t); d) multiplicador cumulativo, para um prazo mais longo: i=1nΔY(t+i)i=1nΔG(t+i). O multiplicador cumulativo é visto pela literatura como a medida mais apropriada, tendo em vista que a economia requer um tempo para absorver o choque inicial (Ilzetzki et al., 2013ILZETZKI, E.; MENDOZA, E.; VÉGH, C. How Big (Small?) Are Fiscal Multipliers? Journal of Monetary Economics, v. 60, p. 239-254, 2013.; Spilimbergo et al., 2009; Restrepo, 2020RESTREPO, J. How big are fiscal multipliers in Latin America? IMF Working Paper, n.17, 2020.). Ainda assim, ressalta-se que, mesmo considerando esse efeito acumulado no tempo, o VAR é realizado para uma avaliação de curto prazo - isto está em linha com o principal objetivo deste artigo, qual seja: o de avaliar possíveis alternativas de política anticíclica para combater uma recessão.

Para chegar ao multiplicador, é necessário dividir a elasticidade pela participação média das despesas primárias (ou receitas primárias) totais no produto. Como as variáveis estão em logaritmo, as funções impulso-resposta nos fornecem as elasticidades do produto (Y) em relação à variável que sofreu o choque (X):

ε Y , X = Δ Y Y Δ X X = Δ Y Y X Δ X = Δ Y Δ X X Y (8)

Conforme Pires (2014PIRES, M. Política fiscal e ciclos econômicos no Brasil. Economia Aplicada, v. 18, n. 1, p. 69-90, 2014.) e Hall (2009HALL, R. By how much does GDP rise if the government buys more output? Brooking Papers on Economic Activity, p. 183-231, 2009.), como ΔYΔX é a definição do multiplicador, que reflete a mudança na variável produto dado o aumento de uma unidade na variável fiscal, tem-se:

Δ Y Δ X = ε Y , X X Y (9)

A Tabela 2 sumariza os nossos principais resultados para os multiplicadores, com os valores para as amostras pré-crise (1997-2014) e amostra inteira (1997-2018).

Tabela 2
Multiplicadores fiscais estimados pré-crise/amostra inteira, respectivamente

Para o cômputo dos multiplicadores, utiliza-se a equação 9. O resultado está disponível na Tabela 2. O multiplicador acumulado foi calculado para um determinado período de acordo com a persistência de cada tipo de despesa14 14 Por exemplo, para o caso da despesa primária total foi escolhido um período de 15 meses após o choque inicial. A justificativa apoia-se em Garcia et al. (2013): “The long-run multiplier is defined as the cumulative multiplier when J->∞, but in practice is used the number of periods needed for the multiplier to stabilize at its long-run value.” (Garcia et al., 2013, p.11). . A Figura 2 apresenta a função impulso-resposta acumulada15 15 Apresentamos as funções impulso-resposta acumuladas de forma a visualizar as respostas em nível (tendo em vista que o exercício é realizado em termos de primeira-diferença, isto é, para a taxa de crescimento das variáveis), as quais utilizamos para obter a elasticidade de uma variável em relação à outra e, assim, os multiplicadores. O multiplicador cumulativo é obtido a partir da função impulso-resposta acumulada, como destacam Spilimbergo et al. (2009) e Restrepo (2020). do produto a choques na variável de despesas primárias totais. Ressalta-se que não há muita diferença para os dois períodos no valor do multiplicador da despesa primária total; nem no padrão da função impulso-resposta. As linhas tracejada e pontilhada correspondem, respectivamente, ao intervalo de um e de dois desvios padrão, isto é, níveis de confiança de 68% e 95%.

Figura 2
Resposta acumulada do produto a choque nas despesas totais

Com relação à resposta do produto ao investimento público, a função impulso-resposta acumulada é estatisticamente diferente de zero para a amostra completa a 95% de confiança, exceto para o terceiro e quarto meses após o choque, como pode ser visto na Figura 3,16 16 Os exercícios para o investimento público e para os benefícios sociais foram realizados com a inclusão de algumas dummies: por exemplo, para capturar os efeitos da crise de 2008-2009; e controles para outliers. Embora isso não tenha alterado muito os multiplicadores, a significância foi melhorada. embora não seja na amostra menor. O multiplicador de impacto é considerado alto (maior que a unidade): 1.4. Já o cumulativo, após 25 meses, possui valor estimado em torno de 3.6: a cada um real gasto em investimento público, obtêm-se como renda gerada 3.6 reais em um período de 25 meses, valor bem maior do que o estimado para a amostra pré-crise (1.42 - vide Tabela 2).

Isso indica uma diferença importante desse tipo de multiplicador para o período que engloba a crise de 2014-2017 - o que está em linha com estudos que estimaram efeitos multiplicadores maiores para períodos de recessão por meio de VARs não lineares (Orair et al., 2016ORAIR, R.; SIQUEIRA, F.; GOBETTI, S. Política fiscal e ciclo econômico: uma análise baseada em multiplicadores do gasto público. XXI Prêmio do Tesouro Nacional, 2016.; Auerbach; Gorodnichenko, 2012AUERBACH, A.; GORODNICHENKO, Y. Measuring the output responses to fiscal policy. American Economic Journal: Economic Policy, v. 4, n. 2, p. 1-27, 2012.; Fazzari et al., 2015FAZZARI, S.; MORLEY, J.; PANOVSKA, I. State-dependent effects of fiscal policy. Studies in Nonlinear Dynamics and Econometrics, v. 19, n. 3, p. 285-315, 2015.; Baum et al., 2012BAUM, A.; POPLAWSKI-RIBEIRO, M.; WEBER, A. Fiscal multipliers and the state of the economy. IMF Working Paper, n. 12/286, 2012.; Dutra, 2016DUTRA, F. Multiplicadores fiscais no Brasil: estimativas a partir de Modelos STVAR. 2016. TCC (Graduação)- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.).

Figura 3
Resposta acumulada do produto a choque nos investimentos públicos

Figura 4
Resposta acumulada do produto a choque nos benefícios sociais

A Figura 4 apresenta a resposta do produto a choques de um desvio padrão nos benefícios sociais. Embora os multiplicadores de impacto para os benefícios sociais sejam próximos, o multiplicador cumulativo ao final de 25 meses é de 2.914, o que demonstra certa persistência, para o caso da amostra completa; e é menor na amostra pré-crise, de 1.9. Nota-se que a resposta acumulada do produto aos benefícios sociais é mais alta no caso da amostra inteira, significante a 95% (exceto no terceiro período após o choque).

Alguns estudos da literatura empírica internacional estimam efeitos multiplicadores relevantes associados ao gasto social (Gechert et al., 2018GECHERT, S.; PAETZ, C.; VILLANUEVA, P. The Macroeconomic Effects of Social Security Contributions and Benefits - Evidence from Germany. Macroeconomic Policy Institute (IMK) Working Paper, 2018.; Reeves et al., 2013REEVES, A.; BASU, S.; MCKEE, M.; MEISSNER, C.; STUCKLER, D. Does investment in the health sector promote or inhibit economic growth? Globalization and Health, v. 43, n. 9, 2013., Gechert; Rannenberg, 2014). Como o gasto social é direcionado às pessoas de menor renda e com maior propensão a consumir (Gechert et al., 2018), os benefícios sociais são capazes de estimular o consumo e, por conseguinte, o emprego e o investimento. Em uma recessão, por exemplo, as famílias poderiam consumir uma parcela ainda maior de tais benefícios, contribuindo para dinamizar a economia.

Figura 5
Resposta acumulada do produto a choque nas despesas com pessoal, subsídios, nas demais despesas e na receita primária

Para os demais grupos de despesas, não há tanta diferença na função impulso-resposta entre as duas amostras, como foi observado no caso das despesas com benefícios sociais e investimentos públicos (tal como em Orair et al., 2016ORAIR, R.; SIQUEIRA, F.; GOBETTI, S. Política fiscal e ciclo econômico: uma análise baseada em multiplicadores do gasto público. XXI Prêmio do Tesouro Nacional, 2016.). O investimento público poderia, por exemplo, elevar o seu efeito multiplicador sobre a renda a partir da indução do investimento privado e do seu efeito sobre a produtividade da economia - para além do efeito direto sobre a demanda agregada (Dutt, 2013DUTT, A. Government spending, aggregate demand, and economic growth. Review of Keynesian Economics, v. 1, n. 1, p. 105-119, 2013.; Aschauer, 1989ASCHAUER, D. A. Is public expenditure productive? Journal of Monetary Economics, v. 23, n. 2, p. 177-200, 1989.). Já os benefícios sociais estimulam a demanda e o consumo, por serem direcionados às pessoas com alta propensão a consumir (Gechert et al., 2018GECHERT, S.; PAETZ, C.; VILLANUEVA, P. The Macroeconomic Effects of Social Security Contributions and Benefits - Evidence from Germany. Macroeconomic Policy Institute (IMK) Working Paper, 2018.).

A Figura 5 ilustra a função impulso-resposta para as demais despesas e para o caso da receita. Como antes, a linha preta representa a resposta na amostra inteira (1997-2018), e a cinza na amostra pré-crise (1997-2014). Repare que as funções impulso-resposta não possuem significância em nenhum desses casos, seja em nível de 68 ou de 95%. Isso reforça, mais uma vez, a importância dos investimentos públicos e dos benefícios sociais, que possuem funções significantes na amostra completa, a 95% quase na totalidade dos períodos.

Foram incluídas algumas variáveis de controle, exógenas, no modelo básico, com o vetor de variáveis endógenas “despesa total primária, receita primária e produto”: taxa de juros Selic real (em duas formas, acumulada no mês e anualizada) e índice de taxa de câmbio efetiva - ambas obtidas do Banco Central -, bem como um índice de preço de commodities, do FMI. As estimações se mostraram robustas às especificações.17 17 Estimamos também uma versão do mesmo modelo com dados trimestrais em que utilizamos a série de PIB trimestral do IBGE e dados fiscais trimestralizados. Embora em alguns casos a magnitude dos multiplicadores tenha mudado, o comportamento da função impulso-resposta foi semelhante: despesas com pessoal, subsídios, demais despesas e receitas mantiveram efeito não significante sobre o PIB, e investimento público e benefícios sociais mostraram efeito positivo e estatisticamente significante a 95% para os oito trimestres estimados. Ressalta-se também que as diferenças entre as amostras pré-crise e completa se mantiveram no caso dos benefícios sociais, e em menor grau para o investimento público.

5 Choques fiscais e impactos no produto

A partir dos multiplicadores estimados, são realizados dois exercícios de simulação: a estimação do efeito da “substituição dos investimentos públicos pelos subsídios” a partir de 2011; e o efeito do corte de investimentos públicos realizado entre 2015 e 2017 (ver Figura 1). Para tanto, seguem-se Gechert e Rannenberg (2015GECHERT, S.; RANNENBERG, A. The costs of Greece´s fiscal consolidation. Vierteljahrshefte zur Wirtschaftsforschung, v. 84, n. 3, p. 47-59, 2015.), que avaliam o impacto dos esforços de consolidação fiscal na Grécia utilizando multiplicadores fiscais, a partir da análise da variação anual das séries.

5.1 O efeito da substituição do investimento público pelos subsídios no período 2011-2014

Tendo em vista a substituição dos investimentos públicos diretos por subsídios fiscais a partir de 2011 (como apontado por Orair e Gobetti, 2017ORAIR, R.; GOBETTI, S. Brazilian fiscal policy in perspective: from expansion to austerity. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA ANPEC, XLV. Anais XLV Encontro Nacional de Economia Anpec. Natal, 2017.), o exercício aqui é, com base nos multiplicadores acumulados em um ano para os investimentos públicos e para os subsídios, estimar o efeito acumulado de 2011-2014 dos cortes ou aumentos anuais ilustrados na Tabela 3 sobre o produto. Nesse exercício, foi utilizado o multiplicador acumulado de 12 meses para a amostra pré-crise para as simulações do produto em 2011, 2012 e 2013, e o multiplicador acumulado de 12 meses encontrado para a amostra que inclui 2014 em diante para a estimação do produto em 2014 e em 2015. A Tabela 3 multiplica a variação em milhões de reais pelo multiplicador encontrado, de forma a verificar o efeito no produto. A variação é acumulada para se avaliar o efeito acumulado ao longo do período 2011-2014 no produto, como fazem Gechert e Rannenberg (2015GECHERT, S.; RANNENBERG, A. The costs of Greece´s fiscal consolidation. Vierteljahrshefte zur Wirtschaftsforschung, v. 84, n. 3, p. 47-59, 2015.). Para o caso do investimento público, o multiplicador acumulado vale em torno de 1.38 nos anos 2011 a 2013, e 3.37 em 2014 e em 2015. Para os subsídios, -0.47 em 2011-2013, e 0.06 em 2014 e 2015.18 18 Para isso, são utilizados os multiplicadores acumulados para o período de 12 meses, de forma a estimar os efeitos multiplicadores ano a ano no exercício conduzido, que são similares aos estimados para 15 ou para 25 meses porque chegam a um valor de estado estacionário, conforme o efeito do choque inicial se dissipa.

Tabela 3
Efeito dos cortes do investimento público e aumentos no subsídio 2011-2014 (valores em milhões de reais, em termos reais, a preços de junho de 2018)

Por exemplo, como mostra a Tabela 3, o corte no investimento público do início do período de mais de 8 bilhões de reais é traduzido em uma queda em termos de produto de mais de 12 bilhões de reais, dado que cada corte de 1 real no investimento representa uma queda do produto de quase 1.4 reais, em um período de um ano.

Como os multiplicadores estimados para esses dois tipos de despesa são muito diferentes, uma pergunta importante a ser feita é: e se a variação acumulada no período, que é sempre positiva no caso dos subsídios neste período, fosse destinada aos investimentos públicos? Para isso, abatemos o impacto dos subsídios sobre a variação em reais acumulada do produto a cada ano; e adicionamos o novo impacto, caso a variação acumulada dos subsídios ilustrada na Tabela 3 tivesse sido integralmente destinada aos investimentos públicos (“cenário alternativo 1”) (equação 10):

P I B S i m u l a d o = P I B o b s e r v a d o E f e i t o s u b s í d i o s + E f e i t o I n v e s t i m e n t o p ú b l i c o (10)

Onde o “efeito subsídios” é dado pela variação acumulada dos subsídios vezes o seu multiplicador; e o “efeito investimento público”, pela variação acumulada dos subsídios (canalizados para o investimento público) vezes o multiplicador do investimento.

O cenário alternativo 2, por sua vez, também considera que o aumento dos subsídios não ocorreu e, além disso, supõe um aumento dos investimentos públicos à taxa média ao ano observada no período 2006-2010, calculada na Figura 1 (de 28% ao ano). Nesse caso, o “efeito subsídios” é dado pela variação acumulada dos subsídios vezes o seu multiplicador; e o “efeito investimento público”, pela variação acumulada caso crescesse à taxa de 28% ao ano, vezes o seu multiplicador.

A Figura 6 ilustra esse efeito, considerando 2010 como o ano base e estendendo o exercício até 2015. Em 2014, o produto estava 17% acima do nível do ano base (2010). Esse patamar é 2.76% inferior ao que seria observado no cenário 1 (em que o produto estaria a quase 20% acima do nível de 2010) e 6.46% menor ao que seria observado no caso do cenário alternativo 2 - com o produto a 23.7% acima do nível de 2010.

Figura 6
Efeito no produto em cenários alternativos

5.2 O efeito do ajuste fiscal de 2015-2017

A Tabela 4 mostra o valor do investimento público em milhões de reais (linha “total”) em cada ano. Nota-se a variação fortemente negativa de 2014 para 2015 (de quase 40%). Como o ajuste fiscal foi realizado em 2015, o ano de 2014 não entrará na estimação e está na tabela apenas para comparação.19 19 A análise desta seção vai até 2017, pois dispõem-se de dados até junho de 2018, o que dificulta a estimação do corte/aumento anual no ano de 2018. Ressalta-se, porém, que a estimação do multiplicador levou em conta esse período de 2018 (até junho). De posse do multiplicador acumulado em um ano para a amostra completa (3.37), estima-se o efeito acumulado no produto. Ao final de 2017, o custo do ajuste fiscal nos investimentos públicos corresponde a cerca de 20% do total da queda acumulada no produto, de 2015 a 2017, ceteris paribus. Por outro lado, embora o corte de subsídios seja similar ao corte de investimentos públicos, tal corte não impactou muito no PIB - o efeito negativo acumulado estimado no produto em 2017 foi de apenas 0.45% da queda acumulada total do produto.

Se o ajuste fiscal fosse feito do lado dos impostos, por exemplo, a queda em termos de produto seria bem menor se comparada à queda decorrente do corte de investimentos públicos, pois o multiplicador acumulado de receita estimado é de apenas -0.18 (em contraste, por exemplo, com o estudo de Matheson e Pereira (2016MATHESON, T.; PEREIRA, J. Fiscal multipliers for Brazil. International Monetary Fund. IMF Working Papers, n. 79, 2016.), que encontram relevante multiplicador para as receitas - ver Tabela 1). Nesse caso, o efeito negativo cumulativo no produto, em termos acumulados até 2017, corresponderia a 1.14% do valor total da queda acumulada no produto.

Tabela 4
Efeito do corte de investimentos do governo central 2015-2017 sobre o produto (valores em milhões de reais, em termos reais, a preços de junho de 2018)

Figura 7
Efeito sobre o produto dos cortes de investimentos do governo central

A Figura 7 projeta quatro cenários e sugere que o produto teria caído menos caso não houvesse cortes nos investimentos públicos. Como o ponto 100 representa o ano anterior ao aprofundamento da crise nos diferentes cenários (2014), ao final do período - em 2017 - o produto estava 7.4% abaixo do nível anterior, em 2014. No cenário sem cortes de investimentos do governo central (e tudo o mais constante) - cenário 1 - o nível do produto estaria 1.6% acima do observado. Esse cenário considera que, a cada ano, o PIB é dado pelo produto do início do período (2014), subtraído da variação negativa do impacto dos cortes de investimento público sobre o produto em termos acumulados. Tal variação, por sua vez, é dada pela queda acumulada do produto menos o efeito negativo estimado acumulado sobre o PIB dos cortes de investimento (variação acumulada do investimento público vezes o seu multiplicador). Isto é, retira-se, da queda acumulada do produto durante tal período, o efeito negativo dos cortes de investimento público.

Já no caso do cenário 2, em que o investimento público continuasse a se expandir à taxa observada nos anos 2006-2010 (de 28% ao ano) nos anos posteriores, haveria completa recuperação, com o produto a 3.62% acima do nível de 2014, e a 11% acima do PIB verdadeiro, em 2017. Se o governo reagisse no início da crise, aumentando o investimento público à taxa de 28% ao ano (cenário 4) a partir de 2014, o produto estaria apenas 1.37% abaixo do nível de 2014, e a 6% acima do PIB observado em 2017. Para o cenário 4, o produto a cada ano é estimado da seguinte forma: a partir do PIB de 2013, soma-se a queda acumulada do produto no período. De tal queda, abate-se o efeito negativo dos cortes de investimento, e adiciona-se o efeito da política analisada (variação acumulada do investimento público vezes seu multiplicador). Procedimento similar é realizado para o cenário 2 (mas parte-se do produto de 2010).

No cenário 3, sem aumento dos benefícios sociais (cuja variação foi positiva nos anos analisados, como mostra a Figura 1), o nível do produto seria 2.53% menor do que o observado em 2017 (e o produto estaria a quase 10% abaixo do nível de 2014). O procedimento adotado foi similar aos demais cenários para estimar o PIB a cada ano: parte-se do produto de 2014 e soma-se a queda acumulada do produto. Tal queda acumulada é acrescentada do efeito da política, dado pela variação acumulada positiva dos benefícios sociais no período vezes seu multiplicador. Isto é, retira-se do produto o efeito positivo desempenhado pelos benefícios sociais. Como o multiplicador de benefícios sociais é alto, e dado que o ajuste não se deu majoritariamente por esses gastos, que possuem garantias constitucionais, sua expansão pode ter contribuído para que a crise não se aprofundasse ainda mais.

6 Conclusões

A partir da estimação de um VAR estrutural baseado na metodologia de Blanchard e Perotti (2002BLANCHARD, O.; PEROTTI, R. An empirical characterization of the dynamic effects of changes in government spending and taxes on output. Quarterly Journal of Economics, v. 117, n. 4, p. 1.329-1.368, 2002.) com variáveis fiscais mensais do governo central brasileiro para o período 1997-2018, este trabalho encontrou um efeito multiplicador sobre o produto mais elevado - associado ao curto prazo - para dois tipos de despesas primárias federais (investimentos públicos e benefícios sociais) no caso da amostra que inclui a crise de 2014-2017, se comparada à amostra pré-crise 1997-2014.

Se o alto efeito multiplicador dos investimentos públicos já é bastante estabelecido na literatura nacional e internacional, o resultado para os benefícios sociais na literatura nacional só havia aparecido em Orair et al. (2016ORAIR, R.; SIQUEIRA, F.; GOBETTI, S. Política fiscal e ciclo econômico: uma análise baseada em multiplicadores do gasto público. XXI Prêmio do Tesouro Nacional, 2016.) e em Resende (2019RESENDE, C. Impulso fiscal: Uma abordagem de multiplicadores fiscais com aplicação para a economia brasileira. Dissertação (Mestrado) - Escola de Economia de São Paulo. Fundação Getulio Vargas, 2019.). Nesse sentido, o crescimento expressivo e estável nesse item do gasto público desde o pacto social de 1988, que sobreviveu em boa medida ao ajuste fiscal iniciado em 2015 por seu caráter obrigatório, pode ter evitado flutuações muito maiores do PIB brasileiro ao longo desse período e, em particular, na crise recente. Segundo nossas simulações, o produto estaria 2.53% abaixo do observado se os benefícios sociais não tivessem crescido em 2016 e 2017.

A contribuição deste estudo está em, para além de analisar especificamente o papel da crise econômica iniciada em 2014 no efeito multiplicador das despesas e receitas primárias, construir cenários alternativos à forma de consolidação fiscal observada no período. As estimações indicam que a forma em que ocorre a expansão ou o ajuste fiscal importa, e muito, para a dinâmica do produto no curto prazo. Em particular, exercícios de simulação indicaram que o PIB estaria a quase 6% acima do PIB observado (em 2017) no cenário expansionista em que o governo aplica uma política anticíclica orientada para a expansão dos investimentos públicos a partir de 2014. As conclusões, porém, devem ser vistas com cautela, visto que analisamos cenários do que ocorreria na economia brasileira somente no tocante ao efeito multiplicador fiscal, sendo uma análise de caráter parcial.

Este trabalho ajuda, portanto, a quantificar o impacto de fatores internos, associados à política econômica, para a desaceleração vivida pela economia brasileira a partir de 2011 e para a crise que se seguiu. Os resultados encontrados servem também para subsidiar as discussões acerca do novo regime fiscal implementado em 2016 e de outras regras fiscais vigentes, que têm penalizado desproporcionalmente os investimentos públicos em períodos de crise.

Agradecimentos

As autoras agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) o financiamento da pesquisa por intermédio de bolsa de mestrado (Marina) e de produtividade (Laura). As autoras agradecem as valiosas sugestões de Gilberto Tadeu Lima, Fernando Monteiro Rugitsky, Julia de Medeiros Braga e de Esther Dweck, que em muito contribuíram para o desenvolvimento desta pesquisa. Agradecem, também, os comentários de dois pareceristas anônimos e do editor, que melhoraram substancialmente este artigo, e dos participantes presentes no XLVII Encontro Nacional de Economia da ANPEC, em 2019.

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  • 1
    A escolha por utilizar dados do governo central se deve ao fato de que os dados de Gobetti e Orair (2017ORAIR, R.; GOBETTI, S. Brazilian fiscal policy in perspective: from expansion to austerity. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA ANPEC, XLV. Anais XLV Encontro Nacional de Economia Anpec. Natal, 2017.) para os governos regionais iniciam apenas em 2002. O uso de dados para o governo central no estudo de multiplicadores fiscal no Brasil é bastante usual na literatura, por exemplo: Peres e Ellery (2009PERES, M.; ELLERY, R. Efeitos dinâmicos dos choques fiscais do governo central no PIB. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 39, n. 2, p. 159-206, 2009.), Peres (2006), Matheson e Pereira (2016MATHESON, T.; PEREIRA, J. Fiscal multipliers for Brazil. International Monetary Fund. IMF Working Papers, n. 79, 2016.), Resende (2019RESENDE, C. Impulso fiscal: Uma abordagem de multiplicadores fiscais com aplicação para a economia brasileira. Dissertação (Mestrado) - Escola de Economia de São Paulo. Fundação Getulio Vargas, 2019.), Restrepo (2020RESTREPO, J. How big are fiscal multipliers in Latin America? IMF Working Paper, n.17, 2020.), Alves (2017ALVES, R. O impacto da política fiscal sobre a atividade econômica ao longo do ciclo econômico: evidências para o Brasil. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Pesquisas Econômicas, Universidade de São Paulo, 2017.), Dutra (2016DUTRA, F. Multiplicadores fiscais no Brasil: estimativas a partir de Modelos STVAR. 2016. TCC (Graduação)- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.).
  • 2
    A título de exemplo de “pedalada”, Gobetti e Orair (2017ORAIR, R.; GOBETTI, S. Brazilian fiscal policy in perspective: from expansion to austerity. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA ANPEC, XLV. Anais XLV Encontro Nacional de Economia Anpec. Natal, 2017.) explicam que, no resultado fiscal de 2015, o valor do subsídio ao Programa de Sustentação ao Investimento (PSI) foi de R$ 30.3 bilhões, valor muito alto devido à quitação de R$ 14.6 bilhões em passivos do governo central com o BNDES. Tais passivos se referem a subsídios efetivamente concedidos ao setor privado em anos anteriores, sobretudo entre 2010 e 2014. A correção dos autores foi considerar essa despesa no ano em que ela efetivamente ocorreu: R$ 1.3 bilhão, em 2010, R$ 2.2 bilhões, em 2011, R$ 2 bilhões, em 2012, R$ 4.1 bilhões, em 2013, e R$ 5.9 bilhões, em 2014, em acordo com o Banco Central.
  • 3
    Sobre os dados da receita, os componentes da receita primária líquida devem ter relação com o ciclo econômico para o cálculo da elasticidade da receita com relação ao produto, que será utilizada na estimação. Dessa forma, este trabalho segue as recomendações de Gobetti et al. (2016GOBETTI, S.; DUTRA, F.; ORAIR, R. Resultado estrutural, ciclos econômicos e os desafios para avaliar o desempenho fiscal. XXII Prêmio Tesouro Nacional 2017, 2016.) e foram retirados os componentes da receita primária do governo central que possuem baixa correlação com a atividade econômica, ou que possuem caráter regulatório.
  • 4
    Ver U.S. Census Bureau (2017). O método X 13 Arima Seats é um programa sazonal desenvolvido por U.S Census Bureau com o apoio do Bank of Spain. É uma junção dos softwares X12 Arima e Tramo/Seats com melhorias de ajuste. Trata-se de um procedimento usual na literatura que utiliza séries de tempo (Ferreira et al., 2015FERREIRA, P.; GONDIN JR, J.; MATTOS, D. X13 Arima-Seats com R: um estudo de caso para a produção industrial brasileira. Rio de Janeiro: FGV-IBRE, 2015. (Texto para discussão, n. 80).).
  • 5
    Os valores obtidos para as elasticidades foram os seguintes: 1.25 (DOLS) e 1.2 (FMI) para a amostra inteira e 1.094 (DOLS) e 0.852 (FMI) para a amostra pré-crise. As elasticidades do método FMI foram utilizadas nas estimações, mas os exercícios mostraram-se robustos ao uso da elasticidade DOLS. Tais elasticidades estão em linha com diversos outros estudos para o Brasil: Peres (2006PERES, M. Os efeitos dinâmicos da política fiscal sobre a atividade econômica: um estudo para o caso brasileiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, 2006.) (em torno de 2), Andreis (2014ANDREIS, A. Balanço Orçamentário Estrutural no Brasil: a política fiscal no Brasil é pró ou anticíclica no período pós-plano real? Finanças Públicas, XIX Prêmio Tesouro Nacional, 2014.) (1.084), Gobetti et al. (2016GOBETTI, S.; DUTRA, F.; ORAIR, R. Resultado estrutural, ciclos econômicos e os desafios para avaliar o desempenho fiscal. XXII Prêmio Tesouro Nacional 2017, 2016.) (1.23), Ribeiro (2016RIBEIRO, L. Sobre arrecadação e atividade econômica. Rio de Janeiro: FGV IBRE, 2016. Nota técnica.) (1.16), Casalecchi e Barros (2018CASALECCHI, A.; BARROS, G. A variação da receita em resposta à atividade econômica. Brasília: Instituição Fiscal Independente, 2018. Nota técnica n. 19.) (1.13). Além disso, a estimação da elasticidade com dados trimestrais não altera sensivelmente seu valor (estimamos em torno de 1.4). A estimação dos multiplicadores de gasto não é alterada por tal elasticidade, dada a ordenação de Choleski. Já os multiplicadores de receita são sensíveis, mas demonstraram pouca alteração.
  • 6
    Nos modelos estimados neste trabalho, em geral, essa correlação é menor que 0.1, em módulo.
  • 7
    Os modelos também foram estimados assumindo βtg=0 (isto é, as decisões referentes às receitas ocorrem antes que as de gasto) e se mostraram robustos à especificação, com pouca variação nas funções impulso-resposta, como é usual na literatura.
  • 8
    Assim como a correlação entre os resíduos ajustados é baixa (nota de rodapé 6), essa correlação também é baixa, em torno de 0.15, em módulo.
  • 9
    Os testes de estacionariedade, cointegração, seleção de lags, autocorrelação, heterocedasticidade e estabilidade dos modelos estimados podem ser disponibilizados sob solicitação. Não obtemos evidência de autocorrelação residual e de heterocedasticidade. Todos os modelos apresentaram estabilidade.
  • 10
    Em Deleidi et al. (2019DELEIDI, M.; IAFRATE, F.; LEVRERO, E. Public investment fiscal multipliers: an empirical assessment for European countries. Structural Change and Economic Dynamics, v. 52, p. 354-365, 2019.): “In order to detect whether public investment is influenced by the output level, we follow a procedure similar to that suggested by Born and Muller (2012BORN, B.; MULLER, G. Government Spending Shocks in Quarterly and Annual Time-Series. Journal of Money, Credit and Banking, v. 44, p. 507-517, 2012.). More specifically, we use quarterly data to test whether annual government investment is exogenous by evaluating whether the rate of growth of public investment responds to the rate of growth of GDP within the year” (Deleidi et al., 2019; p. 14). Tais testes de endogeneidade foram realizados e confirmaram que é possível considerar o gasto (e todos seus componentes) como exógenos. A única exceção foi o investimento público na amostra menor, que mostrou indício de endogeneidade dentro de um trimestre, mas não dentro de um mês.
  • 11
    De acordo com testes de estacionariedade (aumentado de Dickey-Fuller, de Phillips e Perron e KPSS), as séries são integradas de ordem 1. Logo, os exercícios utilizaram as séries em primeira-diferença para evitar relações espúrias. Para obter as respostas em nível, foram utilizadas as funções impulso-resposta acumuladas, a partir das quais são encontradas as elasticidades de uma variável em relação à outra e, posteriormente, os multiplicadores.
  • 12
    Os modelos foram estimados com 5 ou 6 lags em acordo com esse critério (e em acordo com o fato de que a maioria dos critérios de informação assim indicou). A estimação com poucos lags, 1 ou 2, apresentou fortes indícios de autocorrelação residual e heterocedasticidade. A inclusão de mais lags se mostrou relevante pelo Teste de Exclusão em todos os modelos, além de apresentar significância na equação do VAR para os itens de gasto que possuem maior persistência no que se refere ao seu efeito sobre o produto (benefícios sociais e investimento público).
  • 13
    Exemplos de estudos que usam uma banda de um desvio padrão incluem: Blanchard e Perotti (2002BLANCHARD, O.; PEROTTI, R. An empirical characterization of the dynamic effects of changes in government spending and taxes on output. Quarterly Journal of Economics, v. 117, n. 4, p. 1.329-1.368, 2002.), Tenhofen et al. (2010TENHOFEN, J.; WOLFF, G.; HEPPKE-FALK, K. The macroeconomic effects of exogenous fiscal policy shocks in Germany: A disaggregated SVAR analysis. Journal of Economics and Statistics, v. 230, n. 3, p. 328-355, 2010.), Perotti (2007), Mountford e Uhlig (2009MOUNTFORD, A.; UHLIG, H. What are the effects of fiscal policy shocks? Journal of Applied Econometrics, v. 24, n. 6, p. 960-992, 2009.), Burriel et al. (2010BURRIEL, P.; CASTRO, F.; GARROTE, D.; GORDO, E.; PAREDES, J.; PEREZ, J. Fiscal policy shocks in the euro area and the US an empirical assessment. Fiscal Studies, v. 31, n. 2, p. 251-285, 2010.), Izquierdo et al. (2019IZQUIERDO, A.; LAMA, R.; MEDINA, J.; PUIG, J.; RIERA-CRICHTON, D.; VEGH, C.; VULETIN, G. Is the public investment multiplier higher in developing countries? An empirical investigation. National Bureau of Economic Research Working Paper Series, n. 26.478, 2019.), entre outros.
  • 14
    Por exemplo, para o caso da despesa primária total foi escolhido um período de 15 meses após o choque inicial. A justificativa apoia-se em Garcia et al. (2013GARCIA, J.; LEMUS, A.; MRKAIC, M. Fiscal Multipliers in the ECCU. IMF Working Paper, n. 13/117, 2013.): “The long-run multiplier is defined as the cumulative multiplier when J->∞, but in practice is used the number of periods needed for the multiplier to stabilize at its long-run value.” (Garcia et al., 2013, p.11).
  • 15
    Apresentamos as funções impulso-resposta acumuladas de forma a visualizar as respostas em nível (tendo em vista que o exercício é realizado em termos de primeira-diferença, isto é, para a taxa de crescimento das variáveis), as quais utilizamos para obter a elasticidade de uma variável em relação à outra e, assim, os multiplicadores. O multiplicador cumulativo é obtido a partir da função impulso-resposta acumulada, como destacam Spilimbergo et al. (2009SPILIMBERGO, A.; SYMANSKI, S.; SCHINDLER, M. Fiscal multipliers. Technical report. IMF Staff Position Note, 2009.) e Restrepo (2020RESTREPO, J. How big are fiscal multipliers in Latin America? IMF Working Paper, n.17, 2020.).
  • 16
    Os exercícios para o investimento público e para os benefícios sociais foram realizados com a inclusão de algumas dummies: por exemplo, para capturar os efeitos da crise de 2008-2009; e controles para outliers. Embora isso não tenha alterado muito os multiplicadores, a significância foi melhorada.
  • 17
    Estimamos também uma versão do mesmo modelo com dados trimestrais em que utilizamos a série de PIB trimestral do IBGE e dados fiscais trimestralizados. Embora em alguns casos a magnitude dos multiplicadores tenha mudado, o comportamento da função impulso-resposta foi semelhante: despesas com pessoal, subsídios, demais despesas e receitas mantiveram efeito não significante sobre o PIB, e investimento público e benefícios sociais mostraram efeito positivo e estatisticamente significante a 95% para os oito trimestres estimados. Ressalta-se também que as diferenças entre as amostras pré-crise e completa se mantiveram no caso dos benefícios sociais, e em menor grau para o investimento público.
  • 18
    Para isso, são utilizados os multiplicadores acumulados para o período de 12 meses, de forma a estimar os efeitos multiplicadores ano a ano no exercício conduzido, que são similares aos estimados para 15 ou para 25 meses porque chegam a um valor de estado estacionário, conforme o efeito do choque inicial se dissipa.
  • 19
    A análise desta seção vai até 2017, pois dispõem-se de dados até junho de 2018, o que dificulta a estimação do corte/aumento anual no ano de 2018. Ressalta-se, porém, que a estimação do multiplicador levou em conta esse período de 2018 (até junho).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2021
  • Aceito
    01 Dez 2021
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